Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO LUÍS NUNES | ||
Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE HORÁRIO FLEXÍVEL | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – Não se verifica nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – quanto a (alegada) inconstitucionalidade decorrente da interpretação adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça que considera que o regime de flexibilidade de horário não afasta a possibilidade de nele se incluir o descanso semanal – se a recorrente ao longo do processo se limita a manifestar discordância quanto a essa interpretação, mas nada refere, de concreto e objetivo, que se no caso concreto o tribunal a quo seguir essa interpretação a mesma é inconstitucional. II – Visando o horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares a conciliação entre a atividade profissional e a atividade familiar, se a trabalhadora exerce, ou pode exercer, a atividade também aos fins de semana, na fixação das horas de início e termo do período normal de trabalho, a que alude o n.º 2 do artigo 56.º do Código do Trabalho, não poderá deixar de se atender também aos fins de semana. III – Por isso, pode a trabalhadora, no pedido que formula de horário flexível, indicar quais os dias descanso que pretende, incluindo o sábado e o domingo. IV – As exigências imperiosas de funcionamento da empresa, a que alude o n.º 2 do artigo 57.º do Código do Trabalho, que podem determinar a recusa de horário flexível de trabalhadora com responsabilidades familiares são apenas aquelas situações excecionais, extraordinárias, inexigíveis ao empregador para manter o regular funcionamento da empresa, que consubstanciam que o prejuízo que adviria para o empregadora com a fixação do horário flexível seria claramente superior ao imposto à trabalhadora caso o horário não seja fixado. V – Em conformidade com a proposição anterior, inexistem exigências imperiosas que justifiquem a recusa pela empregadora do pedido de horário flexível se, no essencial, aquela invoca que esta é uma das 3 trabalhadoras da loja com funções de chefia, que dada a dimensão da loja (com 6 trabalhadores) seria difícil organizar o trabalho por turnos e que poderia ter de recorrer à contratação de outro trabalhador para exercer funções de chefia. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 7416/23.2T8STB.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]: I. Relatório Dia Portugal – Supermercados S.A., intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, contra AA, pedindo que seja declarada lícita a recusa do pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário, apresentado por esta. Alegou para o efeito, muito em síntese: - a ré é sua trabalhadora, desempenhando funções numa loja em Local 1, como 2.ª chefia, competindo-lhe, na ausência de 1.ª chefia, assumir as responsabilidades de chefia da loja, quer na abertura quer no seu fecho; - em 23-08-2023, recebeu da ré um pedido de atribuição de regime de horário de trabalho flexível, o que não foi aceite por si (autora), por não respeitar os requisitos legais quanto à forma e por as exigências imperiosas de funcionamento da empresa (a loja tem apenas 6 trabalhadores) não o permitirem. Concluiu verificaram-se os pressupostos de recusa do pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário, apresentado pela ré. A ré constituiu mandatário, mas não apresentou contestação. No prosseguimento dos autos, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e, em consequência, não declarou lícito o pedido da autora de recusa do pedido de trabalho em regime de flexibilidade de horário, apresentado pela ré. Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões: «A. A Recorrente não se conforma com a Douta Sentença a quo que julgou improcedente a presente Acção de Processo Comum; B. Esta decisão é ilegal por incorrecta aplicação do disposto nos artigos 56.º, n.º 1 e 2, 57.º, n.º 8 e 200.º, n.º 1 do Código do Trabalho; C. A Douta Sentença a quo errou na interpretação que fez do disposto no artigo 56.º, n.º 1 e 2 e 200.º, n.º 1 do CT; D. Errou porque entendeu, sem ter qualquer suporte interpretativo para o fazer, que por o regime previsto no artigo 200.º do CT abarcar também os dias de descanso, que tal se deveria transpor, por osmose, para o regime previsto no artigo 56.º, n.º 1 e 2 do CT; E. Por outras palavras, porque ambos os regimes contêm na sua epígrafe o termo “horário”, o Digníssimo Tribunal a quo decidiu fazer tábua rasa da totalidade da letra da norma e das mais elementares regras de interpretação jurídica (com especial enfoque no artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil); F. E assim concluir que onde está escrito na definição legal de “horário flexível: “(…) aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário”, se deve ler que poderá também escolher os dias de descanso semanal; G. Salvo o devido respeito, a posição recentemente adoptada pelo STJ – “não exclui a inclusão do descanso semanal no regime de flexibilidade de horário” – constitui uma violação do princípio da legalidade – pois que a interpretação em causa mais não é que a criação de lei por parte dos tribunais – e do princípio da protecção de confiança, sendo inconstitucional; H. A Recorrente levantou a questão da inconstitucionalidade da interpretação em que assenta a possibilidade de o trabalhador, ao abrigo do horário flexível, escolher os dias de descanso semanal, junto do Douto Tribunal a quo, que foi omisso na sua sentença, pelo que a referida sentença é nula por omissão de pronúncia - nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável ex.vi. artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT; I. A decisão do Douto Tribunal a quo é ainda incompreensível quando entende que as exigências imperiosas invocadas pela Recorrente não são bastantes para fundamentar a sua recusa; J. As exigências imperiosas tratam-se de situações excecionais, extraordinárias, inexigíveis ao empregador para conseguir manter o regular funcionamento da empresa ou estabelecimento; K. Concretizando o conceito: são aquelas que não podem deixar de ser colmatadas sob pena de o prejuízo causado ao empregador ultrapassar claramente aquele que é imposto ao trabalhador; L. Ora, estes critérios estão preenchidos tendo em conta que a Recorrida é uma das três trabalhadoras da loja com funções de chefia – e logo a 1.ª chefia e com salário e responsabilidades mais elevadas –, a quem incumbem tarefas essências, de confiança, não delegáveis em inferiores hierárquicos (sem formação e remuneração para tal), como sendo a abertura e fecho de loja; M. A loja em causa tem o horário de funcionamento diário, de segunda a sábado, das 7:30 horas às 20:30 mantendo-se aberta ao público das 09:00 às 20:00 horas; N. A Recorrida solicita um horário das 07:00H às 16:00H ou das 09:00H- 18:00H, com folgas fixas ao sábado e domingo; O. Por outras palavras, a Recorrida escolhe um de dois horários, não dando qualquer margem à Entidade Patronal, pelo que na verdade o seu pedido nem verdadeiramente é um pedido de horário flexível, como bem é dito no Douto Ac. da Relação de Guimarães, datado de 01/02/2024, proc. n.º 2133/21.0T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt; P. Qualquer constrangimento habitual e diário de recursos humanos – descansos obrigatórios e complementares, baixas, férias, faltas inesperadas –, com esta atribuição de horário, abrem flanco a que a própria loja não tenha condições de laborar, em virtude da necessidade de trabalhador com a mesma categoria da Recorrida, para exercer funções destinadas às chefias; Q. Acresce que a Recorrente não pode conceder à Recorrida um horário das 07h00 às 16h00 ou das 09h00 às 18h00 pois essa escala de horário não existe; R. E, salvo melhor opinião, não se pode exigir a uma entidade patronal que crie horários à medida dos seus trabalhadores, colocando em causa a operação e o negócio; S. Nestes termos e nos melhores de Direito que V.Exas., Doutamente suprirão, requer-se mui respeitosamente que a Douta Sentença a quo seja integramente te revogada, declarando-se procedente por provada a acção intentada pela Recorrente». Não tendo sido apresentadas contra-alegações, foi seguidamente o recurso admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo. Neste tribunal, a exma. procuradora-geral adjunta emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso, a que apenas respondeu a recorrida, a manifestar a sua concordância. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II. Objeto do recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi dos artigos 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detetam. Assim, tendo em conta as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela recorrente, e observando a precedência lógica das mesmas, são as seguintes as questões a decidir: 1. da (arguida) nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho; 2. saber se os fundamentos invocados pela aqui recorrente constituem “exigências imperiosas” para justificar a recusa a horário flexível da trabalhadora/recorrida; III. Factos Na decisão recorrida alguns dos números da matéria de facto provada limitam-se a remeter para documentos, o que se afigura não corresponder à melhor técnica jurídica. Todavia, considerando que não está em causa no recurso o que consta dos documentos, mas sim apurar da licitude da empregadora em recusar o pedido com fundamento em «(…) exigências imperiosas de funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável», afigura-se desnecessário proceder à transcrição dos documentos. Não obstante, para uma mais fácil compreensão da matéria de facto, entendeu-se complementar os factos provados sob os n.ºs 14 e 15, e acrescentar um facto sob o n.º 15-A. Assim, a 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: 1. A Autora é uma sociedade comercial cujo objeto abrange todas as operações inerentes à exploração de supermercados e outros estabelecimentos comerciais, incluindo restauração e bebidas, take-away e medicamentos não sujeitos a receita médica, a produção, distribuição e comércio de produtos alimentares, não alimentares e de consumo e ainda atividades de importação e exportação. 2. Possui atualmente apenas a insígnia Minipreço afeta aos seus supermercados. 3. Dedica-se à venda a retalho maioritariamente de produtos de primeira necessidade como alimentos, produtos de higiene, limpeza, entre outros. 4. Com exceção de algumas lojas apelidadas de “Family”, os estabelecimentos são caracterizados por terem uma área comercial reduzida e situada em zonas urbanizadas de acesso pedonal fácil pelos consumidores. 5. Deste modo, a empresa realiza o seu objeto através da exploração de lojas, possuindo atualmente 224 lojas na zona norte (que inclui a região do grande Porto), 256 lojas na zona centro (que inclui a região da grande Lisboa) e 28 lojas no Sul (concentradas na sua maioria no Algarve e Alentejo). 6. Em termos de organização interna, a Autora adota o esquema das três chefias (as quais recebem um vencimento superior em relação aos demais operadores de loja e de acordo com o nível de responsabilidade), sendo que na gíria se apelida o Encarregado de loja de 1.ª chefia, o Sub-Encarregado de 2.ª chefia e é atribuída a responsabilidade de 3.ª chefia a um operador de loja, podendo este ser encarregado, principal ou especializado. 7. As funções de 3.ª chefia não poderão ser equiparadas às funções de 1.ª ou 2.ª chefia, pois este último grau de hierarquia apenas intervém a título subsidiário e com poderes reduzidos. 8. Além das funções de gestão operacional da loja, atribuir funções aos operadores de loja, decidir abrir uma caixa para escoar filas, resolver conflitos laborais, entre outras, cabe em exclusivo à 1.ª e 2.ª chefia (e subsidiariamente também à 3.ª chefia quando a 1.ª e 2.ª chefia não estão presentes) designadamente as seguintes funções: • Abertura da Porta da Loja A abertura da porta da loja é uma das tarefas de maior responsabilidade entregues a um funcionário da DIA Portugal. A pessoa responsável pela abertura da loja fica na sua posse com a chave da loja, que lhe permite abrir a porta quando quiser e tem como missão, além de abrir a porta e permitir a entrada dos restantes funcionários e posteriormente os clientes, certificar-se que a fechadura não foi violada ou forçada, não existe nenhum vidro partido ou porta arrombada e caso detete alguma anomalia na fechadura ou na porta, sabe e está incumbido de reportar a mesma às autoridades competentes e à hierarquia da empresa. • Fecho de Loja A pessoa incumbida pelo fecho da loja fica com a posse da chave da porta, ficando assim responsável pela segurança da chave e pelo correto e efetivo fecho da porta. É responsável pela contagem, recolha e guarda do dinheiro em numerário, possuindo os códigos do cofre para a segurança do dinheiro em numerário e do alarme para a segurança geral da loja. 9. A Autora e a Ré celebraram em 01.02.2021 um contrato que apodaram de contrato de trabalho, pelo qual esta se obrigou a prestar trabalho àquela sob as suas ordens e direção, contra o pagamento de uma retribuição mensal, conforme doc. 1 que se dá por integralmente reproduzido. 10. No início do contrato, a Ré foi contratada para exercer as funções de Operadora ajudante de 1.º ano, tendo vindo a ser promovida dentro da organização da Autora até em 01.05.2022 ter atingido a categoria profissional de Operador Principal. 11. A Ré exerce atualmente funções na loja 9718 da DIA, sita na Av. ..., Código Postal ... Local 1, correspondendo a sua posição hierárquica em loja a uma 2.ª chefia. 12. A 2.ª chefia é o trabalhador que na ausência da 1.ª chefia assume as responsabilidades de chefia da loja, quer na abertura quer no seu fecho, o que acontece fruto do período de funcionamento da loja todas as semanas, com especial incidência nos períodos de férias e de baixas/doenças. 13. No dia 23.08.2023, a Ré remeteu à Autora por correio eletrónico uma carta datada de 16.08.2023 cfr. doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 14. Com essa missiva, a ré juntou os anexos, cfr. documentos 2-A3 que se dão por integralmente reproduzidos [aí consta que a ré solicita que lhe «seja atribuído regime de horário flexível para prestar assistência inadiável e imprescindível ao meu filho, nascido em 17 de março de 2023 e dessa forma , menor de 12 (doze) anos (…)]». 15. Em 28.08.2023, a Ré remeteu à Autora o email cfr. doc.3 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pelo qual, para além de reencaminhar a documentação já junta (doc.2-A3), apresentou o pedido de horário flexível, das 07:00H às 16:00H ou das 09:00H- 18:00H, com folgas fixas ao sábado e domingo [sendo o intervalo de descanso das 12.00h às 13.00h, no horário das 07.00h às 16.00h, e das 13.00h às 14.00h, no horário das 09.00h às 18.00h]. 15-A (acrescentado, conforme justificação supra) De acordo com a referida comunicação da trabalhadora, «Os dias de descanso semanal deverão ser Sábado e Domingo. O pai do menor desenvolve a sua atividade profissional por turnos, conforme declaração da entidade empregadora que se junta, o que não permite que o menor fique à sua responsabilidade durante os períodos de trabalho realizados ao sábado e ao Domingo. Adicionalmente, no infantário “Entidade 1" - Caritas Paroquial de Local 1, onde o menor se encontra inscrito, o período de funcionamento é de Segunda-feira a Sexta-feira, conforme regulamento interno que se junta. Mais declaro que resido em comunhão de mesa e habitação com o menor BB, nascido a 17 de março de 2023, conforme declaração e certidão de nascimento do menor que se junta». 16. A Autora respondeu à Ré, por email de 08.09.2023, cfr. doc.4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo junto a este o manual do operador (cfr. doc.4-A). 17. Em 13.09.2023 a Ré apresentou resposta à Autora, via email, cfr. doc. 5 que se dá por integralmente reproduzido. 18. A Autora enviou um email à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) em 15.09.2023, cfr. doc. 6 cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 19. Por email datado de 12.10.2023, a CITE emitiu parecer desfavorável à intenção de recusa da Autora relativamente ao pedido de trabalho em regime de horário flexível, apresentado pela Ré, cfr. doc. 7 cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 20. Após receber o parecer desfavorável por parte da CITE, em 12.10.2023, a Autora enviou à Ré um email, dando-lhe conhecimento do mesmo, cfr. doc. 8 cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 21. A Ré não indicou no seu pedido o prazo pelo qual pretendia a aplicação do regime de horário flexível. 22. A loja onde a Ré presta trabalho tem o seguinte quadro de pessoal: 1. CC 2. AA 3. DD 4. EE 5. FF 6. GG. 23. A Ré possui a categoria profissional de Operadora Principal, Sub-Responsável da referida loja e com o grau hierárquico na loja de 2.ª chefia. 24. A loja tem o horário de funcionamento diário, de segunda a sábado, das 7:30 horas às 20:30, mantendo-se aberta ao público das 09:00 às 20:00 horas. 25. Como é do conhecimento da Ré e consta do manual de operações, as chefias (1.ª, 2.ª e 3.ª) de uma loja são trabalhadores que têm responsabilidades acrescidas sobre os demais trabalhadores e para com a empresa, a saber: A) Abertura da Porta da Loja A abertura da porta da loja é uma das tarefas de maior responsabilidade entregues a um trabalhador da DIA Portugal. A pessoa responsável pela abertura da loja fica na sua posse com a chave da loja, que lhe permite abrir a porta quando quiser. O trabalhador que estiver responsável por abrir a loja, tem como missão, além de a abrir a porta e permitir a entrada dos restantes trabalhadores e posteriormente os clientes, certificar-se que: a fechadura não foi violada ou forçada; não existe nenhum vidro partido ou porta arrombada e caso detete alguma anomalia na fechadura ou na porta, é quem sabe e está incumbido de reportar a mesma às autoridades competentes e à hierarquia da empresa. B) Abertura do Multibanco Além da abertura da porta, as chefias são ainda responsáveis pela abertura do multibanco, ficando a seu cargo a utilização dos seguintes meios: T.P.V (Terminal Ponto de Venda – “caixas”), Chave 3, Pin Pad e o próprio cartão multibanco. Usualmente, a abertura do multibanco é feito de forma automática. Porém por vezes ocorrem erros e é necessário que a mesma seja feita em Modo Manual, algo que está incumbido às chefias. C) Início do Dia Ainda dentro da abertura em sentido lato da loja, as chefias estão incumbidas de preparar o “início do dia”, utilizando para o efeito as T.P.V’s, a Chave 3 e a Esferográfica. Ou seja, dentro dos 7 trabalhadores presentes, a 3.ª pessoa com mais alto nível hierárquico e responsabilidade, apenas superada pela 1.ª e 2ª chefia. O responsável fica incumbido pela abertura da loja com a chave e desarme do alarme, possuindo o código para o efeito. D) Ligação das TPV’s As chefias são também responsáveis pela ligação das TPV’s, devendo confirmar que as impressoras de cupões estão ligadas. De seguida deve verificar qual a mensagem que se encontra no visor caixa MASTER e atuar consoante a resposta seja “POWER DOWN” ou “ESPERANDO CHAMADA”. E) Pedidos de Loja APT2 Igualmente da responsabilidade das chefias, estão os pedidos de loja APT2, ou seja, os pedidos de mercadoria que são feitos pelas chefias de loja e o dos frescos, que é feito sempre na abertura da loja exceto na sexta-feira que é feito um na abertura da loja e outro à tarde. A pessoa responsável fica incumbida por efetuar a encomenda da opção 1 da tecla de pedidos na “Master”. Tem de verificar as datas do serviço dadas pela TPV e confirmar se estão de acordo com o plano de pedidos da loja, sendo que a própria TPV emite uma sugestão de pedido. Depois terá de analisar a tira de sugestão do APT2 e o nível de stock físico de cada família. Tem de atuar em conformidade sempre que houver diferença entre o stock físico e o stock da TPV, fazendo contagem manual em caso de rutura física. Após a contagem, selecionar a opção 1 da tecla pedidos para permitir a modificação e recálculo do APT2. O pedido de loja APT2 pode ser efetuado em qualquer hora do dia. F) Receção em Loja Ainda da incumbência das chefias, está a receção da mercadoria, devendo a chefia responsável presente na altura verificar a guia de remessa, o estado das mercadorias e a sua correspondência com o pedido efetuado. A receção de mercadoria pode ser efetuada em qualquer hora do dia. G) Ativação do alarme Por fim, com o encerramento da loja, é necessário ativar o alarme, sendo que apenas as chefias possuem acesso ao código secreto. H) Fecho de loja A pessoa incumbida pelo fecho da loja fica com a posse da chave da porta, ficando assim responsável pela segurança da chave e pelo correto e efetivo fecho da porta. Além disso, são ainda responsáveis pela contagem, recolha e guarda do dinheiro em numerário, possuindo os códigos do cofre para a segurança do dinheiro em numerário e do alarme para a segurança geral da loja. 26. A loja em questão tem apenas três chefias, todas possuindo um período normal de trabalho de 40 horas, trabalhando oito horas por dia, cinco dias por semana. 27. As três chefias têm assim direito a dois dias de descanso semanal (rotativo) e ainda gozam vinte e dois dias úteis de férias por ano. 28. Além disso, as três chefias estão sujeitas a contingências várias como questões de saúde, familiares, entre outras, que podem fazer com que alguma tenha por vezes de faltar ao trabalho. 29. A atribuição á ré de um horário fixo de abertura ou de fecho implicaria fixar a uma das outras chefias também um horário. 30. E sempre que uma das outras duas chefias faltasse (justificada ou injustificadamente) ao trabalho, estivesse de baixa ou de férias, ou a abertura ou o fecho da loja teriam de ser assegurados por um operador sem responsabilidades, confiança e salário de chefia 2. 31. Os outros operadores não só não têm formação para o fazer, como não recebem vencimento de acordo com essa responsabilidade nem a DIA pretende que tal aconteça, pois, a confiança que tem nas suas chefias não é igual à que tem nos restantes operadores de loja. 32. A abertura ou o fecho da loja têm de ser assegurados por um operador com responsabilidades, confiança e salário de chefia. 33. O horário pedido pela Ré, das 07h00 às 16h00 ou 09H00 às 18h00 nunca lhe permitia assegurar o fecho da loja, bem como as operações inerentes ao seu funcionamento e que antecedem ou se seguem ao fecho. 34. Atento o horário de funcionamento de 2ª a Sábado, em regime de turnos, a Ré: - No horário das 07h00 às 16h00 nunca asseguraria o fecho da loja; - No horário das 09h00 às 18h00 nunca asseguraria nem a abertura, o fecho da loja. 35. A loja necessita, no mínimo, para o seu funcionamento, de dois colaboradores à abertura e de dois colaboradores ao fecho, porque apenas dessa forma não se coloca em risco o controlo da área de venda da loja e de todas as restantes tarefas, como reposição, atendimento ao cliente, vigilância de bens, padaria, entre outras. 36. Da simulação do funcionamento da loja numa semana, com o horário flexível solicitado resulta o quadro do artigo 55.º da PI que se dá por integralmente reproduzido. 37. Existem tarefas que são exclusivamente pertencentes às chefias durante um dia de trabalho, e mais concretamente às duas primeiras chefias, designadamente ao fecho de loja: • Fecho contabilístico das caixas • Contagens de produtos, tarefa efetuada todos os dias antes da loja fechar; • Na secção do ponto quente, na última fornada é a chefia que decide se se produz mais pão ou não, por causa da quebra; • Responsabilidade pelas devoluções; • Controlo das saídas dos colegas; • Fecho financeiro fim de dia • Preenchimento de HACCP; • Somente a chefia pode ter as chaves da loja, códigos e as chaves do cofre; • Tendo só uma chefia no período indicado, é responsável também pelas reclamações de clientes. 38. A organização dos tempos de trabalho poderá ter de implicar aumentar o quadro de pessoal, contratando mais trabalhadores. 39. A atribuição do horário pretendido pela ré iria condicionar os horários dos restantes colegas. 40. A loja onde a Ré desempenha as suas funções dispõe de várias plataformas horárias, organizadas conforme quadro sob o artigo 63.º da PI que se dá por integralmente reproduzido. 41. O horário solicitado não existe na loja onde a Ré desempenha funções e implicaria alterar todos os restantes horários e a organização do funcionamento da loja. IV. Fundamentação 1. Da (arguida) nulidade da sentença Alegou a recorrente a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho. E isto porque, argumenta, «(…) levantou a questão da inconstitucionalidade da interpretação em que assenta a possibilidade de o trabalhador, ao abrigo do horário flexível, escolher os dias de descanso semanal, junto do Douto Tribunal a quo, que foi omisso na sua sentença (…)» [Conclusão H)]. Vejamos. É incontroverso que nos termos dos normativos legais referidos, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Lendo e relendo a petição inicial, verifica-se, a este propósito, que a autora nos artigos 86.º e 87.º alegou o seguinte: «86.º Entende a Autora que não cabe no regime do trabalho prestado em regime de flexibilidade a dispensa de trabalho aos fins-de-semana ou em qualquer dia, mas apenas os limites do período normal de trabalho diário. 87.º A posição assumida pelo STJ a propósito do tema, salvo o devido respeito, é violadora dos dispositivos constitucionais». E mais adiante acrescentou: «93.º Seguindo este raciocínio, o STJ, salvo o devido respeito, viola precisamente aquilo que é o princípio mais estruturante do Estado de Direito: o princípio da legalidade. (…) 100.º Face a todo o exposto, o entendimento do STJ é violador da legalidade constitucional, e salvo o devido respeito, não pode prevalecer. (…) 105.º O STJ deve ser garante de que as expectativas dos cidadãos, ainda que sejam violadas, são judicialmente repostas, que ainda que seja feita uma aplicação ilegal da lei este nosso STJ repõe a legalidade. 106.º Ora, assim não sucede quando a interpretação da lei do próprio STJ tem uma descolagem da realidade e absoluto desencontro com a letra da lei. (…) 110.º A actuação do STJ, mais uma vez salvo o devido respeito, e sem prejuízo de se quererem mitigar os dramatismos, põe em causa esta trave-mestra em que assenta o Estado de Direito, criando desconfiança entre cidadãos e empresas, e passando a admitir que qualquer interpretação da lei é admissível, pelo que tudo passa a ser possível e admissível». Ora, do que decorre da requerida transcrição é que a recorrente considera inconstitucional uma determinada interpretação da lei feita pelo Supremo Tribunal de Justiça (concretamente, quanto a caber no regime do trabalho prestado em flexibilidade a dispensa de trabalho aos fins-de-semana ou em qualquer dia). Contudo, como se afigura meridianamente aceite, não cabe à 1.ª instância nem a este tribunal apreciar a alegada inconstitucionalidade cometida pelo Supremo Tribunal de Justiça em qualquer processo. E o certo é que não se localiza que a recorrente tenha suscitado neste processo, de modo claro e objetivo, qualquer inconstitucionalidade decorrente da uma eventual interpretação da 1.ª instância que viesse a integrar a dispensa de prestação do trabalho ao fim de semana no regime de trabalho prestado em flexibilidade. Ao tribunal cabe apreciar e decidir questões concretas suscitadas, e não extrair, a partir de considerações deixadas nos articulados, questões implícitas. Por isso se entente que não se verifica nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quanto à inconstitucionalidade de determinada interpretação legal, se a recorrente não suscitou ao tribunal a quo, de forma clara e objetiva, que caso adotasse determinada interpretação legal a mesma era(é) inconstitucional. Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. 2. Quanto a saber se os fundamentos invocados pela aqui recorrente constituem “exigências imperiosas” para justificar a recusa a horário flexível da trabalhadora/recorrida A 1.ª instância respondeu negativamente a tal questão e, consequentemente, julgou improcedente a ação. Para tanto desenvolveu, no essencial, a seguinte fundamentação: «Os fundamentos invocados pela autora para a recusa assentam no deficiente número de trabalhadores disponíveis para realizarem os turnos existentes, com destaque para o turno de abertura e fecho da loja, sendo que, atenta a categoria profissional da trabalhadora, Operadora Principal, Sub-Responsável, esta nunca trabalharia nesses turnos. A autora alegou e logrou demonstrar que a loja em questão tem seis trabalhadores ao seu serviço (ponto 22) e apenas três chefias, todas com um período normal de trabalho de 40 horas semanais (26). Alegou ainda e demonstrou que a loja tem o horário de funcionamento diário, de Segunda a Sábado, das 7:30 horas às 20:30 mantendo-se aberta ao público das 09:00 às 20:00 horas (24) e que a abertura ou o fecho da loja têm de ser assegurados por um operador com responsabilidades, confiança e salário de chefia (pontos 25, 32, 35 e 37). Por outro lado, ficou demonstrado que a loja onde a Ré desempenha as suas funções dispõe de várias plataformas horárias, organizadas conforme quadro sob o artigo 63.º da PI (40), do qual resulta a existência dos seguintes turnos: 7h00/17h00; 9h00/19h00; 10h30/20h30; 10h30/21h30; 11h30/21h30 e 9h00/13h00. Se é certo que apenas à autora cabe proceder à gestão dos seus recursos, nomeadamente os humanos, não menos certo é que tal como mencionado pela CITE no seu parecer, «cabe ao empregador adaptar os recursos humanos disponíveis ao funcionamento da empresa, o que pressupõe a adoção das medidas necessárias para efetuar reajustamentos nos horários e procurar dentre as várias soluções legais e contratuais possíveis, as que entender por convenientes, para satisfazer as necessidades operacionais e, por outro lado, para cumprimento das normas legais aplicáveis na relação com o trabalhador e, entre as quais se incluem as normas de proteção da parentalidade que constitui um regime especial e consagra uma discriminação positiva dos trabalhadores abrangidos pela norma». Não restam dúvidas que no caso se verificam diversas contingências que à autora cabe fazer face, gerindo, tais como a organização dos turnos (36 e 40), o direito a folgas e férias (27), o absentismo (28), não demonstrando a autora a impossibilidade de substituir os trabalhadores com funções idênticas quando tal se justifique, a impossibilidade de elaborar horários em conformidade com as necessidades de funcionamento da loja em articulação com o direito que assiste à ré e até a alegada incomportabilidade de recrutamento de mais trabalhadores. Efectivamente, ainda que a autora tenha de gerir as ausências das chefias (30), entendendo que em caso de necessidade de substituição por outro trabalhador que não exerça cargo de chefia, este não recebe vencimento de acordo com essa responsabilidade nem a DIA pretende que tal aconteça, pois, a confiança que tem nas suas chefias não é igual à que tem nos restantes operadores de loja (31) e ainda que possa ter necessidade de contratar mais trabalhadores face ao solicitado pela ré (38), tudo não resulta impossível, incomportável, inexigível. Por outro lado, tendo presente que atento o máximo de horas de trabalho diário e semanal (respectivamente 8h e 40h) a ré nunca lograria assegurar em um só dia a abertura e o fecho da loja, do pedido formulado pela trabalhadora verifica-se que, ainda que não logre, com o horário solicitado, efetuar o turno intermédio e o turno de fecho (33 e 34), poderá assegurar o turno de abertura, uma vez que, de acordo com mapa de turnos, o horário solicitado corresponde em parte a turno praticado no estabelecimento (40). Com efeito, embora o turno solicitado pela ré não exista na loja onde desempenha funções (41), integra-se na plataforma horária existente (40). A autora alega ainda que, a ré teria um tratamento preferencial em comparação com os restantes trabalhadores da mesma loja. Ora, ainda que a atribuição á ré de um horário fixo de abertura ou de fecho possa implicar fixar a uma das outras chefias também um horário (29) e ainda que condicione os horários dos restantes colegas (39), não está em causa qualquer tratamento preferencial, mas o reconhecimento de um direito constitucional e legalmente consagrado, o qual deve ser promovido pelo empregador. Precisando, é dever do empregador que na elaboração dos horários de trabalho seja garantida, na medida do possível e sem afetar de forma excessiva, extraordinária ou inexigível o regular funcionamento da organização, uma discriminação positiva dos trabalhadores que o requeiram, em detrimento de um tratamento igualitário de todos os demais trabalhadores ao seu serviço. Em síntese conclusiva, não restam dúvidas quanto à densificação das funções da ré e o seu relevo para o funcionamento da loja onde trabalha, como dúvidas também não subsistem de que o solicitado pela ré implica alterações no funcionamento do estabelecimento, desde logo os horários de trabalho, no entanto, tal não traduz a verificação de «exigências imperiosas de funcionamento da empresa», isto é, «uma situação excessiva, extraordinária ou inexigível para o empregador, com vista à manutenção do regular funcionamento da empresa ou estabelecimento».». A recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, em suma, (i) que a 1.ª instância fez uma incorreta interpretação do disposto nos artigos 56.º, n.º 1 e 2, 57.º, n.º 8 e 200.º, n.º 1, todos do Código do Trabalho, ao concluir que o previsto nesta última norma “abarca” também os dias de descanso, (ii) e que as “exigências imperiosas” por si invocadas são bastantes para fundamentar a recusa do horário flexível à aqui recorrida, tendo em conta as funções desempenhas por esta, o horário de funcionamento da loja e que o horário pretendido pela trabalhadora/recorrida não existe. Por sua vez, no seu douto parecer, a exma. procuradora-geral adjunta opina pela improcedência do recurso. Vejamos. A 1.ª instância fez já suficientes e adequadas considerações doutrinárias e jurisprudenciais em torno da conciliação entre a atividade profissional e a atividade familiar, pelo que, a fim de evitarmos ser tautológicos com o já afirmado na sentença recorrida, diremos apenas, em breve síntese, que os artigos 59.º, n.º 1, alínea b) e 67.º, n.º 2, alínea h), da Constituição da República Portuguesa, consagram o direito dos trabalhadores a uma conciliação da atividade profissional com a vida familiar. Já no âmbito infraconstitucional, o artigo 127.º, n.º 3, do Código do Trabalho, consagra ser dever do empregador proporcionar ao trabalhador condições de trabalho favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal. É nesse âmbito que se insere o horário flexível de trabalhador com responsabilidades parentais, que se encontra previsto no artigo 56.º, do compêndio legal em referência. Nos termos do n.º 1, tendo em conta o caso em apreço, o trabalhador com filho menor de 12 anos tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos; e de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limite, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário. A este propósito, importa também ponderar que de acordo com o mesmo Código do Trabalho o período normal de trabalho corresponde ao tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana (artigo 198.º), enquanto o horário de trabalho determina a distribuição do período normal de trabalho por cada dia de trabalho e ao longo da semana (artigo 200.º). Já o período de funcionamento corresponde ao período de tempo diário durante o qual o estabelecimento pode exercer a sua atividade (artigo 201.º). Ora, aqui chegados uma primeira questão se coloca: o horário de trabalho flexível pode também abarcar os fins de semana? A nossa resposta, adiante-se já, é afirmativa. Expliquemos porquê. Como é consabido, em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa: assim, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da atividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento legislativo (n.º 1) – tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do mesmo artigo). Para a correta fixação do sentido e alcance da norma, há-de, igualmente, presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º). No ensinamento de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 16.ª Reimpressão, Almedina, 2007, pág. 189), o texto da norma «exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas»; por isso, «só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo». Visando a aplicação prática do direito, «a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica», por isso que o jurista «há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor corresponda a estas necessidades, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela» (Francisco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido por Manuel de Andrade e publicado com o Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, do último autor, 3.ª Edição, Colecção Stvdivm, Arménio Amado – Editor, Sucessor, pág. 130). Pois bem: estando em causa a conciliação entre a atividade profissional e a atividade familiar, mal se compreenderia que o horário flexível do trabalhador previsto no artigo 56.º e 57.º do Código do Trabalho não pudesse abranger os fins de semana, quando, como é sabido, muitas das empresas laboram também nesses dias. Tal significaria que o legislador apenas se teria preocupado, e legislado, quanto à conciliação da atividade desenvolvida pelo trabalhador e a sua vida familiar de 2.ª feira a sexta-feira, mas já não com a conciliação dessa mesma atividade com a vida familiar se ela fosse desenvolvida ao fim de semana! Como resulta do afirmado, visando-se a aplicação prática do direito, na interpretação da lei terá que se ter presente que a conciliação da atividade profissional com a vida familiar do trabalhador e, com ela, a existência de um regime de horário flexível, terá que abranger todo o horário de trabalho. Dito de outro modo: se o que está em causa é a conciliação entre a atividade profissional e a atividade familiar e se a trabalhadora exerce, ou pode exercer, a atividade também aos fins de semana, na fixação das horas de início e termo do período normal de trabalho, a que alude o n.º 2 do artigo 56.º do Código do Trabalho, não poderá deixar de se atender também aos fins de semana. De outro modo, estava-se a discriminar negativamente estes trabalhadores que solicitam horário flexível em relação aos trabalhadores que apenas exercem a atividade de 2.º feira a sexta-feira. Isto quando, como é comum, e no caso foi invocado pela trabalhadora, o infantário frequentado pelo filho encontra-se encerrado ao fim de semana. Deste modo, entende-se que estando em causa um horário de trabalho, ainda que flexível, nada impedia a trabalhadora de indicar como dias de descanso os sábados e domingos. Como se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2022 (proc. n.º 17071/19.9T8SNT.L1.S1), posteriormente reafirmado nos acórdãos do mesmo tribunal de 22-06-2022 e de 12-10-2022 (procs. n.º 3425/19.4T8VLG.P1.S2 e n.º 423/20.9T8BTT.L1.S1, respetivamente), «[o] horário flexível é, antes de mais, um horário de trabalho pelo que bem pode a trabalhadora, no seu pedido, precisar quais os seus dias de descanso». Do que fica dito extrai-se que se entende que a interpretação feita não viola quaisquer princípios constitucionais, maxime da legalidade e da proteção de confiança, pois do que se trata é de interpretar e aplicar a lei, tendo em conta o disposto no artigo 9.º do Código Civil: pode-se sustentar – como certamente sustentará a recorrente – que a interpretação é errada, mas essa é uma questão se se insere no erro de julgamento, e não na alegada violação dos princípios constitucionais da legalidade e proteção de confiança. Concluindo-se que o horário flexível pode abranger os fins de semana, importa então analisar se existem “exigências imperiosas” de funcionamento da empregadora para a recusa do horário flexível. Quanto a estas, acompanha-se o entendimento do acórdão deste tribunal de 11-07-2019 (proc. n.º 3824/18.9T8STB.E1, de que foi relatora a aqui 2.ª adjunta e 1.ª adjunta a também 1.ª adjunta nos presentes autos), de que se trata de uma «(…) expressão deliberadamente apertada e rigorosa. O que se compreende, considerando que uma das obrigações que recai sobre o empregador é a de proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal - artigo 127.º, n.º 3 do Código do Trabalho. Assim, a recusa da fixação de um horário de trabalho adequado à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar do trabalhador, apenas se justifica numa situação excessiva, extraordinária ou inexigível para o empregador, com vista à manutenção do regular funcionamento da empresa ou estabelecimento». Neste enquadramento, ao contrário do que parece perpassar das conclusões das alegações da recorrente, o facto de a aqui recorrida ser uma das 3 trabalhadoras da loja com funções de chefia não é impeditivo de que beneficie de um horário flexível, sob pena de, como bem assinala a exma. procuradora-geral adjunta no seu parecer, «a atividade ou categoria profissional ser limitadora de direitos». Aliás, não pode deixar de surpreender que numa loja com 6 trabalhadores há 3 com funções de chefia, o que leva a intuir que afinal as funções de chefia não serão tão significativas/relevantes na atividade prestada pela trabalhadora. De igual modo, também não se afigura que assuma relevância para afastar o horário flexível a circunstância de, assim, se abrir «(…) o flanco a que a própria loja não tenha condições de laborar, em virtude da necessidade de trabalhador com a mesma categoria da Recorrida, para exercer funções destinadas às chefias» [conclusão P)]. O que é invocado pode acarretar maior dificuldade na organização da atividade da empresa – desde logo tendo em conta a fixação dos horários de trabalho –, ou até tornar mais onerosa para a empregadora a gestão do seu quadro de pessoal, mas não pode inscrever-se nas “exigências imperiosas” que obstem ao horário flexível. O que está em causa será, certamente, uma dificuldade inerente a muitos empregadores com trabalhadores em horário flexível, especialmente em relação àqueles que têm um quadro de recursos humanos menor: mas tal não pode ser, não é, suficientemente relevante para afastar a existência de horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, sob pena de não se cumprirem os princípios constitucionais inerentes à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar – diremos que se estava a fazer “letra morta” de tais princípios –, bem como ao que dispõe o Código do Trabalho quanto ao horário flexível. Por isso, não se pode anuir ao entendimento da recorrente de que estamos perante exigências imperiosas, «(…) sob pena de o prejuízo causado ao empregador ultrapassar claramente aquele que é imposto ao trabalhador» [conclusão K)]: sopesando o eventual “prejuízo” da empregadora – decorrente de uma, também eventual, necessidade de contratação de mais um trabalhador para poder reorganizar os horários de trabalho – com o eventual “prejuízo” da trabalhadora – decorrente de não poder conciliar a atividade profissional com a sua vida familiar e, assim, estar presente e prestar os cuidados necessários ao filho, tendo, porventura, que contratar terceiros para esse efeito, designadamente ao fim de semana –, não se afigura que aquele (material) se sobreponha ou ultrapasse este (sobretudo imaterial). A recorrente argumenta ainda que a recorrida escolhe um de dois horários, não lhe dando qualquer margem de fixação, pelo que o seu pedido nem é propriamente um pedido de horário flexível. Arrima-se para tanto num acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 01-02-2024, mas, como se constata da consulta à base de dados da dgsi, o referido acórdão foi revogado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-07-2024 (proc. n.º 2133/21.0T8VCT.G1.S1). De qualquer modo, sempre se acrescenta que, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-10-2020 (proc. n.º 3582/19.0T8LSB.L1.S1), «(…) no âmbito dos poderes de direção de que goza, compete ao empregador determinar o horário de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, com respeito pelos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável ao estabelecimento ou empresa onde estes devam prestar a sua atividade laboral, o certo é que, na determinação do horário de trabalho, o empregador deve facilitar ao trabalhador a conciliação da sua atividade profissional com a sua vida familiar, de forma que esta, sob o ponto de vista parental, seja tão normal quanto possível. É, pois, no âmbito deste dever mais geral, digamos assim, que surge o dever que recai sobre o empregador, de concessão de um horário flexível a trabalhador com responsabilidades familiares que, por escrito, lhe solicite a possibilidade de trabalhar nesse regime de horário de trabalho, designadamente porque tenha filho(s) menor(es) de 12 anos que com ele viva(m) em comunhão de mesa e habitação, podendo, em tais circunstâncias, o trabalhador escolher, dentro de certos limites – desde logo, levando em consideração o período de funcionamento da empresa e horários nela praticados –, as horas de entrada e de saída do trabalho de forma a cumprir o período normal de trabalho a que contratualmente se obrigara com a sua entidade empregadora. Ainda assim, importa frisar que compete ao empregador – naturalmente com respeito pelos limites da lei e com base na escolha horária que lhe tenha sido apresentada pelo trabalhador – determinar o horário flexível de trabalho do trabalhador que, com responsabilidades familiares, lhe tenha solicitado a prestação laboral nesse regime de horário, definindo, dentro da amplitude de horário escolhido por este, quais os períodos de início e termo do trabalho diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento, como decorre do estabelecido no n.º 3 al. b) do mencionado art. 56º, sendo que o empregador apenas em determinadas circunstâncias, relacionadas com exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou com a impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável, poderá recusar a atribuição do solicitado horário flexível e ainda assim, mediante parecer positivo da entidade competente na área de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, como resulta do estabelecido nos n.os 2 e 5 do referido art. 57º do CT.». Ora, no caso em apreço a empregadora recusou qualquer um dos horários propostos pela trabalhadora, com fundamento nas exigências imperiosas do seu funcionamento, tendo o parecer da CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) sido desfavorável à intenção de recusa do pedido de trabalho em regime de horário flexível apresentado pela trabalhadora/recorrida. Perante tal circunstancialismo, não se extraindo dos autos que a empregadora tenha procurado acordar com a trabalhadora um qualquer outro horário de trabalho, e tendo presente a já afirmada inexistência de exigências imperiosas ao funcionamento da empregadora, a que alude o artigo 57.º, n.º 2, do Código do Trabalho, forçoso é concluir, mais uma vez, pela não verificação de fundamento para a não aceitação de um dos horários solicitados pela trabalhadora. Nesta sequência, sem desdouro pela argumentação da recorrente, o recurso não pode proceder, sendo, pois, de manter a sentença recorrida. 3. Vencida no recurso, a recorrente suportará o pagamento das custas respetivas (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). V. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente/autora. Évora, 25 de outubro de 2024 João Luís Nunes (relator) Emília Ramos Costa Paula do Paço __________________________________________________ [1] Relator: João Nunes; Adjuntas: (1) Emília Ramos Costa, (2) Paula do Paço. |