Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
| Descritores: | EMPRÉSTIMO BANCÁRIO PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS | ||
| Data do Acordão: | 05/21/2020 | ||
| Votação: | MAIORIA COM VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | Os empréstimos bancários para aquisição de habitação própria cujo pagamento, por acordo das partes, foi fracionado em prestações que incluem o pagamento de juros, prescrevem no prazo de cinco anos, por aplicação do artigo 301.º, alínea e), do Código Civil. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 8563/15.0T8STB-A.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. (…), residente na Av.ª (…), nº 6, em Setúbal, por apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa que lhe foi instaurada pela Caixa Geral de Depósitos e em que são co-executados (…), (…) e (…), veio deduzir oposição mediante embargos. Alegou que a escritura pública do contrato de mútuo, dada à execução, foi celebrada em 22/12/89, o mútuo foi resolvido em 20/3/1993, ficando em dívida a quantia de € 34.449,95 e a execução deu entrada em 7/10/2015. O prazo de prescrição da dívida é de cinco anos e como decorreram mais de 22 anos entre a resolução do contrato e a instauração da execução, a dívida mostra-se prescrita. Concluiu pela extinção da execução. A Embargada contestou argumentando, em resumo, que a dívida emerge de uma única obrigação, pagável em prestações, cujo incumprimento implicou o imediato vencimento de todas, a que é aplicável o prazo ordinário da prescrição e não o prazo de cinco anos e, de qualquer forma, o prazo prescrição interrompeu-se com a citação da Embargante, e dos demais executados, para a ação executiva, que correu termos com o nº 341/97 e com o reconhecimento da dívida pelos devedores, em reuniões havidas entre a embargada e os mutuários e representante destes, entre 23/6/1998 e 24/5/2002, com vista a formalizarem um acordo de pagamento ou a eventual venda do imóvel hipotecado. Concluiu pela improcedência dos embargos.
2. Seguiu-se despacho saneador que conhecendo do mérito da causa dispôs a final: “(…) considerando verificada a exceção da prescrição, julgo os presentes embargos procedentes e, por consequência, determino a extinção da execução relativamente à embargante.”
3. A Embargada recorre da sentença formulando as seguintes conclusões: “1. O presente recurso foi interposto da Douta Sentença com a Referência 89368085, proferida pelo M.º Juiz a quo, a qual “considerando verificada a exceção da prescrição, julgo[u] os presentes embargos procedentes e, por consequência, determino[u] a extinção da execução relativamente à embargante”. 2. Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o M.º Juiz a quo não fez correta nem adequada aplicação do Direito. 3. A Apelante está, pois, convicta que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a Douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. 4. Salvo o devido respeito, é manifesto que, da prova produzida, não poderia o douto Tribunal a quo concluir que, por um lado, o crédito exequendo encontra-se prescrito e que, por outro lado, não ocorreu qualquer circunstância suscetível de produzir o efeito interruptivo da prescrição. 5. Vejamos: resulta dos autos que, em 18.04.1997, a Recorrente instaurou uma ação executiva para pagamento de quantia certa, à qual foi atribuído o n.º 341/97, contra (…), (…), (…) e (…). 6. Tendo a Recorrente comunicado aos mutuários e aos fiadores, onde se inclui a aqui Recorrida, que “foi enviado ao Tribunal Cível da Comarca de Setúbal o expediente necessário à instauração do processo executivo, para cobrança integral e coerciva do crédito referente ao empréstimo em epígrafe”. 7. Foram ainda realizadas reuniões, nas quais foram apresentadas propostas pelos devedores, analisadas diversas possibilidades de acordo e de eventual venda extrajudicial do imóvel hipotecado, sendo manifesto que, através destas propostas e reuniões, os devedores reconheceram a dívida para com a aqui Recorrente, pese embora não tenha sido alcançado um acordo entre todas as partes. 8. Ademais, o requerimento executivo inicial foi apresentado em juízo tendo por base a escritura pública que subjaz ao mútuo com hipoteca e fiança celebrado e o respetivo documento complementar que inequivocamente atesta as responsabilidades assumidas pelas partes, bem como as respetivas sanções a aplicar em caso de incumprimento. 9. Aqui chegados, e conforme vertido na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo “Coloca-se assim a questão de saber se, face à exigibilidade de toda a dívida, o prazo de prescrição a considerar deve ser o ordinário, de vinte anos, estabelecido no art. 309º, e não o prazo de cinco anos previsto na alínea e) do art. 310º, que dispõe que as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros prescrevem no prazo de cinco anos”. 10. Considera a Recorrente que a resposta terá que ser afirmativamente a primeira solução apresentada, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, o qual é do entendimento de que aos presentes autos é aplicável a segunda hipótese. 11. Efetivamente, resulta dos autos, as prestações convencionadas no contrato que constitui título executivo da presente ação deixaram de ser pagas em 20.03.1993, o que implicou o imediato vencimento de todas as prestações, nos termos do disposto no artigo 781.º do CC e do clausulado contratual. 12. Daqui resulta que em causa está uma dívida previamente fixada que seria paga em diversas frações também elas previamente estipuladas, ou seja, estamos perante o vencimento antecipado de uma obrigação liquidável em prestações pela perda do benefício do prazo, razão pela qual a obrigação exequenda não é subsumível à alínea e) do artigo 310.º do CC, mas sim ao artigo 309.º do mesmo diploma. 13. Ainda a este propósito, ensina o Prof. Galvão Telles (in “Obrigações”, 2.ª ed., 178) que não se devem confundir as dívidas a prestações e as dívidas periódicas. Nestas últimas há uma pluralidade de obrigações distintas, embora todas emergentes de um vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente como dívidas de renda, que periodicamente se constituem com base no contrato de arrendamento. Nas primeiras, pelo contrário, há só uma obrigação cujo objeto é dividido em frações com vencimentos intervalados. 14. O Prof. Galvão Telles defende, assim, que “as prestações periódicas resolvem-se em atos sucessivos, com intervalos regulares ou irregulares, como a obrigação do inquilino de pagar as rendas ou a do fornecedor de fazer entregas à medida que forem solicitadas” (in “Direito das Obrigações”, 7.ª ed., pág. 39 e seguintes), respeitantes a créditos emergentes de contratos de prestação de serviços, designadamente fornecimentos de bens essenciais, com vencimento periódico e reiterado, em regra representativos de contrapartidas resultantes da utilização de certos bens ou serviços. 15. Mais acrescenta que “não se confunde com esta última categoria o caso de uma obrigação única dividida ou fracionada em parcelas. Existe então uma obrigação global que é efetuada por partes, escalonadas no tempo, as quais se dizem “prestações” num sentido especial da palavra: pode apontar-se como exemplo (…) um empréstimo em dinheiro em que se convencione o pagamento parcelado”. 16. Efetivamente, nas prestações fracionadas o tempo não influi na determinação do seu objeto mas tão-somente se relaciona com o seu modo de execução, ao contrário das prestações duradouras, nas quais a prestação devida depende do fator tempo. 17. Aliás, conforme doutrinariamente defendido na obra “Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia”, volume III, página 47, 1.º, 2.º e 3.º parágrafos do ponto IV, redigida pelo Professor Dr. Jorge Miranda: “Na verdade, na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos (…).” 18. A este propósito, ensina Menezes Cordeiro que “a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização” (in “Tratado de Direito Civil”, V, pág. 175 e 176). 19. No mesmo sentido, Ana Filipa Antunes considera que prazo curto de prescrição se justifica por estarem em causa prestações periódicas mas “este prazo vale para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo” (in “Prescrição e Caducidade”, pág. 79). 20. O que se encontra em consonância com a posição defendida pelos Tribunais da Relação de Guimarães e do Porto no Acórdãos de 16.03.2017 e 26.04.2016, no âmbito do Proc. n.º 589/15.0T8VNF-A.G1 e do Proc. n.º 525/14.0TBMGR-A.C1, respetivamente, onde se decidiu que “Se em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos”. 21. Isto porque, continua o douto Tribunal da Relação do Porto, “O vencimento imediato das prestações restantes, significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações: desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. Desfeita a ligação anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional: os juros que se forem vencendo prescreverão no prazo de cinco anos, e o capital (…) encontrar-se-á sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos” (cfr. o mencionado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.04.2016). 22. No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do Proc. n.º 17012/17.8YIPRT.C1 de 12.06.2018, onde se decidiu que “Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”. 23. Deste modo, é inequívoco que nos presentes autos está em causa está o incumprimento de uma obrigação liquidável em prestações, existindo uma única obrigação cujo cumprimento foi, ab initio, fracionado em várias prestações. 24. Aliás, de outra forma o prazo ordinário de prescrição de vinte anos, consagrado no artigo 309.º do Código Civil, nunca teria qualquer aplicabilidade. 25. Desta feita, considerando que in casu estamos perante uma prestação fracionada e não uma prestação periódica renovável, aos presentes autos é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos consagrado no art. 309.º do CC e nunca o prazo de cinco anos previsto no art. 310.º do mesmo diploma normativo. 26. Ademais, o prazo de prescrição resultou interrompido, nos termos e para os efeitos dos artigos 323.º, 325.º, 326.º e 327.º do Código Civil, atento o reconhecimento do direito, resultante da instauração da mencionada ação e da ulterior citação, bem como o reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular, inutilizando o tempo decorrido anteriormente, nos termos dos artigos 326.º, nº 1 e 327.º, nº 1, do CC. 27. Assim sendo, o prazo de prescrição (de vinte anos), que teve início na data do incumprimento (20.03.1993) interrompeu-se com a instauração do proc. n.º 341/97 e consequente citação para a execução (18.04.1997 e 20.06.1997), inutilizando o prazo decorrido anteriormente e tendo sido iniciado novo prazo (de vinte anos) a contar da data do trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao Proc. n.º 341/97, ou seja, a contar do ano de 1998. 28. Noutras palavras: à data da instauração da execução que constitui os autos principais (14.10.2015), ainda não tinham decorrido vinte anos, voltando a interromper-se o prazo de vinte anos com a instauração da presente ação executiva e inerente citação para os termos da mesma, motivo pelo qual deve considerar-se como não prescrito o crédito exequendo da Recorrente. 29. Mais: tal como referido anteriormente, desde 20.06.1997 (data em que foi citada para os termos do Proc. n.º 341/97) que a fiadora Recorrida tinha conhecimento da situação de incumprimento contratual, sendo imputável à mesma, enquanto fiadora, um dever mínimo de diligência esperada de um bom pai de família, podendo, a todo o tempo, indagar e tomar conhecimento do estado atual do empréstimo, quer junto dos mutuários, quer junto da credora, aqui Recorrente. 30. Aqui chegados, é manifesto que, face à prova (documental) produzida, não poderia o Tribunal a quo concluir que o crédito exequendo encontra-se prescrito e que não ocorreu qualquer circunstância suscetível de produzir, quanto à Recorrida, o efeito interruptivo da prescrição, motivo pelo qual se impugna, para todos os efeitos legais, a decisão sobre a matéria de facto dada como não provada. 31. Por tudo quanto ficou exposto, é manifesto que deverá a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser totalmente revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da presente ação até ao efetivo e integral pagamento da quantia exequenda. Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra que que ordene o prosseguimento da presente ação pelo valor integralmente peticionado pela Recorrente no respetivo requerimento executivo inicial, até ao efetivo e integral pagamento. JUSTIÇA” Não houve lugar a resposta. Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
III. Fundamentação. 2. Para garantia do pagamento do capital, juros e despesas, (…) e (…) constituíram a favor da CGD uma hipoteca sobre a fração autónoma referida no ponto anterior. 3. Na referida escritura (…) e a embargante (…) declararam que se responsabilizavam como fiadores e principais pagadores por tudo o que viesse a ser devido à Caixa em consequência do empréstimo, dando o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e às alterações de prazo que viessem a ser convencionadas entre a credora e os devedores. 4. Em 18.04.1997, a CGD instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra (…), (…), (…) e (…), a qual correu termos no extinto 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, sob o n.º 341/97. 5. A ação executiva referida no ponto anterior foi proposta com base na escritura a que se alude em 1., tendo a exequente alegado que os mutuários deixaram de pagar as prestações, encontrando-se vencidas todas as prestações. 6. A embargante foi citada para os termos do processo executivo 341/97 em 20.06.1997. 7. No dia 18.09.1998 foi proferido um despacho com o seguinte conteúdo: “Aguardem os autos nos termos do art. 285º do C.P.C. Arquive desde já.” 8. A ação executiva foi proposta em 14.10.2015. 9. No requerimento executivo a exequente alega além do mais o seguinte: “6. Ora, as prestações convencionadas deixaram de ser pagas em 20.03.1993 (inclusive), o que implicou a resolução do contrato de Mútuo, sendo devido o pagamento da totalidade do Empréstimo, o que deriva do artigo 781.º do C.C.”.
2. Direito 2.1. Se ao caso é aplicável o prazo ordinário de prescrição A primeira questão colocada no recurso prende-se com o prazo da prescrição. A decisão recorrida julgou prescrita a dívida, por aplicação do prazo de prescrição de cinco anos previsto na alínea e) do artº 310º do Código Civil (CC) e a Apelante considera que o prazo de prescrição é o ordinário, argumentando que “em causa está uma dívida previamente fixada que seria paga em diversas frações também elas previamente estipuladas”, “não se devem confundir as dívidas a prestações e as dívidas periódicas” e, em qualquer caso, ocorrendo uma perda do benefício do prazo e, com ele, o vencimento antecipado das prestações, já não se trata de quotas de amortização [cclªs 9ª a 25ª]. A quantia exequenda provém de um contrato de mútuo, destinado à aquisição de habitação permanente, fracionado em prestações pagáveis com juros, em que a Apelada se constituiu fiadora [“(…) a exequente emprestou a (…) e (…) a quantia de € 27.184,40 (…) prevendo-se que o empréstimo seria amortizado no prazo de vinte e cinco anos, em trezentas prestações mensais progressivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 20 do mês seguinte ao da celebração da escritura; “(…) na (…) escritura (…) e a embargante (…) declararam que se responsabilizavam como fiadores e principais pagadores por tudo o que viesse a ser devido à Caixa em consequência do empréstimo, dando o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e às alterações de prazo que viessem a ser convencionadas entre a credora e os devedores” (pontos 1 e 3 dos factos provados)]. Por prestações não se quer significar aqui, ensina o prof. Galvão Telles, “a prestação debitória no seu conjunto mas cada uma das parcelas ou frações em que ela é dividida, com vencimentos diferentes, para tornar mais fácil e suave ao devedor o cumprimento.”[1] Clausulado o pagamento do empréstimo em prestações, a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento de todas (artº 781º, do CC) [“(…) as prestações convencionadas deixaram de ser pagas em 20.03.1993 (inclusive), o que implicou a resolução do contrato de Mútuo, sendo devido o pagamento da totalidade do Empréstimo (…)” (ponto 9 dos factos provados)]. E questiona-se o prazo de prescrição aplicável à dívida resultante das prestações subsequentes que, por efeito da perda do benefício do prazo, passou a ser imediatamente exigível; se o prazo ordinário de 20 anos (artº 309º do CC), se o prazo de cinco anos aplicável a quotas de amortização do capital pagáveis com juros (artº 310º, al. e), CC), tal como ajuizado na decisão recorrida. A questão não tem sido solucionada de forma uniforme pelas Relações, como profusamente resulta da jurisprudência respetivamente coligida pela sentença e pelas alegações do recurso, falta de consenso demonstrada, aliás, por este coletivo que, em outra oportunidade, se pronunciou sobre questão deliberando, por maioria, que “as obrigações unitárias, de montante predeterminado, cujo pagamento, por acordo das partes, foi parcelado ou fracionado em prestações que incluem o pagamento dos juros, integram-se no conceito de quotas de amortização do capital pagáveis com juros, prescrevendo no prazo de cinco anos (artº 310º, al. e), do CC)”.[2] A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no entanto, tem consistentemente considerado que as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros prescrevem no prazo de cinco anos de acordo com a previsão da alínea e) do artº 310º do CC. “Prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310º do Código Civil de 1966, as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros. Deixando o devedor de pagar algumas das quotas de amortização de capital mutuado, a prescrição não pode pôr-se em relação às quotas em dívida como um todo, mas em relação a cada uma delas.”[3] “Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.”[4] “O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.”[5] “Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização. Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.”[6] As prestações periodicamente renováveis [al. g) do artº 310º do C.C.] não esgotam o universo das dívidas a que se aplica a prescrição de curto prazo, também v.g. as quotas de amortização do capital pagáveis com juros prescrevem no prazo de cinco anos [al. g) do artº 310º do C.C]. “Com os juros parece deverem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (…), pois se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com estipulação das quotas de amortização, se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros”[7]. No caso, mutuante e mutuários estipularam um plano de amortização e com algum desembaraço se dirá que as prestações mensais de restituição da quantia mutuada são quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, uma vez que “o empréstimo seria amortizado no prazo de vinte e cinco anos, em trezentas prestações mensais progressivas de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 20 do mês seguinte ao da celebração da escritura” (ponto 1 dos factos provados] para, assim, afirmar que a cada uma das prestações mensais de restituição da quantia mutuada se aplica o prazo de prescrição de cinco anos. Menor correspondência com a literalidade da norma – quotas de amortização do capital pagáveis com juros – surgirá quando, por efeito do incumprimento de uma das prestações, o credor exige o cumprimento imediato de todas as prestações subsequentes (artº 781º do CC), por ficar então desfeito o plano de amortizações. Admitir, porém, em tais circunstâncias, a aplicação do prazo de prescrição ordinário significa colocar nas mãos do credor o tempo da prescrição, conforme se prevaleça da faculdade de exigir todas as prestações de uma só vez ou, não obstante o incumprimento, mantenha o plano de amortizações. A simples mora do devedor sopesaria então às razões justificativas da prescrição de curto prazo – “evitar que o credor retarde demasiado a exigência do crédito (…) tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”[8] – alterando o enquadramento da dívida para efeitos de prescrição e não cremos que essa seja a melhor solução. “A circunstância de o direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, sob pena de se poder verificar uma situação de insolvência, a qual, manifestamente, o legislador pretendeu evitar, quando consagrou o prazo comum da prescrição da alínea e) do art. 310.º do Código Civil […].”[9]. “Na verdade, desde há muito, que a prestação englobando quotas de amortização de capital e juros, numa proporção variável, tende a ser perspetivada de um modo unitário, com a aplicação do prazo comum de cinco anos, para a verificação da prescrição. Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito (VAZ SERRA, BMJ n.º 107, pág. 285).”[10] Em resposta a esta primeira questão dir-se-á, pois, que a dívida prescreve no prazo de cinco anos, por aplicação do art. 301.º, alínea e), do Código Civil.
2.1. Se o prazo de prescrição se mostra interrompido A segunda questão consiste em determinar se o prazo de prescrição se mostra interrompido. A Apelante considera que sim; argumenta que o prazo foi interrompido com a citação da Apelada para a ação executiva nº 341/97, arquivada em 18/9/1998 (pontos 6 e 7 dos factos provados), reiniciando-se a contagem de novo prazo de prescrição, com trânsito em julgado do despacho de arquivamento, no ano de 1988 e entre este ano e o dia 14/10/2015, data da introdução em juízo da presente execução, não decorreram vinte anos. Com exceção do prazo da prescrição os demais pressupostos, acertam-se com a lei (artºs 323º, nº 1, 326º e 327º do CC) e com os factos provados (pontos 4 a 8), mas introduzindo na equação o prazo da prescrição tal como antes conjeturado, a conclusão a extrair é a de que a dívida se mostra prescrita, porquanto entre o ano de 1998 e o dia 14/10/2015 decorreram mais de cinco anos. Prescrita a dívida, a Apelada tem a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação exequenda (artº 304º, nº 1, do CPC) como, a nosso ver acertadamente, se decidiu. Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.
Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…) Custas pela Apelante. Évora, 21/5/2020 Vencido: Continuo a defender a tese que a disciplina legal estatuída na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil não é extensível aos casos em que se verifica «uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo», tal como ficou firmado no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 10/05/2018. A alocução «quotas de amortização do capital pagáveis com os juros» foi historicamente introduzida para excecionar do prazo de prescrição ordinário os fornecimentos de bens essenciais, com vencimento periódico e reiterado, traduzida no fenómeno comercial das compras em prestações, aqui identificada no seu sentido restrito. Tenho para mim que a interpretação mais correta do referido normativo não abrange «o caso de uma obrigação única dividida ou fracionada em parcelas. Existe então uma obrigação global que é efetuada por partes, escalonadas no tempo, as quais se dizem “prestações” num sentido especial da palavra: pode apontar-se como exemplo (…) um empréstimo em dinheiro em que se convencione o pagamento parcelado» [Galvão Telles, Direito das Obrigações”, 7.ª ed., pág. 39 e seguintes]. Tal como é evidenciado pela sociedade recorrente «na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos (…)» [in “Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia”, volume III, página 47, 1.º, 2.º e 3.º parágrafos do ponto IV, redigida pelo Professor Dr. Jorge Miranda]. Esta posição é perfilhada por Vaz Serra [Prescrição Extintiva e Caducidade, Boletim do Ministério da Justiça], Antunes Varela [Anotação ao Parecer da Procuradoria-Geral da República de 31 de Outubro de 1969, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103º, nº 3421, págs. 249-256]. Menezes Cordeiro [“Tratado de Direito Civil”, V, pág. 175 e 176] e Ana Filipa Antunes [“Prescrição e Caducidade”, pág. 79). Esta parece ser também a solução igualmente proposta por Rodrigues Bastos [Notas ao Código Civil, vol. II, Lisboa, 1988]. Na minha leitura estamos perante uma prestação fracionada e não somos confrontados com uma obrigação periódica renovável. E, por conseguinte, ao não se estar perante um cenário de quotas de amortização, isso implica que não há lugar à prescrição da totalidade da obrigação no prazo de 5 (cinco) anos, até porque na maioria das situações o plano de pagamento não se mostra integralmente esgotado mas apenas é interrompido pela não satisfação da contrapartida ajustada. Isto é, aquilo que se passa é que, face à natureza contratual estabelecida, não existindo normalmente a possibilidade económica de garantir o pagamento unitário e total da dívida contraída, nos contratos de mútuo ou de financiamento bancário, o ordenamento jurídico concede às partes a possibilidade de contratualizarem um prazo de pagamento escalonado. Em caso de incumprimento, a consequência imediata é a perda do benefício do pagamento em prestações e não o início da contagem da prescrição de curto prazo. Uma vez verificado esse incumprimento injustificado é desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. E esta posição não surge isolada na jurisprudência nacional, como resulta da interpretação dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 26/04/2016, do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/03/2017, do Tribunal da Relação de Coimbra 12/06/2018, entre os mais recentes, todos consultáveis em www.dgsi.pt. Como afirma Antunes Varela, a falta de pagamento dos juros não implica o vencimento imediato da dívida de capital, visto não se tratarem de frações da mesma dívida, mas de dívidas distintas, ainda que estreitamente conexas entre si [Das Obrigações em Geral, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 1973, pág. 53], donde resulta que existem prazos distintos para a prescrição da dívida de capital e para o compromisso de pagamento de juros nos contratos de mútuo com entrega unitária e integral da verba emprestada. Ao não nos posicionarmos perante uma prestação capital de natureza periódica, o prazo de prescrição da dívida de capital é de 20 anos. Esta é, a meu ver, a interpretação que decorre do enunciado normativo, a qual não se pode deslocar dos critérios de correspondência verbal impostos pelo artigo 9º do Código Civil. E, assim, em jeito de conclusão, teria optado pela solução de revogação da decisão recorrida relativamente à matéria do capital em dívida e a confirmação da mesma relativamente aos juros vencidos há mais de 5 (cinco) anos. José Tomé de Carvalho |