Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA FRANCISCO | ||
Descritores: | INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Há insuficiência da matéria de facto para a decisão quando, na ausência de factos relativos às condições sociais e económicas do arguido, a decisão recorrida o condenou em pena de multa com um valor diário superior ao mínimo legal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1 – RELATÓRIO No processo abreviado nº 990/24.8GBLLE do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Local Criminal de … - Juiz .., foi proferida sentença datada de 19/02/2025, na qual foi o arguido, AA, condenado, pela prática de um crime de desobediência, previsto nos art.sº 348º, nº 1, al. a) e 69º, nº 1, al. c) do Cód. Penal e 152º, nº 3 do Cód. da Estrada, na pena de multa de sessenta dias, à taxa diária de sete euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor na via pública ou equiparada durante quatro meses. * Inconformado com esta decisão, veio o arguido interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: “ – Da nulidade da Sentença – Violação do disposto nos artigos 47º do CP e 340º do C.P.P. 1 - Não pode o Recorrente conformar-se com o facto da douta sentença ora posta em crise ser absolutamente omissa quanto a elementos de prova relativos às condições pessoais, económicas e sociais do mesmo, nomeadamente no que respeita à sua situação económica e financeira e encargos pessoais, no contexto da determinação do quantitativo diário da pena de multa apurada. 2- Neste tocante, resulta assim patente da mera leitura da decisão ora posta em crise que, da prova produzida e analisada em audiência, nada se apurou quanto às condições económico-financeiras e sociais do arguido e que o tribunal a quo, não diligenciando por colmatar aquela falta, ao invés, limitou-se a retirar uma ilação de que “… dado o nível de salário mínimo praticado ao presente, reputa-se adequado o quantitativo diário de sete euros, já que o mínimo se deve reservar para situações de indigência.” A sentença mostra-se assim, no aludido segmento, arbitrária, porque não fundamentada nem sustentada em qualquer factualidade. E, assim, contrária à lei. 3- Não tratou o tribunal a quo de apurar as condições económico-financeiras e sociais do arguido, o que se revelava de manifesta relevância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa. 4- O artigo 340º, do C.P.P. consagra o princípio da investigação ou da verdade material, o qual determina que cabe ao Tribunal do julgamento o poder-dever de investigar o facto, atendendo a todos os meios de prova que não sejam irrelevantes para a descoberta da verdade e com o objectivo de determinar a verdade material; compete ao Tribunal, oficiosamente ou a requerimento, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta dessa verdade e à boa decisão da causa. 5- Revelando-se imprescindível – por fundamental, útil e necessário - ao apuramento da verdade material, e assim à boa decisão da causa, a averiguação da factualidade supra enunciada, deveria o tribunal “a quo” ter ordenado a produção de prova adicional com vista ao apuramento das condições sócio económicas do arguido e as demais relevantes, nomeadamente, quanto ao apuramento da sua integração social, familiar e laboral, nomeadamente determinado que se procedesse à realização de relatório social e/ou assegurando a notificação e presença do arguido em audiência de julgamento a agendar para esse fim. 6- Tal determinação de assegurar a presença do arguido em audiência de julgamento, era ainda mais essencial para determinação da motivação do arguido aquando da conduta adotada e prática da factualidade em julgamento pois que, é inegável, que a “recusa” do arguido em submeter-se a teste de alcoolemia, que a douta sentença considera provada, há-de ser enquadrada no contexto de aceitação pelo mesmo a submissão a três anteriores testes, resultando claro que o arguido não se recusou “tout court”. 7- Mal andou o tribunal “ a quo” ao não esgotar todos os meios de obtenção e recolha de prova ao seu dispor violando, entre outros, o disposto nos artigos 47º do Código Penal e art. 340º, n.º 1 e 371.º ambos do Código de Processo Penal, o que consubstancia nulidade de omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, prevista no art. 120°, n.° 2, al. d), do mesmo Código, a qual tem como consequência a invalidade do acto em que se verificou e dos subsequentes, designadamente da sentença (art. 122°, n.° 1, do CPP). 8- Com idênticos fundamentos expendidos supra, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, resulta manifesto que a douta decisão recorrida padece também do vício de insuficiência para a decisão de matéria de facto provada, pelo que se encontra inquinada de nulidade, por força do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 410.º do CP.P.. 9- Violou, ademais, a douta sentença o disposto nos artigos 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, por interpretação indevida dos artigos 47º, 340º e 371º todos do C.P.P., e ofensa do direito à defesa e consequentemente, o principio in dubio pro reo, uma vez que o Tribunal recorrido não dispunha de elementos seguros a respeito dos factos em apreço. - Da medida concreta da pena 10- Discorda o Recorrente da medida da pena aplicada pelo douto tribunal “a quo”, entendendo que na determinação do montante da multa, quer quanto ao número de dias de multa, quer quanto ao quantitativo diário apurado, cabia “in casu” ainda a fixação num limite mais próximo dos limites mínimos legalmente estipulados. 11- Tendo a pena de multa de representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, atentos os critérios que se retiram do art.47.º, n.º2 do Código Penal, importa todavia que esta taxa não constitua um sacrifício injusto ou incomportável para remissão do crime praticado pelo arguido, ou seja, que a pena a aplicar, embora constitua para si um sacrifício razoável, não se revele incompatível com a sobrevivência digna do arguido. 12- Entende o Recorrente, in casu, que o douto tribunal “a quo”, embora se baseie nos critérios de determinação da medida da pena estabelecidos no artigo 71.º do Código Penal, em conjugação com o art. 40.º do mesmo normativo, parece não atender devidamente às circunstâncias referidas nos nº 1 e 2 do mencionado artigo 71.º, nem ao preceituado nos nº 1 e 2 do art. 40.º, nomeadamente quanto à questão da culpa do agente e às circunstâncias que depõem a favor do mesmo, e que impõem, no entender do Recorrente, uma pena inferior à aplicada pela douta sentença recorrida. 13 - No entender do Recorrente, atenta a matéria considerada provada, o grau de culpa in casu, não se situará num patamar elevado, mas antes e quanto muito, mediano. Já as exigências de prevenção geral verificadas in casu serão semelhantes a demais casos semelhantes, pelo que não se justificaria uma condenação numa pena superior neste caso em concreto. No que tange às exigências de prevenção especial, determinantes para encontrar o quantum exacto da pena, assim como ao juízo de desvalor sobre a conduta do arguido, salvo o devido respeito, entende o Recorrente que imporiam uma pena mais próxima do mínimo legal, que se revelasse mais equitativa e proporcional e de melhor forma correspondesse à necessidade de pena que no caso se faz sentir. 14- Assim, salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, a pena aplicada é desproporcional tendo em consideração tudo quanto bastamente se expôs supra e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 15- A aplicação de uma pena de multa que fosse coincidente ou não se afastasse ainda significativamente do limite mínimo legalmente estipulado mostrar-se-ia mais justa e ainda adequada às exigências de prevenção, quer geral, quer especial, sendo ainda suficiente para se atingir os fins insertos na norma incriminadora, contribuindo para a ressocialização. 16- Face ao exposto, a decisão recorrida, ao decidir em sentido diverso ao ora expendido, para além de outras normas e princípios violou o disposto nos artigos 14º, 40.º, 47º, 71.º e 348º n.º 1 al. a) todos do Código Penal, artigo 152º n.º 3 do Código da Estrada, artigos 340º, n.º 1 e 371.º ambos do Código de Processo Penal e os artigos 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.” * O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo. * O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões: “I. Não se verifica a nulidade invocada. II. No caso dos autos, a ilicitude, a culpa e as exigências de prevenção geral e especial justificam a medida da pena aplicada. III. Do texto da decisão recorrida, conjugada com a sua motivação e com as regras da experiência comum não resulta que devesse ter sido outra a decisão tomada pelo tribunal recorrido.” * Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, no qual acompanhou a argumentação já apresentada pelo Ministério Público na primeira instância e pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida. * Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado. * Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência. * 2 – OBJECTO DO RECURSO Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt). À luz destes considerandos, são as seguintes as questões a decidir neste recurso: - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada relativamente ao quantitativo diário da pena de multa aplicada; - violação do princípio in dubio pro reo; - medida da pena de multa aplicada. * 3- FUNDAMENTAÇÃO: 3.1. – Fundamentação de Facto A decisão recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos e com a seguinte motivação: “(…) Na audiência de discussão e julgamento provou-se que: 1, No dia 26 de Agosto de 2024, pouco antes das 20 h 47 min, o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …, na Rua …, em …, quando foi abordado e fiscalizado por uma patrulha da Guarda Nacional Republicana, que o instou a efectuar o exame quantitativo de pesquisa de álcool no sangue. 2, Antes de ser dado início ao referido exame, foi o arguido esclarecido da forma como este se realizava e do modo de funcionamento do aparelho, e efectuou o exame por três vezes descontinuando o sopro e, após, recusou-se a fazê-lo uma quarta vez, motivo pelo qual lhe foi dada voz de detenção. 3, Bem sabia o arguido que se encontrava obrigado a realizar o exame de pesquisa de álcool no sangue; porém, querendo evitar a realização desse exame e a obtenção de um resultado, não o efectuou. 4, O arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal. 5, Carece de antecedentes criminais. NÃO PROVADOS Relevante para a decisão da causa nenhum outro facto se provou. FUNDAMENTAÇÃO O tribunal baseou a sua convicção na prova produzida em audiência de julgamento, a que o arguido faltou, como relatado, e em que BB e CC, militares da GNR, afirmaram os factos de modo conteste como vêm narrados na acusação, por os terem presenciado no exercício das suas funções, e o último autuado a fls 3 e 4, auto de notícia que confirmou, incluindo que advertiram o arguido de incorrer em crime de desobediência recusando-se a fazer o teste quantitativo, como se recusou, depois de ter feito o qualitativo com resultado positivo, e «Assim, sendo certo que o auto de notícia é um documento autêntico, - artigos 169.º, do Código de Processo Penal, e 170.º do Código da Estrada, foram ainda os factos dele constantes corroborados na audiência pelo seu autor e ainda a quem eles assistiu, na qualidade de agente da autoridade», como expendido no caso apreciado no acórdão da Relação de Lisboa, 5.ª Secção, de 22 de Setembro de 2020, no Processo n.º 587/19.4PBSCR.L1, relator Carlos Espírito Santo, no Processo Sumário n.º 587/19.4PBSCR do Juízo Local Criminal de Santa Cruz da Comarca da Madeira, fls 118; e assim estes depoimentos, conjugados ainda com testes de fls 5 e notificação de fls 6, entende-se provarem os factos como tais considerados. Para os antecedentes, CRC de 07.02.2025.” * 3.2.- MÉRITO DO RECURSO Nos presentes autos alega o recorrente que se verifica o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, por a sentença recorrida ser absolutamente omissa quanto a elementos de prova relativos às sua condições pessoais, económicas e sociais, nomeadamente no que respeita à sua situação económica e financeira e encargos pessoais, no contexto da determinação do quantitativo diário da pena de multa aplicada. Vejamos se lhe assiste razão. Relativamente aos vícios que importam a nulidade da decisão, estabelece o art.º 410º, nº 2 do Cód. Proc. Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do Tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) O erro notório na apreciação da prova. Tratam-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto que são vícios da própria decisão, como peça autónoma, e não vícios de julgamento, e não se confundem nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida. Estes vícios são também de conhecimento oficioso, na medida em que têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e decorrem do próprio texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo constantes do processo (cfr., neste sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 16. ª ed., pág. 873; Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª ed., pág. 339; Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 6.ª ed., 2007, pág. 77 e seg.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121). Há insuficiência da matéria de facto para a decisão quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja, são insuficientes para a aplicação do direito ao caso concreto. No entanto, tal insuficiência só ocorre quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito, porque não se apurou o que é evidente e que se podia ter apurado ou porque o Tribunal não investigou a totalidade da matéria de facto com relevo para a decisão da causa, podendo fazê-lo. Esta insuficiência da matéria de facto tem de existir internamente, no âmbito da decisão e resultar do texto da mesma. Neste sentido decidiu o STJ no Ac. de 5/12/2007, proferido no processo nº 07P3406, em que foi relator Raúl Borges, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Ou, como se diz no acórdão deste STJ de 25-03-1998, BMJ 475.º/502, quando, após o julgamento, os factos colhidos não consentem, quer na sua objectividade, quer na sua subjectividade, dar o ilícito como provado; ou ainda, na formulação do acórdão do mesmo Tribunal de 20-12-2006, no Proc. 3379/06 - 3.ª, o vício consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura.” No mesmo sentido se decidiu no Ac. do TRC de 12/09/18, proferido no processo nº 28/16.9PTCTB.C1, em que foi relator Orlando Gonçalves, in www.dgsi.pt, onde se escreveu que: “ O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estatui que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou c) O erro notório na apreciação da prova.». Como resulta expressamente mencionado nesta norma, os vícios nela referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente a segmentos de declarações ou depoimentos prestados oralmente em audiência de julgamento e que se não mostram consignados no texto da decisão recorrida. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito. Existirá insuficiência para a decisão da matéria de facto se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa. – Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/04/2010 (proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt) de 6-4-2000 (BMJ n.º 496 , pág. 169) e de 13-1-1999 (BMJ n.º 483 , pág. 49) e os Cons. Leal- Henriques e Simas Santos , in “Código de Processo Penal anotado”, vol. 2.º, 2ª ed., pág.s 737 a 739.” Veja-se ainda, a título de exemplo, o Ac. do TRL de 22/09/20, no processo nº 3773/12.4TDLSB.L1-5, em que foi relator Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt, onde se decidiu que: “ Estabelece o artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Trata-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto - vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que, como já se adiantou, hão-de derivar do texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo que constem do processo, sendo os referidos vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma. Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal (cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos …, 6.ª ed., 2007, p. 69; Acórdão da Relação de Lisboa, de 11.11.2009, processo 346/08.0ECLSB.L1-3, em http://www.dgsi.pt). Nos presentes autos a audiência de discussão e julgamento realizou-se na ausência do recorrente, em conformidade com o disposto no art.º 333º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, não tendo, por isso, o arguido prestado declarações em julgamento. Porém, a verdade é que não constam da matéria de facto apurada quaisquer factos relativos às condições socio-económicas do arguido, não se sabendo a composição exacta do seu agregado familiar, se está efectivamente a trabalhar, quanto é que ganha e que encargos tem. Na ausência de declarações do arguido e da junção aos autos de documentos para prova dessa factualidade, também não ordenou o Tribunal a quo a elaboração de relatório social para apuramento de tais factos. Relativamente ao relatório social, dispõe o art.º 370º, nº 1 do Cód. Proc. Penal que: “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo.”(sublinhados nossos) Em face desta norma, verifica-se que o relatório social é uma fonte de informação que contribui para a determinação da pena a aplicar ao arguido e está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º do Cód. Proc. Penal. O relatório social é, assim, um instrumento de auxílio do juiz, que o “pode” solicitar, caso o considere necessário. Não obstante a ausência de factos relativos às condições sociais e económicas do arguido, a decisão recorrida condenou-o em pena de multa com um valor diário superior ao mínimo legal, considerando que: “(…) Por sua vez, o quantitativo diário determina-se entre o mínimo de cinco e o máximo de quinhentos euros, atendendo à situação económica e financeira do arguido, bem como aos seus encargos pessoais, conforme o disposto no artigo 47, n.º 2, CP, e nada se tendo apurado, mas considerando os limites mínio de cinco e máximo de quinhentos euros, e dado o nível de salário mínimo praticado ao presente, reputa-se adequado o quantitativo diário de sete euros, já que o mínimo se deve reserva para situações de indigência. (…)” Conforme supra se referiu, há insuficiência da matéria de facto para a decisão quando os factos dados como assentes na decisão são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja são insuficientes para a aplicação do direito ao caso concreto, gerando este vício a nulidade da sentença, nos termos previstos nos arts.º 374º, 379º, nº 1, als. a) e c) e 410º, nº 2, al. a) do Cód. Proc. Penal. A verificação da ocorrência deste vício determina a necessidade do seu suprimento podendo, em última ratio, ter como consequência o reenvio dos autos à 1ª instância, caso não seja possível a renovação da prova, prevista no art.º 430º do Cód. Proc. Penal, verificados que estejam os respetivos pressupostos. Atenta a factualidade apurada nos autos no que respeita às condições sociais e económicas do arguido, verifica-se, efectivamente, que a mesma é insuficiente para fundamentar o quantitativo diário de multa em que foi condenado. Quanto às condições pessoais do recorrente nada se apurou, à excepção da ausência de antecedentes criminais. Sucede, porém, que não consta do processo que tenham sido encetadas quaisquer outras diligências com vista a apurar quanto é que o arguido aufere, se se encontra a trabalhar e que encargos económicos tem, bem como a composição do seu agregado familiar. Todos estes factos não podem assentar em meras presunções não alicerçadas em elementos probatórios e têm importância para a decisão da causa, quer ao nível da escolha da pena, quer na graduação da respetiva moldura concreta, atento o disposto nos arts.º 71º, nº 2, al. d) e 47º, nº 2 do Cód. Penal. Ora, não se tendo apurado estas circunstâncias, verifica-se que a decisão recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada, neste tocante, impondo-se ao Tribunal recorrido que investigue, por todos os meios ao seu alcance e legalmente admissíveis, tal factualidade, procedendo a um novo juízo de graduação da pena. É que não tendo o Tribunal recorrido cumprido o dever de investigar convenientemente a situação sócio-económica do recorrente como se lhe impunha que fizesse, encontra-se este Tribunal de recurso impedido, com a factualidade apurada, de decidir a causa relativamente à medida da pena aplicada ao recorrente. Em face do exposto, impõe-se proceder à anulação parcial do julgamento efectuado em 1ª instância e ordenar o reenvio do processo para novo julgamento restrito à produção de prova necessária ao apuramento das condições sociais e económicas do recorrente, incluindo a composição do respectivo agregado familiar, os rendimentos do trabalho ou outros e as despesas fixas e variáveis, a fim de se poder alcançar uma decisão final, tudo em conformidade com o disposto nos arts.º 340º, 369º, 370º, 371º, 410º, nº 2, al. a), 426º, nº 1 e 426º-A todos do Cód. Proc. Penal. Fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso. * 4. DECISÃO: Pelo exposto, acordam os Juízes que integram esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo recorrente AA e, em consequência: - anulam a sentença recorrida no que concerne à medida da pena aplicada ao recorrente; e - ordenam o reenvio do processo para reabertura da audiência de julgamento pelo mesmo Tribunal, restrita à questão da determinação das condições sociais e económico-financeiras do recorrente, incluindo a composição do seu agregado familiar, os respetivos rendimentos e encargos, com vista à determinação do quantitativo da pena de multa concreta a aplicar, ao abrigo do disposto nos arts.º 340º, 369º, 370º, 371º, 410º, nº 2, al. a), 426º, nº 1 e 426º-A todos do Cód. Proc. Penal. Sem custas (art.º 513º, nº 1 do Cód. Proc. Penal). Évora, 10 de Julho de 2025 (texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora) Carla Francisco (Relatora) Mafalda Sequinho dos Santos Edgar Valente (Adjuntos) |