Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
10/17.9PEFAR.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
EMOÇÃO VIOLENTA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 09/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - Conforme resulta de todo o exposto na sentença recorrida e agora corroborado, o arguido agiu da forma violenta e desproporcionada que fica descrita nos autos ao atingir fisicamente de forma implacável pessoa de idade avançada (77 anos) com a qual não trocou sequer quaisquer palavras, apenas porque lhe foi dito pela sua companheira que um cão atacara o animal de estimação que aquela passeava, provocando-lhe arranhão nas pernas, o que constitui motivo fútil face à grandeza do bem jurídico tutelado com a incriminação da ofensa à integridade física, pelo que encontramo-nos longe de um quadro de compreensível emoção violenta que pudesse de algum modo levar à diminuição da pena aplicável ou da pena aplicada.

II - Pessoa dotada de normal sensibilidade e empatia para com o sofrimento alheio, perante a consciência, que não pôde deixar de ter, da flagrante brutalidade e injustiça da sua conduta para com a pessoa concreta do ofendido, teria assumido comportamento nos antípodas da atitude indiferente e desligada que teve o arguido desde a prática dos factos. Atitude centrada na tentativa de salvaguardar-se das consequências jurídico-penais que poderiam advir-lhe da sua conduta e em enfatizar as “razões” que terão estado na base da sua agressão (apesar de sempre serem alheias ao ofendido), indo ao ponto de vir afirmar na sua motivação de recurso “que a sua mulher, grávida, com contracções, cheia de sangue e acompanhada pelo seu filho menor, tinha corrido perigo”, ao arrepio de tudo o que sobre o episódio em causa foi afirmado em audiência.

Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na 2ª subsecção criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo Local Criminal de Faro (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi sujeito a julgamento ML, solteiro, nascido a 27. 01.1977, a quem o MP imputara a prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 143°, n. 1, 145 n.1 al.a) e n. 2 e 132°, n° 1 e 2, al.c) e e), todos do C. Penal.

2. – Realizada a audiência de julgamento, o tribunal singular decidiu condenar o arguido pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 143°, n. 1, 145 n.1 al.a) e n. 2 e 132°, n° 2, als. c) e e), todos do C. Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão.

3. Inconformado, recorreu o arguido extraindo da sua motivação, as seguintes conclusões:

«Conclusões:
A) o ora arguido não pode conformar-se com os factos dados por provados sob os pontos 5., 6., 7. e 9. conforme aí elencados, pelo que expressamente os impugna para todos os legais efeitos.

B) No ponto 5. dos factos provados o Tribunal a quo deu por provado
o seguinte:
" 5. De imediato, e por julgar que estava perante o indivíduo que estava envolvido na situação referida em 1 ° e 2°, o arguido abeirou-se de LM, sem lhe dirigir qualquer palavra e desferiu-lhe vários socos e pontapés, na face, cabeça, tórax, tronco e membros superiores e inferiores, fazendo-o cair no chão inanimado."

C) Sucede que a prova produzida em sede de audiência de julgamento não permite concluir que o ora recorrente se tenha dirigido ao ofendido sem lhe dirigir qualquer palavra porquanto o arguido nega tal facto e explica como se dirigiu ao ofendido e o ofendido, pessoa de alguma idade, que já sofreu operação ao crânio, não tendo memória da maior parte da situação, admite que possa ter havido um pequeno diálogo.

D) Donde, e na ausência de qualquer outra prova, entende-se que não se pode dar por provado que o arguido não tenha dirigido qualquer palavra ao ofendido, muito menos que o fez no intuito de apanhar o ofendido desprevenido e causar um efeito-surpresa deixando-o sem possibilidade de defesa, conforme se dá por provado no ponto 9. dos factos dados por provados, o que também desde já se impugna, nomeadamente com os fundamentos que antecedem.

E) O arguido também não se pode conformar com ter sido dado por provado que agrediu o ofendido com socos e pontapés, na face, cabeça, tórax, tronco e membros superiores e inferiores.

F) Nem tão-pouco se pode o arguido conformar com ter sido dado por provado que as agressões foram infligidas ao ofendido antes e depois de ele cair no chão inanimado (ponto 6. Dos factos provados).

G) O que sucedeu foi que a companheira do arguido, grávida de seis meses, e acompanhada de outro filho menor do arguido, chegou a casa assustada, arranhada e suja de sangue, muito nervosa e a sentir contrações e descreveu-lhe a situação sofrida; O arguido saiu de casa e deu de caras com o ofendido; O ofendido correspondia à descrição, feita pela sua mulher, relativa ao indivíduo dono do cão que nada fez para a ajudar e ainda se riu; quando confrontado com os factos o ofendido riu; o arguido, pessoa nervosa que se submete a tratamentos psicológicos e psiquiátrico reagiu com uma chapada; o ofendido, que se ia a levantar, caiu, bateu com a cabeça no banco e caiu ao solo; o ofendido tentou levantar-se e voltou a cair pelo menos duas vezes.

H) Os factos que contrariam a factualidade dada por provada quanto à matéria invocada nas conclusões E) a G) decorrem das provas elencadas no artigo 29° da fundamentação de recurso e, que se dão por integralmente reproduzidas, que são nomeadamente as declarações do arguido, as declarações do ofendido, as declarações do menor R e as declarações de JV, bem como o teor dos relatórios médicos constantes dos autos.

I) Da análise dos elementos de prova referidos na conclusão anterior resulta que não se pode comprovar que o arguido desferiu sobre o ofendido as agressões conforme configuradas na douta sentença recorrida e a verosimilidade das declarações do arguido.

J) Assim, dúvidas não nos restam que as lesões apresentadas são perfeitamente compatíveis com o quadro de agressão descrito pelo arguido.

K) Donde, em nosso modesto entender, nunca se poderá dar por provado que o arguido desferiu socos e pontapés na face, cabeça, tórax, tronco e membros superiores e inferiores, pois que tão-pouco se verificaram lesões a nível do tórax, tronco, membros inferiores e superiores compatíveis com socos e pontapés, nem com pontapés na face ou na cabeça.

L) Nem tão-pouco o ofendido ficou inanimado no solo, como se considerou provado no ponto 7 dos factos provados, sendo que o facto de o ofendido não se recordar do episódio, não se pode retirar que este tenha ficado inanimado em momento algum e que essa não é a versão apresentada pelo arguido, nem pelas testemunhas R e JV, nem do próprio filho do ofendido que o acompanhou na ambulância, conforme já se transcreveu.

M) Donde, não obstante as lesões que vieram a ser verificadas no ofendido poderem eventualmente ter sido consequência da conduta do arguido, muitas delas sempre se trataram de consequências indirectas, não sendo expectável ao arguido que dando uma chapada ao ofendido, tendo este caído, que viesse a causar danos significativos na integridade física do ofendido e muito menos que os pretendesse causar.

N) Assim, também não se poderá dar por provado, conforme se faz no ponto 7. dos factos provados na douta sentença recorrida, que todas as lesões aí elencadas ocorreram em consequência directa e necessária da conduta do arguido.

O) Também não corresponde à verdade o ponto 9. dos factos dados por provados.
P) Como se vem dizendo, o arguido deparou-se com a sua mulher grávida de 6 meses, suja de sangue, muito enervada, com contrações, relatando que um cão atacou o seu animal de estimação, sendo que esta, para além de grávida, tinha aos seus cuidados o filho do arguido com 6 anos, e que para tentar proteger todos da actuação do cão ficou toda arranhada e cheia de sangue, ao que o dono de referido cão ficou a rir da situação em vez de tentar ajudar a mulher do arguido.

Q) O arguido, pessoa nervosa que vive crises de ansiedade extrema desde os seus 24 anos, sendo acompanhado psicológica e psiquiatricamente saiu à rua de cabeça quente e deparou-se com um indivíduo que em tudo correspondia à descrição dada pela sua companheira.

R) Interpelado acerca da situação o ofendido riu-se, o que além de ser a mesma atitude que o dono do cão agressor teve, foi interpretado pelo arguido como sinal de gozo e desprezo pela situação da sua companheira, pelo que o arguido nem pensou na idade do ofendido nem pretendeu ter qualquer efeito-surpresa ou aproveitar-se da sua superioridade física sobre o ofendido.

S) Certo é que, o arguido saiu do local não tendo visto o ofendido inanimado mas apenas caído, nem percebeu ou sequer considerou que a chapada que desferiu fosse apta a causar danos de relevo.

T) Donde, atenta nomeadamente a dinâmica dos factos que efectivamente aconteceram, em momento algum se poderá dar por provado que o arguido pretendeu gozar da sua superioridade física face à idade do ofendido ou que a sua atitude era apta a causar um efeito surpresa e deixa aquele sem qualquer possibilidade de defesa.

U) No que respeita à Qualificação Jurídica do Crime cometido pelo arguido como sendo de Ofensa à Integridade Física qualificada, por referência às alíneas c) e e) do artigo 132, n. 2 e n. o 1 do Código Penal, entende-se que face à factualidade que deverá ser dada por provada, o arguido não cometeu o crime de que vem acusado mas si um crime de Ofensas à Integridade Física simples, p. e p. pelo artigo 1430 do Código Penal, por não se verificar o requisito de especial censurabilidade ou perversidade na sua actuação, atento tudo o invocado na fundamentação de recurso que se dá por integralmente reproduzida.

V) Quanto à determinação concreta da medida da pena foram ponderadas na douta sentença recorrida as circunstâncias seguintes:

- o grau de ilicitude, que aparece como elevado atentos os motivos injustificados que conduziram o arguido a ofender uma pessoa idosa que se encontrava na rua;

- a ausência de arrependimento demonstrada em sede de audiência de julgamento, já que, não obstante haver dirigido um pedido de desculpas ao ofendido, fê-lo apenas ao fim de um longo período de tempo e pressionado pelo formalismo existente na sala de julgamentos, não se nos aparentando ser um pedido sincero;

- os antecedentes criminais do arguido, que já cometeu outros ilícitos que ofendem bens eminentemente pessoais, como a saúde;

- a integração familiar, social e profissional do mesmo;

- as elevadas necessidades de prevenção geral positiva de reafirmação contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violadas; - as necessidades de prevenção especial - que se apresentam como elevadas - ligadas à reinserção social do arguido, que aconselham uma intervenção que lhe permita servir de advertência para o não cometimento de futuros crimes e uma recomposição amigável dos valores sociais e comunitários.

X) Atenta a moldura penal aplicável, todo o circunstancialismo dado por provado na douta sentença, atendendo-se também às alterações que devem ser feitas na matéria de facto provada e eventualmente na qualificação jurídica dos factos, verifica-se que a pena aplicada ao arguido foi e é manifestamente excessiva.

Y) Sendo certo que o arguido foi condenado, por duas vezes, pela prática de crimes de ofensa à integridade física, a verdade é que, estes crimes ocorreram há mais de 20 anos, enquanto o arguido ainda era jovem!

Z)O arguido demonstrou arrependimento sincero e pediu desculpas ao ofendido e à sua família, em pleno Tribunal.

AA) Por outro lado, o arguido encontra-se social, profissional e familiarmente inserido. Tem 40 anos de idade e uma família, de quem é o sustento, sendo que a sua companheira se encontra desempregada (cfr. ponto 21. Dos factos provados) e dois filhos, um com 6 anos e outro com 8 meses, sendo que o filho mais velho, fruto de relacionamento anterior, reside consigo de 5a a 2a feira (cfr. pontos 15 e 16 Dos factos provados).

AB) O arguido receia ter de cumprir pena de prisão efectiva, desde logo pelo facto de ser o único sustento da sua família, sendo o garante da mesma e, nomeadamente, dos seus filhos menores, o que demonstra a importância da família para o arguido e a apetência de tal sentimento para afastar o arguido da prática de crimes, nomeadamente através da suspensão da pena de prisão, com regime de prova.

AC) O relatório social do arguido refere que o arguido revela sentido crítico e de auto-censura, que o arguido tem demonstrado vontade em manter um comportamento adequado, expresso na manutenção de uma actividade profissional e a adesão manifestada durante o anterior acompanhamento pelos serviços, concluindo pela existência de condições para que o arguido cumpra uma pena não privativa da liberdade, podendo incluir a necessidade de manutenção de acompanhamento no âmbito da saúde mental, o que, de resto, o arguido desde logo prestou o seu consentimento.

AD) Ora, o que supra se acaba de verter, é manifestamente incompatível com a argumentação referida na douta sentença recorrida, que mal andou, ao referir que o arguido revela uma personalidade marcada pela ausência de auto-crítica, de arrependimento ou de interiorização do mal do crime!

AE) O tribunal a quo deveria pois ter considerado as finalidades da aplicação das penas no seu todo e não apenas quanto às necessidades de prevenção geral e especial e, com especial cuidado, deveria ter aplicado ao arguido, ora recorrente, uma pena não privativa da liberdade, ainda que sujeita a um rigoroso regime de prova, por forma a permitir a sua ressocialização.

AF) O arguido padece de crises de ansiedade extrema, necessitando de apoio psiquiátrico e psicológico e que arguido prestou consentimento para tratamento médico nos termos sugeridos no relatório social, tendo ainda prestado o seu consentimento para o eventual cumprimento de pena de prisão, em casa.

AG) Donde, a pena a aplicar ao arguido, ainda, que se entenda que se possa vir a fixar em pena de prisão, sempre deverá ser aplicada em medida que permita a sua substituição, nos termos legais.

AH) Não obstante, e caso assim não se entenda, sempre deveria a eventual pena de prisão aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução.

AI) A sentença recorrida é manifestamente excessiva, desproporcional e inadequada atentas as necessidades concretas do caso, uma vez que não tem em conta as finalidades da punição, mormente da ressocialização do recorrente, tendo sido violados os princípios e normas que regem a aplicação das penas em concreto, nomeadamente, as constantes dos artigos 40°., 70° e 71 ° do Código Penal.

AJ) Normas violadas: artigos 143, 145, 132, n.os 1 e 2 aI. c) e e), 40, 70 e 71 todos do Código Penal, artigo 32, n. 2 da Constituição da República Portuguesa, art.° 127 do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos demais de direito,
requer-se a V. Exas. seja dado provimento ao presente recurso por provado e, em consequência,

a) se dignem substituir a sentença por uma outra com alteração da factualidade dada como provada no sentido peticionado,

b) proceder à alteração da qualificação jurídica para o cometimento do crime na forma simples e,

c) em qualquer caso, se proceda à aplicação ao arguido de pena não privativa da liberdade ou, caso assim não se entenda, que a mesma seja substituída ou que seja suspensa na sua execução.

4. – Notificado para o efeito, o MP apresentou resposta ao recurso em que pugna pela sua improcedência

5. - Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o arguido dever ser condenado em pena de prisão não superior a um ano, suspensa na sua execução.

6.Notificado da junção daquele parecer, o recorrente nada acrescentou.

7. - A sentença recorrida (transcrição parcial):

«A) Dos FACTOS PROVADOS
Da discussão da causa, e com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:

DA ACUSAÇÃO
1. No dia 09 de Março de 2017, pelas 18: 15 horas, nos arredores da Praceta de Cabo Verde, em Faro, um indivíduo do sexo masculino de identidade não apurada, com cerca de 60/70 anos, cabelo curto, que fazia uso de óculos redondos, encontrava-se a passear um canídeo da raça Golden Retriever, de cor creme, sem trela, e por sua vez, YB, que estava grávida, passeava um porco vietnamita;

2. Na mesma ocasião, o canídeo referido em 1 ° passou entre as pernas e YB, visando atacar o porco vietnamita, a arranhou o corpo de YB;

3. Momentos depois, YB dirigiu-se para a sua habitação e relatou o sucedido ao arguido, seu companheiro;

4. Sequentemente, nesse mesmo dia, o arguido saiu da sua habitação e quando chegou ao jardim junto ao complexo desportivo 11 Esperanças, sito na Rua Coronel António Santos Fonseca, em Faro, pelas 18:30 horas, avistou nesse local LM, nascido em 07 de Outubro de 1939, que fazia uso de óculos redondos e passeava um canídeo da raça Golden Retriever, de cor creme;

5. De imediato, e por julgar que estava perante o indivíduo que estava envolvido na situação referida em 1 ° e 2°, o arguido abeirou-se de LM sem lhe dirigir qualquer palavra e desferiu-lhe vários socos e pontapés, na face, cabeça, tórax, tronco e membros superiores e inferiores, fazendo-o cair no chão inanimado;

6. As agressões foram infligidas ao ofendido, antes e depois de ele cair no chão inanimado;

7. Como consequência directa da sua conduta, o arguido causou a LM múltiplas escoriações na face e mãos, perda de consciência, edema da órbita e ramo maxilar esquerda, lesão profunda da pirâmide nasal, lesão profunda do couro cabeludo numa extensão de 4 cm, lateralizada à esquerda, hematoma parietal à direita, hematoma epicraniano parietal direito e face zigomalar e nasal esquerdo; buraco de trepano parietal esquerdo; sangramento; dores localizadas; sutura com 4 cm na região parietal direita posterior; escoriação com crosta na região frontal esquerda; equimose malar esquerda; ferida superficial do primeiro dedo da mão esquerda; equimoses com crosta nos joelhos esquerdo e direito; lesões essas que demandaram um período de doença fixável em 21 dias, sendo 12 dias com afectação da capacidade para trabalho em geral e 12 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional, tendo resultado do evento cicatrizes sem impacto estético;

8. Ao actuar da forma descrita, o arguido sabia que molestava o corpo e a saúde de LM, finalidade que quis e conseguiu;

9. Para o conseguir, valeu-se da sua superioridade física, derivada da idade avançada de LM, facto esse que não ignorava e fê-lo sabendo que a sua conduta era apta a causar um efeito surpresa e deixa aquele sem qualquer possibilidade de defesa;

10. O arguido não possuía qualquer motivo com o mínimo de relevo social para agir da forma descrita;

11. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal

Do PASSADO CRIMINAL DO ARGUIDO
12. O arguido foi anteriormente condenado:
i. No âmbito do processo nº---/97.2P8F AR, que correu termos no Tribunal Judicial de Faro, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, ocorrido em 28.01.1997, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €800$00, por decisão datada de 02.10.2000, transitada em julgado em 7.10.2000;

ii. No âmbito do processo nº ---/98.5PBFAR; que correu termos no 10 Juízo do Tribunal Judicial de Faro, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, ocorrido em 24.04.1998, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de diária de 200$00, no total de 40.000$00, por decisão datada de 02.04.2001, transitada em julgado em 26.04.2001;

iii. No âmbito do processo nº ---/03.3GDABF, que correu termos no 30 Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, pela prática de um crime de desobediência, ocorrido em 23.02.2003, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €4,00 e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 06 meses, por decisão datada de 25.01.2005, transitada em julgado em 17.02.2005;

iv. No âmbito do processo n.º ---/07.1PBFAR, que correu termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Faro, pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, ocorridos em 15.11.2007 e 25.03.2007, na pena única de 05 meses de prisão substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 12 meses, por decisão datada de 13.01.2010, transitada em julgado em 12.02.2010;

v. No âmbito do processo nº ---/12.9GTABF, que correu termos no Tribunal Judicial de Tavira, pela prática de um crime de desobediência, ocorrido em 4.10.2012, na pena de 08 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 08 meses, por decisão datada de 19.12.2013, transitada em julgado em 31.01.2014;

vi. No âmbito do processo nº--/16.1PTFAR, que correu termos no Juízo Local Criminal de Faro - Juiz 3, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ocorrido em 08.01.2016, na pena de 48 períodos de prisão por dias livres e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 15 meses, por decisão datada de 13.10.2016, transitada em julgado em 19.06.2017;

Do PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO DO ARGUIDO; CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIAIS; IMPACTO DA SITUAÇÃO JURÍDICO-PENAL

13. O arguido dispõe do apoio da companheira e da sua mãe, com quem reside;

14. Residem numa habitação arrendada pela sua mãe;

15. Tem dois filhos, um com 06 anos de idade, outros com 08 meses;

16. O filho mais velho, fruto de um relacionamento anterior, reside consigo de quinta a segunda-feira;

17. O arguido frequentou a escola, completando o ensino secundário;

18. Trabalha na construção civil, exercendo a actividade de pedreiro, auferindo a quantia diária de €40,00;

19. Iniciou aos 24 anos crises de ansiedade extrema, que se verificam na actualidade;

20. Tem acompanhamento psiquiátrico e psicológico;

21. A sua companheira encontra-se desempregada e não aufere qualquer subsídio.

B. Dos FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa não se provou que:
a. O arguido agarrasse na cabeça do LM e embatesse com a mesma no banco do jardim, provocando a quebra de uma tábua do banco;

b. O arguido só cessasse a sua conduta quando se apercebeu que estava a ser observado por circundantes.
**
C. DA MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal no que respeita aos factos julgados como provados e não provados, estribou-se na análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (arl. 127º do C.P.P.), como se passa a expor.

Para prova dos factos julgados como provados, valorou-se, desde logo, as declarações prestadas pelo arguido que esclareceu as circunstâncias espácio-temporais em que a factualidade ocorreu, bem como os motivos que despoletaram a sua atitude agressiva.

Também a sua companheira, a testemunha YB, esclareceu o cenário ocorrido em momento anterior à saída à rua por parte do arguido, confirmando a factualidade descrita sob os ns 1 a 3 dos factos julgados como provados.

Do discurso apresentado por ambos, resultou suficientemente segura a nossa convicção quanto a essa matéria.

A factualidade elencada sob o nº 4 foi também confirmada pelo arguido, o qual esclareceu onde avistou o ofendido e a forma como dirigiu ao mesmo, partindo, de imediato, para as agressões, sem, sequer, lhe ter dirigido a palavra ou se assegurado de que aquele era o proprietário do canídeo que, momentos antes, havia desferido arranhões na sua companheira, o qual, como se veio a confirmar posteriormente, nada tinha a ver com o assunto. O arguido saiu à rua e agrediu a primeira pessoa que viu acompanhado por uma Golden Retriever, tendo apanhado o ofendido completamente desprevenido, já que este nada tinha a ver com o sucedido com a companheira do agressor, até porque havia chegado momentos antes ao parque para passear o seu cão, que, aliás, ainda estava preso pela trela.

Quanto às agressões desferidas sobre o ofendido, referiu o arguido que apenas lhe deu uma bofetada, tendo aquele caído no solo.

Ora, desde já, adiantamos que esta versão apresentada pelo arguido não logrou convencer, minimamente, o julgador, não só porque contrária às regras da experiência comum e do normal acontecer, como contraditada por outros elementos de prova carreados para os autos.

Senão vejamos.
Compulsado o teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal (fls. 10 e 11); do relatório de episódio de urgência (fls. 18 e 19); das fotografias de fls. 27 e 34 a 45, verificamos que LM sofreu, em consequência da conduta do arguido, múltiplas escoriações no rosto, cabeça, mãos e membros inferiores, que não se coadunam com uma simples bofetada e queda no solo.

Ainda que o ofendido tivesse caído no solo na sequência da bofetada desferida pelo arguido, apresentaria apenas lesões concentradas na zona corporal que embatesse no solo, e já não em diversas partes do corpo, como aconteceu.

Do teor dos documentos elencados, consegue-se alcançar a brutalidade com que o ofendido foi agredido, tendo, inclusive resultado a quebra do nariz, o que não se compadece, reforça-se, com uma simples bofetada, antes se adequando a murros e pontapés que hajam sido desferidos pelo agente agressor.

A agressão perpetrada pelo arguido sobre o ofendido foi de tal forma grave que o fez cair inconsciente, estado que manteve até ser socorrido e transportado para o hospital.

Ouvido o ofendido, pelo mesmo foi referido não se recordar do modo como foi agredido, já que, após a primeira pancada desferida, caiu inanimado no chão, não conseguindo concretizar os actos agressivos que se seguiram. Contudo, referiu que teve muitas dores, as quais se mantiveram nos dias seguintes ao evento e o obrigaram a permanecer de repouso cerca de 15 dias.

Ora, este estado de dores também não é compatível com a descrição das agressões efectuadas pelo arguido, o qual, deixou transparecer claramente em sede de audiência de julgamento que, atenta a inexistência de testemunhas oculares e o estado de inconsciência do ofendido, maquiou os factos, tentando enganar o julgador. Resultou evidente para nós, julgador, que o arguido faltava à verdade no que a esta matéria concerne.

O seu depoimento foi também desmentido pela testemunha RF, não obstante a sua tenra idade (10 anos), descreveu, de forma suficientemente descritiva, serena, imparcial e espontânea, como é típico das crianças, as agressões que viu serem perpetradas pelo arguido ao ofendido.

Esclareceu esta testemunha que, encontrando-se a cerca de 50 metros do local onde os factos ocorreram, viu o arguido a desferir uma pancada no ofendido, provocando-lhe a queda.

Quanto a esta questão, será de referir que a testemunha não se encontrava segura sobre se foi desferida uma bofetada ou um murro, atenta a rapidez com que os factos decorreram, sendo certo que, tal como já supra se referiu, é convicção do julgador de que foi desferido um murro inicial que provocou a queda do ofendido.

Continuou o R, relatando que, já depois de o ofendido se encontrar caído no chão, o arguido desferiu-lhe pontapés, tendo conseguido ver o movimento conducente a essas agressões. Não conseguiu ver o local do corpo atingido pelos pontapés, porque do sítio onde se encontrava não tinha tal ângulo de visão.

Ora, a espontaneidade com que esta testemunha depôs em sede de audiência de julgamento não nos deixou dúvidas de que assistiu aos factos por si relatados, incluindo o desferimento de pontapés no ofendido.

Após agredir o ofendido, o arguido deixou-o abandonado, caído no local, realidade que foi admitida por este e confirmada pelas testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento.

Pelo ofendido foram descritas as lesões que sofreu, bem como todas as consequências posteriores, o medo de morrer que sentiu, o terror que sente de sair à rua sozinha, nunca mais o tendo feito desde a data da agressão, a incompreensão sentida pela atitude injustificada de que foi vítima.

De salientar que o ofendido demonstrou ser uma pessoa fragilizada, física e emocionalmente, fruto da idade avançada e das agressões de que foi vítima por parte do arguido.

O estado de debilitação sentido pelo ofendido foi confirmado pelas testemunhas PL e JM, sobrinho e filho do ofendido, respectivamente, os quais demonstraram revolta e incompreensão pelo sucedido, esclarecendo que, após ser agredido, aquele seu familiar alterou em absoluto o seu estilo de vida, recusando-se a sair de casa, por medo.

As testemunhas CV e JS foram quem diligenciaram pela prestação de auxílio ao ofendido, tendo sido este último que o recolheu do parque onde se encontrava caído e o transportou até ao domicílio, de onde, depois, foi transportado para o hospital.

Estas duas testemunhas esclareceram não terem assistido aos factos, razão pela qual os seus depoimentos não foram essenciais nessa parte.

No que respeita à factualidade atinente aos elementos intelectual e volitivo do dolo, à consciência da ilicitude dos actos e à concreta intenção e finalidade do agente, a mesma resultou provada, desde logo, do conjunto de circunstâncias objectivas de facto julgadas como provadas, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo, ao invés, da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum, o que se operou no caso vertente.

Para prova das condições económicas, sociais e de vida do arguido, valorou-se o teor do relatório social junto a fls. 176 e ss. dos autos, apreciado em conjugação com as declarações prestadas por si em sede de audiência de discussão e julgamento.

Por fim, a prova relativa aos antecedentes criminais do arguido resultou da análise do teor do CRC de fls. 165 e ss.
**
Os factos julgados como não provados resultaram da ausência de mobilização probatória susceptível de convencer o Tribunal da sua efectiva verificação, já que nenhuma testemunhas nos conseguiu esclarecer sobre a essa factualidade nem a mesma resulta de qualquer elemento objectivo trazido aos autos.

Por tudo o exposto, formou o julgador a sua convicção quanto à factualidade supra elencada, tendo-a julgado em conformidade.

III - DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Vem o arguido acusado de determinados factos que a terão feito incorrer, em autoria material, na prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 143º, n.º1, 145º, nº 1, al.a) e nº2 e 132º, n° 1 e 2, als, c) e e), todos do C.Penal.

Estatui o art. 143º, nº1] que "Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa ".

Por sua vez, estatuí o art. 145º que "Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido:

a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143°;
b) Com pena de prisão de três a doze anos no caso do artigo 144°.

2. São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no nº2 ao artigo 132.º''.

Através da incriminação da conduta descrita no normativo, propõe-se o legislador conferir a tutela a um bem jurídico que, reportando-se à integridade física de cada pessoa, em si mesma e enquanto tal, se apresenta como um elemento essencial e indispensável à mais livre realização da personalidade de cada Homem na comunidade.

Da análise dos elementos objectivos do tipo, ressalta desde logo que o crime em causa se trata de um crime comum, uma vez que o sujeito activo pode ser qualquer pessoa ("Quem ... "), consistindo a conduta típica em "ofender o corpo ou a saúde".

Por ofensa ao corpo deve entender-se todo o mau trato que prejudica o bem-estar físico de modo não insignificante, integrando o elemento típico todas as actuações que envolvam uma diminuição da substância corporal, lesões dessa mesma substância, alterações físicas ou perturbações de funções físicas (Cfr. ESER, MAIWALD E TRECHSEL, citados por PAULA RIBEIRO DE FARIA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, págs. 205 e 207).

Por lesão da saúde deve considerar-se toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a, isto é, a criação de um estado de doença ou a manutenção ou agravamento de um estado de doença ou saúde pré-existente (neste sentido, PAULA RIBEIRO DE FARIA, Ob. Cit., pág. 208).

Trata-se de um crime de dano porquanto a consumação exige um efectivo dano do referido bem jurídico e de resultado ou material, na medida em que é elemento típico a produção de um determinado evento distinto espácio-temporalmente da acção, sendo que também se trata de um tipo de crime de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito.

É, porém, um crime de execução livre, na medida em que o delito pode ser perpetrado por qualquer meio, não descrevendo a lei qual o processo de execução necessário e nem interessando à realização típica os meios por que o crime é levado a cabo, se por acção, se por omissão.

No que respeita ao elemento subjectivo do tipo, impõe-se que o agente tenha actuado com dolo, em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14° do C.Penal.

Como refere PAULA RIBEIRO DE FARIA (Ob. Cit, págs. 202 e ss.), O crime de ofensa à integridade física simples surge como o tipo fundamental em matéria de crimes contra a integridade física, sendo a partir desse tipo legal de crime que surge uma série de variações qualificadas.

Ora, da factualidade provada, dúvidas não restam de que o arguido levou a cabo uma acção idónea a provocar lesões no corpo do ofendido, as quais efectivamente ocorreram, como consequência directa e necessária daquela.

Estão, assim, por conseguinte, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo fundamental do art. 143° do C.Penal

Contudo, estatui o art. 145° do C.Penal que se as ofensas previstas no art. 143° foram praticadas nas circunstâncias previstas no art. 132° o agente é punido com pena de prisão até quatro anos.

Este art. 145° importou para o campo das ofensas corporais o fundamento da qualificação do homicídio ou seja, a especial censurabilidade ou perversidade, bem como a técnica dos exemplos padrão.

O funcionamento deste normativo pressupõe, como resulta da sua previsão, a verificação de uma ofensa à integridade física simples, de uma ofensa à integridade física grave, ou de uma ofensa à integridade física agravada pelo resultado, revelando a conduta do agente, atentas as concretas circunstâncias em que se desenrolou, uma especial censurabilidade ou perversidade.

A qualificação do homicídio no C.Penal e, portanto, a qualificação da ofensa à integridade física que daquela é tributária, é efectuada através da combinação de uma cláusula genérica de agravação, prevista no n01 do art. 132° - a especial censurabilidade ou perversidade do agente, ou seja, um especial tipo de culpa - com a técnica dos exemplos-padrão ou exemplos típicos, enunciados no n02 do mesmo artigo. Os exemplos-padrão indiciam e explicitam o sentido da cláusula geral que, por sua vez, corrige o conteúdo objectivo daqueles.

Assim, a verificação no caso concreto, de um ou mais exemplos-padrão não significa, necessariamente, a realização do especial tipo de culpa e consequente qualificação do homicídio ou qualificação da ofensa à integridade física, da mesma forma que a não verificação de um qualquer exemplo-padrão não impede a qualificação, desde logo porque o uso, no n02 do art. 132° da expressão "entre outras" indica que não estamos perante um elenco taxativo. Mas o que se exige é a verificação, no caso concreto, de elementos substancialmente análogos aos tipicamente descritos, ou seja, que embora não expressamente previstos na lei, correspondam ao sentido, desvalor e gravidade de um exemplo-padrão (cfr. Figueiredo Dias, Ob. Cit, Tomo I, pág. 26; Augusto Silva Dias, Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, 2" Edição, AAFDL, 2007, págs. 25 e ss. e Teresa Serra, Homicídio Qualificado, pág. 73).

Nestas condições, porque se mostra plenamente respeitado o princípio da legalidade, é admissível o homicídio qualificado atípico, e pelas mesmas razões, a ofensa à integridade física qualificada atípica.

Em síntese, as circunstâncias qualificativas do homicídio, comuns à ofensa à integridade física, não são de funcionamento automático, e o respectivo elenco é meramente exemplificativo.

Pode dizer-se que a qualificação do homicídio e também da ofensa à integridade física se baseia num especial tipo de culpa, espelhado na especial censurabilidade ou perversidade do agente.

A especial censurabilidade - e é o conceito de censurabilidade que fundamenta a concepção normativa da culpa - prende-se com a atitude do agente relativamente a formas de cometimento do facto especialmente desvaliosas. A especial perversidade refere-se às condutas que reflectem no caso concreto as qualidades especialmente desvaliosas da personalidade do agente (cfr. Figueiredo Dias, Ob. Cit., pág. 29).

Enquanto a especial censurabilidade se refere às componentes da culpa relativamente ao facto, a especial perversidade reporta-se aos componentes da culpa relativas ao agente (cfr. Teresa Serra, Ob. Cit., pág. 64).

Assim, ainda que a qualificação da conduta homicida seja sempre determinada por um mais acentuado desvalor da atitude do agente, no elenco dos exemplos-padrão, enquanto uns se fundam numa atitude mais desvaliosa do agente, outros há que radicam num mais acentuado desvalor da acção ou da conduta. Partindo-se da situação como ela foi representada pelo agente, haverá que indagar se esta, tal como foi representada, corresponde a um exemplo-padrão e, em caso afirmativo, se se comprova uma especial censurabilidade ou perversidade do agente - isto é, um juízo de culpa acrescida ou agravada.

Esta censurabilidade especial advirá das circunstâncias graves em que a lesão foi causada, o que sucede quando traduzam uma atitude do agente profundamente distanciada dos valores que são, de um modo comum, aceites pela sociedade, enquanto a especial perversidade tem em vista uma atitude com base em motivos ou sentimentos profundamente rejeitados pela mesma sociedade, falando-se de uma atitude má, de crasso e primitivo egoísmo do autor.

As circunstâncias qualificativas do n02 não são, portanto, de aplicação automática, sendo necessário formular um juízo de que as mesmas são susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente, uma baixeza de motivação ou sentimento particularmente censurado pela ordem jurídica, ligados à particular função que ela desempenha.

Para a questão sub judice releva, face aos factos provados, o exemplo-padrão constante do art. 132°, n02, als.c) e e). Referem essas alíneas que é susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a circunstância de o agente "c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez; (. . .) e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil ".

Como supra se referiu, partindo da situação como ela foi representada pelo agente/arguido, haverá que indagar se corresponde a um exemplo-padrão e, em caso afirmativo, se se comprova uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.

Ora, compulsados os factos julgados provados, verificamos que o arguido, tendo tomado conhecimento que um cão da raça Golden Retriever, que passeava na rua sem trela, tentou atacar o porco vietnamita que a sua companheira passeava na rua, e chegou a desferir arranhões no corpo desta, saiu à rua e agrediu a primeira pessoa que encontrou na posse de um canídeo daquela raça. O arguido, sem sequer se assegurar de que a vítima LM era o dono do cão que, momentos antes, tentou atacar o referido porco vietnamita, e sem lhe dirigir a palavra, agrediu -o com a brutalidade descrita nos factos julgados como provados, remetendo o ofendido, pessoa idosa, para um estado de inconsciência, abandonando-o, de seguida no local, sozinho e jogado à sua sorte.

A atitude do arguido viola todas as regras sociais e moralmente vigentes, ultrapassando todos os limites do aceitável, demonstrando, sem qualquer dúvida uma atitude má, de crasso e primitivo egoísmo, desprezível à face das regras sociais e morais vigentes.

Ora, atento os factos julgados provados, não restam quaisquer dúvidas que o arguido agiu com especial censurabilidade e perversidade.

A atitude da mesma é de censurar especialmente, atenta a violência infligida e a ausência de qualquer motivo válido e justificável para o sucedido.

Sair à rua e desferir violentos golpes numa pessoa idosa, que se encontra completamente indefesa, sozinha, como é o caso da vítima nos presentes autos, é uma conduta que demonstra, sem qualquer dúvida especial censurabilidade e perversidade por parte do agente.

Para além disso, não se pode negar que o motivo que conduziu o arguido a praticar os factos aqui em análise é fútil ou torpe.

Não se nega que o arguido nutra sentimentos pelo seu animal de estimação - porco vietnamita - ou, até, que tenha ficado preocupado por a sua companheira ter sido arranhada por um cão que passeava sem trela na rua, mas não se poderá, sem qualquer dúvida, deixar de concluir que, atentos os contornos da situação, se verifica uma desproporção manifesta entre a gravidade do facto e o motivo que impeliu à acção, encontrando-se a acção do arguido imbuída da mais alta insensibilidade moral, manifestada na brutal malvadez do agente.

Os motivos que orientaram o arguido a ofender um transeunte são absolutamente insignificantes, existindo uma nítida desproporção entre a sua acção e as razões que estiveram por detrás da sua decisão.

Ora, ainda que tivesse sido o canídeo de que o ofendido é proprietário o responsável pela tentativa de ataque ao porco vietnamita, somos da opinião que a conduta do arguido seria absolutamente desproporcional e grave, de censurar especialmente, pois mal se compreende que o proprietário de um animal saia à rua e agrida brutalmente um ser humano apenas por questões relacionadas com desentendimentos entre animais.

Mas no caso, a situação ainda assume contornos mais graves e dramáticos, já que o ofendido nada teve a ver com o assunto, encontrando-se apenas à hora errada no local errado.

O arguido agrediu-o brutalmente apenas e só porque estava zangado e irritado com alguém cuja identidade desconhecia e continua a desconhecer, o seu comportamento, demonstrativo de puro ódio e vingança, é especialmente censurável, ainda mais atenta a idade avançada e a fragilidade física da vítima. Confrontado com essa diferenciação física e de idades, ainda assim o arguido não recuou na sua decisão de agredir, tendo levado as suas intenções até ao final.

Pelo que, e em conclusão, não se verificando quaisquer elementos susceptíveis de integrarem uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, em face da matéria que resultou provada, resta referir que a arguida, com a sua conduta, preencheu todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime sub judice, cometendo, assim, em autoria material um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos arts. 143º, nº1, 145º, nº1, al .a) e 2 e 132º nº2, als, c) e e), todos do C. Penal.

IV - DA ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Qualificados juridicamente os factos e operada a respectiva subsunção aos preceitos incriminadores, resta determinar a natureza e medida da pena a aplicar.

O crime de ofensa à integridade física qualificado é punido com pena de prisão de 01 (um) mês até 04 (quatro) anos (arts. 143°, n. 1 e 145°, n. l, a1.a); 41°, n. 1, todos do C.Penal).

Na determinação da medida concreta da pena tem de se ter em conta três operações: em primeiro lugar, atenta-se na moldura penal abstracta que ao caso é aplicável; depois, determina-se concretamente a pena, o quantum da pena dentro daquela moldura; por fim, escolhe-se a pena (cfr. FIGUEIREDO DIAS, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 198).

Em conformidade com o art. 70º do C. Penal, que determina os critérios conformadores de escolha da pena, "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição". Estas finalidades estão previstas no art. 40º do C. Penal e consistem na protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade.

A aplicação de penas visa, por um lado, repor a confiança dos cidadãos na validade e vigência das normas violadas sempre que, a mesma tenha sido abalada pela prática de um crime (prevenção geral positiva ou de reintegração, enquanto estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na vigência da norma violada) e, por outro lado, a reintegração do agente na sociedade através da "prevenção da reincidência" (prevenção especial positiva).

O presente tipo de crime não prevê, dada a sua gravidade, já considerada pelo Legislador, a pena de multa alternativa à pena de prisão. Assim, à arguida terá sempre de ser aplicada uma pena detentiva da liberdade.

Sendo de aplicar uma pena de prisão, importa, agora, determinar a medida concreta dessa pena que há-de ser fixada dentro da moldura penal abstracta de 01 (um) mês a 04 (quatro) anos.

A pena deve mostrar-se adequada ao comportamento do arguido, atendendo-se, nos termos do art. 710, n'T, do C. Penal, à sua culpa e às exigências de prevenção, não olvidando que a medida da pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que a verdadeira função desta é a proibição do excesso (art. 40º, nº 2 do C. Penal).

A prevenção geral positiva ou de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar, e a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva, cabendo à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, atendendo, ainda, às circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao agente na medida em que se mostrem relevantes, como preceitua o art. 71º, n. 2 do C. Penal, encontrando-se, assim, a pena adequada e justa.

Importa considerar os factos provados e as seguintes circunstâncias para graduar a pena:

- o grau da ilicitude, que aparece como elevado atentos os motivos injustificados que conduziram o arguido a ofender uma pessoa idosa que se encontrava na rua;

- a natureza e gravidades das lesões causadas ao ofendido;

- a ausência de arrependimento demonstrada em sede de audiência de julgamento, já que, não obstante haver dirigido um pedido de desculpas ao ofendido, fê-lo apenas ao fim de um longo período de tempo e pressionado pelo formalismo existente na sala de julgamentos, não se nos aparentando ser um pedido sincero;

- os antecedentes criminais do arguido, que já cometeu outros ilícitos que ofendem bens iminentemente pessoais, como a saúde;

- a integração familiar, social e profissional do mesmo;

- as elevadas necessidades de prevenção geral positiva de reafirmação contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada (dada a gravidade e alarme social que causa na comunidade a prática de factos como os aqui em causa, repugnando a sociedade em geral as agressões perpetradas de forma gratuita, ainda mais contra idosos indefesos, o que vem ocorrendo cada vez com maior frequência), o que também se alcança com a punição da infractora e se assegura, assim, a validade da norma;

- as necessidades de prevenção especial - que se apresentam como elevadas - ligadas à reinserção social do arguido, que aconselham uma intervenção que lhe permita servir de advertência para o não cometimento de futuros crimes e uma recomposição amigável dos valores sociais e comunitários. De notar que, tal como resulta do relatório social elaborado nos autos e da postura demonstrada em audiência de julgamento, o arguido tende a desresponsabilizar-se pela conduta praticada, considerando a sua atitude como uma reacção normal ao ataque prévio existente entre dois animais, revelando uma personalidade marcada pela ausência de autocrítica, de arrependimento ou de interiorização do mal do crime, o que se afigura incompreensível atenta a gravidade dos seus actos e consequências que daí advieram para a vida do ofendido.

Assim, ponderados todos estes elementos de ilicitude e de culpas e exigências de prevenção e reprovação do crime, temos por justo, adequado e proporcional condenar o arguido na pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de prisão.

v - DA (1M) POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE UMA PENA DE SUBSTITUIÇÃO

Aplicada ao arguido uma pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de prisão, impõe-se, neste momento, a apreciação da verificação dos pressupostos de aplicação de uma pena de substituição.

Estas penas radicam historicamente no movimento político-criminal de reacção à aplicação de penas privativas da liberdade, nomeadamente as penas curtas de prisão.

Face à ausência de qualquer critério estabelecido na lei, o critério de preferência da escolha da pena de substituição passa por saber qual a que melhor realiza as finalidades da punição, considerando, ainda, que uma pena privativa da liberdade surge como última ratio da política criminal (neste sentido, ver FIGUEIREDO DIAS, in "Direito Penal Português, Parte geral II, As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Noticias, 1993 pág. 365).

Porém, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20.04.2009, proferido no processo n." 817395 (in www.dgsi.pt), tendo em conta a natureza e pressupostos de cada uma delas, bem como as finalidades da punição, considerou que as penas de substituição podem ser apreciadas pela ordem seguinte: multa, suspensão da execução da pena, prestação de trabalho a favor da comunidade, regime de permanência na habitação, prisão por dias livres e regime de semidetenção, dando-se, deste modo, preferência às penas de substituição não privativas da liberdade.

Desde já fica afastada a substituição da pena de prisão pela permanência na habitação, por uma pena de multa ou por trabalho a favor da comunidade, por inobservância dos pressupostos formais, uma vez que a pena ora aplicada é superior a dois anos (artigos 43°, 45° e 58°, todos do C. Penal, respectivamente) .

Cumpre, portanto, aferir se a suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50.° do C. Penal, cumpre as finalidades da prevenção.

Este último normativo preceitua no seu n° 1 que" O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

A suspensão da execução da pena de prisão constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a sua vida de acordo com os valores inscritos nas normas.

"A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias às condições da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.

Não são, por outro lado, condições de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas" (Ac. do STJ, de 23.02.2005, proc. n005P130 (in www.dgsi.pt). Neste sentido, ver também FIGUEIREDO DIAS, "Direito Penal Português, Parte geral II, As Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Noticias, 1993 pág. 344).

A suspensão de execução da pena, enquanto medida com espaço autónomo no sistema de penas da lei penal, traduz-se numa forte imposição dirigida ao agente do facto para pautar a sua vida de modo a responder positivamente às exigências de respeito pelos valores comunitários, procurando uma desejável realização pessoal de inclusão, e por isso também socialmente valiosa.

Como ensina FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal Português- As Consequências jurídicas do Crime - pág .. 342/343), ''pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (..). Para a formulação de um tal juízo - ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e á sua conduta anterior e posterior ao facto ".

Esse prognóstico consiste na esperança de que o agente ficará devidamente avisado com a sentença e não cometerá nenhum outro crime. Tal prognóstico, prossegue FIGUEIREDO DIAS, é reportado ao momento da decisão e não ao momento da prática do facto, razão pela qual devem ser tidos em consideração, influenciando-o negativa ou positivamente, designadamente, crimes cometidos posteriormente ao crime objecto do processo e circunstâncias posteriores ao facto, "ainda mesmo quando elas tenham já sido tomadas em consideração (..) em sede de medida da pena".

A este propósito, o prognóstico requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitam uma conclusão acerca do comportamento futuro do agente, nas quais se incluem, entre outras, a sua personalidade (inteligência e carácter), a sua vida anterior (as condenações anteriores por crime de igualou diferente espécie), as circunstâncias do delito (motivações e fins), a conduta depois dos factos (a reparação e o arrependimento), as circunstâncias de vida (profissão, estado civil, família) e os presumíveis efeitos da suspensão (assim, ver Ac. Tribunal da relação de Guimarães, de 12.04.2010, proc. nº605/08.1PABCL.Gl).

A propósito deste instituto, escreve-se no Ac. do STJ de 30/6/93, citando Jescheck: «na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade ".

Porém, ainda que centrada na pessoa do arguido no momento actual e na avaliação da respectiva capacidade de socialização em liberdade, ou seja, em considerações radicadas na prevenção especial, a decisão que aprecie a propriedade de escolha por esta, ou outra, pena de substituição, deve atender igualmente às exigências de ponderação geral positiva, para que a reacção penal responda adequadamente às expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada e assegure a protecção do bem jurídico afectado. Esse necessário balanceamento entre as finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização, em que a primeira exerce função limitadora da segunda, encontra relação directa com a gravidade da pena. Como se escreve em aresto do STJ «A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade. A lei não o diz, mas é uma questão de razoabilidade e lógica jurídica, dimanada dos princípios, a afirmação de que, em termos de prevenção especial, não tem o mesmo significado na aferição na possibilidade de suspensão de execução da pena uma pena de seis meses de prisão ou uma pena de cinco anos de prisão». Tal valoração emerge reforçada pela globalização dos fenómenos criminais.

A aplicação da suspensão da execução da pena de prisão só pode e deve ser aplicada se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Como bem sabemos, as finalidades da punição circunscrevem-se à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade (cfr. art. 40º, nºl do C.Penal), e são precisamente finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial, que aqui estão em causa, sendo em função dessas considerações preventivas que no caso se façam sentir que o tribunal terá de orientar a escolha da pena. E de que modo o fará? Em primeiro lugar, importa ponderar as exigências de prevenção geral na vertente da necessidade de protecção dos bens jurídicos, ou seja, importa que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas da comunidade na validade da norma violada, e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade. Em segundo lugar, importa que o tribunal se convença que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada serão suficientes para afastar o arguido de futuros comportamentos delituosos. Ou seja, é preciso a concorrência de factos concretos que permitam formular um prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do arguido, que apontem de forma clara a forte probabilidade de o arguido renegar a prática de futuros actos ilícitos, tendo em vista, com a letra da lei o impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste. E pode até o tribunal concluir por um prognóstico favorável à luz de considerações exclusivas de prevenção especial, e não ser de decretar a suspensão. Tal acontecerá (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, págs. 333 e 334) "se à suspensão se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (..). quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão, se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias". Por isso é que serão de considerar prevalentemente as finalidades de "prevenção especial de intimidação", na expressão do Prof. Taipa de Carvalho, ou, no equivalente dizer do Prof. Figueiredo Dias "as exigências de prevenção especial de socialização", mas limitadas por considerações geral, se estiver em causa a defesa irrenunciável de tutela dos bens jurídicos.

Remetendo-nos ao nosso caso, cabe averiguar se estão preenchidos os requisitos que permitam a suspensão da pena de prisão.

Encontra-se preenchido, desde logo, o pressuposto material de aplicação da suspensão da execução da prisão (a aplicação da pena de prisão inferior a 5 anos).

Como vimos, no caso dos autos, mostra-se elevado o grau de ilicitude dos factos, face ao carácter injustificado e fútil do motivo que conduziu o arguido a desferir as agressões no ofendido, e as lesões padecidas por este, o qual foi violentamente espancado até cair inanimado no chão. Após desferir vários golpes no ofendido, pessoa idosa e com fraca resistência física (como se pode aferir em sede de audiência de julgamento), o arguido abandonou-o sozinho, à sua sorte, caído no chão, ausentando-se do local, sem cuidar, sequer, de solicitar ajuda médica.

Cabe aqui referir que o comportamento do arguido posterior aos factos é absolutamente censurável. O mesmo, após abandonar o ofendido caído inanimado no local, não mais procurou saber notícias suas, nem o contactou ou aos seus familiares para ter notícias do seu estado de saúde. Desinteressou-se, em absoluto, pelo estado daquele, não se preocupando em averiguar se ele continuaria vivo ou se, até, haveria falecido na sequência da brutalidade das agressões perpetradas.

Salientamos, mais uma vez, que o arguido saiu à rua e agrediu brutalmente um cidadão transeunte, idoso, sem qualquer justificativa para tal, apenas e só pelo desejo de se vingar do dono de um canídeo que andaria na rua sem trela. Inadmissível e injustificado, tal comportamento!

Com a sua conduta, e o seu comportamento posterior, o arguido demonstrou possuir uma personalidade completamente adversa às regras sociais e de convivência vigentes e um profundo desrespeito pelos direitos alheios, pela vida e integridade física de terceiros. O seu comportamento é profundamente egoísta, centrado em si mesmo e nos seus bens.

Não se pode descurar que em sede de audiência de julgamento o arguido demonstrou uma total indiferença perante o sofrimento visível do ofendido, continuando a acreditar que ele e a companheira foram as vítimas de toda a situação. O arguido, nessa sede demonstrou insensibilidade, desrespeito e falta de empatia para com o ofendido e seus familiares. A única preocupação que ficou patente foi com o seu próprio bem estar e da sua família, transparecendo um profundo egoísmo, absolutamente contrário ao que seria de esperar de um agente colocado na posição do arguido.

Este dirigiu um pedido de desculpas ao ofendido, mas apenas o efectuou quando percebeu que lhe poderia ser aplicada uma pena detentiva da liberdade. E esse pedido de desculpas foi meramente formal, pretendendo ser politicamente correcto, completamente esvaziado de emoção ou qualquer sentimento de respeito pela vítima.

Toda a atitude do arguido, durante a após a prática dos factos, é demonstrativa de que o mesmo transporta consigo um sentimento de impunidade, não obstante o seu passado criminal. Ao actuar como actuou, o arguido demonstra um sentimento de impunidade perante a justiça e as advertências contidas nas anteriores condenações, acreditando que poderá levar a cabo todos os actos que pretende, sem ver os seus direitos coarctados.

Esta situação, faz com que as exigências de prevenção geral sejam muito elevadas, pois a sociedade não se revê em actos de violência gratuita, como a praticada pelo arguido, ainda mais contra pessoas idosas e indefesas.

E não se pode esquecer que as consequências da conduta do arguido foram muito graves. Não só o ofendido sofreu sequelas físicas que lhe acarretaram inúmeras dores e cicatrizes, como trouxeram consigo danos psíquicos que ainda se mantém na actualidade e provavelmente acompanharão aquele pelo resto dos seus dias.

Resultou evidente, em sede de audiência de julgamento, que o ofendido ficou muito debilitado com a situação de que foi vítima. Deixou de sair à rua sozinho, de fazer a sua caminhada diária, de passear o seu cão, vivendo com medo de tudo e de todos. O arguido, que não demonstrou qualquer arrependimento sincero pelos actos praticados, retirou a LM a pouca liberdade que a sua avançada idade lhe permitia usufruir. Resultou para nós claro o sofrimento que este cidadão e a sua família carregam. Aquele referiu que teve muito medo de morrer, medo esse que o "paralisou" e impede de viver uma vida normal, de sair à rua e de conviver com outras pessoas. O seu filho demonstrou sofrimento por ter visto o seu pai ser agredido e abandonado inconsciente à sua sorte, sem sequer saberem o motivo para tal barbárie. E também por ver o seu pai remetido a um sofrimento e medo, que o impedem de prosseguir a sua vida com normalidade.

E perante todo este sofrimento, o que fez o arguido?
Simplesmente nada. Limitou-se a seguir a sua vida, com toda a normalidade, senso incapaz, sequer, de demonstrar arrependimento sincero pelo sucedido.

Por tudo o exposto, somos de concluir que, para além da personalidade do arguido caminhar ao arrepio da satisfação das finalidades da punição, as circunstâncias do crime não se coadunam com a simples censura do facto e ameaça de prisão, aliás insuficiente para aquele, atendendo a que as condenações anteriores não o dissuadiram de reincidir em comportamentos delituosos.

Para a suspensão da execução da pena de prisão não basta um juízo de prognose relativamente ao comportamento futuro do arguido, exigindo-se, ainda, que a suspensão da execução não comprometa as finalidades precípuas da pena, qual seja a protecção dos bens jurídicos.

Ora, a pena de prisão efectiva deve ser a regra para os crimes que se posicionam no segmento da criminalidade mais gravosa, especialmente os crimes contra as pessoas e, em geral, os que integram a designada "criminalidade violenta" e "criminalidade altamente organizada". Sendo que nos crimes contra as pessoas integram-se os crimes pelos quais o arguido ora vai ser condenado.

As fortes exigências preventivas, sobretudo as de prevenção geral, que os crimes de ofensas qualificadas suscitam não ficam, adequada e suficientemente, satisfeitas com a simples ameaça da pena e isso justifica que, normalmente, as penas de prisão são efectivas.

Em síntese, diremos que em face da personalidade revelada pelo arguido expressa nos factos, o elevado grau de ilicitude dos mesmos, não tendo o arguido admitido os factos nem revelado arrependimento sincero, revelando por isso não ter interiorizado o mal do crime, não acreditamos que a suspensão da execução da pena de prisão, como medida de reflexos sobre o seu comportamento, possa no futuro evitar a repetição de comportamentos delituosos. E a mesma conclusão se retira, ainda que sujeitando a suspensão a regime de prova. A verdade é que a personalidade patenteada pelo arguido, desde logo pela não assunção da sua culpa, e a ausência de reflexão sobre o mal do crime, não permite sustentar um juízo de confiança no comportamento futuro do arguido por forma a que, se vierem a deparar-se-lhe situações idênticas, não venha a delinquir. Não deixa de se anotar que o próprio relatório social, nas conclusões que apresenta, não deixa de revelar que o arguido tende a desculpabilizar-se pelo sucedido, não interiorizando, como tal, o desvalor da sua conduta e o mal cometido.

Neste quadro circunstancial, mesmo considerando a situação pessoal do arguido, não vemos que concorram factos que permitam um juízo de prognose positivo acerca do comportamento futuro do arguido, mesmo com regime de prova, concluindo-se assim que a suspensão da pena não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, desde logo, numa perspectiva de prevenção especial, pelo que, em concomitância, não responde com eficácia às suas expectativas, comprometendo as finalidades precípuas da pena.

Pese embora possuir uma vida familiar e laboral estável, isso pouco contribui para garantir que o arguido não volte a delinquir no futuro, como, aliás, tem vindo a fazer e não se inibiu de praticar o crime aqui em análise.

Ora, atento o circunstancialismo em que as ofensas foram perpetradas e as consequências que das mesmas advieram, suspender a execução da pena de prisão seria banalizar de forma inaceitável situações de violência gratuita e prepotente, como as levadas a cabo pelo arguido, e desconsiderar o sofrimento das vítimas destes crimes.

Termos em, por tudo o exposto, se decide não suspender a execução da pena de 2 (dois) anos e 02 (dois) meses de prisão aplicada ao arguido.»

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso.
a) É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

No caso presente, o arguido começa por impugnar a decisão proferida em matéria de facto, nos termos do art. 412º nºs 3 e 4 do CPP, relativamente aos pontos 5, 6, 7 e 9, da factualidade provada, de cuja procedência entende derivar alteração da qualificação jurídica dos factos.

Pretende ainda que lhe seja aplicada pena de prisão em medida mais reduzida e que a mesma seja substituída por pena não privativa da liberdade, incluindo, em qualquer caso, a suspensão da execução da prisão.

São estas, pois, as questões a decidir.

2. Decidindo.
2.1. Impugnação da matéria de facto.
2.1.1. Começaremos por apreciar a impugnação relativa ao segmento do ponto 5 onde se refere que o arguido atingiu o ofendido "sem lhe dirigir qualquer palavra".

Relativamente ao ponto de facto nº 5 o arguido começa por impugnar ter o tribunal a quo julgado provado que o arguido atingiu o ofendido "sem lhe dirigir qualquer palavra", pois considera que das declarações do arguido, cujos trechos transcreve, resulta, antes, que o arguido interpelou o ofendido questionando-o sobre se achava bem o que tinha feito, ao que o ofendido riu, sendo certo que o ofendido não se recorda do que se passou, conforme afirmado por ele e pelas testemunhas JV e JM, e chegou a admitir que “... pode ter havido um pequeno diálogo, tinha a ideia que não houve nada." (fim aos 15 minutos e 07 segundos), conforme sequência das referidas declarações que o recorrente transcreve.

Por seu lado, pode ler-se na apreciação crítica da prova com interesse para a matéria dos pontos 5 e 6 (apesar de se indicar unicamente o nº4), o seguinte:

- “A factualidade elencada sob o nº 4 foi também confirmada pelo arguido, o qual esclareceu onde avistou o ofendido e a forma como se dirigiu ao mesmo, partindo, de imediato, para as agressões, sem, sequer, lhe ter dirigido a palavra ou se assegurado de que aquele era o proprietário do canídeo que, momentos antes, havia desferido arranhões na sua companheira, o qual, como se veio a confirmar posteriormente, nada tinha a ver com o assunto.”.

Vejamos.
Ouvindo as declarações prestadas pelo arguido em audiência, constatamos que este não afirma ter atingido o ofendido sem lhe dirigir palavra, antes declara ter-lhe pedido explicações sobre o sucedido anteriormente com a sua mulher e que aquele riu-se enquanto se levantava do banco de jardim onde estivera sentado, só então lhe desferindo uma chapada que o fez bater com cabeça no banco e cair no chão, após o que virou costas e voltou para casa.

Assim, caso seja esse o sentido com que na apreciação crítica da prova se refere que o arguido esclareceu onde avistou o ofendido e a forma como se dirigiu ao mesmo, partindo, de imediato, para as agressões, sem, sequer, lhe ter dirigido a palavra, conclui-se que estre trecho da apreciação crítica da prova é contrariado pela audição da gravação das declarações do arguido em audiência, como referido.

No entanto, apesar de o tribunal a quo não se reportar às declarações do ofendido a propósito do momento em que o arguido chegou perto dele, fá-lo o recorrente na sua motivação, constatando nós da audição dessas mesmas declarações que o ofendido afirma, repetidamente, só se lembrar de ter visto o arguido dirigir-se a ele e não ter ideia de qualquer diálogo com o mesmo arguido, lembrando-se apenas de aquele ter chegado junto dele e tê-lo agredido, guardando uma imagem do choque sofrido quando foi atingido.

É verdade que à pergunta da senhora advogada de defesa sobre se o arguido podia vir a falar com ele sem que o ofendido se apercebesse, o ofendido não afastou perentoriamente tal hipótese (nem se vê como poderia fazê-lo com o rigor e autenticidade que transparecem do seu depoimento), mas sempre negou ter existido qualquer diálogo, que sempre implicaria troca de palavras entre ambos, tal como nunca admitiu ter-se apercebido que o arguido lhe dirigiu quaisquer palavras, reafirmando antes que “ … não houve nada. Houve uma surpresa”.

Assim, da reapreciação da prova, ou seja, da audição da gravação das declarações do arguido e do depoimento do ofendido a que procedemos, concluímos, como o tribunal recorrido, pela falta de plausibilidade das declarações do arguido face ao seu comportamento anterior e posterior e à forma e conteúdo das suas declarações em audiência, nomeadamente ao afirmar que o ofendido se riu quando lhe dirigiu palavras de explicação e ao pretender fazer crer em tribunal que uma mera bofetada poderia ter provocado, direta ou indiretamente, lesão profunda da pirâmide nasal e lesão profunda do couro cabeludo numa extensão de 4 cm e as demais lesões sofridas pelo ofendido. Por outro lado, que o conteúdo e a forma do depoimento prestado em audiência pelo ofendido constituem prova suficiente, para além de qualquer dúvida razoável, de que o arguido atingiu o ofendido sem lhe dirigir qualquer palavra conforme se descreve no ponto 5 da factualidade provada.

2.1.2. Vejamos agora, conjuntamente, a impugnação da decisão vertida na parte final do ponto 5, ou seja, onde se afirma que “ 5. De imediato, o arguido … desferiu-lhe vários socos e pontapés, na face, cabeça, tórax, tronco e membros superiores e inferiores, fazendo-o cair no chão inanimado;” e a impugnação do ponto 6 da factualidade provada, cujo teor, lembremo-lo, é o seguinte: “6.As agressões foram infligidas ao ofendido, antes e depois de ele cair no chão inanimado”.

Alega o arguido e recorrente que, conforme disse em audiência, apenas deu uma chapada no ofendido que provocou a queda deste, não tendo desferido socos nem pontapés e que o ofendido não ficou inanimado no chão, versão que, segundo ele, é corroborada por outros meios de prova: as declarações do ofendido, que não se recorda do que sucedeu, recordando apenas uma pancada na cabeça ou na face, declarações do menor R, única testemunha presencial dos factos, que vê o arguido desferir uma chapada e relata que quando volta a olhar vê o ofendido no chão e que vê o arguido desferir um pontapé, (e não pontapés como se diz na fundamentação da matéria de facto) sem saber onde o dito pontapé acertou; a testemunha JV, que socorreu o ofendido ainda junto do banco, que afirmou tê-lo visto com um corte no nariz e na cabeça e que quando chegou junto do ofendido este tentava sentar-se, ajudando-o a fazê-lo.

Vejamos.
a) Quanto ao ponto 6., pelo qual começamos dado que a forma como o ofendido caiu depois de ser atingido pelo arguido releva na apreciação da impugnação relativa ao ponto 5, como veremos, o recorrente põe em causa ter-se julgado provado que o ofendido caiu no chão inanimado, com base nos depoimentos das testemunhas R e JV, que afirmaram ter visto o ofendido a tentar levantar-se e levantado, respetivamente.

Sem razão, porém, uma vez que a afirmação de que o ofendido caiu inanimado, com base nas suas próprias declarações, não é posta em causa pelos depoimentos daquelas testemunhas. Na verdade, as tentativas do ofendido para se levantar (a que se seguiam novas quedas, no relato da testemunha R) e o regresso a casa pelo seu pé testemunhado por JV, que o auxiliou, são perfeitamente compatíveis com a hipótese de recuperação da consciência por parte do ofendido depois de ter ficado inanimado por um curto período de tempo, como afirmado pelo ofendido e não é desmentido pelos depoimentos daquelas testemunhas.

Mantém-se, assim, integralmente a redação do ponto 6 da factualidade provada.

b). Quanto à parte ora destacada do ponto 5, o tribunal a quo deixa claro na apreciação crítica da prova não ter ficado convencido da versão apresentada pelo arguido, segundo a qual apenas deu uma bofetada ao ofendido, tendo aquele caído no solo, não só porque contrária às regras da experiência comum e do normal acontecer, como contrariada por outros elementos de prova carreados para os autos, o que igualmente concluímos após reapreciação da prova indicada pelo recorrente.

No entanto, a reapreciação dos elementos de prova disponíveis, leva-nos a concluir que o arguido atingiu o ofendido com um soco no rosto, que o fez cair no chão inanimado depois de bater com a cabeça e a face direita no banco onde antes se sentara, seguido de um pontapé igualmente no rosto quando o ofendido já se encontrava caído, e não que o arguido “… desferiu-lhe vários socos e pontapés, na face, cabeça, tórax, tronco e membros superiores e inferiores, fazendo-o cair no chão inanimado”.

Por um lado, conforme se refere no relatório de urgência de fls 18 e 19 e no relatório pericial (avaliação do dano corporal) de fls 10 e 11, o ofendido apresentava as lesões no rosto, cabeça e mãos que são visíveis nas fotografias de fls 27 e 34 a 40, as quais, em conjugação com o relato do ofendido e da testemunha R, tal como não são compatíveis com a versão do arguido, também não se conjugam com a inflição de vários socos e pontapés na face, cabeça, tórax, tronco e membros superiores e inferiores, que o teriam feito cair no chão inanimado”. O ofendido diz que apenas se lembra de sofrer um choque quando o arguido se aproximou de si e a testemunha R contou que viu o arguido desferir uma pancada no ofendido, provocando-lhe a queda, e que, já depois de o ofendido se encontrar caído no chão, viu o arguido desferir-lhe um pontapé (e não pontapés), embora não tenha conseguido ver o local do corpo atingido.

Ora, a localização e natureza das lesões, observáveis nas fotografias de fls 27 e 34 a 40, articuladas com aquelas declarações, são claramente compatíveis com o inflição de um soco desferido com bastante força no nariz do ofendido, que o fez cair inanimado para o seu lado direito sobre o banco de jardim, provocando-lhe, ao cair, ferida na região parietal direita que careceu de sutura de 4 cm, e os hematomas que apresenta na face direita, para além da fissura que pode ver-se acima da sobrancelha direita. Por outro lado, o hematoma que pode ver-se junto do olho esquerdo foi necessariamente provocado por nova agressão do arguido uma vez que não pode tê-lo sofrido ao cair, visto que a localização das lesões que apresenta no lado direito da face, da cabeça e sobrancelha indicam que caiu sobre o seu lado direito, como referido, e não sobre o lado esquerdo. O hematoma sob o olho esquerdo é, antes, consentâneo com a referência da testemunha R a um pontapé com que o arguido atingiu o ofendido quando este se encontrava já no chão.

Procede, pois, nesta medida a impugnação do arguido no que concerne ao ponto 5 da factualidade provada, pelo que se impõe modificar a decisão recorrida nos termos do art. 431º b) do CPP, passando aquele ponto 5 dos factos provados a ter a seguinte redação:

- ” 5. De imediato, e por julgar que estava perante o indivíduo que estava envolvido na situação referida em 1 ° e 2°, o arguido abeirou-se de LM sem lhe dirigir qualquer palavra e desferiu-lhe um soco no nariz, que o fez cair no chão inanimado depois de bater com a cabeça e a face direita no banco onde antes se sentara, a que se seguiu a inflição de um pontapé no rosto quando LM já se encontrava caído.”.

Procede, pois, parcialmente a impugnação do arguido quanto ao ponto 5 da factualidade provada.

2.1.3. O arguido impugna ainda a decisão que julgou provado no ponto 7 da factualidade provada que as lesões ali descritas foram consequência direta e necessária da conduta do arguido, por considerar que muitas das lesões descritas podem ter sido consequência indireta da conduta do arguido.

Vejamos.
Antes de mais, o que se diz no ponto 7º impugnado é que as lesões aí descritas foram consequência direta da conduta do arguido, o que assenta no teor do relatório pericial (“Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano – fls 11vº) ” e nas regras da experiência, sendo certo que o que se significa com a expressão “consequência direta” resulta da conjugação com o teor modificado do ponto 5 da factualidade provada, do qual decorre que as lesões na cabeça e numa das faces não resultaram de socos e pontapés aí infligidos pelo arguido, mas por embate sofrido pelo ofendido ao cair em resultado direto do referido soco como ali se descreve. Nada há, pois, a alterar ao ponto 7º do facto provado, interpretado do modo ora descrito em conjugação com o teor modificado do ponto 5 da factualidade provada, improcedendo a impugnação também nesta parte.

2.1.4. Por último, o arguido impugna o segmento do ponto 9 onde se menciona que o arguido molestou o corpo e a saúde do ofendido “…sabendo que a sua conduta era apta a causar um efeito surpresa e deixar aquele sem qualquer possibilidade de defesa”.

Sem razão, porém, essencialmente pela referida falta de plausibilidade das declarações do arguido ao afirmar ter começado por pedir explicações ao ofendido e que este riu-se em confronto com as declarações precisas e sentidas do ofendido, bem como em atenção ao descrito em 4, 5 e 6, da factualidade provada, agora assente, e às regras da experiência nesta matéria. Com efeito, objetivamente, o arguido dispôs da sua superioridade física e do fator surpresa ao molestar o corpo e a saúde do ofendido, o que, de acordo com as regras da experiência, não podia deixar de ser do seu conhecimento, pelo que improcede igualmente a impugnação relativamente ao ponto 9 da factualidade provada.

2.1.5. Visando os recursos entre nós reparar erros de julgamento que em matéria de facto podem traduzir-se na violação de norma de direito probatório (aqui incluindo o princípio in dubio pro reo), de regra do conhecimento técnico ou científico, regra da experiência ou violação da regra inerente ao princípio da livre apreciação da prova e aos princípios da culpa e da presunção de inocência, segundo a qual a decisão tem de assentar em prova para além de qualquer dúvida razoável, impõe-se, pois, concluir haver a apontar ao tribunal a quo erro de julgamento ao ter julgado provado no ponto 5 da factualidade provada, ao arrepio da prova produzida, que o arguido desferiu vários socos e pontapés, na face, cabeça, tórax, tronco e membros superiores e inferiores, do ofendido, levando à modificação do teor daquele ponto de facto, como referido supra.

2.2. Não obstante a procedência pontual da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, a modificação operada na factualidade provada não acarreta qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos.

Com efeito, uma vez que a qualificação da ofensa à integridade física decorre in casu do disposto nas al.s c) e e) do nº2 do art. 132 ex vi do art. 145 nº2, ambos do C.Penal, que se reportam, respetivamente, à prática do ato contra pessoa particularmente indefesa e à determinação para o ato por motivo fútil, e que a modificação factual operada respeita apenas a aspetos pontuais da forma como o arguido atingiu o ofendido, esta modificação em nada interfere com o preenchimento daquelas circunstâncias qualificativas, pelo que improcede o recurso também nesta parte.

2.3. Cabe agora decidir da pretendida diminuição da medida concreta da pena de 2 anos e 2 meses de prisão aplicada ao arguido pelo tribunal recorrido.

O arguido funda o seu recurso contra a medida concreta da pena na moldura penal aplicável e em todo o circunstancialismo dado por provado na douta sentença, mas também nas alterações por ele preconizadas na impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e na pretendida alteração da qualificação jurídica dos factos em resultado da eventual procedência daquela impugnação.

Como vimos, mantém-se integralmente a qualificação jurídica dos factos e a decisão recorrida apenas foi modificada quanto a factos pontuais relativos ao modo como o arguido atingiu o ofendido, que, assim, será agora considerada.

No que se refere ao circunstancialismo dado por provado na douta sentença, alega o arguido que:

- Apesar de o arguido ter sido condenado, por duas vezes, pela prática de crimes de ofensa à integridade física, a verdade é que, estes crimes ocorreram há mais de 20 anos, enquanto o arguido ainda era jovem;

- O arguido demonstrou arrependimento sincero e pediu desculpas ao ofendido e à sua família, em pleno Tribunal;

- O arguido encontra-se social, profissional e familiarmente inserido. Tem 40 anos de idade e uma família, de quem é o sustento, sendo que a sua companheira se encontra desempregada (cfr. ponto 21.

Dos factos provados) e dois filhos, um com 6 anos e outro com 8 meses, sendo que o filho mais velho, fruto de relacionamento anterior, reside consigo de 5a a 2a feira (cfr. pontos 15 e 16 Dos factos provados);

- O relatório social do arguido refere que o arguido revela sentido crítico e de autocensura, que o arguido tem demonstrado vontade em manter um comportamento adequado, expresso na manutenção de uma actividade profissional e a adesão manifestada durante o anterior acompanhamento pelos serviços, concluindo pela existência de condições para que o arguido cumpra uma pena não privativa da liberdade, podendo incluir a necessidade de manutenção de acompanhamento no âmbito da saúde mental, o que, de resto, o arguido desde logo prestou o seu consentimento;

- Estes dados são incompatíveis com a argumentação referida na douta sentença recorrida, que mal andou, ao referir que o arguido revela uma personalidade marcada pela ausência de autocrítica, de arrependimento ou de interiorização do mal do crime.

Por seu lado, a sentença recorrida fundamentou a sua decisão de aplicar 2 anos e 2 meses de prisão face a moldura legal entre 1 mês e 4 anos de prisão, prevista no artigo 145º do C. Penal, nos seguintes fatores:

- O grau da ilicitude, que aparece como elevado atentos os motivos injustificados que conduziram o arguido a ofender uma pessoa idosa que se encontrava na rua;

- A natureza e gravidades das lesões causadas ao ofendido;

- A ausência de arrependimento demonstrada em sede de audiência de julgamento, já que, não obstante haver dirigido um pedido de desculpas ao ofendido, fê-lo apenas ao fim de um longo período de tempo e pressionado pelo formalismo existente na sala de julgamentos, não se nos aparentando ser um pedido sincero;

- Os antecedentes criminais do arguido, que já cometeu outros ilícitos que ofendem bens iminentemente pessoais, como a saúde;

- A integração familiar, social e profissional do mesmo;

- As elevadas necessidades de prevenção geral positiva de reafirmação contrafática das expectativas comunitárias na validade da norma violada;

- As necessidades de prevenção especial - que se apresentam como elevadas - ligadas à reinserção social do arguido, que aconselham uma intervenção que lhe permita servir de advertência para o não cometimento de futuros crimes e uma recomposição amigável dos valores sociais e comunitários.

Vejamos

Quanto ao alegado arrependimento sincero do arguido e ao pedido de desculpas formulado em tribunal, não vemos como pode o arguido sustentar esta sua alegação. Por um lado, só depois de decorrido cerca de um ano desde a agressão cometida contra o ofendido é que o arguido lhe dirigiu um pedido de desculpas e ainda assim em público, ao prestar declarações em sua defesa, sem que os autos revelem qualquer motivo que possa explicar a indiferença objetivamente demonstrada pela manifesta injustiça e pelas dores físicas e perturbação psicológica, sofridas pelo ofendido, ao deixar passar um ano sem procurar minimizar por qualquer forma as consequências dos seus atos, nomeadamente dando-lhe qualquer satisfação ou explicação que pudesse, pelo menos, ajudar o ofendido a afastar ou diminuir o medo que passou a afligi-lo desde então.

Assim sendo, não se vê igualmente como pode criticar-se a sentença recorrida ao referir que o arguido revela uma personalidade marcada pela ausência de autocrítica, de arrependimento ou de interiorização do mal do crime, claramente centrada nas suas razões, supostas ou verídicas, sem ponderar com o mínimo de seriedade sobre as consequências dos seus atos ou sobre a forma de minorá-las.

No que concerne aos antecedentes criminais do arguido, se é verdade que os crimes contra a integridade física pelos quais foi anteriormente condenado respeitam a factos ocorridos há cerca de 20 anos, não o é menos que o arguido foi ainda condenado por crime de desobediência praticado em 2003, por dois crimes de condução em estado de embriaguez praticados em março e novembro de 2007, por outro crime de desobediência, de novo em matéria estradal, praticado em 2012, e, por último, pela prática de um outro crime de condução em estado de embriaguez por factos de janeiro de 2016, pelos quais foi condenado em prisão por dias livres (48 períodos) por decisão transitada em julgado em 19.06.2017.

Factos estes que, não obstante o cumprimento das obrigações decorrentes do cumprimento das penas não privativas da liberdade assinalado no relatório do IRS, são bastante significativos no que respeita à forma como o arguido tem encarado as condenações que são impostas pela prática repetida dos ilícitos penais em causa e a sua indiferença perante os bens jurídicos objeto da tutela penal respetiva, revelando precisamente a falta de autocrítica e sentido dos limites que são assinalados na sentença recorrida.

A sua integração familiar e laboral pouco relevam em face do quadro assinalado, pois não tem impedido o arguido de praticar novos crimes e nada permite ver nele virtualidades para que possa prevenir a sua prática no futuro.

Para além dos fatores ora referidos, que relevam sobretudo do ponto de vista da prevenção especial positiva enquanto finalidade das penas, importa ter ainda em conta as consequências da conduta do arguido na saúde do ofendido, que foram muito para além das sequelas físicas verificadas imediatamente, pois o sofrimento psicológico do ofendido e a afetação da sua qualidade de vida mantiveram-se desde então, conforme claramente espelhado na factualidade provada. Por outro lado, ao nível do tipo de culpa e das circunstâncias que a agravam é de destacar o dolo direto do arguido e a futilidade da motivação para a sua conduta que, apesar de se encontrar elencada entre as circunstâncias suscetíveis de qualificar o crime (al. e) do nº2 do art. 132º), releva no caso presente para a medida da pena em virtude de o crime se mostrar qualificado pela circunstância prevista na al. c) do mesmo nº2 do art. 132º do C. Penal.

Já no que concerne ao modo de execução do crime enquanto fator igualmente relevante para a medida concreta da pena, resulta da descrição da conduta do arguido, tal como consta agora no ponto 5 da factualidade provada depois de modificada em resultado da procedência parcial da impugnação em matéria de facto, que a mesma não assumiu gravidade tão elevada como a espelhada na acusação e na sentença recorrida.

Na verdade, a agressão perpetrada pelo arguido no corpo da vítima não assume a intensidade que resultava da anterior redação daquele ponto 5, pois apenas se prova que o arguido desferiu um soco e um pontapé no rosto do ofendido e não que o atingiu com vários socos e pontapés em diversas partes do corpo, sem prejuízo de aqueles soco e pontapé serem causa adequada das lesões físicas verificadas naquelas partes do corpo, pois num juízo de prognose póstuma, próprio do nexo de causalidade adequada exigível, a ocorrência daquelas lesões apresentava-se como previsível para o homem comum que se encontrasse na situação em que se colocou o arguido no momento histórico em que agiu.

Assim, porque está em causa apenas o modo como o arguido atingiu o corpo do ofendido e não a extensão e gravidade das lesões daí decorrentes, que não sofreram qualquer alteração, e ainda porque não obstante a alteração verificada a ação do arguido sobre o corpo da pessoa concreta do ofendido continua de elevada gravidade, decide-se diminuir a medida concreta da pena em 1 mês, fixando-se, pois, a mesma em 2 anos e 1 mês de prisão.

Conforme resulta de todo o exposto na sentença recorrida e agora corroborado, o arguido agiu da forma violenta e desproporcionada que fica descrita nos autos ao atingir fisicamente de forma implacável pessoa de idade avançada (77 anos) com a qual não trocou sequer quaisquer palavras, apenas porque lhe foi dito pela sua companheira que um cão atacara o animal de estimação que aquela passeava, provocando-lhe arranhão nas pernas, o que constitui motivo fútil face à grandeza do bem jurídico tutelado com a incriminação da ofensa à integridade física, pelo que encontramo-nos longe de um quadro de compreensível emoção violenta que pudesse de algum modo levar à diminuição da pena aplicável ou da pena aplicada.

2.3 Pretende ainda o arguido a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, mas também nesta parte não podemos deixar de acompanhar as judiciosas considerações que levaram o tribunal recorrido à sua não aplicação no caso concreto, cumprindo-nos enfatizar dois aspetos.

Por um lado, as fortes necessidades de prevenção geral positiva verificadas, dada a gravidade das ofensas dolosamente infligidas e as sequelas verificadas na pessoa idosa do ofendido, sempre operariam como limite à aplicação de pena de substituição.

Na verdade, como refere há muito Anabela Rodrigues: “…em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral positiva hão de funcionar como limite ao que, de uma perspetiva de prevenção especial podia ser aconselhável (…) sendo um orientamento de prevenção – agora de prevenção geral no seu grau mínimo – o único que pode (deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial.

Que assim é, quanto à prevenção geral [continua a autora], resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão” – cfr Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra 1984 pp. 40 e 41.

Por outro lado, in casu não pode sequer considerar-se estarmos perante exigências antinómicas no que concerne às finalidades das penas, pois também as exigências de prevenção especial positiva afastam prognose sobre o comportamento futuro do arguido que pudesse levar a concluir ser ainda possível a sua reinserção em liberdade, face aos seus antecedentes criminais, mas também, com relevo significativo, à conduta posterior ao crime que ficou sobejamente assinalada na sentença recorrida e no presente acórdão.

Pessoa dotada de normal sensibilidade e empatia para com o sofrimento alheio, perante a consciência, que não pôde deixar de ter, da flagrante brutalidade e injustiça da sua conduta para com a pessoa concreta do ofendido, teria assumido comportamento nos antípodas da atitude indiferente e desligada que teve o arguido desde a prática dos factos. Atitude centrada na tentativa de salvaguardar-se das consequências jurídico-penais que poderiam advir-lhe da sua conduta e em enfatizar as “razões” que terão estado na base da sua agressão (apesar de sempre serem alheias ao ofendido), indo ao ponto de vir afirmar na sua motivação de recurso “que a sua mulher, grávida, com contracções, cheia de sangue e acompanhada pelo seu filho menor, tinha corrido perigo”, ao arrepio de tudo o que sobre o episódio em causa foi afirmado em audiência.

Não pode deixar de concluir-se, pois, com o tribunal recorrido, que no caso presente a suspensão da execução da pena de prisão não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades, de prevenção geral e especial, das penas (cf. artigos 40º e 50º do C. Penal), pelo que se mantem a sentença recorrida também nesta parte.

III. DISPOSITIVO

Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, ML, decidindo-se modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto (cf. art. 431º b) CPP) nos termos expostos nos pontos 2.1.2 e 2.1.5. da fundamentação do presente acórdão, e, consequentemente, diminuir para dois anos e um mês de prisão a pena aplicada ao arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificado, p. e p. pelo art. 143°, n. 1, 145º n.1 al. a) e n. 2 e 132°, n° 2, als. c) e e), todos do C. Penal, mantendo-se em tudo o mais a sentença condenatória recorrida.

Sem custas, dado que o artigo 513º do CPP faz depender a condenação do arguido do decaimento total no recurso.

Évora, 25 de setembro de 2018

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)