Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
510/23.1T8VRS.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
EXCLUSIVIDADE
CONTRATO-PROMESSA
Data do Acordão: 10/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: I - No contrato de mediação imobiliária, em princípio a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado (artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013).

II - Se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária isso estiver previsto, é devida uma remuneração ao mediador logo que o contrato-promessa seja celebrado, mas, mesmo nessa situação, se o negócio prometido não chegar a ser concretizado pode haver lugar, no caso da remuneração ter sido paga, à sua restituição.


III – A título excecional, a remuneração é devida mesmo que o negócio visado não se tenha concretizado, se as partes tiverem acordado a exclusividade e o negócio visado no contrato de mediação não se concretizar por causa imputável ao cliente, desde que o cliente seja o proprietário ou o arrendatário trespassante (artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013).


IV - Deve entender-se que é por causa imputável ao cliente que o contrato não se concretiza, quando isso resulta, nomeadamente, da circunstância de a ré (promitente-vendedora), não ter facultado os documentos relativos à legalização das obras novas efetuadas no imóvel, sabendo a ré que isso era determinante para a formação da vontade do promitente-comprador outorgar a escritura pública de compra e venda e, bem assim, por ter vendido o imóvel a terceiros.

Decisão Texto Integral: Proc. nº 510/23.1T8VRS.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


I – RELATÓRIO


Decisiondirect – Mediação Imobiliária, Lda. instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 11.070,00 (onze mil e setenta euros), acrescida de juros vencidos desde o dia 06.07.2023, e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.


Alega, em síntese, que:


- no exercício da sua atividade celebrou com a ré, em 28.10.2022, um contrato de mediação imobiliária, em que a autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra de um prédio urbano (moradia), composta por edifício térreo, destinado a habitação, sito em Local 1, Vila 1, pelo preço de € 215.000,00;


- a ré contratou os serviços da autora em regime de exclusividade, fazendo-se constar do contrato que a quantia de 5%, a título de remuneração, calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efetivamente concretizado, acresceria IVA à taxa legal de 23% e deveria ser paga na totalidade aquando da celebração do contrato-promessa.


- a autora publicitou a venda do prédio da ré e contactou vários potenciais clientes, nomeadamente BB, que a autora sabia estar interessado na compra, tendo realizado com este uma visita ao imóvel no dia 14.02.2023.


- o referido cliente, através da comercial CC, apresentou uma proposta de aquisição do imóvel pelo preço de € 180.000,00 que a autora aceitou, tendo sido assinado o contrato-promessa de compra e venda no dia 06.07.2023.


- a ré não pagou à autora a comissão pela venda do seu prédio na data da celebração do contrato-promessa, nem posteriormente após interpelação, sendo que o negócio de compra e venda resultou das diligencias feitas pela autora nesse sentido, ao abrigo do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes.


A ré contestou, aceitando ter celebrado com a autora o referido contrato de mediação imobiliária, bem como o contrato-promessa com o referido BB, que lhe pagou um sinal no valor de € 18.000,00, sendo que nos termos previstos na cláusula quinta deste contrato, a escritura pública de compra e venda deveria realizar-se até ao dia 20.05.2023, mas até à presente data, apesar de várias insistências, não foi possível concretizar a mesma, tendo a autora notificado judicialmente o promitente-comprador, mas este não demonstra ter qualquer intenção de concretizar a compra do imóvel.


Mais alega que não pagou a comissão à autora porque entende que esta só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação e neste caso, o negócio visado não foi realizado.


Houve resposta, dizendo a autora que uma vez que a ré não impugnou o contrato de mediação, e tendo neste sido estipulada a exclusividade da mediação, é já devido à autora o pagamento da totalidade da comissão, que neste momento se encontra em falta.


Mais aduz que, para além de uma mera notificação judicial, a ré não demonstra ou alega qualquer outra medida para terminar com a mora no cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, sendo que a ré não apresentou documentação em tempo exigida pelo comprador, nem esclareceu as dúvidas que este tinha sobre umas alegadas obras ilegais da marquise do imóvel prometido vender, essenciais para a concretização do negócio, pelo que é falso que a ré tenha encetado todos os esforços para tentar realizar a escritura e atempadamente.


Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.


Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 11.070,00 (onze mil e setenta euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal para os juros civis, de 4%, desde a data da celebração do contrato-promessa de compra e venda (27.02.2023) até efetivo e integral pagamento.


Inconformada, a ré apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem:


«a) A Ré empregou todos os esforços para realizar a escritura de compra e venda com o Sr. BB.


b) O Sr. BB, não marcou a escritura, não pediu a devolução do sinal, nem foi testemunha no presente processo.


c) A Ré está a ser prejudicada em ser obrigada a pagar uma remuneração num negócio imobiliário que não se concretizou porque o tribunal entender que ela poderia ter tido alguma culpa, sendo certo que não é claro, nem tem ligação com o contrato promessa, qualquer incumprimento da sua parte.


d) Nos termos do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, a remuneração do mediador só é devida se o negócio for concretizado, o que não aconteceu;


e) A Autora nem sequer alegou o incumprimento do contrato promessa por parte da Ré, sendo este a principal razão da sua condenação.


Logo, a sentença deverá ser alterada e nestes termos e nos demais de direito com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado com provado e em consequência ser a decisão proferida em primeira instância ser revogada e substituída por outra que absolva a R. de pagar a remuneração imobiliária devida à A.»


Não foram apresentadas contra-alegações.


Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – ÂMBITO DO RECURSO


Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial decidenda consubstanciam-se em saber se, ao invés, do decidido, a autora não tem direito à remuneração contratada.


III – FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


Na 1.ª instância foram considerados provados os seguintes factos:


1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto o exercício da atividade de mediação imobiliária.


2. A Autora é titular da licença imobiliária n.º 17004- AMI, atribuída pelo Instituto da Construção e do Imobiliário para o exercício da atividade de mediação imobiliária.


3. Pela Ap. 1195 de 22.12.2017, foi registada a aquisição, por compra, a favor da Ré AA, o prédio urbano, situado em Local 1, freguesia e concelho de Vila 1, composto por edifício térreo, destinado a habitação, descrito na Conservatória de Registo Predial de Vila 1 sob o número 7539/20170510 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 986.


4. Através de documento particular que as partes denominaram de “Contrato de Mediação imobiliária”, datado de 28.10.2022, junto como doc. N.º 2 da petição inicial, a Autora obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel referido em 3), propriedade da Ré, pelo preço de € 215.000,00 (duzentos e quinze mil euros), desenvolvendo para o efeito ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e as características dos respetivos imóveis.


5. E nos termos da cláusula 4ª n.º 1 do contrato de mediação referido em 4), a Ré contratou os serviços da Autora Mediadora, em regime de exclusividade.


6. As partes acordaram na cláusula 5ª do aludido contrato que:


“1. A remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no artigo 19º da Lei nº 15/2013 de 8 de fevereiro.


2. A segunda contraente obriga-se a pagar à mediadora a título de remuneração: A quantia de 5%, calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal de 23%. O total da remuneração aquando da celebração do contrato promessa”.


7. O contrato de mediação referido em 4) foi disponibilizado á Ré na sua versão em língua portuguesa e em língua inglesa, que a mesma domina.


8. A Ré leu e assinou o contrato de mediação referido em 4) no escritório da Autora, perante o gerente desta e a sua funcionária, DD, tendo ficado ciente do seu conteúdo, com o qual concordou.


9. Na sequência do contrato, a Autora abriu na sua agência uma ficha de cliente.


10. A Autora publicitou a venda do prédio da Ré publicando em vários sites fotografias e características do mesmo, nomeadamente localização e áreas, pelo valor de € 195.000,00 (cento e noventa e cinco mil euros).


11. E contactou potenciais clientes naquele tipo de produto, realizando, nessa sequência várias visitas que foram registadas internamente.


12. De entre eles, um indivíduo chamado BB, que a Autora sabia estar interessado na compra de uma moradia.


13. Na sequência de tais contactos, BB mostrou-se interessado em visitar o prédio referido em 3), o que aconteceu no dia 14.02.2023 na companhia de uma comercial da Autora CC.


14. Através da comercial da Autora CC, BB apresentou uma proposta de aquisição do imóvel referido em 3) pelo preço de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros).


15. Na sequência da predita proposta, a Autora contactou a Ré que após uma primeira recusa, acabou por aceitar vender o prédio ao BB pelo preço de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros).


16. Por documento particular, que as partes denominaram de “Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóvel”, datado de 27.02.2023, a Ré prometeu vender, livre de quaisquer ónus e encargos ou responsabilidades, o imóvel descrito em 3) a BB, pelo preço de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros).


17. BB pagou à Ré um sinal correspondente a € 18.000,00 (dezoito mil euros).


18. BB e a Ré AA acordaram na Cláusula 5ª do contrato promessa referido em 16) que “A escritura pública de compra e venda ou contrato definitivo deverá realizar-se até ao dia 20 de maio de 2023.”.


19. Em data não concretamente apurada mas seguramente no mês de Abril de 2023, BB solicitou à comercial da Autora CC informação e documentação sobre a legalização administrativa das obras efetuadas no imóvel descrito em 3), mais concretamente sobre uma marquise aí construída, bem como a emissão de uma nova licença de utilização do dito imóvel ou documento que comprovasse a sua dispensa.


20. Entre Abril e Maio de 2023, a comercial da Autora solicitou, várias vezes, à Ré a documentação pretendida pelo promitente comprador e referida em 19).


21. A Autora teve que diligenciar por meios próprios a obtenção de uma planta do imóvel junto da Câmara Municipal de Cidade 1 que fez entregar ao promitente comprador.


22. Até à data limite para a celebração da escritura pública de compra e venda estabelecida no contrato promessa (20.05.2023), a Ré não facultou à Autora toda a documentação referida em 19), mais precisamente a certidão de antiguidade do imóvel que dispensasse a licença de utilização.


23. BB manifestou à Autora que a obtenção dos documentos relativos à legalização das obras novas, mais concretamente da marquise, referidos em 19) era importante e determinante para a concretização do negócio e para a outorga da escritura pública de compra e venda, tendo a Autora dado a conhecer à Ré essa informação.


24. A Ré recusou-se a facultar o contacto telefónico da sua advogada para que a Autora pudesse esclarecer as dúvidas do promitente comprador quanto à legalização da marquise.


25. Até à presente data, não foi possível concretizar a escritura pública de compra e vendado imóvel referido em 3) com BB.


26. A Ré notificou judicialmente o Promitente-comprador BB em 25.09.2023, não tendo sido possível apurar para que termos ou efeitos.


27. BB, mesmo após a notificação judicial avulsa, não procedeu à marcação de data para celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel referido em 3).


28. Pelos serviços prestados de angariação de um promitente comprador para o imóvel descrito em 3), Autora emitiu e entregou à Ré a fatura FT 2023/35, no valor de € 11.070,00, que a advogada da Autora entregou à Ré por via postal, através de carta datada de 19.07.2023, a solicitar o respetivo pagamento.


29. Apesar de instada para o efeito, a Ré não pagou à Autora a comissão por esta pedida pela angariação de um promitente comprador para o seu prédio, nem no dia da outorga do contrato promessa em 27.02.2023, nem posteriormente.


30. Nem a Ré, nem BB, até à presente data, resolveram o contrato promessa de compra e venda referido em 16).


31. Pela Ap. 3611 de 17.07.2024, foi registada a aquisição, a favor de EE casado com FF no regime de comunhão de adquiridos, ambos de nacionalidade alemã, por compra à Ré AA, do prédio urbano melhor descrito em 3).


E foram considerados não provados os seguintes factos:


a) Que a Ré tenha feito todos os esforços para tentar realizar a escritura de compra e venda do imóvel referido em 3) com BB.


b) Que BB não demonstrava ter qualquer intenção de concretizar a compra e venda do imóvel referido 3).


c) Que a Ré só foi confrontada com a cláusula 5ª do contrato de mediação referido em 4) quando lhe foi pedido o pagamento da fatura referida em 27), tendo ficado surpreendida.


d) Que antes desse momento a Ré apenas tinha tido acesso à última página, mas não às restantes páginas, as quais nunca assinou ou rubricou.


O DIREITO


Não tendo a ré/recorrente procedido à impugnação da matéria de facto, tem-se por intocada a factualidade dada como assente pelo tribunal recorrido, situando-se assim o objeto do presente recurso no estrito plano da impugnação de direito, com os contornos assinalados supra.


O contrato de mediação consiste em uma das partes - o mediador - se vincular para com outra – o comitente ou solicitante – a, de modo independente e mediante retribuição, preparar e estabelecer uma relação de negociação entre este último e terceiros – os solicitados – com vista à eventual conclusão definitiva de negócio jurídico.


Caracterizam o contrato de mediação um conjunto de elementos distintivos: a existência de uma convenção, expressa ou tácita, de mediação; a atividade pontual e independente de intermediação e a onerosidade1.


No caso está demonstrado que no contrato celebrado a autora se obrigou perante a ré a angariar um interessado na compra de um imóvel pertencente a esta, pelo preço de € 215.000,00, a troco da remuneração de 5% do preço pelo qual o negócio fosse concretizado.


Estamos, pois, perante um contrato de mediação imobiliária regido pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, como aliás o texto do próprio contrato faz questão de mencionar, o que é consentâneo com o facto da autora ser titular da licença imobiliária n.º 17004- AMI, atribuída pelo Instituto da Construção e do Imobiliário para o exercício da atividade de mediação imobiliária, o qual tem competência legal para atribuir as licenças para o exercício dessa atividade e para a validação dos contratos de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais.


No caso, está provado que a autora diligenciou para encontrar e encontrou um interessado em comprar o imóvel para cuja venda a ré celebrou o contrato de mediação imobiliária, ou seja, não se discute que a ré realizou a atividade de mediação imobiliária nem que em resultado dessa sua atividade se obteve um interessado, o qual se dispôs a pagar um preço inferior ao pretendido pela ré (€ 180.000,00), mas que foi aceite pela ré.


O que está em causa nos autos, é se a ré se pode recusar a pagar a remuneração que, nos termos previstos no contrato de mediação, seria devida com a celebração do contrato-promessa de compra e venda com o interessado obtido pela autora, uma vez que o contrato de compra e venda visado pela mediação não foi celebrado e já não o pode ser, pois a ré vendeu o imóvel em causa a terceiros [ponto 31 dos factos provado].


Sobre a matéria da remuneração do mediador rege o artigo 19º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro.


A sua redação, na parte que aqui interessa, é a seguinte:


«1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.


2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. […]»


O preceito estabelece no seu nº 1 uma regra: em princípio, a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado; quando muito, se o contrato de mediação o estipular, pode haver lugar ao pagamento de remuneração quando estiver celebrado contrato-promessa do negócio visado.


No caso, o contrato de mediação estipula que se o vendedor e o interessado na compra celebrassem um contrato-promessa com entrega de um sinal igual ou superior a 10% do preço do bem, a remuneração do mediador seria «devida, na sua totalidade, no momento da celebração do contrato promessa».


Foi o que sucedeu no caso [cf. pontos 16 e 17 dos factos provado], com exceção da ré ter pago a remuneração acordada.


Muito embora a norma e a cláusula 5ª do contrato usarem a expressão «ser devido», em bom rigor o pagamento da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa não significa que baste a celebração desse contrato para que se preencham os pressupostos do direito à remuneração.


Lê-se no acórdão da Relação do Porto de 30.06.20222: «…), a constituição desse direito continua dependente da conclusão e perfeição do negócio visado e só se esta circunstância se verificar é que a remuneração se torna juridicamente exigível (devida). Se o negócio visado não chegar a ser concluído de forma eficaz (perfeita), a remuneração não é devida, independentemente das razões desse desfecho, ou seja, mesmo que o cliente haja decidido desistir do negócio ou sejam as suas exigências a fazer frustrar as negociações com o interessado proporcionado pelo mediador. Mesmo que a empresa de mediação se tenha empenhado activamente na busca de interessados na conclusão do negócio, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua actividade comercial.


O que a norma em causa e a cláusula do contrato em causa estabelecem por referência a um momento em que o negócio ainda não se concretizou é apenas o vencimento antecipado da remuneração no caso de o vendedor e o interessado celebrarem um contrato-promessa (um contrato cujo efeito jurídico é a constituição da obrigação de celebração do negócio visado) e o contrato de mediação prever o pagamento da remuneração logo nessa fase.


Na expectativa de que em condições normais e com grande probabilidade ao contrato-promessa se seguirá a celebração do contrato prometido, as partes no contrato de mediação imobiliária podem indexar o pagamento da remuneração (o vencimento) ao momento da celebração do contrato-promessa, apesar do que, se o contrato prometido não vier a ser celebrado, haver casos em que o direito à remuneração se constitui e casos em que ele não chega sequer a constituir-se, daí resultando que o pagamento antecipado se torna supervenientemente inexigível e dever ser repetido».


No caso, como vimos, não houve pagamento antecipado da remuneração, mas as considerações a propósito tecidas neste aresto, valem aqui mutatis mutandis, o que nos reconduz ao nº 2 do art. 19º da Lei nº 15/2013, que estabelece uma exceção à regra assinalada, isto é, uma situação em que a remuneração é devida apesar de o negócio visado não se ter concretizado. Nos termos da norma, a remuneração é devida ao mediador: (i) se as partes tiverem acordado a exclusividade e (ii) o negócio visado no contrato de mediação não se concretizar por causa imputável ao cliente, desde que (iii) o cliente seja o proprietário ou o arrendatário trespassante.


Sobre as consequências da cláusula de exclusividade no regime da remuneração do mediador, refere Higina Castelo3 que esta «…introduz alterações na disciplina da remuneração em dois grupos de situações: - quando é cliente da mediadora o proprietário do bem imóvel ou o arrendatário trespassante, e o contrato visado não se concretiza por causa imputável ao cliente da mediadora, esta tem direito à remuneração independentemente da concretização do contrato visado; - quando o cliente da mediadora infringe a cláusula de exclusividade e celebra o contrato visado com interessado que chegou até si por intermédio de outra mediadora, a mediadora exclusiva tem direito à remuneração, mesmo não tendo contribuído para a realização do contrato, ou seja, mesmo não havendo nexo causal entre a sua actividade e o contrato efectivamente celebrado».


A autora assinala também que enquanto no regime geral do contrato de mediação, a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação e, portanto, não havendo celebração do contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar (balizada apenas, nos termos gerais, perante o terceiro, pelo dever de boa fé nas negociações); já nos contratos celebrados com o proprietário ou com o arrendatário trespassante em que foi “estipulada uma cláusula de exclusividade … o panorama altera-se. Nestes casos, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente (…). A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado)”.


Sublinha ainda a mesma autora que «a aplicação da norma contida no n.º 2 do art. 19 implica a prova da efectiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio)»,


Assim, nas situações previstas no art. 19º, nº 2, da Lei nº 15/2013, a remuneração é devida ainda que o negócio visado não se concretize. Para que esse efeito jurídico seja alcançado é suficiente que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade, que o cliente tenha a qualidade de proprietário ou de arrendatário com intenção de trespassar o imóvel, que o mediador tenha efetivamente realizado a atividade de procura e obtenção de um interessado com o qual o negócio visado podia ser concretizado e que a não concretização deste se deva a causa imputável ao cliente.


Será que no caso em apreço a causa da não concretização do negócio é imputável à ré?


A nosso ver, a resposta é positiva, pelas razões constantes da fundamentação constante da sentença, na qual nos revemos e aqui nos permitimos transcrever:


«(…), extrai-se da matéria de facto dada como assente que BB e a Ré AA acordaram na Cláusula 5ª do contrato promessa uma data para a celebração da escritura pública de compra e venda, a qual teria que realizar-se até ao dia 20 de maio de 2023. Esse limite temporal era do conhecimento da Ré.


Provou-se que, em data não concretamente apurada mas seguramente no mês de Abril de 2023, BB solicitou à comercial da Autora CC informação sobre a legalização administrativa das obras efectuadas no imóvel prometido vender, mais concretamente sobre uma marquise aí construída, bem como a emissão de uma nova licença de utilização do dito imóvel ou documento que comprovasse a sua dispensa.


Resulta assente que, entre Abril de 2023 e a data estipulada para a celebração da dita escritura pública de compra e venda, a comercial da Autora solicitou, várias vezes, à Ré a documentação pretendida pelo promitente comprador e que, em face da inércia desta, teve que ser a própria Autora, pelos seus próprios meios, quem teve que diligenciar pela obtenção de documentação, como seja uma planta do imóvel junto da Câmara Municipal de Cidade 1.


Mais, provou-se que até à data limite para a celebração da escritura pública de compra e venda estabelecida no contrato promessa (20.05.2023), a Ré não facultou toda a documentação pretendida pelo promitente comprador, mais precisamente a certidão de antiguidade do imóvel descrito em 3) dos factos provados que dispensasse a licença de utilização.


Sabia a Ré – porque o promitente comprador disso fez saber a Autora que posteriormente lhe transmitiu – que a obtenção dos documentos relativos à legalização das obras novas, mais concretamente da marquise, supra referidos era importante e determinante para a formação da sua vontade na concretização do negócio e para a outorga da escritura pública de compra e venda.


E, ainda, assim tal não a sensibilizou para a procura de respostas às dúvidas surgidas, nem a motivou para obter a documentação em causa dentro do prazo acordado pelas partes para a celebração do contrato definitivo.


Mais, a Ré recusou-se ainda a facultar o contacto telefónico da sua advogada para que a Autora pudesse esclarecer as dúvidas do promitente comprador quanto à legalização da marquise.


Com efeito, é este comportamento da Ré que vem a contribuir naturalmente para a desconfiança gerada no promitente comprador, que a certa altura manifesta à autora receio em celebrar o negócio de compra e venda, na data, prevista sem ver esclarecidas todas as suas dúvidas – legítimas, diga-se – quanto à regularidade administrativa do imóvel que pretendia comprar.


Saliente-se que é a Ré, na qualidade de proprietária do imóvel, quem se encontrava na posse da documentação pretendida e a quem competia a legitimidade de a conseguir juntos das instituições públicas competentes.


Em nada é passível de alterar este raciocínio quanto à imputabilidade à Ré das causas que levaram à não concretização do negócio definitivo o facto da documentação pretendida pelo promitente comprador ser ou não essencial para a formalização notarial do negócio. Ou seja, em nada altera a responsabilidade da Ré na frustração do negócio que estes documentos pretendidos pelo comprador não fossem requisitos formais para a outorga da escritura pública de compra e venda.


Não se pode confundir a verificação dos requisitos formais do negócio, com a perfeição e eficácia da declaração negocial de ambas as partes, mais concretamente no âmbito da culpa na formação dos contratos, prevista no art. 227º, n.º 1, do Código Civil.


De acordo com este dispositivo legal, quem negocie com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte. Ou seja, sob pena de lhe ser imputada responsabilidade pré-contratual.


Veja-se que da factualidade dada como assente não resulta que o promitente comprador alguma vez tivesse perdido o interesse na realização do negócio de compra e venda, ou que tivesse desistido do negócio. Simplesmente resultou provado que, mesmo após a notificação judicial avulsa remetida pela Ré (cujo conteúdo e termos se desconhece, mas admitindo que visasse a concretização do negócio), não procedeu à marcação de data para celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel objecto dos autos. Tal facto não afasta a possibilidade de BB, promitente comprador, ainda se encontrar a aguardar pela obtenção da documentação que havia solicitado e que viria a esclarecer as suas dúvidas quanto á legalidade administrativa das obras realizadas posteriormente no prédio urbano prometido vender.


Repare-se que da factualidade assente resulta que, nem a Ré, nem BB, até à presente data, resolveram o contrato promessa de compra e venda supra referido.


Dúvidas não podem existir que a Ré não enveredou todos os esforços que estavam ao seu alcance, e que apenas de si dependiam, para tentar realizar a escritura de compra e venda do imóvel supra referido com BB. E que foi a sua inércia que levou à frustração do negócio.


Mas ainda que se entendesse – por mera hipótese apenas – que o comportamento pré-contratual da Ré acima descrito não foi determinante para a frustração do negócio definitivo de compra e venda, sempre teria este Tribunal que considerar que o seu comportamento posterior influiria no mesmo resultado, mas agora pela via de impossibilidade culposa de cumprimento do contrato.


Com efeito, resultou provado que, em 17.07.2024, a Ré vendeu o dito prédio urbano objecto do contrato promessa a terceiras pessoas, mais concretamente a EE casado com FF no regime de comunhão de adquiridos, ambos de nacionalidade alemã e que estes procederam ao registo dessa aquisição pela Ap. 3611, com a mesma data.


Com esta venda do imóvel prometido vender a terceiro que não era parte do contrato promessa, impõe-se considerar que este contrato se mostra definitivamente incumprido, por impossibilidade superveniente culposa, sendo essa impossibilidade da prestação por causa unicamente imputável à Ré, nos termos do art. 801º, n.º 1, do Código Civil.


Nesse contexto, entende este Tribunal que estão preenchidos os requisitos do direito à remuneração da mediadora, aqui Autora, consagrados no n.º 2 do art. 19º, da Lei n.º 15/2013, de 08.02 e, por conseguinte, pode esta reclamar da Ré a remuneração acordada na cláusula 5ª do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, no valor de 5%, calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado (que foi de € 180.000,00), acrescida de IVA à taxa legal de 23%, ou seja, da quantia de € 11.070.00 (onze mil e setenta euros).


Entende-se que esta obrigação tinha prazo certo, que era a data da celebração do contrato promessa de compra e venda – no dia 27.02.2023 – devendo a Ré considera-se em mora nesta mesma data (cfr. art. 805º, n.º 2, alínea a), do Código Civil).»


Não merece censura o entendimento acolhido na sentença recorrida, pois o quadro factual apurado e na mesma evidenciado, aponta inequivocamente no sentido de se dever atribuir a culpa pela não celebração do contrato prometido à ré, a qual deve, por isso, pagar a remuneração devida à autora, como bem se decidiu.


Por conseguinte, o recurso improcede.


Vencida no recurso, suportará a ré/recorrente as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.


Sumário:


(…)


IV – DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


*


Évora, 16 de outubro de 2025


Manuel Bargado (relator)


Sónia Moura


Ricardo Miranda Peixoto


(documento com assinaturas eletrónicas)

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1. Cf. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, pp. 458 e 460/461.↩︎

2. Proc. 12308/21.7T8PRT.P1, in www.dgsi, também citado na sentença recorrida.↩︎

3. In “Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade”, Revista de direito comercial, julho de 2020, p. 1415, disponível in www.revistadedireitocomercial.com.↩︎