Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
118/09.4IDFAR.E2
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRAZO
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário: I - Nos casos abrangidos pelo art. 14.º, nº1, do RGIT é esta a norma que estabelece o limite máximo aplicável ao período de suspensão da pena e não o art. 50.º, nº5, do C.Penal.

II – O regime estabelecido no art. 50.º, nº5, do C.Penal, após a Lei 59/2007 de 4 de Setembro, é incompatível com o fixado no citado art. 14.º do RGIT, precisamente no que respeita ao prazo máximo de duração da suspensão da execução da pena, pois ao permitir que o pagamento possa fazer-se até ao limite de 5 anos, aquele último preceito pressupõe, necessariamente, que o período de suspensão da pena possa atingir aquele mesmo limite.

III - Na verdade, dado o regime da suspensão da execução da pena, nomeadamente no que respeita às consequências do seu incumprimento e da sua extinção, o prazo de cumprimento de algum dos deveres ou regras de conduta não pode exceder o prazo fixado para a duração da suspensão. O incumprimento sempre tem que ocorrer durante o período da suspensão (cf. Art.55.º e 56.º do C.Penal) e a pena é declarada extinta se decorrido o período da suspensão não se verificarem motivos para a sua revogação, como bem diz o recorrente (cf. art. 57.º do C.Penal).
Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no 1º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lagos, foram julgados (a) S - …,Lda, e JC, a quem o MP imputara a prática de um crime doloso consumado de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelos artigos 7º, nº 1, e 105º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias.

2 – Realizada a audiência de julgamento o tribunal a quo absolveu ambos o arguidos da acusação contra eles deduzida, com fundamento em que os factos deixaram entretanto de constituir crime, e em obediência ao disposto no artigo 2º, nº 2, do Código Penal, por sentença de 18 de novembro de 2009.

3. – Interposto recurso pelo MP, foi aquela sentença revogada por acórdão desta Relação de 8.04.2010 que, julgando que os arguidos praticaram os crimes pelos quais foram acusados, ordenou a remessa dos autos à 1ª instância para aí ser proferida nova sentença em que se procedesse á determinação da sanção.

4. O tribunal a quo proferiu nova sentença, com data de 27.05.2010, condenando:

- O arguido, JC, como autor de um crime doloso consumado de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 105º nº1 e nº7, do RGIT, na pena de um ano de prisão, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período de tempo, condicionada a que o arguido satisfaça a dívida fiscal em causa no prazo de 5 anos a contar do trânsito;

- A sociedade arguida, S- – …, Lda, por coautoria material do crime doloso consumado de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 105º nº1 e nº7, do RGIT, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 5€ totalizando 1 000€.

5. – Da nova sentença veio o arguido, JC, interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes
« CONCLUSÕES

1- Existe erro notório da apreciação da prova, porquanto mão é indiferente dizer-se que ficou provado que 6p. "O arguido JC fez ingressar a quantia retida no património social da arguida sociedade", e dar-se por não provado que 1 NP "O arguido JC tenha diluído a quantia do IV A nos méis financeiros da arguida sociedade", quando ambas querem dizer exatamente a mesma coisa, porquanto a quantia retida, referida em 6p corresponde ao IVA em I NP, pelo que a sentença padece de contradição insanável, nos termos do 4 10, n02 ai b) do CPP

2- A condição da suspensão da execução da pena, não pode ser superior à própria suspensão, porquanto, quando esta condição não se verificar, a pena já estará extinta pelo decurso do tempo.

3- Na fixação do dever, deverá o tribunal ter em conta, o que não fez, o nº2 do artº 51, não impondo condições que representem para o condenado uma obrigação que não seja razoavelmente de se lhe exigir, violando-se o princípio da razoabilidade,

4- A condenação tal como decidida, sem que essa ponderação tenha sido feita, e atendendo aos montantes, antecipa-se que será impossível o seu pagamento a e sentença em vez de ser suspensa na sua execução, é apenas adiada na sua execução.

5- O Juiz, na sentença também deveria fixar a quantia, e não determinar abstratamente, que deverá ser a dívida fiscal em causa.

6- A sentença padece da nulidade prevista no artigo art. 410º nº2 al.a) do CPP por padecer do vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e da sua contradição.

7- Bem como padece da nulidade prevista na aI. a) do n.ºI do art. 379° do CPP, por falta de exame crítico da prova produzida.

8- Foram violados ao artigos 50° e 51° do CP, 379° e 410° do CPP.
9-Termos em que se invocando o Douto Suprimento do Venerando Tribunal, deverá a Douta Sentença ser revogada e substituída por outra que tenha em consideração as questões que ora se suscitam

Face ao vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão - art 410° n"2 a!. a) do ( 'PP de que padece a sentença recorrida, impõe-se o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo, atenta a circunstância de toda a matéria em causa estar correlacionada. (. . .) Cfr Ac Tribunal da Relação de Évora de 11.05.2010., P. 292/09.0PALGS.El, 13 secção Criminal. decisão da qual se retiraram os presentes excertos »


5. – Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta, concluindo pela procedência, parcial, do recurso, no que respeita à invocada contradição insanável entre factos provados e não provados (art. 410º nº2 b) do CPP) e à invocada nulidade de sentença por falta de exame crítica da prova, concluindo que a sentença recorrida violou ainda o disposto no art. 50º do C.Penal ao suspender a execução da pena durante um ano ao mesmo tempo que fixa um prazo (5 anos) para pagar a quantia fixada superior ao da suspensão.

6.- Nesta Relação, o senhor magistrado do MP apresentou o seu parecer em que acompanha aquela resposta, exceto no que respeita ao vício previsto no art. 410º nº2 o CPP, pois, como diz, quanto a tal há caso julgado.
7. – Notificados da junção deste, os arguidos nada d

8. – A decisão recorrida (transcrição parcial):

- F U N D A M E N T O S D E F A C T O -
- A - Factos provados -
Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1p. A arguida S - …, Lda, tem por objeto social a construção civil, canalizações e compra e venda de propriedades, infraestruturas, representações e importações.

2p. A gerência desta arguida tem sido, desde a sua constituição, exercida unicamente pelo arguido JC, que é sócio.

3p. No desenvolvimento da sua atividade, a arguida sociedade, por intermédio do seu gerente, prestou serviços a clientes, dos quais recebeu, globalmente, a quantia de IVA de 8.246,38 euros respeitante ao primeiro trimestre de 2006.

4p. No entanto, o arguido, na qualidade de sócio-gerente da arguida, não entregou nos Serviços de Administração do IVA aquela importância global, apurada a favor do Estado.

5p. A arguida sociedade liquidou assim, no primeiro trimestre de 2006, IVA no valor daquela quantia global, montante que deixou de indicar na declaração periódica.

6p. O arguido JC fez ingressar a quantia retida no património social da arguida sociedade.

7p. O arguido JC agiu de modo voluntário, livre e consciente, sabendo que aquela quantia pertencia ao Estado e que a este deveria fazê-la chegar, tal como a declaração com menção de todo o IVA liquidado, e querendo integrar o aludido valor no património da arguida sociedade, de que era gerente único, e em cujo nome e interesse agiu, a fim de obter para ela benefício ilegítimo.

8p. O arguido JC, que é isento de passado criminal, sabia que as suas condutas violam a lei vigente.

9p. Os pagamentos de IVA devidos por cada operação sujeita ao imposto variam entre 17,57 euros e 1.735,54 euros.

- B - Factos não provados -
Dos factos com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes:

1NP. Que o arguido JC tenha diluído a quantia de IVA nos meios financeiros da arguida sociedade.

- C - Provas dos factos e sua análise –

1 - Ausente o arguido, a prova formou-se com base nos documentos juntos aos autos e no declarado pela testemunha JH, inspetor tributário.

2 - A testemunha confirmou o quadro de folhas 22, por si elaborado, e confirmou que o IVA continua por pagar.

- III -
- F U N D A M E N T O S D E J U R E –
(…) »

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso e poderes de cognição do tribunal ad quem.
a) Como é pacificamente entendido, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação (cfr art. 412º nº1 do CPP), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a decidir pelo tribunal ad quem.

b) In casu, as questões que o recorrente suscita nas conclusões da sua motivação do recurso, são as seguintes:

- Nulidade de sentença prevista na al. a) do nº1 do art. 379º do CPP, por violação do disposto no art. 374º nº2 do CPP, em virtude de não proceder ao cabal exame crítico das provas;

- Vícios de contradição insanável da fundamentação e de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, nos termos do art. 410º nº2 als b) e a), do CPP, respetivamente, por serem contraditórios entre si o facto provado sob o nº6 da sentença e o único facto não provado ali descrito;

- Violação do disposto nos arts. 50º e 51º nº2 do C.Penal, ao suspender-se a execução a pena por 1 ano, mas condicionando-a ao dever de pagar a quantia correspondente ao IVA em dívida no prazo de 5 anos a contar do trânsito.

São, pois, estas as questões a apreciar e decidir no presente, sem prejuízo do conhecimento de alguma delas poder ficar prejudicada pela decisão dada às restantes.

2. Decidindo.
2.1.- Da nulidade de sentença por falta de exame crítico das provas.

Nos termos do art. 379º nº 1 a)do CPP, é nula a sentença que viole o dever de fundamentação imposto pelo art. 205º nº1 do CPP e especificamente regulado pelo 374º nº2 do CPP, o que inclui o dever do tribunal “a quo” apreciar criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção.

A apreciação crítica das provas consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida. Esta exposição – ainda que concisa, como refere o nº2 do art. 374º - deve permitir compreender o motivo pelo qual o tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que suportam a decisão negativa ou positiva da matéria de facto em causa, sem que tal implique, porém, o dever de decompor cada um dos termos ou conceitos que, na experiência corrente, são utilizados para expressar o maior ou menor poder de convicção de cada um dos meios de prova.

Por outro lado, o grau de exigência desta apreciação depende das circunstâncias do caso concreto, nomeadamente da existência de duas ou mais versões sobre os factos probandos e de eventual oposição entre meios de prova concretamente considerados, pois é nestas situações que se torna necessário explicar bem a razão pela qual o tribunal assentou a sua decisão em certo meios de prova e não noutros.

Ora, no caso concreto e conforme claramente expresso na análise crítica da prova, a decisão sobre a matéria de facto assentou nos documentos juntos e nas declarações da testemunha da administração tributária arrolada na acusação, que confirmou os elementos documentais relativos ao imposto em falta e que este continua por pagar, sem que os autos espelhem controvérsia acera dos factos que integram o tipo legal ou das respetivas provas, que impusessem maior detalhe e clarificação.

Assim, não obstante o seu laconismo, a sentença apreciou as provas de forma adequada ao caso concreto, permitindo compreender quais as provas relevantes na decisão sobre a matéria de facto e porquê.

Improcede, pois, o recurso nesta parte.

2.2. – Do vício de contradição insanável da fundamentação – art. 410º nº2 b) do CPP. Alega o recorrente que são contraditórios entre si o facto provado sob o nº6 da sentença («6p. O arguido JC fez ingressar a quantia retida no património social da arguida sociedade») e o único facto não provado . «1NP. Que o arguido JC tenha diluído a quantia de IVA nos meios financeiros da arguida sociedade.».
Sem razão, porém.

Por um lado, do ponto de vista estritamente lógico pode dizer-se que o facto não provado traduz apenas uma forma específica de concretizar o ingresso da quantia em causa no património da sociedade, sendo possíveis outras, pelo que o tribunal se terá limitado a julgar não provado que o provado ingresso não se deu através da diluição dos meios financeiros da sociedade.

Noutra perspetiva, pode pensar-se que o facto não provado é apenas redundante face ao provado sob o nº6, por significar o mesmo que aquele, ou seja, que a quantia retida a título de IVA se diluiu, no sentido, de se ter integrado no património da sociedade.

Em qualquer os casos não se verifica contradição lógica, oposição entre o facto provado e não provado, que implicasse clarificar o sentido de decisões contraditórias, pelo que não ocorre o vício apontado.

Sempre se diga, porém, que a factualidade em causa não se mostra relevante para a decisão da questão da culpabilidade (art. 368º do CPP) ou da questão da determinação da sanção (art. 368º do CPP), de tal modo que pudesse constituir vício impeditivo da decisão da causa, pois só nesse caso se justifica o reenvio para novo julgamento, ainda que parcial. (cfr art. 426º nº1 do CPP).

Na verdade, a factualidade em causa não releva para o preenchimento do tipo penal de abuso de confiança fiscal, uma vez que este crime se consuma com a falta de entrega dolosa das quantias retidas a título de IVA, nem para determinação da sanção no caso concreto, pois a sentença não se lhe refere, nem o recorrente afirma pretender invocar a seu favor o facto julgado não provado em termos que pudessem ir além do que já resulta provado sob o facto nº6 da sentença.

O recorrente pretende ainda que apontada contradição originaria a falta de apuramento de factos relevantes para a decisão e na conclusão 1ª fala ainda em erro notório da apreciação da prova, a propósito da mesma contradição factual que aponta, mas nada mais há a dizer a tal respeito, pois entendemos que não se verifica sequer a base factual que é comum à invocação, nominal, dos três vícios a que se reporta o nº2 do art. 410º do CPP, pois não há contradição entre aqueles factos e a mesma, a verificar-se, sempre seria irrelevante, como referido supra.

2.3. – Da violação do disposto nos arts 50º e 51º nº2 do C.Penal, ao suspender-se a execução a pena por 1 ano, mas condicionando-a ao dever de pagar a quantia correspondente ao IVA em dívida no prazo de 5 anos a contar do trânsito.

2.3.1. - O recorrente começa por alegar que a sentença fixa dois prazos distintos incompatíveis, pois ficando a mesma suspensa pelo período de um ano a pena extinguir-se-ia decorrida aquele prazo, para voltar a renascer quatro anos depois se a dívida não fosse paga .

É pertinente a objeção do recorrente, mas a incoerência registada não fica a dever-se propriamente a uma errada interpretação dos arts 50º ou 51º, do C.Penal, mas a um outro erro de direito que se traduz em o tribunal a quo ter aplicado partes de dois regimes distintos à situação do autos. Fixou a duração do período de suspensão da pena de acordo com o estabelecido no art. nº5 do C.Penal e o prazo de cumprimento da obrigação de pagar a dívida fiscal de harmonia com o preceituado no art. 14º do RGIT, preceito que impõe a sujeição da suspensão da pena àquela obrigação mas permite que tal pagamento possa fazer-se em prazo a fixar até ao limite de cinco anos, o que se harmonizava com a redação do art. 50º nº5 do C.Penal anterior á Lei 49/2007, que estabelecia os limites do período de suspensão entre 1 e 5 anos.

Ora, o regime estabelecido no art. 50º nº5 do C.Penal, após a Lei 59/2007 de 4 de setembro, é incompatível com o fixado no citado art. 14º do RGIT, precisamente no que respeita ao prazo máximo de duração da suspensão da execução da pena, pois ao permitir que o pagamento possa fazer-se até ao limite de 5 anos, aquele último preceito pressupõe, necessariamente, que o período de suspensão da pena possa atingir aquele mesmo limite.

Na verdade, dado o regime da suspensão da execução da pena, nomeadamente no que respeita às consequências do seu incumprimento e da sua extinção, o prazo de cumprimento de algum dos deveres ou regras de conduta não pode exceder o prazo fixado para a duração da suspensão. O incumprimento sempre tem que ocorrer durante o período da suspensão (cfr. arts 55º e 56º, do C.Penal ) e a pena é declarada extinta se decorrido o período da suspensão não se verificarem motivos para a sua revogação, como bem diz o recorrente (cfr. art. 57º do C.Penal).

2.3.1.1.. – Verifica-se, pois, nestes termos, incompatibilidade entre as disposições do nº5 do art. 50º e do art. 14º nº1 do RGIT, no que respeita ao prazo de duração da suspensão da execução da pena, sem que, todavia, possa considerar-se revogada esta última disposição legal.

Por um lado, a Lei 59/2007 não a revogou expressamente. Por outro, o art. 14º nº1 do RGIT não pode considerar-se tacitamente revogado na parte em que prevê que o pagamento da dívida fiscal possa ocorrer até ao limite de 5 anos e, consequentemente, que o prazo de suspensão da pena seja fixado até ao máximo de 5 anos nos casos a que se aplica aquele mesmo art. 14º. Na verdade, o preceito não pode considerar-se tacitamente revogado pela lei 49/2007, mais recente, pois acolhe norma especial[1].face à norma do nº5 do art. 50º do C.Penal que rege para a suspensão da pena em geral e o nº3 do art. 7º do C.Civil, aplicável a todo o ordenamento jurídico, expressamente exceciona estas hipóteses do princípio da revogação tácita pela lei mais recente contido no nº2 daquele mesmo art. 7º

Esta interpretação em nada é afetada pelas decisões do T. Constitucional que não julgaram «… inconstitucional a norma do artigo 14.° do RGIT, em conjugação com os artigos 50.º e 51.º do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, interpretada no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de duração da pena de prisão concretamente determinada, de prestação tributária e acréscimos legais; » -- cfr, por todos, Ac TC nº 556/2009 de 27.10.09, acessível em www.datajuris.pt.

Na verdade, como resulta deste mesmo acórdão (que cita ainda o Ac do TC 327/08 no mesmo sentido), o julgamento do tribunal constitucional abstrai-se da questão de saber se a posição assumida na decisão ordinária recorrida correspondia à exata interpretação da lei, limitando-se a formular um juízo de não inconstitucionalidade para as normas questionadas, quando interpretadas no sentido de o art. 50º nº5 em conjugação com o art. 14º do RGIT implicar – como se terá entendido nas decisões ali recorridas – que o prazo de pagamento da dívida fiscal imposto pelo art. 14º do RGIT como condição da suspensão, não poderia ser superior ao tempo de prisão determinado na sentença, de acordo com a redação do nº5 do art. 50º introduzida pela Lei 49/2007.

Concluímos, pois, que nos casos abrangidos pelo art. 14º nº1 do RGIT é esta a norma que estabelece o limite máximo aplicável ao período de suspensão da pena e não o art. 50º nº5 do C.Penal, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida na parte em que fixou aquele período em 1 ano por imposição daquele mesmo art. 50º nº5.

2.3.1.2.. - Dado que o tribunal a quo fixou o prazo máximo de 5 anos para cumprimento da obrigação de pagamento da dívida fiscal, decide-se, em substituição, fixar o período de duração da suspensão da execução da pena igualmente em 5 anos, pois o estabelecimento de prazo inferior, com a consequente redução do período de 5 anos para pagamento da dívida fiscal fixado pelo tribunal a quo, redundaria em violação da proibição da reformatio in pejus, uma vez que só o arguido interpõs recurso – cfr art. 409º do C.P.P..

2.3.2. - O recorrente invoca ainda violação do disposto no art. 51º nº2 do C.Penal, por entender que o tribunal a quo impôs ao arguido condição – pagamento da dívida fiscal – que aquele não pode satisfazer.

É, porém, manifesta a falta de razão do recorrente porquanto a subordinação da suspensão da pena ao pagamento da dívida fiscal é imposta ex lege pelo art. 14º do RGIT, disposição cuja inconstitucionalidade foi já sucitada por diversas com o argumento invocado pelo arguido, sem que o tribunal constitucional alguma vez tenha julgado a norma inconstitucional, essencialmente por três razões:

- (i) O juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão;

- (ii) Sempre pode haver regresso de melhor fortuna;

- (iii) A revogação não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição – cfr Acórdão do T. Constitucional n.º 327/08 e, nomeadamente, os Acórdãos n.ºs 335/03, 500/05, 587/06, 29/07 e 337/07.

2.3.3. – Quanto ao montante da dívida fiscal cujo pagamento condiciona a suspensão da pena é a mesma de 8 246,38€, conforme resulta do nº 3 da factualidade provada, não havendo qualquer omissão, pelo que falece igualmente razão ao arguido nesta parte.

III. Dispositivo

Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, JC, revogando a sentença recorrida na parte que fixou em um ano o período de suspensão da execução da pena, decidindo, em substituição, que o arguido vai condenado como autor de um crime doloso consumado de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 105º nº1 e nº7, do RGIT, na pena de um ano de prisão, cuja execução se declara suspensa pelo período de 5 anos, condicionada a que o arguido satisfaça a dívida fiscal em causa no prazo de 5 anos a contar do trânsito em julgado, tudo de harmonia com o preceituado no art. 14º nº1 do RGIT aprovado pela Lei 15/2001 de 5 de junho, com as alterações subsequentes.

Custas pelo arguida, uma vez que os autos tiveram início antes de abril de 2009, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida. – art.s 513º e 514º, do CPP e 87 nº1 b) do CCJ.

Évora, 21 de junho de 2011

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

(António João Latas)

(Carlos Berguete Coelho)

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[1] Assim o Ac RC de 23.06.2010 (relatora: Cacilda Sena) , em cujo sumário pode ler-se : «Sendo o RGIT um diploma especial face ao C.Penal e na ausência de norma expressa que revogue esta lei deve ser respeitado o princípio de que a lei geral não derroga a lei especial»