Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
919/07-1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO NÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 06/26/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – A redacção introduzida pelo Dec-Lei nº 244/95, de 14/09 ao artigo 59º do R.G.C.-O. em nada alterou os fundamentos de direito em que assentou o acórdão de fixação de jurisprudência nº 2/94, de 10-03-1994, pelo que o prazo de recurso previsto naquele normativo continua a não ter natureza judicial.
II – Como a fase judicial se inicia com a apresentação da acusação definitiva ao juiz – artigo 62º, nº 1 do R.G.C.-O. e acórdão 1/2001 do STJ – o artigo 60º do R.G.C.O. esgota a previsão das hipóteses de suspensão do prazo de recurso, não existindo lacuna a preencher por recurso às normas do Código de Processo Penal e, consequentemente, não se suspendendo tal prazo em férias judiciais.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


A - Relatório
Em processo administrativo de contra-ordenação n° 368/07 instaurado pela Câmara Municipal de L… contra A. … Ldª, esta interpôs recurso de impugnação judicial, ao abrigo do disposto nos artigos 59° e segs. do DL 433/82, de 27.10 (regime geral das contra-ordenações – R.G.C-O.), da decisão daquela autarquia, proferida em 24.11.2006, na qual foi aplicada ao recorrente a coima de € 2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), por infracção ao disposto no artigo 11.º, n.º 1 do Dec-Lei nº 370/99, de 18-09.
Interposto recurso de impugnação judicial pelo arguido, veio o Tribunal da Comarca de L. … a rejeitar o recurso por extemporâneo.
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Inconformado com a decisão daquele tribunal, o arguido interpôs o presente recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

1ª - O douto despacho de que se recorre rejeitou o recurso de impugnação judicial intentado pela recorrente por o considerar extemporâneo;
2ª - Porém, ao contrário do doutamente decidido, e como se verá, o recurso foi tempestivo;
3ª - A decisão administrativa foi expedida em 14-12-2006, pelo que a notificação se considera efectuada em 19-12-2006;
4ª - O recurso de impugnação foi remetido à autoridade administrativa (Câmara Municipal de L) em 26-01-2007;
5ª - Uma vez que o prazo só terminava em 29-01-2007, o recurso de impugnação foi interposto tempestivamente.
Vejamos:
6ª - De acordo com o disposto no art°. 59.º, nº.3 do Dec-Lei nº. 433/82, de 27 -10, na redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei nº. 244/95, de 14/9, o prazo para interpor o recurso de impugnação é de 20 dias;
7ª - Por seu turno, o art. 60.º, nº.1 do mesmo diploma legal dispõe que o prazo para a impugnação é de 20 dias, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados;
8ª - A questão que a seguir se coloca consiste, pois, em saber se, para além da suspensão referida no art°. 60.º, nº.1, o prazo também se suspende durante as férias judiciais;
9ª - Relativamente a este ponto, importa referir que, de acordo com o disposto no ano. 41º, nºs. 1 e 2 do Dec-Lei nº. 433/82, ao processo contra-ordenacional são aplicáveis os preceitos reguladores do processo criminal (nº.1) e que as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma;
10ª - Dispõe o artigo 104º, nº 2 do C.P.P. que correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devem praticar-se os actos referidos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo anterior;
11ª - Não sendo o caso dos autos nenhum dos mencionados no artigo 103º, nº. 2 do C.P.P., forçoso é concluir que, relativamente aos restantes, como o presente, o prazo não corre em férias;
12ª - Esta interpretação é compatível com o disposto no art°. 60º, nº. 1, e implica que o prazo, para além de se suspender nas férias, nos termos do processo penal, suspende-se, ainda, aos sábados, domingos e feriados;
13ª - Aliás, se o legislador tivesse a intenção de afastar a aplicação subsidiária do processo penal relativamente às férias, teria escrito certamente que o prazo constante do nº.1 do artigo 60º se suspende "apenas" ou "unicamente" aos sábados, domingos e feriados;
14ª - Acresce, ainda, que, de acordo com o estatuído nos arts. 32º e 41º, nº. 1 do Dec. Lei 433/82, conjugado com o estipulado no art. 2º do C. Penal, aplicar-se-á sempre o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente - que é o da solução que apontamos;
15ª - Considerando, pois, que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados e que não corre nas férias judiciais, férias essas que ocorreram entre os dias 22 de Dezembro de 2006 e 3 de Janeiro de 2007, temos que o prazo para a impugnação apenas terminaria no dia 29 de Janeiro de 2007.
16ª - O douto despacho recorrido violou o disposto nos art°s. 32º, 41º, nºs. 1 e 2, 59º, nº 3 e 60º, nº.1 do Dec-Lei nº. 433/82, art. 104.º, nº 2 do C.P.P. e art. 2º, nº 4 do C. Penal;
17ª - Deve, pois, ser revogado e substituído por douto Acórdão que admita o recurso de impugnação.
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O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de L propugnou pela improcedência do recurso por ausência de fundamentos de facto ou de Direito que inquinem a decisão proferida, defendendo que se deve manter a sentença recorrida nos seus precisos termos, com as seguintes conclusões:

1) -Da conjugação do disposto nos arts. 59° e 60° do RGCO resulta que o prazo de interposição de recurso da decisão da autoridade administrativa não é um prazo judicial como pretende a recorrente.
2) -Na verdade, trata-se de um prazo que decorre antes da entrada do processo administrativo em tribunal, numa altura em que não existe. Como tal, qualquer processo judicial.
3) -O recurso é apresentado à autoridade administrativa que proferiu a decisão e não ao tribunal, a fim de aquela poder reapreciar a sua decisão à luz dos argumentos invocados pelo arguido no requerimento de interposição do recurso e, eventualmente, caso assim o entenda, revogar essa mesma decisão - art. 62 , n° 2 do RGCO.
4) -Caso se verifique esta última, não há lugar a qualquer processo judicial.
5) -Ora, no caso vertente, é fácil constatar que o recurso interposto pela arguida em 26.01.2007 é extemporâneo, uma vez que tinha sido notificado da decisão da autoridade administrativa em 19.12.2006.
Somos, pois, de parecer que o douto despacho recorrido deverá ser mantido, negando-se provimento ao recurso.
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Neste Tribunal, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer onde defende a improcedência do recurso.
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B - Fundamentação
São estes os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo:
Nos autos de Instrução que correu termos no Tribunal de L com o n° 368/07, por despacho, o Mmº Juiz decidiu:

O Tribunal é competente.
Não há nulidades, ilegitimidades.
Nos termos do disposto no artigo 59° n° 3 do DL 433/82,27/10 o recurso da decisão da autoridade administrativa é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo conter alegações e conclusões.
Por força do disposto no artigo 60° n° 1 do mesmo diploma legal o prazo para a impugnação suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
A contrario não se suspende nas férias.
Acresce que por força do disposto no artigo 41° n° 1 do DL 433/82, 27/10, e na existência de qualquer norma especial, às notificações das decisões das autoridade administrativas hão-de aplicar-se as normas relativas às notificações em processo penal, previstas nos artigos 111° ss do C.P .P..
No caso vertente adoptou a autoridade administrativa o procedimento plasmado no artigo 113 ° n° 1 al. b) do C .P .P. tendo enviado carta registada.
Estatui o artigo 113° n° 2 do mesmo diploma legal que, em tais circunstâncias, as notificações presumem-se feitas no 3° dia útil posterior ao do envio.
Ora, no caso vertente como se constata de fls. 44-45 a notificação da decisão administrativa foi expedida no dia 14/12/2006. Assim face ao que acima se referiu, a notificação tem-se por efectuada em 19/12/2006, terceiro dia útil subsequente ao seu envio. Contabilizando o prazo de vinte dias, excluindo os sábados, domingos e feriados temos que o prazo de recurso completou-se em 18 de Janeiro de 2007. Considerando que o recurso de impugnação só foi remetido via fax no dia 26 de Janeiro de 2001: - cfr. fls. – 46 ss - o mesmo é, manifestamente, extemporâneo.
Em face do exposto o recurso é assim extemporâneo e, por isso, ao abrigo do disposto no artigo 63° n° 1 do DL 433/82, 27/10 e respectivas alterações, rejeito o mesmo.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC - cfr. artigo 87° n° 1 al. c) do C.C.J.
Notifique.
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Cumpre apreciar e decidir:
O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal - não estando o tribunal de recurso impedido de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.
E não é caso de verificação de qualquer das circunstâncias referidas nos nºs. 2 e 3 do artigo 410º do Código Penal.
Por outro lado, nos termos do art. 75º nº1 do DL nº 433/82, de 27/10, nos processos de contra-ordenação, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista.
Nas suas motivações, o recorrente limita o objecto de recurso à inconformidade sobre a rejeição, por extemporaneidade, do recurso interposto.
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A questão é, assim, exclusivamente de direito e resume-se a saber se é aplicável ao caso dos autos o artigo 104º, nº 2 do Código de Processo Penal, por via de remissão do disposto no artigo 41º, nºs. 1 e 2 do R.G.C.O.
Isto é, se para além dos casos contidos no artigo 60º deste último diploma, o prazo de recurso da decisão da entidade administrativa também se suspende durante as férias judiciais.
Sobre esta matéria e na vigência do Dec-Lei nº 433/82 de 27/10, na redacção dada pelo Dec-Lei nº 356/89, de 17/10, lavrou o STJ acórdão de fixação de jurisprudência nº 2/94, de 10-03-1994, no qual fixou a seguinte jurisprudência obrigatória para os tribunais:

“Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.° 3 do artigo 59.° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.° 356/89, de 17 de Outubro.”

E, de facto, é esse o cerne da questão: a natureza do prazo contido no nº 3 do artigo 59º do R.G.C-O.
Recordemos que era esta a previsão normativa então vigente, dada pelo referido Dec-Lei nº 356/89:
Artigo 59.º
(Forma e prazo)
1 - A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2 - O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3 - O recurso será feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 5 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações sumárias e conclusões.”

Após a publicação de tal acórdão, o Dec-Lei nº 244/95 de 14 de Setembro veio a alterar, nos seguintes termos, o referido artigo 59º do R.G.C-O.:
Artigo 59.°
“[...]
1 - ......................................................................................................................
2 - ......................................................................................................................
3 - O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.”

Alterando a redacção do artigo 60º da forma que segue:
Artigo 60.°
Contagem do prazo para impugnação
1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

Do exposto resulta que a redacção introduzida no artigo 59º, nº 3 em nada altera os pressupostos de direito em que assentou a supra referida jurisprudência obrigatória (em substância apenas se altera o prazo de recurso e se retira a referência às alegações “sumárias”) e, relativamente a ela, apenas a redacção do artigo 60º constitui novidade.
No entanto, sem a virtualidade de alterar a essência da doutrina fixada naquela decisão, pois que fixado um regime específico e próprio para as contra-ordenações quanto à suspensão do prazo de recurso aos sábados, domingos e feriados, necessário pois que fechados os serviços daquelas entidades nos dias indicados.
Determinante, portanto, para a decisão da questão posta nos autos continua a ser a natureza do prazo de recurso previsto no artigo 59º do R.G.C-O.
E continuamos a entender que aquele prazo não tem natureza judicial.
Isto porquanto em nada de substancial se alterou o regime de decisão e recurso contido nos artigos 48º a 62º do R.G.C-O., mantendo este as suas marcadas características administrativas.
Com o assento nº 1/2001 do STJ se pode afirmar que a fase judicial do processo contra-ordenacional se inicia com a apresentação ao juiz, pelo Ministério Público, da acusação definitiva prevista no artigo 62º, nº 1 daquele diploma (“7.1 - A «entrada do processo no foro do juiz» (ou seja, o início da fase judicial do processo contra-ordenacional) opera-se, pois, não com a impugnação judicial — ante a autoridade administrativa — da acusação provisória (artigo 59.º, n.º 3), mas, apenas, com a ulterior apresentação ao juiz, pelo Ministério Público, da acusação definitiva (artigo 62.º, n.º 1).”).
Isto é, até essa altura o processo tem natureza exclusivamente administrativa, não se justificando, pois, que o regime de prazos inerentes à existência de férias judiciais se aplique às entidades administrativas, que a esse regime não estão sujeitas.
Daqui resulta que o regime de suspensão de prazo de recurso contido naquele artigo 60º esgota a previsão necessária, não existindo lacuna a preencher por recurso às normas do Código de Processo Penal.
Aliás, no reconhecimento do acerto de tal interpretação e na aceitação da diversidade dos regimes de recurso, foram já lavrados, pelo menos, os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 371/01, 321/02 e 1.051/05.
Por tudo, o recurso não merece provimento.
*
B - Dispositivo
Por todo o exposto, a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora acorda, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.
(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
Évora, 26 de Junho de 2007
(Processado e revisto pelo relator)


João Gomes de Sousa
Almeida Semedo
Ana Paula Alves de Sousa