Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1391/11.3TAPTM.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: ART.º 105.º
Nº4
AL.B) DO RGIT
Data do Acordão: 05/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Tendo a acusação proferida no presente processo sido deduzida após a entrada em vigor da al. b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, a notificação aí prevista (e o não pagamento subsequente por banda do arguido, nos 30 dias posteriores) deve ser feita antes da dedução da acusação.
Assim sendo, tendo sido proferida acusação contra o arguido, sem que essa notificação haja sido feita, a acusação devia ter sido rejeitada (ao abrigo do disposto no artigo 311º, nº 2, al. a), e nº 3, al. d), do C. P. Penal).

Não tendo a acusação sido rejeitada (por manifestamente infundada), a verificação da ausência da notificação em causa, na fase do julgamento, como sucedeu in casu, tem como consequência a absolvição do arguido, não competindo ao Tribunal proceder à notificação em falta.

Em jeito de síntese: a condição objetiva de punibilidade em questão, e em termos simplificados, traduz-se num elemento constante da norma incriminadora, situado fora do tipo de ilícito e do tipo de culpa, cuja presença constitui um pressuposto para que a ação antijurídica tenha consequências penais.

Tal condição objetiva de punibilidade constitui-se, assim, como uma circunstância que, muito embora se situe fora do tipo de ilícito e da culpa do agente, é absolutamente necessária para a punibilidade do facto (ou seja, é um pressuposto essencial para que o atuar antijurídico do arguido importe consequências penais para o mesmo).

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 1391/11.3TAPTM, do Juízo Local Criminal de Portimão (Juiz 1), após realização da audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, onde se decidiu absolver o arguido SC da prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107º, nºs 1 e 2, e 105º, nºs 1 e 4, do RGIT, e artigo 30º do Código Penal, de que estava acusado.

Mais se decidiu, por despacho proferido em 20-11-2020, no decurso da audiência de discussão e julgamento, que não cabe ao Tribunal, na fase do julgamento, proceder à notificação do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT.

*

Inconformado com ambas essas decisões, interpôs recurso o Ministério Público, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

“1ª - O presente recurso vem interposto do despacho proferido pela Mmª Juiz em 20-11-2020 que indeferiu a promoção de notificação do arguido nos termos do artigo 105º, nº 4, b), do RGIT, por carta rogatória, e da sentença proferida em 04-12-2020, na parte em que absolveu o arguido crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 6º, 7º, nº 3, 107º, nºs 1 e 2, por referencia aos artigos 105º, nºs 1 e 4, do RGIT.

2ª - Analisada a sentença proferida nos autos, o Ministério Público não se pode conformar com a absolvição do arguido, por entender que houve um erro do Tribunal a quo na aplicação do direito ao caso, nomeadamente na interpretação dada ao artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT.

3ª - A absolvição do arguido assentou na consideração de que o arguido não foi notificado, em momento prévio à dedução da acusação, nos termos e para os efeitos do artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT, e aquela condição carece de estar verificada em momento anterior à acusação, como também deveria ter sido alegada na referida peça processual, o que não sucedeu.

4ª - Como tal não foi feito (ainda que devido ao desconhecimento do paradeiro do arguido), a Mmª Juiz entendeu que se impunha neste momento a absolvição do arguido, referindo que não cabe ao Tribunal proceder a tal notificação, por inútil, por não ser admissível o aditamento de factos à acusação. Assim, e por não se verificar uma das condições objetivas de punibilidade, entendeu que os factos não são puníveis, tendo absolvido o arguido.

5ª - Ao contrário do entendimento da Mmª Juiz, entendemos que nada impedia o Tribunal de determinar a aludida notificação, prevista no artigo 105º, nº 4, b), do RGIT.

6ª - Aderindo aos argumentos do Acórdão do TRP de 14-01-2009 (processo nº 0714675), consideramos que a entidade competente para determinar a notificação prevista na alínea b) nº 4 do 105º do RGIT é a entidade titular do procedimento ou do processo, ou seja, a Administração Tributária, o Ministério Público, o Tribunal de Instrução Criminal ou o Tribunal de Julgamento, consoante a fase em que ele se encontre quando surge a necessidade de proceder à notificação.

7ª - Estando o processo pendente para além da fase de inquérito, será irrelevante que a notificação a que alude aquele artigo seja feita pelo Tribunal ou pela administração tributária (vide Ac. do TRP de 11-03-2009).

8ª - Tratando-se de uma irregularidade processual, que o tribunal deve sanar ao abrigo do artigo 123º do Código de Processo Penal, por afetar a validade do ato e poder influenciar os ulteriores termos do processo, nomeadamente por poder desencadear uma causa de exclusão de punibilidade e com isso o arquivamento dos autos.

9ª - Assim, se não tiver sido feito no decurso do inquérito, deverá o tribunal de instrução criminal ou de julgamento efetuar ex officio a sobredita notificação.

10ª - Face ao exposto, entendemos que a Mmª Juiz deveria ter deferido o promovido, expedindo-se carta rogatória às autoridades de Justiça Francesas, com vista à notificação ao arguido nos termos do disposto no artigo 105º, nº 4, b), do RGIT, uma vez que só nessa data foi conhecido o seu paradeiro, o qual era totalmente desconhecido até àquela data.

11ª - E, ao absolver o arguido, o Tribunal a quo fez uma errónea interpretação do artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra decisão, que determine o Tribunal de 1ª Instância a proceder à notificação ao arguido nos termos do disposto no artigo 105º, nº 4, b), do RGIT, por carta rogatória enviada às Autoridades de Justiça Francesas, face à morada conhecida do arguido nos autos.

12ª - Decidindo como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 105º, nº 4, b), do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, e o despacho e a sentença recorridos serem revogados em conformidade com o exposto”.

*

O arguido respondeu ao recurso, concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição):

“I. Salvo o devido respeito, a decisão do tribunal a quo é integralmente acertada e não contém qualquer erro na aplicação do direito ao caso ou vício que a inquine.

II. No que diz respeito ao despacho proferido pela MMª Juiz na Audiência de Julgamento de 20-11-2020, entendemos, salvo melhor entendimento, que decidiu bem o Tribunal em não ter ordenado e procedido à notificação do arguido através de carta rogatória.

III. Isto porque, para o crime em apreço, são imperativas as duas condições objetivas de punibilidade, previstas no n.º 4 do art.º 105.º do RGIT, aplicável por força do n.º 2 do art.º 107.º do mesmo diploma, cuja não verificação impede a punibilidade dos factos praticados.

IV. Ora, a condição prevista na al. b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT foi aditada pela Lei n.º 53A/2006, de 29-12, a qual entrou em vigor em 01.01.2007.

V. Quer dizer, à data da prática dos factos enunciados nestes autos estava já em vigor a acima referida condição de punibilidade.

VI. Assim, a conduta do arguido só seria punível se, depois de decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal, não tivesse pago, nos 30 dias subsequentes, o valor das prestações em dívida, acrescidas dos respetivos juros e do valor da coima aplicável.

VII. Ocorre que, conforme consta do despacho prévio à dedução da acusação, o arguido não foi notificado para aquele efeito.

VIII. Mais, aduz o Ministério Público naquele despacho que a falta daquela notificação não deverá constituir obstáculo à dedução da acusação, porquanto sempre o tribunal do julgamento poderia suprir aquela omissão, invocando o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 409/2008, de 24-09, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06.05.2008, proferido no Proc. n.º 1721/2008.

IX. Acontece que não lhe assiste razão, pois aquela condição objetiva de punibilidade carecia de estar verificada em momento anterior à acusação, a qual devia ter sido alegada na referida peça processual, o que não sucedeu.

X. Porquanto, a jurisprudência que ali se invoca não tem aplicação ao caso em apreço.

XI. Acresce que, segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora nº 42/14.9TATMR.E1, de 10-01-2017 (relatado pelo Desembargador Carlos Berguete Coelho), “não contendo a acusação narração alguma que suporte a verificação da condição objetiva de punibilidade prevenida na al. b) do n.º4 do art. 105.º do RGIT, ou seja, de que os arguidos foram notificados em certa data para, em 30 dias, procederem ao pagamento das cotizações em dívida, acrescidos dos juros de mora devidos e coima aplicável, e que tais quantias não foram por eles pagas nesse prazo, não pode esta omissão ser suprida em momento ulterior…”.

XII. Assim, é de excluir que o Tribunal possa ordenar aquela notificação na fase de julgamento.

XIII. Mais, para que os factos narrados na acusação constituam crime é necessário que os mesmos sejam puníveis.

XIV. A punibilidade do facto emerge em regra da sua tipicidade, ilicitude e da culpa do agente, salvo quando o legislador decide condicionar essa punibilidade à verificação de determinados factos objetivos, ou seja, quando existem condições objetivas de punibilidade, como é o caso dos autos.

XV. As condições objetivas para a punibilidade do crime devem estar descritas na acusação, pois os factos ali descritos não serão puníveis e, portanto, não serão “crime” na aceção dos artigos 1.º, al. a) e 311.º, n.º 3, al. d), do CPP.

XVI. Tal levaria assim, na fase de julgamento, à rejeição da acusação.

XVII. A este respeito, citamos o Ac. da Relação de Évora de 24-09-2013 (Proc. nº 53/11.6TASRP.E1, disponível in www.dgsi.pt), onde se decidiu que “não contendo a acusação todos os elementos que permitam a condenação do arguido, incluindo a condição objetiva de punibilidade prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redação introduzida pela Lei n.º 53 -A/2006 (Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2008), a acusação é manifestamente improcedente e, assim, adequado o uso do artigo 311.º, n.º 1, al. a), e 3, al. d), do Código de Processo Penal e sua consequente rejeição”.

XVIII. Atentando na análise da doutrina efetuada por Cruz Bucho (Direito Penal, 2º vol. Lisboa, 1983, pág. 367-368 e 372), afirma o mesmo que “H.H. Jescheck é perentório ao afirmar que as condições objetivas de punibilidade comungam de todas as garantias do Estado de Direito, estabelecidas para os elementos do tipo (Tratado de Derecho Penal, Parte general, 4ª ed., trad. esp., Granada, 1993, pág. 508). Entre nós parece também ser esta a solução defendida por Teresa Beleza, quando assinala que quanto a estas condições funcionam as mesmas exigências de garantia da lei penal em termos de interpretação e de aplicação”.

XIX. Isto significa que, tal como os elementos típicos do crime, as condições objetivas de que depende a punibilidade da conduta do arguido devem constar da acusação, sob pena da sua manifesta improcedência.

XX. Neste sentido, mas referindo-se à condição objetiva de punibilidade do crime de emissão de cheque sem provisão, cfr. Ac. da Rel. Lisboa de 11-10-1999, proc. n.º 0042713, in www.dgsi.pt.

XXI. Com efeito, em conformidade com o previsto no art.º 105.º, n.º 4, do RGIT, por força do n.º 2 do art.º 107.º do mesmo diploma legal, a conduta do arguido só seria punível se, depois de ter sido notificado para esse específico efeito, não tivesse pago, nos 30 dias subsequentes, o valor das prestações em dívida, acrescidas dos respetivos juros e do valor da coima aplicável.

XXII. Ora, os factos aqui em causa ocorreram já após a entrada em vigor da al. b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT.

XXIII. Daí, impunha-se que, ainda em fase de inquérito, se verificasse a notificação pessoal do arguido para, em 30 dias, pagar a prestações em falta, com juros e incluindo as coimas aplicáveis.

XXIV. Tal facto não ocorreu.

XXV. Pelo que, não tendo sido rejeitada a acusação com fundamento na falta de verificação daquela condição de punibilidade e consequente omissão da alegação do correspondente facto, impõe-se a absolvição do arguido.

XXVI. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 25.10.2016 (relatado pelo Desembargador João Gomes de Sousa), de 25.10.2016 (relatado pela Desembargadora Maria Leonor Esteves), de 10.01.2017 (relatado pelo Desembargador Carlos Berguete Coelho); de 04.04.2016 (relatado pela Desembargadora Ana Barata Brito) e de 12.07.2018 (relatado pelo Desembargador António Latas), todos acessíveis na base de dados da DGSI.

XXVII. Assim, não só a falta de alegação daquele facto fere a acusação de nulidade, como o aditamento desse facto, em sede de julgamento, extravasaria o âmbito permitido pelo disposto no art.º 358.º do CPP, sendo, por isso, vedado (em consonância com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2015, de 27/01), a que acresce que não compete ao tribunal proceder a tal notificação, por não ser admissível o aditamento de tais factos à acusação.

XXVIII. E porque o juiz não tem que se empenhar na satisfação de uma condição objetiva de punibilidade, como não tem que se empenhar na verificação dos restantes elementos do crime.

XXIX. Contrariamente, o juiz tem que - com absoluta imparcialidade, isenção e distanciamento - julgar os factos submetidos à sua apreciação, sem preconceitos, e respeitando as competências próprias de cada operador judiciário.

XXX. Pelo exposto, entende-se que não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo ao decidir pela absolvição do arguido nos termos e com os fundamentos ali expostos.

Termos em que deve a douta sentença, objeto de recurso, ser mantida e confirmada, negando-se provimento ao recurso interposto, fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça”.

*

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, entendendo que o recurso deve ser julgado improcedente.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

Tendo em conta as conclusões apresentadas pelo Ministério Público, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, é apenas uma, em muito breve síntese, a questão que vem suscitada no presente recurso: saber quais são as consequências, para o presente processo-crime, da falta de efetivação atempada da notificação ao arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT.

2 - As decisões recorridas.

O despacho proferido em 20-11-2020, no decurso da audiência de discussão e julgamento, e também objeto do recurso, é do seguinte teor:

“Tinha-se ficado de ponderar sobre o doutamente requerido pelo Ministério Público na passada sessão, em que se pedia a notificação do arguido nos termos e para os efeitos do art.º 105º, n.º 4, al. b), do RGIT, com vista ao cumprimento da condição de punibilidade.

Ora, analisados os elementos dos autos e também o sentido da jurisprudência que se afigura maioritária, entendemos que não existem motivos para divergir da posição que tem vindo a ser tomada por mim e que é a seguinte:

Entende-se que esta condição objetiva de punibilidade foi introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29/12, que entrou em vigor a 01/01/2007, e ali se aditou a referida condição ao n.º 4 do art.º 105º do RGIT.

Daí que, relativamente às acusações que vinham sendo proferidas ao abrigo do regime anterior, onde não se verificava aquela condição, criou-se aqui uma fissura no ordenamento jurídico, na medida em que para as acusações proferidas quanto aos factos praticados após a entrada em vigor daquela Lei, o crime verificava-se quanto cumpridas ambas as condições de punibilidade ali previstas; e quanto aos processos pendentes impunha-se proceder a tal notificação (inclusivamente, a cargo do Tribunal, em sede de audiência de julgamento), porque esta nova condição vinha criar um regime mais favorável aos arguidos que tivessem sido acusados ao abrigo do regime anterior.

Porém, no caso dos autos, os factos aqui em causa já ocorreram em plena vigência desta Lei, e a acusação é até de 2011.

Por isso, considera-se que não cabe ao Tribunal proceder a tal notificação, a qual deve ser feita, ou devia ter sido feita, durante a fase de inquérito.

Como assim, entende, então, o Tribunal, que não é ao Tribunal, nesta fase de julgamento, que incumbe tal notificação, razão pela qual é de indeferir ao doutamente promovido.

Notifique”.

*

Por sua vez, a sentença revidenda é do seguinte teor (integral):

“RELATÓRIO:

Para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o Ministério Público requereu o julgamento de:

1) SC, filho de NC e de NC, natural da …, de nacionalidade … e …., nascido a …, divorciado, …, residente na …, em …, e domiciliado, para efeitos de notificações, na …, em …;

2) “A S…. LDA”, pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, em …;

Imputando-lhes, em face dos factos narrados no despacho acusatório de fls 113 e segs., os quais se dão aqui por reproduzidos, a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 6.º, 7.º, n.ºs 1 e 3, 105.º, n.ºs 1 e 4 e 107.º, n.ºs 1 e 2, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, e art.º 30.º do CPenal.

Por ser desconhecido o paradeiro do arguido, foi o mesmo declarado contumaz, em 30.09.2013, situação em que se manteve até 29.06.2020, altura em que se apresentou em Juízo e prestou TIR.

Por despacho de fls. 371/372, foi declarada a prescrição do procedimento criminal quanto à sociedade arguida.

O arguido ofereceu o merecimento dos autos e arrolou testemunhas.

Não existem nulidades, exceções ou questões prévias ou incidentais que importe conhecer, mantendo-se a instância válida e regular.

Procedeu-se a julgamento, na ausência do arguido, com observância de todas as formalidades legais.

Cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO:

A) Da matéria de facto:

Com relevância para a boa decisão da causa, apuraram-se os seguintes factos:

FACTOS PROVADOS:

1. A sociedade “A S, Lda” é uma sociedade por quotas unipessoal e tem por objeto social a construção civil e obras públicas, estando inscrita na Segurança Social nos regimes contributivos “000” (regime geral dos trabalhadores por conta de outrem) e “669” (regime dos membros dos órgãos estatutários).

2. O arguido SC foi gerente daquela sociedade desde a data da sua constituição, em 28.12.2005, até 26.08.2009, data em que renunciou ao cargo, sucedendo-lhe CD.

3. No decurso da sua atividade, entre fevereiro de 2007 e dezembro de 2008, a referida sociedade, por intermédio do arguido, então, seu gerente, nesse período, procedeu ao desconto das cotizações devidas à Segurança Social nos salários dos seus trabalhadores e dos membros dos órgãos estatutários, entregando as respetivas folhas de remuneração.

4. Porém, apesar de o pagamento dessas cotizações dever ser efetuado mensalmente, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam, a dita sociedade não pagou as cotizações respeitantes àquele período, nem no termo desse prazo, nem nos 90 dias seguintes, mantendo-se as mesmas em dívida até à presente data.

5. Assim, relativamente ao regime “000”, não foram entregues, à Segurança Social, as seguintes cotizações, num total de 3.089,75 euros:

- Cotizações respeitantes a fevereiro de 2007, no valor de 331,66 euros;

- Cotizações respeitantes a março de 2007, no valor de 198,66 euros;

- Cotizações respeitantes a abril de 2007, no valor de 198, 66 euros;

- Cotizações respeitantes a maio de 2007, no valor de 114,53 euros;

- Cotizações respeitantes a junho de 2007, no valor de 104,50 euros;

- Cotizações respeitantes a julho de 2007, no valor de 198,46 euros;

- Cotizações respeitantes a agosto de 2007, no valor de 203,50 euros;

- Cotizações respeitantes a setembro de 2007, no valor de 203,50 euros;

- Cotizações respeitantes a outubro de 2007, no valor de 203,50 euros;

- Cotizações respeitantes a novembro de 2007, no valor de 151,25 euros;

- Cotizações respeitantes a dezembro de 2007, no valor de 151,25 euros;

- Cotizações respeitantes a janeiro de 2008, no valor de 150,94 euros;

- Cotizações respeitantes a fevereiro de 2008, no valor de 154,77 euros;

- Cotizações respeitantes a março de 2008, no valor de 103,51 euros;

- Cotizações respeitantes a abril de 2008, no valor de 103,51 euros;

- Cotizações respeitantes a maio de 2008, no valor de 103,51 euros;

- Cotizações respeitantes a junho de 2008, no valor de 103,51 euros;

- Cotizações respeitantes a julho de 2008, no valor de 103,51 euros;

- Cotizações respeitantes a agosto de 2008, no valor de 103,51 euros;

- Cotizações respeitantes a setembro de 2008, no valor de 103,51 euros.

6. E, relativamente ao regime “669”, não foram entregues, à Segurança Social, as seguintes cotizações, num total de 1.187,50 euros: cotizações respeitantes a fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2017 e janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro e outubro de 2008, no valor de 47,50 euros, por cada mês, bem como respeitantes aos meses de novembro e dezembro de 2008, no valor de 95 euros, cada mês.

7. Tudo, num total global de 4.277,25 euros.

8. O arguido sabia que geria aquela sociedade e que impendia sobre si a obrigação legal de entregar as cotizações à Segurança Social.

9. Porém, agindo em nome e no interesse daquela sociedade, o arguido não procedeu à entrega dos referidos valores, o que fez com o objetivo alcançado de auferir vantagens patrimoniais ilegítimas, equivalentes aos valores não entregues, dos quais se apropriou e integrou na esfera patrimonial da sociedade.

10. O arguido persistiu naquela conduta ao longo daquele período de tempo, uma vez que a sociedade não foi alvo de atuação inspetiva, nesse período, por parte da administração da Segurança Social, o que facilitou a sua atuação.

11. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

12. O arguido não tem antecedentes criminais.

13. O arguido, depois de ter ficado desempregado, após o encerramento da laboração daquela empresa, emigrou para …, onde trabalha na construção civil; desde março de 2020, em consequência da pandemia mundial, que não tem exercido atividade laboral; tem uma filha com 17 anos de idade, para cujo sustento contribui, com 125 euros mensais; vive em casa arrendada e paga o veículo, que comprou, em prestações.

14. O arguido é considerado, pelos seus familiares e trabalhadores, como uma pessoa trabalhadora, responsável e honesta.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Nenhum outro facto com relevo para a decisão se apurou, designadamente, que:

1. O arguido sabia que a sua conduta era punida por lei.

No demais não se responde por se tratar de matéria sem relevo para a decisão.

B) Da convicção do Tribunal:

Sendo certo que, salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova, nos termos do art.º 127.º do CPP deve ser apreciada, no seu conjunto, segundo as regras da experiência e segundo a livre convicção do julgador, indicam-se, em conformidade com o no n.º 2 do art.º 374.º do CPP, os meios de prova que serviram para fundar a convicção do Tribunal:

1. Depoimento da testemunha SSFHS: Técnica Superior da Segurança Social, a qual esclareceu sobre o apuramento da dívida dos autos, cujo valor foi calculado com base nas declarações de remuneração entregues pelo contribuinte e validadas, ascendendo o montante das cotizações em dívida ao valor apurado nos autos, que confirmou. Esclareceu ainda que nada foi pago, até à presente data, por conta desta dívida. A testemunha depôs de modo coerente e sem suscitar reservas a respeito da sua isenção, tendo sido valorado o seu depoimento para o apuramento dos factos.

2. Depoimento das testemunhas AS, ZS e IS: ex-mulher e sogros do arguido, respetivamente, os quais esclareceram sobre as dificuldades financeiras que assolaram a empresa dos autos, devido à crise que percorreu o sector da construção, no período dos autos, tendo havido trabalhos prestados que não lhe chegaram a ser pagos. Esclareceram, ainda, que o arguido, apesar de tais dificuldades, honrou os seus compromissos junto dos seus trabalhadores, pagando os seus salários, tendo chegado a recorrer a empréstimos pessoais para esse efeito. Mais esclareceram que o arguido lhes contou que havia entregue as quantias devidas à sua contabilista, para que a mesma procedesse à sua entrega à Segurança Social, o que, segundo veio depois a descobrir, a mesma não fez, embora não tivesse chegado a apresentar queixa crime por tais factos. Abonaram, ainda, em favor da personalidade do arguido. As testemunhas depuseram de modo coerente e sem suscitar reservas a respeito da sua objetividade, pelo que foram valorados os respetivos depoimentos para o apuramento dos factos. Sem embargo, porque desacompanhados de outros meios de prova, consideraram-se tais depoimentos insuficientes no que concerne ao apuramento da factualidade respeitante à justificação dada para a falta de pagamento das cotizações dos autos.

3. Depoimento das testemunhas IS e VM: trabalhadores da sociedade dos autos, no período em causa, os quais confirmaram o recebimento dos salários que lhe eram devidos, confirmando as dificuldades financeiras da empresa, devidas à falta de pagamento dos trabalhos realizados por vários clientes. Depuseram de modo coerente e sem suscitar reservas a respeito da sua isenção, tendo sido valorados os seus depoimentos para o apuramento dos factos.

4. Documentos: parecer fundamentado, de fls. 18 a 26; mapas de apuramento da dívida, de fls. 28 e 29; certidão permanente da sociedade dos autos, de fls. 30 a 33; declaração de certificação, de fls. 34 e extratos globais das declarações de remunerações enviadas à Segurança Social, de fls. 35 a 77; e CRC do arguido.

Os factos dados como provados resultam, assim, da conjugação de todos os meios de prova produzidos, ponderados ainda à luz das regras de experiência e da normalidade do suceder, que os confirmam.

Mais decorre da factualidade diretamente apurada que, quem assim age, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, o faz de modo livre, deliberado e com consciência dos seus atos, não podendo desconhecer que tal atuação é proibida.

Já o facto dado como não provado resulta do sentido contrário da prova produzida, tendo em conta a falta de verificação da condição objetiva de punibilidade em vigor à data dos factos.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO:

Veio o arguido, na qualidade de sócio-gerente da sociedade dos autos, acusado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, porquanto, entre Fevereiro de 2007 e Dezembro de 2008, teria, em nome e em representação da dita sociedade, efetuado o desconto das cotizações devidas à Segurança Social nos salários dos respetivos trabalhadores e dos membros dos órgãos estatutários, e, ao invés de entregar todos os montantes descontados, naqueles períodos, à Segurança Social, antes dos mesmos se teria apoderado, usando tais valores no giro comercial.

Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 107.º do RGIT «As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do art.º 105.º», ou seja, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias, no caso de prestações tributárias de valor inferior ou igual a 50.000 euros, ou com pena de prisão de 1 a 5 anos, no caso de prestações tributárias de valor superior àquele (tendo em conta o sentido do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2010, de 23.09.2010).

Ora, comete o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social quem se apropriar, total ou parcialmente, do valor das cotizações devidas à Segurança Social e que, nos termos da lei, estava obrigado a entregar àquela entidade.

Com efeito, as entidades patronais devem entregar às instituições de Segurança Social competentes - os Centros Distritais de Segurança Social - as folhas de remunerações pagas no mês anterior, aos seus trabalhadores, sendo que, sobre os valores devidos a título de salário, incidem percentagens legalmente fixadas, as quais devem ser descontadas nessas remunerações, sendo o valor desses descontos transitoriamente retido pela entidade empregadora, para depois ser entregue, à Segurança Social, juntamente com a sua própria contribuição.

A lei onera, assim, o contribuinte empregador com o dever de auto-liquidar e pagar as cotizações devidas pelos seus trabalhadores, que hão de ter sido descontadas (isto é, não entregues) no respetivo salário.

Tal pagamento devia ter lugar, à data, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que dissessem respeito.

Decorrendo aquele prazo, sem que seja entregue o valor das cotizações efetivamente deduzidas nas remunerações pagas - sendo dado, em resultado de um ato apropriativo, diferente destino aos montantes retidos - ter-se-á por atualizada a previsão típica em evidência.

Com efeito, quando se procede ao pagamento do montante correspondente à remuneração líquida do trabalho prestado, sem, portanto, ali incluir a parte legalmente destinada à Segurança Social, é porque se procedeu à dedução dos valores devidos a título de cotizações, tendo tais valores permanecido na disponibilidade da entidade empregadora (ou seja, com retenção).

Para o preenchimento da factualidade típica considerada é, pois, necessário que a falta cometida possa ser reconduzida à violação de uma relação de confiança em que o agente se acha comprometido, precisamente pela circunstância de a prestação omitida lhe ter sido entregue (ainda que na prática tudo se passe como se se tratasse de uma mera operação contabilística) para posterior devolução ou para uma utilização previamente definida e determinada.

E é isto, precisamente, o que se verifica nas chamadas situações de substituição tributária: nestes casos, a lei determina que a posição de devedor na relação tributária seja ocupada a título indireto por um substituto do verdadeiro contribuinte em virtude da existência, entre eles, de uma relação jurídica de direito privado.

Ou seja, as entidades empregadoras procedem ao desconto, no vencimento bruto dos trabalhadores que mensalmente remuneram, do montante correspondente à percentagem legalmente fixada a título de cotizações, montante esse que, estando originariamente afeto à Segurança Social, passam a deter de forma precária, a título de fieis depositárias.

Ora, é justamente quando o agente da contribuição, detendo tais valores de modo precário, passa a deles dispor para uma finalidade diversa da pré-determinada, que o título da posse se inverte, o ato de apropriação se concretiza e, consequentemente, o crime se tem por consumado.

A simples fruição ou disposição pelo devedor de cada uma das prestações tributárias deduzidas, retidas ou liquidadas, seguida da não entrega no prazo e nas condições juridicamente devidas, denuncia, pois, de forma concludente o fenómeno da apropriação que corresponde à consumação do crime.

Importa ainda, para que a conduta seja punível, que tenham decorrido 90 dias sobre aquele prazo, sem que a situação tenha sido regularizada. E, bem assim, que, tendo sido o agente especificamente notificado para, em 30 dias, pagar voluntariamente a prestação tributária em falta acrescida dos valores previstos no art.º 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, não tenha pago o valor total em causa.

Ora, no caso dos autos, provou-se que, no período compreendido entre fevereiro de 2007 e dezembro de 2008, a sociedade dos autos exerceu a sua atividade, tendo beneficiado, portanto, da atividade dos seus trabalhadores e membros dos órgãos estatutários (MOE), atividade, essa, remunerada.

Mais se provou que, aos salários dos trabalhadores e dos MOE foram descontados, naquele período, os valores respeitantes às cotizações devidas à Segurança Social, os quais deveriam, em consequência, ser entregues, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam.

Porém, nenhuma quantia foi entregue à Segurança Social, até ao termo do prazo legal aplicável (até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam).

Sendo a quantia em causa devida à Segurança Social, por à mesma pertencer (sendo com tais valores que a mesma garante a assistência e proteção na velhice, invalidez, viuvez, orfandade e outras situações de perda de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho), não tendo sido efetuada a entrega da mesma, tem-se por verificada a apropriação, pois que outro destino, que não o legalmente previsto, lhe foi dado.

Ora, tal como ficou assente, no referido período, o arguido exerceu, de facto, a gerência da empresa, mantendo-se à frente da respetiva gestão diária, pelo que a omissão daquele pagamento, em nome e no interesse da sociedade, não pode deixar de lhe ser imputável.

Ou seja, o arguido não entregou à Segurança Social os valores que descontou nos salários dos trabalhadores e MOE, tendo-lhes dado um destino diverso do que era devido, pois que dos mesmos se apoderou, ainda que em benefício da sociedade, utilizando-os como se pertencessem à sociedade, para pagar outras despesas, mantendo, assim, a empresa em atividade, como que financiada pela Segurança Social.

Por conseguinte, a dita sociedade foi-se, afinal, mantendo, à custa da Segurança Social, a quem incumbe a proteção dos trabalhadores (incluindo, dos trabalhadores da referida sociedade, os quais, pese embora recebessem os valores líquidos, convencidos de que estavam a contribuir para Segurança Social com o que lhes era descontado - o que lhes daria o direito de beneficiarem, no futuro, das prestações sociais que lhes fossem devidas - não estavam, afinal, a contribuir com nada, porquanto a sua entidade patronal usava tais montantes para gerir as suas dívidas).

Do exposto, resulta que o arguido, enquanto gerente efetivo da sociedade dos autos, ao agir desta forma, não entregou à Segurança Social, na íntegra, as cotizações compreendidas entre fevereiro de 2007 e dezembro de 2008, num total global de 4.277,25 euros, afetando-as ao giro comercial da sociedade.

Mais se provou que o arguido agiu sabendo que apenas lhe era autorizado deter as referidas quantias até ao termo do prazo aplicável e que estava obrigado a entregá-las, até lá, à Segurança Social, sabendo ainda que lhe era vedado delas dispor, como se suas ou da sociedade fossem, tendo, não obstante, decidido dar-lhes destino diverso do legal (pois que as aplicou no pagamento de outras dívidas), o que fez de modo livre e esclarecido. Agiu, assim, dolosamente.

Mostram-se, assim, preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito criminal imputado ao arguido.

Porém, para o crime em evidência consagrou o legislador duas condições objetivas de punibilidade, cuja não verificação impede a punibilidade dos factos praticados.

Com efeito, como decorre do disposto no art.º 105.º, n.º 4 do RGIT, também aplicável ao crime aqui em evidência, por força do n.º 2 do art.º 107.º do mesmo diploma, os factos só são puníveis se:

a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;

b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

Ora, a condição prevista na al. b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT foi aditada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29-12, a qual entrou em vigor em 01-01-2007.

Assim, atentos os factos enunciados nos autos, e que se deram por assentes, importa concluir que, à data da sua prática, estava já em vigor a referida condição de punibilidade.

Donde, a conduta do arguido só seria punível se, depois de decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal nada tivesse pago (como sucedeu) e ainda que, depois de ter sido notificado para esse específico efeito, o arguido não tivesse pago, nos 30 dias subsequentes, o valor das prestações em dívida, acrescidas dos respetivos juros e do valor da coima aplicável.

Sucede que o arguido não foi notificado, em momento prévio à dedução da acusação (que data de 30-11-2011, ou seja, em plena vigência da lei que procedeu àquele aditamento), nos termos e para os efeitos daquela al. b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT.

Como evola dos autos, e o Ministério Público o assume, em despacho prévio à acusação, o arguido não foi notificado para aquele efeito por ser desconhecido o seu paradeiro.

E mais ali aduz que a falta daquela notificação não deverá constituir obstáculo à dedução da acusação, uma vez que sempre o tribunal do julgamento poderia suprir aquela omissão, incumbindo-lhe tal notificação quando o arguido viesse a ser localizado, invocando, em abono da sua posição, o teor do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 409/2008, de 24-09, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06.05.2008, proferido no Proc. n.º 1721/2008.

Sucede que, ressalvado o devido respeito, não lhe assiste razão.

Desde logo, não só aquela condição carecia de estar verificada em momento anterior à dedução da acusação (pelo que a sua falta sempre seria impeditiva da mesma), como devia ter sido alegada na referida peça processual, o que não sucedeu, e impunha até a sua rejeição, ao abrigo do disposto no art.º 311.º, n.º 3, do CPP.

Por outro lado, a jurisprudência que ali se invoca não tem aplicação ao caso em apreço.

Com efeito, ali se abordava o problema da sucessão de leis no tempo, convocada pela introdução daquela nova condição objetiva de punibilidade, numa altura em que se discutia se o legislador havia, com a previsão daquela nova exigência legal, descriminalizado as condutas praticadas em momento anterior à sua entrada em vigor ou se teria, ao invés, criado uma nova condição objetiva de punibilidade e, nesse caso, quais as consequências a extrair para os processos que então se encontravam pendentes, dado que não foi prevista nenhuma norma transitória.

Assim, e nos casos ali apreciados, tendo sido deduzida acusação, contra os ali arguidos, ora pelo crime de abuso de confiança fiscal, ora pelo crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, ambos ainda ao abrigo do RJIFNA, colocava-se o problema de saber quais os efeitos da aplicação, aos mesmos, daquela alteração ao RGIT, decidindo-se, ali, que o regime introduzido pela Lei n.º 53-A/2006, por consubstanciar um regime concretamente mais favorável ao agente, nos termos do art.º 2.º, n.º 4, do C. Penal, seria de aplicação aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.

Com efeito, considerando-se, como veio a ser assumido pelo Supremo Tribunal de Justiça (no seu Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6 /2008, de 09-04) que aquela alteração se tratava de uma condição objetiva de punibilidade, traduz-se a mesma, portanto, num elemento situado fora da definição do crime, mas cuja presença constitui um pressuposto para que a ação antijurídica tenha consequências penais, ou seja, um pressuposto da atuação das consequências penais de uma ação típica e antijurídica, integrando, assim, o complexo facto-condições de que depende a aplicação de uma sanção penal.

Daí que, e em consonância com aquele Acórdão Uniformizador, haveria que aplicar a lei nova aos casos pendentes (por factos ocorridos antes da entrada em vigor da nova al. b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT), porquanto, o pagamento das prestações em falta, viabilizado, numa derradeira oportunidade, naqueles termos, poderia levar a que o agente se pudesse eximir a uma condenação. Impunha-se, assim, nestes casos (mas apenas nestes), proceder-se àquela notificação, não obstante poder o processo em causa encontra-se já na fase de julgamento (caso em que incumbiria ao tribunal diligencia pela dita notificação), justamente, para assegurar aos arguidos o direito de beneficiarem daquele regime mais favorável.

Na verdade, como se alcança do relatório do Orçamento Geral do Estado para 2007, a intenção do legislador foi, claramente, a de conceder mais uma oportunidade aos devedores para regularizarem a situação tributária, incentivando os arguidos a tal pagamento, a fim de poderem ainda obviar à sua eventual condenação.

Por isso que, naquele concreto contexto, em que já tivesse sido deduzida acusação, ao abrigo, portanto, do regime legal anterior, onde se previa apenas uma condição objetiva de punibilidade (decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação, sem pagamento da mesma) se defendesse que, por efeito da aplicação daquele novo regime, por ser mais favorável ao agente, fosse admissível a efetivação da notificação em causa, ainda que pelo Tribunal do julgamento.

Sucede que o caso dos presentes autos não se enquadra no âmbito da jurisprudência acima referida.

Os factos aqui em causa ocorreram já após a entrada em vigor da al. b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT.

Donde, impunha-se que, ainda em fase de inquérito, e, portanto, precedendo a acusação, se verificasse aquela condição objetiva, isto é, impunha-se que tivesse sido o arguido pessoalmente notificado para, em 30 dias, pagar a prestações em falta, com juros e incluindo as coimas aplicáveis.

Tal não foi feito (ainda que devido ao desconhecimento do paradeiro do arguido), pelo que, não tendo sido rejeitada a acusação, no momento próprio, com fundamento na falta de verificação daquela condição de punibilidade e consequente omissão da alegação do correspondente facto, impõe-se, agora, a absolvição do arguido. Neste sentido vejam-se, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 25.10.2016 (relatado pelo Desembargador João Gomes de Sousa), de 25.10.2016 (relatado pela Desembargadora Maria Leonor Esteves), de 10.01.2017 (relatado pelo Desembargador Carlos Berguete Coelho); de 04.04.2016 (relatado pela Desembargadora Ana Barata Brito) e de 12.07.2018 (relatado pelo Desembargador António Latas), todos acessíveis na base de dados da DGSI.

Com efeito, não só a falta de alegação daquele facto, essencial, fere a acusação de nulidade, como o aditamento desse facto, nesta sede, extravasaria o âmbito permitido pelo disposto no art.º 358.º do CPP, sendo, por isso, vedado (em consonância com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2015, de 27-01), a que acresce que não incumbe ao tribunal, pelos motivos acima expostos, proceder, agora, a tal notificação, tanto mais inútil, por não ser admissível o aditamento de tais factos à acusação.

O problema, aqui, note-se, não é o da competência do tribunal do julgamento para ordenar a notificação em falta, que se admite nos casos (já residuais) em que tenha sido deduzida acusação quanto a factos anteriores à entrada em vigor da al. b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT (e que, por qualquer motivo, ainda não tenham sido sujeitos a julgamento), mas, antes, o facto de a factualidade em causa nestes autos ter ocorrido já na vigência daquela norma, sendo posterior à sua entrada em vigor.

Por isso é, aqui, de excluir que o Tribunal possa ordenar aquela notificação, sendo certo que a acusação é omissa na alegação do correspondente facto (justamente, por se não ter verificado), estando vedado ao tribunal aditar os factos que eventualmente viriam a resultar de uma tal notificação com relevância para efeitos punitivos.

Assim, por tudo o exposto, não se verificando uma das condições objetivas de punibilidade, os factos apurados não são, em consequência, puníveis, impondo-se, pois, a absolvição do arguido, como se decide fazer.

DECISÃO:

Nestes termos, julgo a acusação pública não provada e improcedente, e, em consequência:

ABSOLVO o arguido SC da prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107.º, n.ºs 1 e 2, e 105.º, n.ºs 1 e 4, do RGIT, e art.º 30.º do C Penal”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

A nosso ver, com o devido respeito pela opinião expressa na motivação do recurso interposto pelo Ministério Público, e tendo a acusação proferida no presente processo sido deduzida após a entrada em vigor da al. b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, introduzida pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, a notificação aí prevista (e o não pagamento subsequente por banda do arguido, nos 30 dias posteriores) deve ser feita antes da dedução da acusação.

Assim sendo, tendo sido proferida acusação contra o arguido, sem que essa notificação haja sido feita, a acusação devia ter sido rejeitada (ao abrigo do disposto no artigo 311º, nº 2, al. a), e nº 3, al. d), do C. P. Penal).

Não tendo a acusação sido rejeitada (por manifestamente infundada), a verificação da ausência da notificação em causa, na fase do julgamento, como sucedeu in casu, tem como consequência a absolvição do arguido, não competindo ao Tribunal proceder à notificação em falta.

Dito de outro modo: aquando da instauração do procedimento criminal, ou, no caso destes autos, aquando da dedução da acusação, a notificação em apreço (notificação para o devedor proceder, no prazo de 30 dias e sob pena de instauração de procedimento criminal, ao pagamento das quantias devidas à segurança social e ainda em falta decorridos os 90 dias sobre o termo do prazo de entrega da prestação) tem de se encontrar efetuada ao arguido.

Constatada a omissão da referida notificação, na fase do julgamento, o Tribunal do julgamento não pode ordenar a notificação do arguido mediante despacho para o efeito, ao contrário do que se alega e pretende na motivação do presente recurso.

Por conseguinte, o que foi decidido no despacho proferido em 20-11-2020, no decurso da audiência de discussão e julgamento, mostra-se inteiramente correto, pois não cabia ao Tribunal recorrido, na fase do julgamento, proceder à notificação do arguido nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 105º, nº 4, al. b), do RGIT.

Do mesmo modo, mostra-se totalmente acertada a decisão, constante da sentença revidenda, de absolvição do arguido.

Com efeito, a condição objetiva de punibilidade em análise (notificação para o devedor proceder, no prazo de 30 dias, ao pagamento das quantias devidas à segurança social e ainda em falta decorridos os 90 dias sobre o termo do prazo de entrega da prestação) tem de se mostrar verificada para que os factos em causa sejam puníveis.

Como bem se escreve no Ac. deste T.R.E. de 12-07-2018 (relator António João Latas, in www.dgsi.pt), “o artigo 105º, nº 4, b), do RGIT, na redação que lhe foi dada pelo artigo 95º da Lei 53-A/2006 de 29/12 (Lei do Orçamento), veio estabelecer que a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei por quem estava obrigado a entregá-la à administração tributária ou à segurança social (conforme esteja em causa o crime de abuso de confiança fiscal ou de abuso de confiança contra a segurança social), apenas é punível se a prestação comunicada através da competente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito. Ou seja, a punição do obrigado à entrega do imposto ou da prestação social tempestivamente declarados, passou a depender ainda do não pagamento daquela prestação, acrescida do valor da coima devida e juros de mora, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito. Assente que o crime de abuso de confiança contra a segurança social (à imagem do seu homónimo fiscal) se consuma com a falta de pagamento da prestação em dívida na data do respetivo vencimento (cfr. artigo 5º, nº 2, do RGIT), caraterizando-se, assim, como crime omissivo puro, a falta de pagamento da prestação e demais acréscimos referidos na al. b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT no prazo de 30 dias aí estabelecido, é circunstância que, situando-se fora do tipo de ilícito e de culpa, respeita à categoria da punibilidade, na medida em que constitui um pressuposto para que o atuar antijurídico importe consequências penais, que o AFJ do STJ nº 6/2008 veio qualificar como condição de punibilidade”.

Em jeito de síntese: a condição objetiva de punibilidade em questão, e em termos simplificados, traduz-se num elemento constante da norma incriminadora, situado fora do tipo de ilícito e do tipo de culpa, cuja presença constitui um pressuposto para que a ação antijurídica tenha consequências penais.

Tal condição objetiva de punibilidade constitui-se, assim, como uma circunstância que, muito embora se situe fora do tipo de ilícito e da culpa do agente, é absolutamente necessária para a punibilidade do facto (ou seja, é um pressuposto essencial para que o atuar antijurídico do arguido importe consequências penais para o mesmo).

Ora, na presente situação, constatando-se que não ocorreu a notificação para o arguido proceder, no prazo de 30 dias, ao pagamento das quantias devidas à segurança social e ainda em falta decorridos os 90 dias sobre o termo do prazo de entrega da prestação, não estão verificados, manifestamente, todos os pressupostos indispensáveis para que a punição pela prática do crime enunciado na acusação possa desencadear-se.

Por isso, a decisão absolutória tomada em primeira instância nenhum reparo nos merece.

Para não acrescentarmos mais considerandos, inúteis e repetitivos, e tendo a questão agora em apreço sido objeto de apreciação e decisão em diversos acórdãos proferidos por este Tribunal da Relação de Évora (acórdãos, aliás, citados na sentença sub judice), limitamo-nos a dar aqui por reproduzido o seguinte (que consta do douto “parecer” emitido nos autos, neste Tribunal da Relação, pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto): “ao tomar partido nesta discussão, há que reconhecer que a jurisprudência deste tribunal tem vindo, de forma consistente, a inclinar-se ultimamente para a tese defendida pela Mmª Juíza de Portimão. E sobre uma dupla vertente que a sentença analisa. 1 - Por um lado, considera que não compete ao tribunal suprir a omissão do inquérito, que não procedeu à notificação do arguido nos termos do disposto no artigo 105º, nº 4, b), do RGIT, em momento prévio à acusação. 2 - Por outro, vem entendendo que a omissão no libelo acusatório de qualquer alusão ao cumprimento desta condição, por se tratar de uma condição objetiva de punibilidade, essencial ao preenchimento do tipo legal, tem a mesma consequência e tratamento devido à omissão de qualquer elemento integrador do tipo legal e, consequentemente, deverá conduzir à absolvição. É o que nos parece resultar, entre outros, do Ac. da RE de 26/05/20 (proc. nº 389/18.5IDFAR.E1), para quem: I - A sentença recorrida não enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, se for esgotado o objeto do processo definido na acusação. II - Não vindo alegado na acusação o facto pertinente à verificação da condição objetiva de punibilidade, ou seja, que o arguido foi notificado para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento da quantia em dívida, acrescida dos juros moratórios e da coima aplicável, não podia esse facto ter sido considerado na motivação e na fundamentação de direito para apoiar a condenação do arguido recorrente. III - Os institutos de alteração não substancial ou substancial dos factos não visam colmatar lacunas da acusação ou pronúncia, com origem na desconsideração de elementos que já aquando da respetiva prolação constavam dos autos, imprescindíveis à conformação de ilícito penal. Posição contrária corresponderia a admitir a transformação de uma realidade que, ab initio, por ausência da descrição completa dos respetivos elementos típicos, não configurava crime em conduta penalmente típica. Bem como no Ac. da RE de 12/07/18 (proc. nº 646/12.4TATVR.E), segundo o qual e na parte que agora interessa: I. Embora a condição prevista na al. b) do nº4 do art. 105º do RGIT se qualifique dogmaticamente como condição de punibilidade e não como pressuposto ou condição de procedibilidade, a notificação ali referida, para além de constituir um pressuposto da verificação da condição de punibilidade, constitui-se igualmente em pressuposto da instauração do procedimento criminal, pois enquanto a notificação não tiver lugar e não decorrer o prazo de 30 dias ali estabelecido, aquele procedimento criminal não deve iniciar-se. II. Caso o procedimento criminal se inicie sem ter lugar aquela notificação - nomeadamente por não ser encontrado o obrigado - o MP deve providenciar pelo suprimento da omissão, nomeadamente procedendo à notificação em falta como se verificou in casu, mencionando-a na acusação juntamente com a falta de entrega e pagamento das quantias referidas na al. b) do nº 4 do art. 105.º do RGIT, em cumprimento do art. 283º, nº 3, b), do CPP, sem o que o processo não deve prosseguir para julgamento. III. Prosseguindo o processo para julgamento sem que se mostre realizada a notificação, esta omissão acarreta a falta da condição objetiva de punibilidade, sendo consensualmente entendido na doutrina penal que a falta desta condição implica a absolvição. E também no Ac. da RE de 04/04/16 (proc. nº 469/15.9T9ST8.E1) que diz: I - Em processo crime relativo a factos praticados após a entrada em vigor da al. b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29/12, a notificação aí prevista (e o não pagamento subsequente, nos 30 dias posteriores) deve estar verificada antes da dedução da acusação. II - Tendo sido proferida acusação contra o arguido, sem que essa notificação haja sido feita, a acusação devia ter sido rejeitada. Não o tendo sido, a verificação dessa falta em sede de julgamento tem como consequência a absolvição do acusado. E, finalmente, no Ac. da RL de 24/04/18 (proc. nº 4373/12.4TALRS.L11--5): I. A exigência contida na al. b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT, definida como uma condição objetiva de punibilidade, deve constar - como facto - da acusação. Sendo arguidos a sociedade e o gerente, deve constar da acusação não só a notificação deste em nome pessoal, mas também a notificação na qualidade de representante legal daquela. II. O artigo 123º, nº 2, do Código de Processo Penal, não prevê casos de irregularidade ‘insanável’, mas a possibilidade de reparação oficiosa (faculdade de autocorreção) de irregularidades suscetíveis de, per se, afetarem o valor processual futuro ou absoluto de determinados atos, enquanto esta se mostrar viável, face à normal marcha do processo. III. A não verificação da mencionada condição objetiva de punibilidade, máxime numa situação em que a acusação, no que toca à notificação em causa, não refere ambos os arguidos, não é resolúvel por via do regime das irregularidades: para que os factos sejam puníveis, é necessário que se mostre verificada a condição objetiva de punibilidade, pelo que a conduta é inócua em termos de relevância criminal enquanto não verificada essa condição, pois se esta não se encontra verificada, o facto ilícito não é punido. IV. Se o Ministério Público não podia ter deduzido a acusação porque não foi feita a notificação em causa, feito o julgamento e constatada a não verificação da condição objetiva de punibilidade, não faz sentido que o tribunal a supra, precisamente porque o processo a esta fase não devia ter chegado”.

Posto tudo o que precede, é de improceder o recurso interposto pelo Ministério Público, sendo de manter ambas as decisões recorridas (o despacho de 20-11-2020 e, bem assim, a sentença absolutória proferida).

III - DECISÃO

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso do Ministério Público, mantendo-se, consequentemente, o que foi decidido em primeira instância.

Sem custas, por o Ministério Público estar isento do seu pagamento.

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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 11 de maio de 2021

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Edgar Gouveia Valente)