Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3331/21.2T8CBR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: TRABALHO SUPLEMENTAR
RETRIBUIÇÃO
FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Cabe ao trabalhador que reclama o pagamento de trabalho suplementar, o ónus de alegar o horário estabelecido, as horas de início e de termo da prestação, e ainda que o mesmo foi prévia e expressamente determinado, ou realizado de modo a não ser previsível a oposição do empregador.
2. Apenas é reclamável o pagamento de trabalho suplementar determinado expressamente pelo empregador, devendo o trabalho suplementar espontâneo ser justificado pelo trabalhador nos mesmos termos objectivos de indispensabilidade de gestão ou de força maior que são impostas à empregadora pelo art. 227.º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho.
3. A retribuição é constituída pelo conjunto de valores que o empregador está obrigado a pagar regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida da actividade por ele desenvolvida, dela se excluindo as prestações patrimoniais que não sejam a contraprestação do trabalho prestado.
4. Considera-se regular e periódica a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorra todos os meses de actividade do ano (onze meses).
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Tomar, AA demandou Transportes BB, S.A., e CC, S.A., pedindo a condenação das Rés no pagamento solidário das seguintes quantias:
a) € 21.151,94, a título de trabalho suplementar;
b) € 11.186,75, a título de integração nos meses de férias e subsídios de férias dos valores recebidos como “ajudas de custo”;
c) € 2.796,20, a título de diuturnidades;
d) € 496,80, a título de diferença da cláusula 61.ª, com a correcção das diuturnidades; e,
e) os juros de mora à taxa legal.
Após contestação, realizou-se julgamento e a sentença julgou a acção procedente apenas quanto aos pedidos relativos a diuturnidades e diferenças da cláusula 61.ª, assim decidindo condenar as Rés no pagamento da quantia de € 3.293,00, acrescida de juros.

Recorre o A. da parte da sentença que lhe foi desfavorável, formulando as seguintes conclusões:
(…)

Não foi oferecida resposta.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público ofereceu Parecer, pronunciando-se no sentido do recurso merecer provimento parcial, quanto à inclusão da média do trabalho suplementar constante do art. 30.º da contestação rectificada, nos valores pagos a título de retribuição de férias e subsídio de férias do mesmo período.
Cumpre-nos decidir.

Preliminarmente, observa-se que o Recorrente não cumpriu o ónus que decorre do art. 640.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, quanto a uma eventual alteração da decisão tomada na sentença recorrida quanto à al. M) dos factos não provados: “As rés indicavam ao autor as horas para a carga de descarga dos veículos, bem como o momento de iniciar e terminar a jornada de trabalho.”
Com efeito, não indicou os meios probatórios que poderiam impor uma decisão diversa, afirmando, apenas, que teria ocorrido uma contradição com a al. J) dos factos provados – contradição essa que, em termos factuais, não ocorre, pois apenas se deu como provado que “as rés indicavam ao autor a localização dos locais e datas para a carga de descarga dos veículos”, o que não é incompatível com a não prova de também terem indicado as horas de carga e descarga e os momentos de início e termo da jornada de trabalho.
Decide-se, assim, rejeitar a impugnação da matéria de facto.

A matéria de facto provada fica assim tal como foi estabelecida na sentença:
A) As 1.ª e 2.ª Rés são sociedades que se dedicam à actividade de Transportes Rodoviários de Mercadorias;
B) Ambas têm em comum, além da actividade, a sede e o Conselho de Administração;
C) O A. foi admitido inicialmente para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização da 2.ª Ré mediante contrato de trabalho a termo certo, para exercer a categoria profissional de motorista de pesados, no mês de Agosto de 2009;
D) Em Agosto de 2012, foi celebrado um novo contrato de trabalho a termo resolutivo certo, desta feita para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização da 1.ª Ré;
E) No entanto, continuou a exercer as mesmas tarefas, a percorrer as mesmas rotas, conduzindo o mesmo camião, com o mesmo número mecanográfico nos recibos de vencimento e seguro de acidentes de trabalho;
F) O contrato a termo resolutivo certo durou até Agosto de 2015, data em que perfez 3 anos, e para que o mesmo não se convolasse num contrato efectivo, aquela apresentou ao Autor um novo contrato para este assinar com a 2.ª Ré;
G) O A. assinou o novo contrato;
H) Mas continuou o exercício das mesmas funções que vinha a desempenhar desde 2009, com os mesmos camiões, os mesmos clientes, as mesmas rotas, as mesmas instruções;
I) A partir do mês de Outubro de 2018, a segunda ré começou a pagar mensalmente ao autor, a título de diuturnidades, a quantia de € 16, e, a partir de Janeiro de 2020, a quantia de € 17;
J) As rés indicavam ao autor a localização dos locais e datas para a carga de descarga dos veículos;
K) Após o dia 29/7/2016, o autor prestou trabalho nos dias e horas indicados no artigo 15.º, do seu articulado superveniente;
L) As RR. decidiram não proceder ao apuramento das horas de trabalho suplementar eventualmente prestadas pelo autor em dias e descanso e feriados e, em sua substituição, procediam ao pagamento de uma diária que levavam ao recibo a título de ajudas de custo, designadamente os valores indicados no artigo 30.º da aperfeiçoada contestação.

APLICANDO O DIREITO
Do ónus de alegação e prova da prestação de trabalho suplementar
A propósito deste tema, já se decidiu no Supremo Tribunal de Justiça que “não tendo sido prévia e expressamente determinada, não é de considerar como realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador a prestação de trabalho suplementar realizada a título espontâneo, prolongada para além do contratado período (de mais uma hora) de isenção de horário de trabalho, se o trabalhador não alegou/demonstrou que trabalho prestou suplementarmente, concretizando-o e justificando a sua necessidade.”[1]
Podemos afirmar que o trabalhador que invoca a prestação de trabalho suplementar deve alegar – e provar – não apenas quais os horários de trabalho praticados ao longo da relação laboral, mas ainda quais os dias e horas em que prestou trabalho para além desses horários e que o mesmo foi prévia e expressamente determinado, ou realizado de modo a não ser previsível a oposição do empregador. Apenas assim se poderá apurar a regularidade e periodicidade dessa prestação laboral para além do horário definido e determinar qual o montante que corresponde ao efectivo pagamento desse trabalho.
Maria do Rosário Palma Ramalho ensina que a determinação da realização do trabalho suplementar “cabe ao empregador, uma vez que se funda em motivos de gestão ou de força maior que só a ele cabe avaliar”, não sendo de “qualificar como trabalho suplementar o prestado pelo trabalhador fora do seu horário de trabalho, a título espontâneo e sem para tal ter sido solicitado pelo empregador”, tanto mais que a norma que admite a prestação de trabalho suplementar espontâneo – art. 268.º n.º 2, in fine, do Código do Trabalho – deve ser interpretada de modo restritivo, “sob pena de permitir que a gestão do trabalho suplementar passe a caber ao trabalhador, o que contraria frontalmente a razão de ser da figura”.[2]
Ainda de acordo com a mesma autora, “só é reclamável o pagamento de trabalho suplementar determinado expressamente pelo empregador, devendo o trabalho suplementar espontâneo ser justificado pelo trabalhador nos mesmos termos objectivos de indispensabilidade de gestão ou de força maior que fundamentam o recurso à figura, de acordo com o art. 227.º n.ºs 1 e 2, para que possa reclamar o respectivo pagamento.”[3]
Ora, como correctamente se observa na sentença recorrida, não está provado que tenha sido determinada ao A. a prestação de trabalho suplementar, como igualmente não está provado que o eventual trabalho suplementar espontâneo prestado se justificasse em termos objectivos de indispensabilidade de gestão ou de força maior, enquadrável nos n.ºs 1 e 2 do art. 227.º do Código do Trabalho.
Não tendo cumprido o ónus de prova que lhe assistia, apenas resta concluir que a pretensão do A. relativa ao pagamento de trabalho suplementar não merece atendimento.

Da integração nas férias e subsídios de férias da média recebida a título de ajudas de custo
A retribuição é constituída pelo conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida da actividade por ele desenvolvida, dela se excluindo as prestações patrimoniais que não sejam a contraprestação do trabalho prestado. Daí que seja necessário demonstrar não apenas a regularidade e periodicidade da atribuição patrimonial, mas ainda que esta não se destina a compensar o trabalhador por quaisquer outros factores.
O Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo que se considera regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e do subsídio de férias, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorra todos os meses de actividade do ano (onze meses).[4]
Está demonstrado que as Rés procediam ao pagamento de uma diária que levavam ao recibo a título de ajudas de custo, designadamente os valores indicados no artigo 30.º da aperfeiçoada contestação.
Face ao art. 260.º n.º 1 al. a) do Código do Trabalho, as ajudas de custo não constituem retribuição, “salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.”
No entanto, os valores pagos não constituíam qualquer compensação por despesas ou deslocações realizadas pelo trabalhador ao serviço do empregador, sendo, antes, contrapartida da prestação laboral desenvolvida pelo trabalhador.
Face aos factos provados, no ano de 2018 as denominadas “diárias” foram pagas nos meses de Outubro a Dezembro, pelo que nesse ano não se apura o requisito de regularidade para a sua integração no cálculo das férias e do subsídio de férias.
O mesmo já não se passa quanto aos anos de 2019 e 2020, em que as diárias foram pagas em todos os meses de prestação da actividade, tendo assim o Recorrente direito aos seguintes valores, a título de férias e subsídio de férias:
· ano de 2019 – valor total recebido a este título: € 8.894,00; dividindo por 12, obtém-se a média de € 741,17, que o trabalhador tem direito a receber a título de férias, acrescido de idêntico valor a título de subsídio de férias;
· ano de 2020 – valor total recebido a este título: € 5.757,20; dividindo por 12, obtém-se a média de € 479,77, que o trabalhador tem direito a receber a título de férias, acrescido de idêntico valor a título de subsídio de férias.
E apenas nesta medida procede o recurso.

DECISÃO
Destarte, concedendo parcial provimento ao recurso, condena-se as Rés a pagar ao A., para além do valor que já consta da sentença, ainda a quantia de € 2.453,88, pelos supra mencionados títulos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma dessas prestações e até integral pagamento.
Custas na proporção do decaimento.

Évora, 25 de Maio de 2023

Mário Branco Coelho
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

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[1] Em Acórdão de 17.12.2014 (Proc. 1364/11.6TTCBR.C1.S1), publicado em www.dgsi.pt.
[2] In Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, págs. 425-426.
[3] Idem, pág. 426.
[4] A título exemplificativo, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.03.2017 (Proc. 2978/14.8TTLSB.L1.S1), igualmente em www.dgsi.pt.