Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
432/13.4GAVNO-B.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
NÃO TRANSCRIÇÃO DE CONDENAÇÃO
LIMITE TEMPORAL
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O art. 13 da Lei 37/2015 não estabelece qualquer limite temporal para a apresentação do requerimento de não transcrição de condenação, o qual pode ser apresentado antes do transito em julgado da sentença ou posteriormente.
Com efeito, como resulta expressamente da lei, se a decisão de não transcrição pode ser tomada em “despacho posterior” à sentença, afigura-se como evidente que pode ser a todo o tempo.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo Local Criminal de Tribunal Judicial da Comarca de … correu termos o processo sumário n.º 432/13.4GAVNO, tendo nos mesmos sido proferido despacho judicial onde se decidiu (transcrição):

“Em conformidade, e por todo o exposto, indefere-se o pedido do arguido AA para que não se efectue a transcrição da condenação do mesmo realizada nos presentes autos no certificado de registo criminal para os efeitos previstos no artigo 13.º da Lei da Identificação Criminal.”

Inconformado, AA interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“a. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito presente no douto despacho de indeferimento do Requerimento de não transcrição da condenação para fins e efeitos profissionais, proferido pelo Tribunal a quo, que considerou que não estava verificado o limite temporal (tempestividade) e um requisito material (gravidade dos factos);

b. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, não pode o arguido, ora Recorrente, concordar com o conteúdo jurídico da douta decisão judicial em escrutínio, por entender que a mesma [de indeferimento do Requerimento de não transcrição da condenação para fins e efeitos profissionais] carece de fundamento legal;

c. A previsão da norma jurídica presente no artigo 13.º da Lei 37/2015 não comporta nem tampouco admite a interpretação realizada pelo Tribunal a quo de trazer à colação no processo interpretativo o limite temporal (tempestividade) e um requisito material (gravidade dos factos), razão pela qual este cometeu um manifesto erro de julgamento/apreciação;

d. A referida norma jurídica [artigo 13.º da Lei 37/2015], no que toca ao requisito material, depende única e exclusivamente da verificação da inexistência de condenação anterior por crime da mesma natureza e que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

e. Em súmula, não restam dúvidas que o despacho proferido pelo Tribunal a quo carece de fundamento legal, por se basear e assentar em premissas que não têm abrigo na letra da lei e no conteúdo da norma jurídica presente no artigo 13.º da Lei 37/2015, razão pela qual não poderá subsistir no ordenamento jurídico;

f. A ausência de decisão pelo Tribunal a quo de ordenar a junção aos presentes autos do CRC do Recorrente, como lhe era imposto e conforme promovido pelo MP, de modo a determinar, escrutinar e verificar o preenchimento dos requisitos materiais para concessão do pedido de Não Transcrição de Condenação para fins e efeitos profissionais de consubstancia a omissão de um ato obrigatório, pelo que se verifica uma nulidade, nos termos do disposto no art.º 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP;

g. Nulidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

h. Pelo exposto, o Tribunal a quo violou a norma jurídica presente no artigo 13.º da Lei 37/2015.”

Peticionando, em síntese:

“Nestes termos (…), deverá ser dado provimento ao presente recurso e revogar-se o despacho que indeferiu o requerimento de Não Transcrição de Condenação para fins e efeitos profissionais, substituindo-o por outro que determine e dê provimento à pretensão jurídica do Recorrente.

Deverá ainda ser conhecida a invocada nulidade por insuficiência de inquérito e de instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios e, consequente, omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP.”

O recurso foi admitido.

Em resposta, o MP concluiu que (transcrição):

“1 - Nos presentes autos foi proferido despacho que rejeitou o requerimento de não transcrição de condenação, por considerar tal requerimento extemporâneo e por, dada a gravidade dos factos, não se verificarem os pressupostos do art. 13 da Lei 37/2015.

2 - O arguido/recorrente discorda do referido despacho, por um lado, entende que o requerimento de não transcrição que apresentou não é extemporâneo e, por outro lado, entende que a gravidade dos factos não é requisito de decisão do pedido de não transcrição de condenação.

3 - Entendemos que assiste razão ao arguido/recorrente.

4 - Com efeito, o art. 13 da Lei 37/2015 não estabelece qualquer limite temporal para a apresentação do requerimento de não transcrição de condenação, o qual pode ser apresentado antes do transito em julgado da sentença ou posteriormente.

5 - O art. 13 da Lei 37/2015 permite a não transcrição de condenações de crimes de diminuta gravidade, isto é, aplica-se a condenações em pena não privativa da liberdade ou a penas de prisão até 1 ano.

6 - Portanto, a ponderação da gravidade do crime não é um dos requisitos do art. 13 da Lei 37/2015, uma vez que formalmente apenas se aplica a condenações em pena não privativa da liberdade ou a penas de prisão até 1 ano, ou seja, a diminuta gravidade.

7 - Deste modo, assiste razão ao recorrente.

8 - Em consequência, deverá o recurso apresentado pelo recorrente ser julgado procedente.”

Pugnando por:

“Por todo o exposto, deve ser dado provimento ao recurso apresentado pelo arguido/recorrente, e consequentemente, alterar-se a decisão recorrida (…).”

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação exarou parecer, no sentido de que se deverá “revogar a decisão recorrida” e “determinar a não transcrição no registo criminal da condenação sofrida / operada nos presentes autos tudo ao abrigo do disposto no artº 13 nº 1 da Lei 37/2015 de 05.05.”

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal1, sem resposta.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“Já decorreu há muito o prazo que o arguido AA tinha para vir solicitar que não se procedesse à transcrição da decisão condenatória proferida nos autos para os efeito previstos no artigo 13. 0 da Lei da Identificação Criminal. Na verdade, esse pedido é apenas admissível até à realização dessa transcrição no registo criminal. Quando a transcrição já está feita não é possível alterar os boletins do registo criminal de forma a que passasse a constar nos mesmos que não deva ser efectuada a transcrição para os efeitos previstos naquele artigo 13º.

Ora, verifica-se que tal transcrição já foi efectuada há muito. Consequentemente, o pedido de alteração do boletim de registo criminal no sentido que tal transcrição não seja efectuada nos termos daquele artigo 13º é manifestamente extemporânea.

Além disso, na nossa opinião, apenas será possível aplicar aquele artigo 13º quando os factos em causa no processo e que se subsumem no ilícito criminal. Ora, tendo em conta a gravidade dos factos em causa nos autos, consideramos que não estão reunidos os requisitos para que se determine que não se proceda à transcrição da decisão condenatória proferida nos autos para os efeitos do mencionado artigo 13º.

(…)

Notifique.

Após, volte a arquivar os autos.”

Mais se mostra assente que:

Nos autos em causa foi proferida sentença em 31/07/2013 (em ata) com o seguinte dispositivo:

“Julgo procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência:

a) Condeno os arguidos AA, BB e CC, pela prática, em 30 de Julho de 2013, na localidade do … , …, …, em co-autoria, de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 22º, 23º, 73º, n.º 1, alíneas a) e b), 203º, n.º 1, e 204º , nº 2, al. f) do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, conforme o disposto no artigo 50.º, n.os 1 e 5, do Código Penal;

b) Condeno os arguidos, pela prática, em co-autoria e em concurso efetivo com o mencionado crime de furto qualificado, de um crime de detenção de arma proibida , p. p. pelo artº 86º, nº 1, al. d) com referência ainda ao disposto no artº 2º, nº1, al.m e 3º, nº2, al. f) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, sendo:

- o arguido AA, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de 6,00€ (seis euros) o que perfaz a quantia de 1800,00€ (mil e oitocentos euros)

(…).”

Mais consta de tal sentença (após audição da sua prolação) que:

“Os arguidos não têm antecedentes criminais” (CRC’s de fls. 47 a 49)

O furto qualificado tentado pelo qual o então arguido (juntamente com os demais) foi condenado teve como objeto botijas de gás e o crime de detenção de arma proibida teve como objeto uma faca com 15 cm de lâmina transportada na viatura onde aqueles se deslocavam.

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objeto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A (única2) questão a decidir no presente recurso é se deve ou não ser transcrita a condenação no registo criminal.

B. Decidindo.

Segundo o recorrente, a decisão impugnada viola o art.º 13.º da Lei n.º 37/2015, de 05.05.

Vejamos o teor de tal disposição:

1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º.

Desde logo, como, com toda a razão, diz o Digno PGA neste TRE3, não se vislumbra que o legislador tenha, em algum ponto do diploma legal referido nos autos (leia-se, lei de identificação criminal), estabelecido a propósito do art.º 13.º qualquer limite temporal para formulação do pedido / requerimento. Aliás, como resulta expressamente da lei, se a decisão de não transcrição pode ser tomada em “despacho posterior” à sentença, afigura-se-nos como evidente que pode ser a todo o tempo. Assim, sem necessidade de mais considerandos, temos por insubsistente este argumento constante da decisão recorrida.

Por outro lado, estão previstos na lei 3 requisitos para que se possa decidir pela não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º, dois formais e um substancial.

Assim:

(i) Importa que a condenação tenha sido em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade;

(ii) Importa que o(a) arguido(a) / condenado(a) não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza;

(iii) Importa que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

Constata-se que o ora recorrente, nos presentes autos, foi condenado numa pena de prisão com execução suspensa e numa pena de multa, mostrando-se, consequentemente, preenchido o primeiro dos mencionados requisitos (formais).

O ora recorrente não tinha antecedentes criminais, pelo que se tem por verificado também o segundo requisito.

Importa ainda avaliar da integração do 3.º requisito, ou seja, se, das circunstâncias que acompanharam o crime praticado nos presentes autos se poderá induzir perigo de prática de novos crimes.

Como também nos é dito pelo Digno PGA, o juízo de prognose acerca do comportamento futuro do (arguido/condenado) relativamente ao aludido requisito material não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada, como espécie do mesmo género que se exige para a suspensão da execução da pena de prisão, sendo neste contexto ilegítimas quaisquer considerações acerca da gravidade do crime praticado ou à culpa do agente, assumindo particular relevância que a sentença condenatória tenha optado pela suspensão da execução da pena de prisão, o que constitui uma “aposta” no arguido e na sua (plena) reinserção na sociedade e o afastamento da senda do crime, pelo que das circunstâncias que acompanharam o crime não se pode induzir perigo de prática de novos crimes.

Subscrevemos na íntegra tal entendimento, pois, quer das circunstâncias dos crimes (furto tentado de botijas de gás e porte de uma faca), quer do teor da condenação em pena de execução suspensa, nada obstando à satisfação do pedido de não transcrição e até podendo o deferimento da mesma contribuir para a efetiva reinserção social do condenado.

Consequentemente, não pode subsistir a decisão recorrida neste segmento decisório que, assim, se revogará, procedendo o recurso.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão que indeferiu o pedido de não transcrição da sentença condenatória no registo criminal para efeitos do exercício de atividade profissional, deferindo-se, consequentemente, tal pretensão.

Sem custas.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 10/07/2025,

Edgar Valente (relator)

Moreira das Neves (1.º adjunto)

Mafalda Sequinho dos Santos (2.ª adjunta)

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1 Diploma a que pertencerão todas as indicações normativas ulteriores que não tenham indicação diversa.

2 Aquilo que o recorrente identifica como questão (“nulidade, nos termos do disposto no art.º 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP” por não ter sido solicitado CRC, como requerido pelo MP), efetivamente não o é, já que, na lógica da própria decisão (ou seja de acordo com a decisão de indeferir o pedido de não transcrição da decisão para efeitos de registo criminal), nenhuma omissão é cometida. Por outras palavras, apenas de um entendimento oposto ao da decisão recorrida poderia resultar uma eventual nulidade, o que não sucede. Está, então, dependente do sentido da decisão a proferir a necessidade (ou não) de requisição daquele CRC, mas tal não é questão a resolver, mas, tão-só, a delimitação da extensão dos efeitos de uma decisão revogatória pelo TR.

3 Citando, a propósito, o Acórdão do TRL de 06/02/2019, proferido no processo n.º 6765/13.2TDLSB-A.L1-3: “1. A não transcrição da condenação no registo criminal pode ser determinada na própria sentença ou em despacho posterior, sendo certo que o legislador (artº 13º da Lei 37/2015) não impôs limite temporal no tocante ao despacho posterior, pelo que, é indiferente que seja antes ou depois do trânsito em julgado.”