Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
136/12.5IDSTR-C.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: PROCEDIMENTO CRIMINAL
PRESCRIÇÃO
QUESTÃO PREJUDICIAL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Nos termos do artigo 21º, nº 1, do RGIT, “o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos”, sendo certo que “o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º” – nº 4.
Por seu lado, consagra-se no nº 1, do referido artigo 47º: 1 “se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Os factos em causa nos autos reportam-se a 22/11/2011, iniciando-se a contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal no dia seguinte.

Este prazo foi interrompido pela constituição do arguido nessa qualidade (que ocorreu em 11/06/2014), nos termos do estabelecido no 121º, nº 1, alínea a), do Código Penal e também com a notificação pessoal da acusação ao arguido em 05/04/2016, começando a correr novo prazo de prescrição em 06/04/2016, de acordo com o plasmado no artigo 121º, nº 1, alínea b), do mesmo Código.

Mas, a notificação pessoal da acusação ao arguido não apenas interrompeu o decurso do prazo prescricional, como se disse, como tem efeito suspensivo do mesmo.

A prescrição suspende-se pelo período máximo de 3 anos enquanto o processo se encontrar pendente após essa notificação, conforme se dispõe no artigo 120º, nº 1, alínea b) e nº 2, voltando a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão, de acordo com o seu nº 6, todos do Código Penal.

Cumprindo ainda se tenha em conta que, a suspensão do prazo ocorre igualmente quando o procedimento criminal não puder continuar por falta de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal – alínea a), do nº 1, do referido artigo 120º, realçando-se que não está esta causa de suspensão sujeita a qualquer período máximo - sendo que, nos autos, essa suspensão foi declarada em 03/07/2017, voltando a correr com o trânsito em julgado, em 11/01/2022, da decisão lavrada sobre a questão prejudicial.

Daí que, seja patente a correcção do entendimento vertido pelo tribunal recorrido de que “sendo ambos os prazos parcialmente coincidentes, mas contínuos (porque o primeiro deles de 3 anos não findou, por o processo se encontrar pendente à data da declaração de suspensão por existência de causa prejudicial – cfr. art.º 120.º, n.º 6, do Código Penal, ex vi art.º 21.º, n.º 4, do RGIT) temos que entre 2016/04/05 e 2022/01/11 decorreu um período de suspensão do prazo de prescrição total de 5 anos, 9 meses e 6 dias” e, consequentemente, “ressalvado o período de suspensão em apreço, temos que o prazo máximo de prescrição se verificará previsivelmente em 2025/02/28 (7 anos e 6 meses + 5 anos, 9 meses e 6 dias), sem prejuízo das demais causas de suspensão e interrupção que entretanto se verifiquem”.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos autos com o nº 136/12.5IDSTR, do Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de …, foi proferido despacho, aos 08/11/2023, que julgou improcedente a invocação pelo arguido AA da prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103º, nº 1, alíneas a) e b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, por que se encontra pronunciado.

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho com a Ref.ª … que conheceu da prescrição do procedimento criminal invocada pelo arguido ora recorrente em sede de contestação e que decidiu pela sua não verificação.

2. Ora, com todo o respeito mas salvo melhor opinião, o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do instituto da prescrição do procedimento criminal, designadamente do disposto nos artigos 21.º e 47.º do RGIT, e artigos 120.º e 121.º do Código Penal,

3. Em consequência, despacho recorrido encerra decisão de Direito.

4. Ora, considerando os referidos preceitos legais transcritos, e a sua conjugação, o presente procedimento tem de ter-se por prescrito.

5. Os presentes autos mostraram-se suspensos pelo período compreendido entre 03/07/2017 e 11/01/2022, correspondente ao período decorrido entre a declaração da suspensão dos autos por pendência de causa prejudicial e o trânsito em julgado da decisão que constituiu essa causa prejudicial.

6. Tal suspensão ocorreu após a notificação pessoal aos arguidos da acusação, ou seja, no decurso da suspensão do prazo de prescrição por efeito da notificação ao arguido da acusação (art.º 120, n.º 1, al. b) do Código Penal.

7. Pelo que, o prazo de prescrição não pode ter-se por suspenso para além de 3 anos, cfr n.º 2 do art.º 120.º Código Penal, independentemente do tempo que tenha durado a suspensão do procedimento criminal.

8. O prazo de 3 anos fixado no n.º 2 do art.º 120.º do Código Penal constitui limite máximo, imperativo, da possibilidade de suspensão da prescrição nos casos em que, como o dos autos, os arguidos foram pessoalmente notificados da acusação.

10. E para que opere a limitação imperativa do referido prazo, não releva que entretanto se verifique outro motivo de suspensão que com aquele concorra, designadamente a suspensão do processo por pendência de causa prejudicial, como no caso sub judice.

9. Considerando a data da alegada prática do crime (22/11/2011) e o prazo máximo de prescrição 7 anos e 6 meses), o procedimento teria de ter-se por prescrito em 22/05/2018;

10. Deduzido o prazo máximo de suspensão após a notificação da acusação, de 3 anos, como se impõe, o procedimento prescreveu em 22 de Maio de 2021.

11. A suspensão do prazo prescricional por força do disposto no art.º 120.º/1, a) do Código Penal ex vi art.º 21.º/4 RGIT, não pode deixar de estar sujeita aos limites máximos fixados nos n.ºs 2 a 5 do art.º 120.º do Código Penal.

12 A falta de previsão/fixação legal de prazo máximo para os casos de suspensão da prescrição decorrentes da verificação das circunstâncias previstas na alínea a) do mesmo preceito, não pode querer significar que o legislador pretendeu que as mesmas se possam prolongar ad aeternum.

13. Tão pouco a mesma conclusão se infere do disposto no n.º 4 do art.º 21.º do RGIT, em que o legislador determina que “o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal”, e se limita a acrescentar como causa da suspensão da prescrição, a suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º.

14. A sistematização e letra do preceito induzem naturalmente que, a suspensão da prescrição operada por pendência de causa prejudicial, está sujeita aos limites fixados na Lei Penal, designadamente os constantes dos n.ºs 2 a 5 do art.º 120.º, conforme tenha sido notificada acusação, despacho de pronúncia, declarada a contumácia do arguido, ou notificada já a sentença condenatória sem que tenha transitado em julgado.

15. Uma interpretação, como a sufragada pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, no sentido de que o artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, no sentido de que a prescrição do procedimento criminal se suspende, sem limites temporais, por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º atenta contra os princípios subjacentes ao instituto da prescrição, designadamente preceitos constitucionais inderrogáveis.

16. Não é constitucionalmente sustentável que os arguidos, decorridos mais de 12 anos desde a alegada prática do crime e volvidos mais de 7 anos após a dedução de acusação pela prática do mesmo, sejam sujeitos a julgamento, ademais por crime punível com multa ou moldura penal de prisão até 3 anos.

17. Como recorda o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português: As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial de Notícias, 1993, pp. 699 a 711):- A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva. É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efetivar a sua reação. Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro, e com maior importância, as exigências da prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objetivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reação criminal há muito tempo já ditada, correria o sério riscode ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas. Por todas estas razões, a limitação temporal da perseguibilidade do facto ou da execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade.

18. Também do ponto de vista processual, aliás, como tem sido geralmente notado, o instituto geral da prescrição encontra pleno fundamento. Sobretudo o instituto da prescrição do procedimento, na medida em que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados duvidosos a investigação (e a consequente prova) do facto e, em particular, da culpa do agente, elevando a cotas insuportáveis o perigo de erros judiciários. A conclusão vale, também, para o instituto da prescrição da pena, por isso que é a sua própria execução que se torna inadmissível e deve, portanto, ser impedida.

19. Com o que ficou apontado em matéria de fundamentos do instituto da Prescrição não se tomou posição, do mesmo passo, sobre a sua (extraordinariamente discutida, nas doutrinas e nas jurisprudências) natureza jurídica e consequente localização sistemática. Também aqui se debatem fundamentalmente três diferentes teorias. Uma conceção material (absolutamente dominante em tempos mais afastados) vê na prescrição um instituto relativo à punibilidade do facto e considera-o, assim, como uma pura causa de impedimento da pena ou da sua execução; quando não mesmo o reputa atinente ao próprio ilícito e o considera como causa da sua exclusão ou do seu impedimento. Uma estrita conceção processual (que tem ganho progressivamente adeptos em tempos mais recentes) confere ao instituto a natureza de um obstáculo processual.

Finalmente, uma conceção mista vê na prescrição um instituto jurídico tanto substantiva como processualmente relevante e fundado. Esta última conceção merece preferência, mas, na sua justificação, não é possível renunciar a uma consideração separada da prescrição do procedimento e da prescrição da pena.

20. O instituto da suspensão da prescrição – uma novidade introduzida pelo artigo 119.º do Código Penal de 1982 no direito penal português (atual 120.º) – radica na ideia segundo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou continuar, deve impedir o decurso do prazo de prescrição. Uma vez eliminado o obstáculo – isto é, uma vez cessada a causa de suspensão –, o resto do prazo deve voltar a correr (artigo 120.º, n.º 3).

O instituto é, nesta medida, teleológica e político-criminalmente fundado».

21. Considerando diretamente a norma suspensiva que nos interessa – a al. a) do n.º 1 do artigo 120.º, n.º 1, al. a), do Código Penal ex vi art.º 47.º RGIT – importa saber se a aplicação da mesma ao presente caso é fundada e, na afirmativa, em que termos.

22. Para tanto, é de recordar o trecho que integralmente se transcreveu da obra do Prof. Figueiredo Dias, para se compreender que, um processo penal erguido à luz dos princípios humanistas e inclusivos que decorrem do corolário da dignidade da pessoa humana (art. 1.º da Constituição), não pode acolher por certa uma solução nos termos da qual, e por razões de ordem legal e por motivos que são alheios a vontade do arguido, um crime que, em circunstâncias normais, prescreveria em 5 anos, acabe por vir a ser julgado quase 12 anos mais tarde (numa perspetiva otimista).

23. Na verdade, o procedimento que se poderia prosseguir nestes autos e, sobretudo, qualquer pena que pudesse vir a ser aplicada aos arguidos, além de não satisfazer as necessidades de prevenção geral (antes sendo de sorte a constituir, perante a comunidade, um sentimento de repulso pelo prosseguimento do processo decorridos tantos anos), já não cumpriria as assinaladas «finalidades de socialização ou de segurança», sendo totalmente inócuas no sentido de proceder à reafirmação contrafáctica das expectativas comunitárias (que, no caso em concreto já há muito se mostram definitivamente frustradas). – Este tem sido o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional.

24. Por outro lado, importa referir que, passados 12 anos, não só a acusação mas o próprio direito de defesa dos arguidos é colocado em crise: que testemunhas podem arrolar-se que se lembrem dos factos dados à acusação?

25. Note-se que estamos a falar de crime alegadamente cometido por pessoa coletiva e arguidos singulares mas no exercício de profissão.

26. A dinâmica empresarial demostra que 12 anos depois os legais representantes das empresas não são os mesmos, os funcionários da empresa que tomaram as decisões já não fazem parte dos quadros da mesma, assim como os demais colaboradores que das mesmas possam ter tido conhecimento.

27. E isto sem necessidade, sequer, de se chamar à colação tratados internacionais a que o Estado Português de mostra vinculado (cfr., v.g., art. 6.º, n.º 1, da CEDH), é evidente que a perseguição penal pela prática de um crime (de baixa e média densidade) decorridos mais de 12 anos desde a data da sua alegada prática é atentatório dos referidos direitos constitucionais, tanto mais, decorrendo a situação em apreço do facto não imputável ao arguido mas tão só à demora da justiça.

28. Entendimento no sentido da admissão da sujeição dos arguidos a julgamento decorridos tais prazos colide com o disposto nos artigos 18.º/2 e 32.º n.º 1 da Constituição Portuguesa.

29. Impondo-se a extinção do presente procedimento.

Pelo que deve ser revogado o despacho recorrido, Devendo ser substituído Acórdão que declare a Prescrição do presente procedimento e em consequência, decida pela extinção do mesmo. como é de Direito e de JUSTIÇA!

3. O recurso foi admitido por despacho de 05/01/2024, a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.

4. Foi apresentada resposta à motivação de recurso pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo, em que pugna por lhe ser negado provimento.

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

6. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. No exame preliminar, o Relator proferiu decisão sumária, aos 11/04/2024, rejeitando o recurso por manifesta improcedência, nos termos dos artigos 417º, nº 6, alínea b) e 420º, nº 1, alínea a), do CPP.

8. Notificado desta decisão sumária, o recorrente/arguido veio reclamar para a conferência, com os fundamentos que se transcrevem:

AA e outros, arguido e Recorrente nos autos à margem identificados, notificado da Decisão Sumária proferida, nos termos do disposto no art.º 417.º n.º 6 alínea b) do Código do Processo Penal, pelo Sr. Juiz Desembargador Relator, e não se conformando com o conteúdo da mesma, vem dela apresentar Reclamação nos termos do disposto no n.º 8 do mesmo dispositivo legal e com os fundamentos seguintes.

1. Entendeu a decisão ora reclamada rejeitar o recurso interposto pelo arguido por considerar ser manifesta a sua improcedência.

2. Sufragou a decisão reclamada entendimento no sentido de que o procedimento criminal concernente ao crime de fraude fiscal qualificada p. e p. no art.º 103, n.º 1 alíneas a) e b) do RGIT porque se encontra pronunciado o arguido, não se encontra prescrito, ao contrário do alegado pelo arguido Recorrente.

3. E fundamentou o seu entendimento nos seguintes termos:

Com efeito, nos termos do artigo 21º, nº 1, do RGIT, “o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos”, sendo certo que “o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica- se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º” – nº 4.

Por seu lado, consagra-se no nº 1, do referido artigo 47º: 1 “se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Os factos em causa nos autos reportam-se a 22/11/2011, iniciando-se a contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal no dia seguinte.

E, como bem se assinala na decisão revidenda, este prazo foi interrompido pela constituição do arguido nessa qualidade (que ocorreu em 11/06/2014), nos termos do estabelecido no 121º, nº 1, alínea a), do Código Penal e também com a notificação pessoal da acusação ao arguido em 05/04/2016, começando a correr novo prazo de prescrição em 06/04/2016, de acordo com o plasmado no artigo 121º, nº 1, alínea b), do mesmo Código.

Mas, a notificação pessoal da acusação ao arguido não apenas interrompeu o decurso do prazo prescricional, como se disse, como tem efeito suspensivo do mesmo.

A prescrição suspende-se pelo período máximo de 3 anos enquanto o processo se encontrar pendente após essa notificação, conforme se dispõe no artigo 120º, nº 1, alínea b) e nº 2, voltando a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão, de acordo com o seu nº 6, todos do Código Penal.

Cumprindo ainda se tenha em conta que, a suspensão do prazo ocorre igualmente quando o procedimento criminal não puder continuar por falta de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal – alínea a), do nº 1, do referido artigo 120º, realçando-se que não está esta causa de suspensão sujeita a qualquer período máximo - sendo que, nos autos, essa suspensão foi declarada em 03/07/2017, voltando a correr com o trânsito em julgado, em 11/01/2022, da decisão lavrada sobre a questão prejudicial.

Daí que, seja patente a correcção do entendimento vertido pelo tribunal recorrido de que “sendo ambos os prazos parcialmente coincidentes, mas contínuos (porque o primeiro deles de 3 anos não findou, por o processo se encontrar pendente à data da declaração de suspensão por existência de causa prejudicial – cfr. art.º 120.º, n.º 6, do Código Penal, ex vi art.º 21.º, n.º 4, do RGIT) temos que entre 2016/04/05 e 2022/01/11 decorreu um período de suspensão do prazo de prescrição total de 5 anos, 9 meses e 6 dias” e, consequentemente, “ressalvado o período de suspensão em apreço, temos que o prazo máximo de prescrição se verificará previsivelmente em 2025/02/28 (7 anos e 6 meses + 5 anos, 9 meses e 6 dias), sem prejuízo das demais causas de suspensão e interrupção que entretanto se verifiquem”.

E, não estamos perante interpretação normativa obliteradora das normas contidas nos artigos 18º, nº 2 e 31º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, desde logo porque, se decorreu período temporal alargado desde a prática dos factos, foi, essencialmente, porque o recorrente, no exercício de um direito seu – é vero, mas ainda assim – solicitou a intervenção do Tribunal Administrativo e Fiscal de … e interpôs também recurso da decisão deste para o Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo …, bem como requereu a abertura da fase de instrução nos presentes autos.

Por outro lado, as exigências de prevenção geral e especial trazidas à colação, em concreto não se prendem com o decurso do prazo prescricional, mas com a necessidade, adequação e proporcionalidade da pena, o que configura duas perspetivas diferentes.

Também, não se alcança como é que terem passado cerca de doze anos desde a prática dos factos pode colidir com o direito de defesa do arguido, pois é sabido que compete à acusação a demonstração da veracidade dos factos imputados, não tendo aquele sequer que provar a sua não prática, uma vez que no sistema processual penal português vigora o princípio in dubio pro reo, corolário do princípio constitucionalmente tutelado da presunção de inocência – artigo 32º, nº 2, da CRP.

4. Ora, não pode o Recorrente ora reclamante conformar-se com a decisão e fundamentos que se deixaram parcialmente transcritos.

5. A decisão singular reclamada, a par da decisão recorrida, com todo o respeito e salvo melhor opinião, encerra errada interpretação e aplicação do instituto da prescrição do procedimento criminal, designadamente do disposto nos artigos 21.º e 47.º do RGIT, e artigos 120.º e 121.º do Código Penal.

6. Considerando os preceitos legais transcritos, e a sua conjugação, o presente procedimento tem de ter-se por prescrito, conforme se deixou alegado em sede de Recurso, que se aqui se dá por integralmente reproduzido.

7. Os presentes autos mostraram-se suspensos pelo período compreendido entre 03/07/2017 e 11/01/2022, correspondente ao período decorrido entre a declaração da suspensão dos autos por pendência de causa prejudicial e o trânsito em julgado da decisão que constituiu essa causa prejudicial.

8. Tal suspensão ocorreu após a notificação pessoal aos arguidos da acusação, ou seja, no decurso da suspensão do prazo de prescrição por efeito da notificação ao arguido da acusação (art.º 120, n.º 1, al. b) do Código Penal.

9. O n.º 2 do art.º 120.º determina que no caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.

10. Pelo que, o prazo de prescrição não pode ter-se por suspenso para além de 3 anos, independentemente do tempo que tenha durado a suspensão do procedimento criminal.

11. O prazo de 3 anos fixado no n.º 2 do art.º 120.º do Código Penal constitui limite máximo, imperativo, da possibilidade de suspensão da prescrição nos casos em que, como o dos autos, os arguidos foram pessoalmente notificados da acusação.

12. E para que opere a limitação imperativa do referido prazo, não releva que entretanto se verifique outro motivo de suspensão que com aquele concorra, designadamente a suspensão do processo por pendência de causa prejudicial, como no caso sub judice.

13. Considerando a data da alegada prática do crime (22/11/2011) e o prazo máximo de prescrição 7 anos e 6 meses), o procedimento teria de ter-se por prescrito em 22/05/2018;

14. Deduzido o prazo máximo de suspensão após a notificação da acusação, de 3 anos, como se impõe, o procedimento prescreveu em 22 de Maio de 2021.

15. Reitera-se que a suspensão do prazo prescricional por força do disposto no art.º 120.º/1, a) do Código Penal ex vi art.º 21.º/4 RGIT, não pode deixar de estar sujeita aos limites máximos fixados nos n.ºs 2 a 5 do art.º 120.º do Código Penal.

16. A falta de previsão/fixação legal de prazo máximo para os casos de suspensão da prescrição decorrentes da verificação das circunstâncias previstas na alínea a) do mesmo preceito, não pode querer significar que o legislador pretendeu que as mesmas se possam prolongar ad aeternum.

17. Tão pouco a mesma conclusão se infere do disposto no n.º 4 do art.º 21.º do RGIT, em que o legislador determina que “o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal”, e se limita a acrescentar como causa da suspensão da prescrição, a suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º.

18. A sistematização e letra do preceito induzem naturalmente que, a suspensão da prescrição operada por pendência de causa prejudicial, está sujeita aos limites fixados na Lei Penal, designadamente os constantes dos n.ºs 2 a 5 do art.º 120.º, conforme tenha sido notificada acusação, despacho de pronuncia, declarada a contumácia do arguido, ou notificada já a sentença condenatória sem que tenha transitado em julgado.

19. Uma interpretação, como a sufragada pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, seguida pela decisão aqui reclamada, no sentido de que o artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, no sentido de que a prescrição do procedimento criminal se suspende, sem limites temporais, por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º atenta contra os princípios subjacentes ao instituto da prescrição, designadamente preceitos constitucionais inderrogáveis.

20. Não é constitucionalmente sustentável que os arguidos, decorridos mais de 12 anos desde a alegada prática do crime e volvidos mais de 7 anos após a dedução de acusação pela prática do mesmo, sejam sujeitos a julgamento, ademais por crime punível com multa ou moldura penal de prisão até 3 anos.

21. Como recorda o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português: As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial de Notícias, 1993, pp. 699 a 711):

- A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva. É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efetivar a sua reação. Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro, e com maior importância, as exigências da prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objetivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reação criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas. Por todas estas razões, a limitação temporal da perseguibilidade do facto ou da execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade.

22. Também do ponto de vista processual, aliás, como tem sido geralmente notado, o instituto geral da prescrição encontra pleno fundamento. Sobretudo o instituto da prescrição do procedimento, na medida em que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados duvidosos a investigação (e a consequente prova) do facto e, em particular, da culpa do agente, elevando a cotas insuportáveis o perigo de erros judiciários. A conclusão vale, também, para o instituto da prescrição da pena, por isso que é a sua própria execução que se torna inadmissível e deve, portanto, ser impedida.

23. E esta consequência pretendida a afastar não é salvaguardada com a consagração do princípio do in dúbio pro réu, como pretende concluir a decisão reclamada.

23. (sequência como no original) Com o que ficou apontado em matéria de fundamentos do instituto da prescrição não se tomou posição, do mesmo passo, sobre a sua (extraordinariamente discutida, nas doutrinas e nas jurisprudências) natureza jurídica e consequente localização sistemática. Também aqui se debatem fundamentalmente três diferentes teorias. Uma conceção material (absolutamente dominante em tempos mais afastados) vê na prescrição um instituto relativo à punibilidade do facto e considera-o, assim, como uma pura causa de impedimento da pena ou da sua execução; quando não mesmo o reputa atinente ao próprio ilícito e o considera como causa da sua exclusão ou do seu impedimento. Uma estrita conceção processual (que tem ganho progressivamente adeptos em tempos mais recentes) confere ao instituto a natureza de um obstáculo processual. Finalmente, uma conceção mista vê na prescrição um instituto jurídico tanto substantiva como processualmente relevante e fundado. Esta última conceção merece preferência, mas, na sua justificação, não é possível renunciar a uma consideração separada da prescrição do procedimento e da prescrição da pena.

24. O instituto da suspensão da prescrição – uma novidade introduzida pelo artigo 119.º do Código Penal de 1982 no direito penal português (atual 120.º) – radica na ideia segundo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou continuar, deve impedir o decurso do prazo de prescrição. Uma vez eliminado o obstáculo – isto é, uma vez cessada a causa de suspensão –, o resto do prazo deve voltar a correr (artigo 120.º, n.º 3). O instituto é, nesta medida, teleológica e político- criminalmente fundado».

25. Considerando diretamente a norma suspensiva que nos interessa – a al. a) do n.º 1 do artigo 120.º, n.º 1, al. a), do Código Penal ex vi art.º 47.º RGIT – importa saber se a aplicação da mesma ao presente caso é fundada e, na afirmativa, em que termos.

26. Para tanto, é de recordar o trecho que integralmente se transcreveu da obra do Prof. Figueiredo Dias, para se compreender que, um processo penal erguido à luz dos princípios humanistas e inclusivos que decorrem do corolário da dignidade da pessoa humana (art. 1.º da Constituição), não pode acolher por certa uma solução nos termos da qual, e por razões de ordem legal e por motivos que são alheios a vontade do arguido, um crime que, em circunstâncias normais, prescreveria em 5 anos, acabe por vir a ser julgado quase 12 anos mais tarde (numa perspetiva otimista).

27. Na verdade, o procedimento que se poderia prosseguir nestes autos e, sobretudo, qualquer pena que pudesse vir a ser aplicada aos arguidos, além de não satisfazer as necessidades de prevenção geral (antes sendo de sorte a constituir, perante a comunidade, um sentimento de repulso pelo prosseguimento do processo decorridos tantos anos), já não cumpriria as assinaladas «finalidades de socialização ou de segurança», sendo totalmente inócuas no sentido de proceder à reafirmação contrafáctica das expectativas comunitárias (que, no caso em concreto já há muito se mostram definitivamente frustradas) – Este tem sido o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional.

28. Por outro lado, importa referir que, passados 12 anos, não só a acusação mas o próprio direito de defesa dos arguidos é colocado em crise: que testemunhas podem arrolar-se que se lembrem dos factos dados à acusação?

29. Note-se que estamos a falar de crime alegadamente cometido por pessoa coletiva e arguidos singulares mas no exercício de profissão.

30. A dinâmica empresarial demostra que 12 anos depois os legais representantes das empresas não são os mesmos, os funcionários da empresa que tomaram as decisões já não fazem parte dos quadros da mesma, assim como os demais colaboradores que das mesmas possam ter tido conhecimento.

31. E isto sem necessidade, sequer, de se chamar à colação tratados internacionais a que o Estado Português de mostra vinculado (cfr., v.g., art. 6.º, n.º 1, da CEDH), é evidente que a perseguição penal pela prática de um crime (de baixa e média densidade) decorridos mais de 12 anos desde a data da sua alegada prática é atentatório dos referidos direitos constitucionais, tanto mais, decorrendo a situação em apreço do facto não imputável ao arguido mas tão só à demora da justiça.

32. E a conclusão supra que se deixou sublinhada, não resulta afastada pela decisão reclamada na parte em que considerou que não resultam obliterados os artigos 18.º/2 e 31.ç/1 da CRP porque “se decorreu período temporal alargado desde a prática dos factos foi essencialmente porque o recorrente, no exercício de um direito seu é vero, mas ainda assim, solicitou intervenção do Tribunal Administrativo e Fiscal e interpôs recurso da decisão deste para o TCA do …, bem como requereu a abertura da instrução nos presentes autos”.

33. O arguido exerceu efetivamente aqueles seus direitos, porque lhe assistem nos termos da lei.

34. E a justiça foi demorada – 12 anos para obter decisão transitada em julgado num processo de natureza tributária e uma decisão de pronúncia num processo-crime.

35. E tal demora não é imputável ao arguido mas ao Estado, sobre quem impende a obrigação de garantir justiça célere, sob pena da subversão dos seus intentos.

36. Reitera-se pois que entendimento no sentido da admissão da sujeição dos arguidos a julgamento decorridos 12 anos sobre a alegada prática dos factos, num crime como o sub judice, colide com o disposto nos artigos 18.º/2 e 32.º n.º 1 da Constituição Portuguesa.

37. Concluindo-se que toda a alegação do recorrente conduz à procedência do recurso por si interposto, não sendo o mesmo suscetível de ser vetado ao insucesso decretado pela decisão ora reclamada.

38. Impondo-se a prolação de acórdão que julgue extinto o presente procedimento criminal, como é de Direito e de Justiça

9. A reclamação para a conferência foi admitida.

10. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A aludida decisão sumária de 11/04/2024 tem o seguinte teor, na parte relevante (transcrição):

Conforme consignado no artigo 420º, nº 1, do CPP, um dos fundamentos de rejeição do recurso é a sua manifesta improcedência – alínea a).

A lei não define o que seja a manifesta improcedência, mas a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores sobre a questão se tem debruçado, considerando que se verifica quando o recurso se mostre desprovido de fundamento ou quando a sua inviabilidade se revele inequívoca.

Como ajuizado no Ac. do STJ de 16/06/2005, Proc. nº 2104/05-5ª, sumariado por Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal – Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 975, apresenta-se como manifestamente improcedente o recurso quando é clara a sua inviabilidade, “quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudência sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso”.

Ou, de acordo com as palavras elucidativas do Ac. do STJ de 23/06/2022, Proc. nº 38/20.1PKSNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt, existirá manifesta improcedência quando seja inequívoco que a argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre, de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente.

Importa ainda convocar o Ac. da Relação de Évora de 03/03/2015, Proc. nº 115/11.0TAVVC.E1, disponível em www.dgsi.pt, de acordo com o qual “a manifesta improcedência – conceito que a lei não define – nada tem a ver com a extensão da matéria submetida a apreciação, nem com a sua intrínseca complexidade, nem com o maior ou menor gasto de latim na procura de deixar bem claras as razões pelas quais a decisão foi num sentido e não em outro. O que na verdade releva é o bem-fundado, a solidez ou o apoio legal, doutrinário ou jurisprudencial, da argumentação usada para atacar a decisão de que se recorre. Existirá manifesta improcedência sempre que seja inequívoco que essa argumentação de modo nenhum pode conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo recorrente” – fim de citação.

Tal ocorre no caso sub judice, como passamos a explanar.

Sustenta o recorrente que o prazo de prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de fraude fiscal por que está pronunciado decorreu já integralmente.

Manifestamente, não tem a razão pelo seu lado.

Com efeito, nos termos do artigo 21º, nº 1, do RGIT, “o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos”, sendo certo que “o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º” – nº 4.

Por seu lado, consagra-se no nº 1, do referido artigo 47º: 1 “se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Os factos em causa nos autos reportam-se a 22/11/2011, iniciando-se a contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal no dia seguinte.

E, como bem se assinala na decisão revidenda, este prazo foi interrompido pela constituição do arguido nessa qualidade (que ocorreu em 11/06/2014), nos termos do estabelecido no 121º, nº 1, alínea a), do Código Penal e também com a notificação pessoal da acusação ao arguido em 05/04/2016, começando a correr novo prazo de prescrição em 06/04/2016, de acordo com o plasmado no artigo 121º, nº 1, alínea b), do mesmo Código.

Mas, a notificação pessoal da acusação ao arguido não apenas interrompeu o decurso do prazo prescricional, como se disse, como tem efeito suspensivo do mesmo.

A prescrição suspende-se pelo período máximo de 3 anos enquanto o processo se encontrar pendente após essa notificação, conforme se dispõe no artigo 120º, nº 1, alínea b) e nº 2, voltando a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão, de acordo com o seu nº 6, todos do Código Penal.

Cumprindo ainda se tenha em conta que, a suspensão do prazo ocorre igualmente quando o procedimento criminal não puder continuar por falta de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal – alínea a), do nº 1, do referido artigo 120º, realçando-se que não está esta causa de suspensão sujeita a qualquer período máximo - sendo que, nos autos, essa suspensão foi declarada em 03/07/2017, voltando a correr com o trânsito em julgado, em 11/01/2022, da decisão lavrada sobre a questão prejudicial.

Daí que, seja patente a correcção do entendimento vertido pelo tribunal recorrido de que “sendo ambos os prazos parcialmente coincidentes, mas contínuos (porque o primeiro deles de 3 anos não findou, por o processo se encontrar pendente à data da declaração de suspensão por existência de causa prejudicial – cfr. art.º 120.º, n.º 6, do Código Penal, ex vi art.º 21.º, n.º 4, do RGIT) temos que entre 2016/04/05 e 2022/01/11 decorreu um período de suspensão do prazo de prescrição total de 5 anos, 9 meses e 6 dias” e, consequentemente, “ressalvado o período de suspensão em apreço, temos que o prazo máximo de prescrição se verificará previsivelmente em 2025/02/28 (7 anos e 6 meses + 5 anos, 9 meses e 6 dias), sem prejuízo das demais causas de suspensão e interrupção que entretanto se verifiquem”.

E, não estamos perante interpretação normativa obliteradora das normas contidas nos artigos 18º, nº 2 e 31º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, desde logo porque, se decorreu período temporal alargado desde a prática dos factos, foi, essencialmente, porque o recorrente, no exercício de um direito seu – é vero, mas ainda assim – solicitou a intervenção do Tribunal Administrativo e Fiscal de … e interpôs também recurso da decisão deste para o Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo …, bem como requereu a abertura da fase de instrução nos presentes autos.

Por outro lado, as exigências de prevenção geral e especial trazidas à colação, em concreto não se prendem com o decurso do prazo prescricional, mas com a necessidade, adequação e proporcionalidade da pena, o que configura duas perspectivas diferentes.

Também, não se alcança como é que terem passado cerca de doze anos desde a prática dos factos pode colidir com o direito de defesa do arguido, pois é sabido que compete à acusação a demonstração da veracidade dos factos imputados, não tendo aquele sequer que provar a sua não prática, uma vez que no sistema processual penal português vigora o princípio in dubio pro reo, corolário do princípio constitucionalmente tutelado da presunção de inocência – artigo 32º, nº 2, da CRP.

Destarte, manifesto se torna que a decisão recorrida não merece censura, cumprindo, pois, rejeitar o recurso, por ser patente a sua improcedência.

A decisão que admitiu o recurso em 1ª instância não vincula o tribunal superior, como se estabelece no nº 3, do artigo 414º, do CPP.

Vejamos então.

O reclamante insurge-se quanto ao entendimento do Juiz Relator expresso na decisão sumária de se verificar a manifesta improcedência do recurso.

Ora, na decisão reclamada se explicita cabalmente o fundamento do ponto de vista seguido, apoiado na jurisprudência nacional dos Tribunais Superiores e nas pertinentes normas legais, em ordem à demonstração da manifesta inviabilidade da pretensão do recorrente.

E, no que tange a não se ter, na decisão sumária, como aduz o reclamante, tomado posição “sobre a sua (extraordinariamente discutida, nas doutrinas e nas jurisprudência) natureza jurídica e consequente localização sistemática” do instituto da prescrição, importa se diga que não se impunha a este Tribunal da Relação rebater os argumentos doutrinários ou jurisprudenciais, motivos, opiniões ou razões, expendidos, em que se alicerça a pretensão do recorrente, mas apreciar e decidir a questão concreta suscitada nas conclusões da motivação de recurso, a saber: se o procedimento criminal relativo ao crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103º, nº 1, alíneas a) e b), Regime Geral das Infracções Tributárias, por que se encontra pronunciado o arguido/recorrente AA se encontrava prescrito.

O que se mostra efectuado e até com desenvolvimento, sendo certo que, de acordo com o estabelecido no artigo 420º, nº 2, do CPP, o legislador nem tanto exige, pois, “em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão”.

De onde, se impunha (e impõe) a rejeição do recurso, reiterando-se que não ocorreu obliteração das normas ínsitas nos artigos 18º, nº 2, 31º, nº 1 ou 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

III - DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, após conferência, em julgar improvida a presente reclamação, mantendo a decisão de rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, por manifesta improcedência.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

Évora, 21 de Maio de 2024

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)

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(Artur Vargues)

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(Maria Filomena Soares)

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(Jorge Antunes