Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3302/09.7TBSTB.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: ACUMULAÇÃO DE PENSÕES
ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
Data do Acordão: 04/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: 23
I - O pagamento de pensão arbitrada no foro laboral não preclude o direito de exercício de ação contra os que considere culpados e que pretende ver ressarcidos no âmbito da lei geral, que não a especifica do foro laboral, como decorre expressamente do artº 31º n.º 1 da Lei 100/97 de 13/09 (Lei dos Acidentes de Trabalho, em vigor à data da ocorrência).
II - A existir cumulação de indemnizações, como alega a recorrente, não era ela, enquanto seguradora da responsabilidade civil por danos decorrentes do uso do veículo em causa, que haveria de ser “contemplada” com o direito de não ressarcimento devido à cumulação, mas sim a Seguradora responsável por danos decorrentes de acidente de trabalho que, caso se verifiquem os requisitos da cumulação, pode requerer a suspensão do pagamento da pensão que vem liquidando à autora Maria de Lurdes, pelo tempo necessário para ficar absorvido o montante recebido nesta ação, passando o pagamento da pensão por acidente de trabalho, apenas, a ser feito quando se esgotar a respetiva cobertura, sempre que a beneficiária sobreviva, conforme decorre do disposto no n.º 2 do citado artº 31º da Lei 100/97.
Decisão Texto Integral:




Apelação n.º 3302/09.7TBSTB.E1 (1ª secção cível)













ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA




Maria de Lurdes ............. ............. ............., Sónia Cristina ............. ............., e Fernanda Maria ............. ............. intentaram, no Tribunal Judicial de Setúbal (Vara de Competência Mista), ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., alegando, em síntese:
- Em 24-05-2004, José ............. (marido da 1.ª autora e pai das 2.ª e 3.ª autoras) veio a falecer na decorrência de ter sido atingido pela tampa de um compartimento existente na parte exterior do autocarro de matrícula HJ-............., de que o mesmo era condutor profissional.
- Aquela tampa exterior foi arrancada em resultado da condução do veículo de matrícula .............-MN, que era propriedade de M............. – Fabrico de Equipamentos M. e Terrestres, Lda. e foi levada a efeito por António José ............., cuja responsabilidade fora transferida para a ré.
- Em consequência dessa ocorrência, e para além da perda do referido direito à vida por parte de José ............., as autoras deixaram de contar com o rendimento auferido por esse, o que, designadamente, levou a que a 2.ª autora tivesse de arranjar trabalho e atrasado a conclusão de curso e de estágio, bem como terem padecido de desgosto e de angústia derivado desse mesmo decesso, e no caso da 1.ª autora de problemas de saúde do foro psiquiátrico.
Concluindo peticionam, em síntese, a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de € 356.150,80, acrescida de juros, em compensação pela perceção da morte e pela perda do direito à vida por parte de José António ............., bem como em compensação pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que alegam ter resultado dessa morte.
Citada, a ré veio contestar, impugnando parcialmente os factos articulados pelas autoras.
A ré requereu, também, a intervenção principal da Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A., que assegurava, no âmbito laboral, a responsabilidade civil pelos danos sofridos por José ............., que veio a ser admitida.
Tramitado e julgado o processo em sede de 1ª instância foi proferida sentença que, no que se refere ao seu dispositivo, reza:
Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência:
a) Condeno a ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. a pagar às autoras Maria de Lurdes ............. ............. ............., Sónia Cristina ............. ............., Fernanda Maria ............. ............., e Fernanda Maria ............. ............. a quantia global de 3.500,00 € (três mil e quinhentos euros), a título de indemnização pela percepção da morte tida por parte de José António ..............
b) Condeno a ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. a pagar às autoras Maria de Lurdes ............. ............. ............., Sónia Cristina ............. ............., Fernanda Maria ............. ............., e Fernanda Maria ............. ............. a quantia global de 22.500,00 € (vinte e dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização pela perda do direito à vida de José António ..............
c) Condeno a ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. a pagar a cada uma das autoras Maria de Lurdes ............. ............. ............., Sónia Cristina ............. ............., Fernanda Maria ............. ............., e Fernanda Maria ............. ............., a título de indemnização pelos danos morais resultantes da morte de José António ............., a quantia de 15.000,00 € (quinze mil euros), num total de 45.000,00 €.
d) Condeno a ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. a pagar a cada uma das autoras Maria de Lurdes ............. ............. ............., Sónia Cristina ............. ............., Fernanda Maria ............. ............., e Fernanda Maria ............. ............., a título de indemnização por lucros cessantes, a quantia de 68.500,00 € (sessenta e oito mil e quinhentos euros).
e) Condeno a ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. a pagar à interveniente Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A., a título de direito de regresso, a quantia global de 12.979,35 € (doze mil, novecentos e setenta e nove euros, e trinta e cinco cêntimos).
f) No mais, julgo a ação improcedente, por não provada, absolvendo a ré do restante pedido.
*
Desta decisão foi interposto recurso, quer pelas autoras, quer pela ré, terminando as recorrentes por formularem as seguintes conclusões:
- As autoras -
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, circunscrito a uma questão precisa relativa à apreciação e interpretação dos elementos probatórios constantes dos autos e sua consequente ponderação na decisão proferida na sentença.
2. Com relevância para o presente recurso foi dada como provada na douta sentença recorrida a matéria de facto constante das alíneas F, N, P, Q, R, RR e TT com a qual as Recorrentes concordam e aceitam, mas delas retiram distintas ilações, conclusões e consequências.
3. Com relevância para a decisão da causa surge a questão: terá o condutor do veículo HJ realizado todos os esforços de forma a impedir e/ou evitar embaraçar o trânsito, não comprometendo a segurança e a comodidade dos utentes da via?
4. Sucede que, no caso presente, existe prova isenta e convincente quanto à questão que aqui se coloca:
a) Nesse sentido, veja-se o depoimento da testemunha Manuel Candeias da Cruz ;
b) o depoimento da testemunha António José Pinheiro Condenço;
c) o depoimento da testemunha José Alcaçareno Luís;
d) o depoimento da testemunha Manuel Ferreira; e
e) o depoimento da testemunha Artur Ferreira
5. Ficou, pois, provado que o condutor do veículo HJ tomou todas as providências que lhe seriam exigíveis de forma a garantir a segurança dos demais utentes da via, sendo que nada mais lhe era exigido perante as circunstâncias, inesperadas, que lhe foram apresentadas.
6. Assim, perante a dimensão do veículo e características da via o condutor não poderia ter tido outro comportamento senão exatamente aquele que tomou:
7. O condutor do veículo HJ:
- imobilizou o veículo na berma;
- o máximo possível ao rails de proteção tendo em conta a dimensão do veículo;
- fez a sinalização de emergência recorrendo ao uso dos quatro piscas.
8. Face a esta prova, que se crê perfeitamente convincente, não pode a sua interpretação fundamentar e resultar na decisão proferida, por contraditória com a matéria provada.
9. Face ao exposto, salvo melhor opinião, deverá determinar-se a alteração da decisão proferida em primeira instância, concluindo que dos factos provados em F, P, Q e R e RR se retira que o condutor do veículo HJ não teve qualquer contribuição para a ocorrência do acidente porque tomou todas as devidas e necessárias precauções de segurança e sinalização quando imobilizou o seu veículo na berma.
10. A única violação ao Código da Estrada que resultou efetivamente provada, foi a do condutor do MN, que embateu num veículo pesado de passageiros, visível a mais de 300 metros, de dia e com bom tempo, veículo esse imobilizado na berma da autoestrada com os quatro piscas ligados.
11. A culpa pela produção do acidente é exclusiva do condutor do veículo MN. Esse sim, viola, não só o disposto no artigo 24º do Código da Estrada, como o artigo 3º nº 2 do mesmo Código, pois só este condutor podia e devia ter evitado o acidente dos autos.
12. Nessa medida, porque preenchidos pelo condutor do veículo MN os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual previstos no artigo 483º do C. C. deverá a recorrida Seguradora - Allianz Companhia de Seguros, S.A, ser condenada a pagar integralmente os danos peticionados e apenas parcialmente considerados na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
- A ré -
A indemnização global por danos futuros foi calculada em € 137.000,00 e subsequentemente reduzida a 50% como consequência da graduada concorrência de culpas (cfr. págs. 18 da sentença), ou seja, € 68.500,00.
Todavia na parte decisória condenou-se a Ré a pagar a cada uma das autoras (de resto repetindo-se a última) os referidos € 68.500,00 quando este deveria ser o montante global a repartir pelas três.
A não se dever tal decisão a lapso verifica-se a nulidade prevista nas alíneas c) e e) do nº 1 do artigo 668º do Cód. de Proc. Civil visto que por um lado há oposição entre os fundamentos da decisão e a própria decisão e, por outro lado, tal condenação excede o peticionado pelas A.A. a titulo de danos futuros já que este se cifra em € 164.961,40.
Assim, e para a hipótese de vir a ser entendido não se tratar de lapso corrigível a todo o tempo, arguem-se tais nulidades nos termos e para os efeitos do já citado artigo 668º do Cód. de Proc. Civil.
Isto posto,
Vem decidido que ambos os intervenientes no acidente, o falecido José ............. e o condutor António Luís, contribuíram para a produção do acidente na proporção de 50% para cada um, decisão essa com a qual se concorda.
Discorda-se, porém, quer do montante ressarcitório fixado para indemnizar os danos futuros dos A.A., como consequência do óbito do José ............., quer do teor da condenação expressa na alínea d) do Ponto IV – Decisão, da douta sentença recorrida.
No que á primeira das questões concerne apurou-se que o José ............. auferia, à data da sua morte, a retribuição de € 1.355,94 x 14, que o falecido José ............. gastaria consigo próprio a quantia de € 300.00, que tinha à data do evento 56 anos e considerou-se como idade da reforma 65 anos.
Igualmente demonstrado vem que o acidente dos autos revestiu, simultaneamente, a natureza de um acidente de trabalho e de um acidente de viação e que a Autora Maria de Lurdes ............. ............. ............., por sentença já transitada em julgado proferida nos autos 429/04.51TBSTB que correram os seus trâmites pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal, aufere uma pensão anual vitalícia no valor de € 5.610,95 até à idade da reforma.
A indemnização por danos futuros, como vem sendo jurisprudencialmente decidido, deve ser fixada em equidade mas tendo-se em consideração os adequados critérios financeiros e formulas matemáticas que permitam determinar um capital que se extinga no termo da vida ativa.
10ª Á luz de tais critérios e da equidade revela-se como adequada a indemnização determinada de € 137.000,00.
11ª Acontece, porém, que estando a Autora Maria de Lurdes ............. ............. ............. a receber uma pensão anual e vitalícia de € 5.610,95 anuais, durante os anos de vida ativa que o falecido José ............. beneficiaria, ser-lhe-ão pagos € 50.498,55 (€ 5.610,95 x 9 = € 50.498,55).
12ª Consequentemente aos indicados € 137.000,00 deverão ser abatidos € 50.498,55 pelo que o capital correspondente à indemnização por lucros cessantes deverá ser reduzido para € 86.501,46 e, subsequentemente, considerando-se a concorrência de culpas, novamente reduzido para 50% desse valor ficando o valor de tal capital em € 43.250,73 (€ 86.501,46 : 2 = 43.250,73).
13ª Em resumo, a indemnização que cabe às três Autoras a título de dano futuro deverá ser fixada em € 43.250,73.
14ª Não o entendendo assim, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483º, 562º, 564º e 566º do Código Civil que deveriam ter sido interpretados pela forma que se deixa descrita.
15ª Sem conceder, se acrescentará que a decisão ora sob recurso, embora tenha entendido que a indemnização global, logo a que cabia a todas a Autoras, se cifrava em € 68.500,00 (cfr. págs. 18 da sentença) na sua parte decisória condenou a Ré a pagar a cada uma das autoras, a quantia de € 68.500,00 o que se traduz numa contradição entre o decidido a págs. 18 e a condenação que se expressa a págs. 20.
16ª Impondo-se, a improceder a pretensão da Recorrente que a indemnização seja reduzida por força do percebido no âmbito do foro laboral, que se decida que o montante ressarcitório de € 68.500,00 seja satisfeito a todas as A.A. em conjunto e não autonomamente a cada uma delas já que a não ser assim essa indemnização pecaria por obvio excesso e estaria em contradição com o na mesma sentença decidido ficara atrás.
17ª Violando, por isso, o disposto nos artigos 483º, 562º, e 564º do Código Civil.
18ª Por todo o exposto deve, pois, conceder-se provimento ao recurso e, em consequência, alterar-se a douta decisão recorrida por forma a que a Ré, ora Recorrente, seja apenas condenada a satisfazer às A.A. em conjunto e como indemnização a titulo de dano futuro o montante de € 43.250,73 ou, quando assim se não entenda, o que só sem conceder se refere, a pagar às mesmas A.A., sempre em conjunto, e não separadamente, o montante global de € 68.500,00, tudo como é de JUSTIÇA
*
Foram apresentadas contra alegações em ambos os recursos.
*
Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 685º - A todos do Cód. Proc. Civil.
Assim, a questões essenciais que importa apreciar, são as seguintes:
1ª – Da nulidade da sentença (recurso da ré)
2ª – Da culpa na produção do acidente (recurso das autoras).
3ª – Do montante indemnizatório atribuído a título de lucros cessantes (recurso da ré).
*
Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual:
A. À data do embate encontrava-se em vigor o contrato de seguro titulado pela apólice nº. 5070/1054331, nos termos do qual a proprietária do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula .............-MN, M............. – Fabrico de Equipamentos M. e Terrestres, transferiu para a Ré Companhia de Seguros Allianz de Portugal, S.A., a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da sua circulação.
B. À data do embate encontrava-se em vigor o contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº. 2255025, a TST – Transportes Sul do Tejo, S.A. transferiu para a interveniente Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A. a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho com os seus trabalhadores, incluindo o referido José António ............., nos termos constantes do documento junto de fls. 122 e 123.
C. No dia 24 de Maio de 2004, pelas 17h45m, na Autoestrada nº. 2, ao Km 36,500, em Palmela, ocorreu um embate no qual foram intervenientes, o veículo pesado de passageiros (autocarro), de matrícula HJ-............., conduzido por José António ............. e propriedade de TST – Transportes Sul do Tejo e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula .............-MN, conduzido por António José Alcarenho Luís e propriedade de M............. – Fabrico de Equipamentos M. e Terrestres.
D. O veículo MN embateu na tampa lateral esquerda do veículo HJ, a qual saltou da estrutura do autocarro e foi projetada, atingindo a cabeça do condutor do veículo HJ, José António ............., causando-lhe as lesões descritas no relatório de autópsia junto de fls. 33 a 34, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e que foram a causa necessária da morte do mesmo ocorrida no dia 24 de Maio de 2004. (Doc. fls. 33 a 34 e 35).
E. O referido José António ............., faleceu com 56 anos de idade e no estado de casado com a Autora Maria de Lurdes ............. .............. (Doc. fls. 35 e 75 a 77).
F. A referida autoestrada no sentido Sul/Norte é constituída por duas hemi-faixas de rodagem, com 3,55m de largura, uma berma do lado direito, com 2,50m de largura, sendo ladeada por rails de proteção laterais.
G. As Autoras Sónia Cristina ............. ............. e Fernanda Maria ............. ............., nascidas em 09/02/1978 e 18/04/1973, respetivamente, encontram-se registadas como filhas do falecido José António .............. (Doc. fls. 78 e 79).
H. Após o embate o referido José António ............. foi transportado para o Hospital São Bernardo, em Setúbal.
I. Na ocasião do embate o referido José António ............. conduzia o veículo de matrícula HJ, ao serviço da TST – Transportes Sul do Tejo, para quem trabalhava como motorista, sob as ordens, direção e fiscalização da mesma.
J. Por sentença proferida, já transitada em julgado, nos autos nº 429/04.5ITBST, que correram termos pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal, em que foi Autora a aqui Autora Maria de Lurdes ............. ............. ............. e Ré a interveniente Fidelidade – Mundial, S.A. e TST – Transportes Sul do Tejo, S.A., foram as Rés condenadas:
- No pagamento à Autora, desde 25 de Maio de 2004, de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 5.610,95 até que a Autora perfaça a idade da reforma por velhice, sendo que, a partir desta data terá direito a receber uma pensão anual e vitalícia no valor de € 7.781,26, sendo por reporta àquela primeira a Ré Fidelidade – Mundial, S.A. responsável pelo pagamento de Euros 3000,74 (53,48%) e a Ré TST – Transportes Sul do Tejo, S.A., responsável pelo pagamento de € 2.610,21 (46,25%), e por reporte àquela Segunda, a Ré Fidelidade Mundial, S.A. responsável pelo pagamento de € 4.000,98 (53,48%) e a Ré TST – Transportes Sul do Tejo, S.A. responsável pelo pagamento de € 3.480,28 (46,52%);
- A cada uma das pensões já vencidas acrescem juros legais desde a data de vencimento de cada uma delas;
- No pagamento à Autora, a título de subsídio por morte, pela Ré Fidelidade – Mundial, S.A., do montante de € 4.387,20, quantia à qual acrescem juros legais, desde 25 de Maio, até efetivo pagamento (Doc. fls. 43 a 66).
K. O local do embate configura uma reta com boa visibilidade.
L. No momento do embate era dia e estava bom tempo.
M. O condutor do HJ circulava na A2 no sentido Sul/Norte, pela hemi-faixa da direita.
N. Durante o trajeto, a tampa lateral do lado esquerdo, junto à roda dianteira, destinada a revestir a zona onde se encontra a bateria do veículo HJ, abriu-se na direção da faixa de rodagem.
O. Facto que foi alertado ao condutor do HJ por outros condutores que o ultrapassavam.
P. Por forma a evitar que da abertura da referida tampa pudesse resultar perigo para a circulação rodoviária, para si e para os demais utentes da via, o condutor do veículo HJ efetuou sinal luminoso de pisca para a sua direita e imobilizou o HJ na berma direita.
Q. Totalmente fora das hemi-faixas de circulação, exceto no que concerne à tampa lateral referida em N.
R. Quando imobilizou o veículo o condutor do veículo HJ acionou os quatro sinais luminosos intermitentes.
S. Após ter imobilizado o veículo, o condutor do HJ saiu pela porta da frente direita destinada aos passageiros, passando pela frente do autocarro pelo exterior, a fim de verificar se era possível fixar a tampa lateral esquerda do pesado do HJ.
T. Quando o condutor do HJ se encontrava parado junto à esquina da frente do lado esquerdo do HJ, espreitando para a lateral esquerda do mesmo veículo, ocorre o embate referido em D).
U. Circulando o veículo MN na hemi-faixa da direita da A2, no mesmo sentido de trânsito em que havia circulado o HJ.
V. O condutor do veículo MN tinha visibilidade sobre a via, em toda a sua largura e extensão, numa distância de mais de 300 metros em relação ao local onde se encontrava imobilizado o veículo HJ.
W. Na ocasião do embate, o veículo MN era conduzido com conhecimento, por conta e no interesse da Metalolador.
X. No momento em que a tampa lateral do lado esquerdo atingiu a cabeça do condutor do veículo HJ, este sentiu uma dor.
Y. À data do embate a Autora Sónia Cristina estava a cargo e dependente do referido José António ..............
Z. José António ............. era muito ligado às A.A., nutrindo pelas mesmas muito amor, carinho e dedicação, tudo fazendo para que nada lhes faltasse.
AA. José António ............. sustentava a sua mulher e filhas, pagando com o seu salário todas as despesas com renda de casa, alimentação, vestuário, água, luz e gás.
BB. Antes do embate o José António ............. gozava de saúde e nunca lhe tida sido conhecida qualquer enfermidade.
CC. Na data do embate o José António ............. tinha a profissão de motorista desde 1981.
DD. Na data do embate o José António ............. auferia a remuneração média mensal de € 1.355,94X14 meses.
EE. E a retribuição anual de € 18.703,16.
FF. José António ............. gastava consigo próprio o montante de cerca de € 300,00 da sua retribuição mensal.
GG. Com a morte do José António ............. as A.A. sofreram um profundo desgosto, sentimento de perda e desnorte, faltando-lhes o pilar fundamental na sua organização familiar.
HH. E viram afetada a alegria de viver.
II. Fechando-se na sua dor, chorando e lamentando o sucedido.
JJ. As A.A. recordam o falecido José António ............. permanentemente.
KK. A Autora Maria de Lurdes, em consequência da morte do José António ............., perdeu muitas noites de sono e passou a sofrer de depressão profunda.
LL. Sendo acompanhada desde a data do falecimento do José António ............. pela especialidade de psiquiatria, coadjuvada por medicamentos para dormir e para controlar a ansiedade.
MM. Com a morte do referido José António ............., a 2ª Autora foi obrigada a ingressar no mercado de trabalho para ajudar nas despesas da casa.
NN. Com a morte do referido José António ............., a 3ª. Autora sofreu muito a perda do pai e com o facto da sua filha ter sido privada do convívio com o avô.
OO. A Autora pagou a quantia de € 1.189,80, a título de despesas com o funeral do referido José António ..............
PP. Na ocasião do embate o veículo MN percorreu a via de acesso e entrou na faixa de aceleração da A2, sentido Sul/Norte.
QQ. O condutor do veículo MN avistou o veículo HJ a uma distância de cerca de 300 metros do mesmo.
RR. E o veículo HJ encontrava-se estacionado paralelamente à linha divisória da berma/faixa de rodagem.
SS. No momento em que o veículo MN passou pela lateral esquerda da traseira do veículo HJ, embateu com a parte lateral direita do MN na tampa lateral esquerda, junto à roda dianteira do HJ.
TT. Essa tampa estava aberta, em posição perpendicular à cabine do autocarro e ocupando cerca de 80 cm a 1 metro da semi-faixa de rodagem direita da A2.
UU. Na ocasião do embate o veículo MN circulava a 80Km/hora.
VV. Por força dos autos referidos em J), a interveniente Companhia de Seguros Fidelidade Mundial já pagou à 1ª Autora a quantia de € Tribunal Judicial de Setúbal 4.387,20, a título de subsídio por morte, € 19.993,91, a título de pensões e a quantia de € 563,19, a título de juros de mora.
WW. Tendo ainda liquidado a quantia de € 1.014,40, a título de despesas judiciais.
*
Conhecendo da 1ª questão
A nulidade da sentença prevista no artº 668º n.º 1 al. c) do Cód. Proc. Civil ocorre quando se verifica um vício real no raciocínio expendido pelo julgador que leve a que se conclua em sentido oposto ou diferente de toda a lógica expressa na formação da decisão, - v. ac. STJ de 12/02/2004 in http://www.dgsi/jstj, no processo referenciado com o nºs 03B1373. o que, manifestamente, cremos não se verificar na sentença em apreciação, pois, o alegado vício só se terá por verificado quando, perante as premissas de facto e de direito que tinha por apuradas, a lógica do raciocínio do julgador levasse à prolação de decisão em sentido oposto ou diferente daquela que veio a proferir.
O que ocorre efetivamente é um mero lapso ou erro de escrita que conduz, perante a leitura do texto a que também se evidencie, embora erroneamente, existir condenação excessiva.
Do compulsar da decisão recorrida e da argumentação e fundamentos nela consignados ressalta à evidência que o Julgador entendeu por bem, por segundo ele tal se mostrar justo e equilibrado, “a fixação do montante indemnizatório global, a título de lucros cessantes, em € 137 000,00” devendo a ré “ser condenada a pagar 50% desta quantia, ou seja o valor total de 68 500,00 €” (v. fls. 18 da sentença) donde a referência, na parte decisória da sentença “a cada uma das autoras” surge apenas devido a erro de escrita, uma vez que apenas se queria dizer “pagar às autoras…”.
Deste modo, verificamos a existência de erro de escrita que se suprirá, mas não a referida nulidade da sentença.

Conhecendo da 2ª questão
Na decisão recorrida o Julgador a quo entendeu que a culpa na produção do acidente devia ser repartida em partes pela vítima e pelo condutor do veículo seguro na ré.
No que se refere à conduta da vítima salientou:
“Embora esse autocarro se encontrasse totalmente fora das respetivas hemi-faixas de circulação, aquela sua tampa lateral esquerda encontrava-se dentro dessas mesmas zonas de efetiva circulação rodoviária.
Assim, verifica-se que esse aspeto da conduta de José ............. mostra-se violador do referido dever de diligência, uma vez que a tampa em causa contribuiu para embaraçar o trânsito, e, nos termos resultantes da prova, comprometeu a segurança dos utentes da autoestrada n.º 2.”
As autoras por sua vez defendem que dos factos provados “resulta claro, que o falecido condutor do veículo HJ tomou todas as providências que lhe eram exigíveis de forma a garantir a segurança dos demais utentes da via, sendo que nada mais lhe era exigido perante as circunstâncias, inesperadas, que surgiram.”
Em nosso entendimento e em face da matéria de facto dada como provada designadamente na constante nos pontos F, N, P, Q, R, RR e TT, a vítima, condutor do autocarro de passageiros, realizou todos os esforços possíveis a sinalizar a sua manobra, a imobilizar o veículo dentro dos limites da berma direita, o mais próximo possível dos rails de proteção lateral, tendo em vista garantir a segurança dos utentes da autoestrada por onde transitada perante a inesperada abertura da tampa existente na parte lateral esquerda do autocarro.
É certo que nas autoestradas é proibido parar, mesmo que seja na berma (artº 72º n.º 2 al. b) do C.E.), mas tal não significa que numa situação de emergência tal não possa ser feito desde que haja causa justificante para tal infração.
A ré não obstante aceitar que foi uma circunstância inesperada que levou à paragem do autocarro nos termos em que a mesma foi efetuada salienta que o condutor do mesmo não colocou o triângulo de pré-sinalização, desrespeitando o disposto no artº 88º n.º 2 do C. E., e não tendo tido como primeira preocupação, após a paragem e a colocação das luzes intermitentes, a colocação o triângulo de pré-sinalização, bem como não imobilizou o veículo de forma que a tampa lateral que se encontrava aberta ficasse, também e dentro da berma.
Quanto à questão da colocação do triângulo diremos que o falecido não teve, nem devia ter, tal preocupação uma vez que a lei em vigor à data da ocorrência (C. E., versão da a Lei 20/2002 de 21/08) não previa na situação em apreço tal dever ou obrigação.
A ocorrência deu-se de dia, por isso a colocação do sinal de pré-sinalização de perigo só era obrigatório quando o veículo imobilizado, total ou parcialmente, na faixa de rodagem não fosse visível a uma distância de, pelo menos, 100 m (artº 88º n.º 2 do C. E.), o que não é o caso, pois o autocarro era visível, para quem dele se aproximava, a mais de 300 metros. O condutor do autocarro cumpriu com as regras estradais inerentes à sinalização de perigo usando as luzes, tal como decorre do estipulado nos artº 60º n.º 1 al. e) e 63º n.º 3 al. a), ambos do C. E..
No que se refere à imobilização do autocarro por forma a que a tampa aberta ficasse também dentro da berma, ao contrário do que sustenta a ré, diremos que era manifestamente impossível que tal acontecesse, atendendo às dimensões do veículo, ao comprimento da tampa e à largura da berma.
Pois, numa berma com uma largura de 2,50 metros, ladeada por rails de proteção laterais, é impossível meter um autocarro com uma dimensão na sua largura de pelo menos 2,50 m e ao mesmo tempo fazer que a porta que se encontrava aberta na sua lateral esquerda, também fique fora da faixa de rodagem. Do que resulta apurado, o condutor do autocarro aproveitou, tanto quanto lhe foi possível, o espaço existente na berma a fim de impedir no mínimo possível a faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha.
Temos assim, para nós, que o condutor do autocarro perante a inesperada abertura da tampa lateral, não poderia ter cumprido naquele momento e perante as circunstâncias que se lhe depararam, o dever de diligência que se impunha, de outra forma que não fosse aquela.
Por isso, não podemos deixar de estar em consonância com a posição das autoras quando afirmam que o único culpado do acidente foi o condutor do veículo seguro na ré que, não obstante ter avistado a mais de 300 metros um veículo pesado de passageiros parado na berma da auto-estrada com sinalização de perigo acionada (quatro piscas ligados), e circular a uma velocidade de 80 km/h, não conseguiu evitar o embate na porta que se encontrava aberta e que ocupava cerca de 80 cm a 1 metro da hemi-faixa de rodagem direita.
Perante a sinalização de perigo impunha-se ao condutor do veiculo seguro na ré que tomasse as devidas precauções, e fizesse uma condução prudente e concentrada, pois uma condução prudente e atenta, tendo em atenção até, a velocidade a que seguia possibilitava-lhe inequivocamente fazer um desvio da porta aberta de modo a passar entre ela e o limite da hemi-faixa esquerda, não necessitando, assim, de ocupar esta, muito embora nada nos diga que ela, na altura, estava, no local, a ser ocupada por tráfego o que obstaculizava a sua invasão sem o perigo de colisão.
A hemi-faixa de rodagem tinha a largura de 3,55 m e estando obstruída pela porta em cerca de um metro, ainda tinha desocupado um espaço com a largura de 2,55 metros, ou seja, espaço suficiente para nele fazer circular um veículo ligeiro de passageiros, tal como o seguro na ré (que não tem mais de um 1,50m de largura), caso o seu condutor praticasse um condução atenta às circunstâncias do tráfego e às condições da via e fosse medianamente perito e diligente perante as eventualidades que se deparam aos condutores no âmbito da circulação estradal.
Nestes termos entendemos mostrar-se ajustado no caso concreto em atribuir a culpa exclusiva na produção do acidente ao condutor do veículo seguro na ré, pelo que procede a apelação das autoras com todas as consequências daí advenientes, relativamente ao ressarcimento dos danos por parte da ré seguradora.

Conhecendo da 3ª questão
A ré no que à indemnização diz respeito, discorda do montante que foi arbitrado como ressarcimento dos lucros cessantes das autoras, € 68 500,00 (correspondente a 50% de culpa pela produção do acidente), indemnização que na globalidade foi fixada ao montante de € 137 000,00.
O pomo da discórdia não está no método de cálculo que a ré até aceita, mas sim no facto da autora Maria de Lurdes já estar a receber uma pensão arbitrada no foro laboral em virtude do acidente ter sido simultaneamente de viação e de trabalho (v. al. J dos factos assentes), não podendo ser ressarcida em duplicado pelos prejuízos decorrentes dos mesmos danos.
As recorridas defendem que a alegação da ré não pode proceder uma vez que em momento nenhum omitiram que a autora Maria de Lurdes estava a receber uma pensão anual do foro laboral, apenas tendo peticionado “o remanescente para além da indemnização anual de € 5 610,95 pelo que nada há a abater”.
Seja como for, não assiste razão à recorrente, uma vez que qualquer pagamento de pensão arbitrada no foro laboral não preclude o direito de exercício de ação contra os que considere culpados e que pretende ver ressarcidos no âmbito da lei geral, que não a especifica do foro laboral, como decorre expressamente do artº 31º n.º 1 da Lei 100/97 de 13/09 (Lei dos Acidentes de Trabalho, em vigor à data da ocorrência).
E, por isso, a existir cumulação de indemnizações, como alega a recorrente, não era ela, enquanto seguradora da responsabilidade civil por danos decorrentes do uso do veículo em causa, que haveria de ser “contemplada” com o direito de não ressarcimento devido à cumulação, mas sim a Seguradora Fidelidade – Mundial S. A. (interveniente nesta ação), responsável por danos decorrentes de acidente de trabalho que, caso se verifiquem os requisitos da cumulação, pode requerer a suspensão do pagamento da pensão que vem liquidando à autora Maria de Lurdes, pelo tempo necessário para ficar absorvido o montante recebido nesta ação, passando o pagamento da pensão por acidente de trabalho, apenas, a ser feito quando se esgotar a respetiva cobertura, sempre que a beneficiária sobreviva, conforme decorre do disposto no n.º 2 do citado artº 31º da Lei 100/97.
Nestes termos, improcede o recurso interposto pela ré.

*
*

DECISÂO
Pelo exposto, decide-se:
A) Julgar improcedente o recurso interposto pela ré;
B) Julgar procedente a apelação das autoras e, consequentemente, revogar a sentença recorrida na parte impugnada, e de cujo dispositivo passará a constar a condenação da ré:
a) a pagar às autoras Maria de Lurdes ............. ............. ............., Sónia Cristina ............. ............. e Fernanda Maria ............. ............. a quantia global de 7.000,00 € (sete mil euros), a título de indemnização pela perceção da morte tida por parte de José António ..............
b) a pagar às autoras Maria de Lurdes ............. ............. ............., Sónia Cristina ............. .............e Fernanda Maria ............. ............. a quantia global de 45.000,00 € (quarenta e cinco mil euros), a título de indemnização pela perda do direito à vida de José António ..............
c) a pagar a cada uma das autoras Maria de Lurdes ............. ............. ............., Sónia Cristina ............. ............. e Fernanda Maria ............. ............., a título de indemnização pelos danos morais resultantes da morte de José António ............., a quantia de 30.000,00 € (trinta mil euros), num total de 90.000,00 €.
d) a pagar às autoras Maria de Lurdes ............. ............. ............., Sónia Cristina ............. ............. e Fernanda Maria ............. ............., a título de indemnização por lucros cessantes, a quantia de 137.000,00 € (cento e trinta e sete mil euros).
e) a pagar à interveniente Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A., a título de direito de regresso, a quantia global de 12.979,35 € (doze mil, novecentos e setenta e nove euros, e trinta e cinco cêntimos).
f) No mais, julga-se a ação improcedente, por não provada, absolvendo a ré do restante pedido.
Custas pela apelante Allianz – Companhia de Seguros S. A.

*


Évora, 19 de Abril de 2012



Mata Ribeiro


Sílvio Teixeira de Sousa


Rui Machado e Moura