Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
47842/24.8YIPRT.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: PERSI
COMUNICAÇÃO
FORMALIDADES
EXTINÇÃO
Data do Acordão: 04/09/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
I. No nº1 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 enunciam-se os quatro fundamentos de extinção (ope legis) do PERSI.

II. Quando ocorre um desses fundamentos de extinção enunciados no nº1 a tarefa informativa do Banco está facilitada já que se tratam de situações aí objectivamente definidas: pagamento ou extinção da dívida, obtenção de um acordo; decurso do prazo de 90 dias subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento ou declaração de insolvência do cliente bancário.

III. A explicitação das “razões da inviabilidade da manutenção do procedimento” só faz sentido quando a extinção do PERSI tenha por fundamento uma das situações em que o Banco decide pôr-lhe termo à luz do disposto no nº2 do artigo 17º.

IV. O cliente bancário visado no diploma em apreço não pode deixar se ser o “homem médio”, i.e. o cliente normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, segundo os acórdãos do TJUE que versam o conceito e a importância do consumidor médio e que é susceptível de ser transposto para este domínio.

V. E, por isso, tal “homem médio” perante a missiva endereçada pelo Banco não poderia deixar de perceber qual o fundamento legal concreto da extinção do PERSI, quais as consequências disso advenientes e as possibilidades que ainda tinha para tentar reverter a situação.

Decisão Texto Integral: 47842/24.8YIPRT.E1

ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

1. Banco ActivoBank, S.A., Autor nos autos supra indicados em que é Ré AA, veio interpor recurso da sentença que julgou “verificada a exceção dilatória inominada decorrente da não verificação da condição objetiva de procedibilidade de prévia integração da R. no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro e regular extinção do mesmo” e, em consequência, absolveu a Ré da instância, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:


A. Em 03/07/2024, o ora Recorrente promoveu injunção, para tanto peticionando uma dívida proveniente de contrato de mútuo, que veio a ser distribuído por ter sido deduzida Oposição, convolando-se o procedimento em Ação Especial de Cumprimento de Obrigações, ao abrigo do DL269/98.


B. A 26/11/2024, cumprindo com o ordenado por despacho de 20/11/2024, o ora Autor respondeu à Oposição deduzida, esclarecendo que que foram cumpridos todos os formalismos legais inerentes ao regime do PERSI, instituído pelo Decreto-lei 227/2012, tendo, para o efeito, junto as cartas enviadas à Ré de integração no regime do PERSI e de extinção deste procedimento.


C. A 31/01/2025 foi o Recorrente notificado da Sentença que julgou verificada exceção dilatória inominada decorrente da não verificação da condição objetiva de procedibilidade de prévia integração da Ré no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, e absolveu a Ré da instância, com a qual não poderá concordar.


D. Vem a Sentença proferida considerar insuficiente o motivo de extinção elencado na carta de extinção de PERSI, considerando insuficiente a menção genérica na carta de extinção da decorrência de 91 dias causar a extinção do dito procedimento.


E. Na missiva enviada à Ré a informar da extinção do procedimento é referido Vimos por este meio informar que, na sequência de terem decorrido 91 dias da integração de V. Exa. no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e permanecendo em mora as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo, consideramos extinto o referido procedimento (*).


F. A dita missiva terá que ser interpretada com a missiva anterior enviada, de informação ao cliente bancário da integração no regime do PERSI, onde é indicado ao cliente bancário os documentos que o mesmo deveria ter facultado ao Banco Recorrente para este poder proceder à análise de uma eventual proposta de regularização, o que a Ré não fez, e ainda, no Anexo II, a explicação adequada relativamente ao regime do PERSI, elencando os motivos pelos quais poderá ser extinto, nomeadamente por falta de colaboração do cliente bancário e pelo decurso de 91 dias.


G. Nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 17º do DL 227/2012, o procedimento extingue-se decorridos 91 dias da data de integração do cliente bancário.


H. Não tendo havido qualquer contacto por parte da Ré, tendo sido explicitado na carta de integração no regime enviada toda a base legal do PERSI tal como os documentos e informação que a mesma deveria ter facultado ao Banco, não restará alternativa a este senão extinguir o procedimento passados os 91 dias.


I. Inexistindo fundamento, neste caso, de realizar uma leitura integrativa do regime, conjugando a alínea c) do nº 1 do artigo 17º com o nº 3 do mesmo artigo.


J. Conforme vários Acórdãos já proferidos por este Tribunal, decorridos que foram os 91 dias previstos no artigo 17.º/1, c), do PERSI, o procedimento considera-se extinto ope legis.


K. E se o cliente bancário estava já informado que o PERSI se extinguia no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo das partes, pode a carta de extinção do procedimento limitar-se a invocar o decurso de tal prazo.


Assim sendo, deverá a sentença proferida ser substituída por outra, decretando o cumprimento dos termos legais do PERSI, nomeadamente que o disposto na carta de extinção é suficiente e se encontra nos termos da lei, estando cumpridos os pressupostos necessários para prosseguimento da ação, devendo a mesma prosseguir.


TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE, ALTERANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA!

2. Contra-alegou a Ré defendendo a manutenção do decidido.

3. O objecto do recurso - delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr.art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639ºe 663º nº2, todos do CPC) ) reconduz-se apenas à apreciação da questão de saber se a carta de extinção do PERSI cumpre os requisitos formais do nº3 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 e do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021, actualmente em vigor e aplicável ao caso.


II. FUNDAMENTAÇÃO

4. É a seguinte a factualidade assente na decisão recorrida tida como relevante para apreciação da questão da (in)observância do PERSI:


“Com relevo para a decisão da exceção de inobservância dos deveres de integração da R. em PERSI e extinção do procedimento, considerando o alegado pela A. (que não foi impugnado pela R.) e os documentos juntos pela A. em 26-11-2024, sob a referência 11193384 (que também não foram objeto de impugnação) consideram-se provados os seguintes factos:


1. Em 15-10-2022, A. e R. celebraram um contrato de crédito pessoal, mediante o qual a A. emprestou à R. a quantia de 12.614,95€, que esta se obrigou a reembolsa em 84 prestações mensais de capital e juros à taxa de 7%.


2. A R. não efetuou o pagamento da prestação que se venceu em 01-07-2023.


3. Em 28-08-2023, a A. dirigiu para a morada da R. constante do contrato referido em 1, uma comunicação com o seguinte teor:


«Assunto: Responsabilidades em incumprimento


N/Ref.: 00271605685DPER


Exmo(a) Senhor(a).


Como é do conhecimento de V. Exa. encontram-se ainda por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo. Face ao exposto, na data de emissão desta carta, foi V. Exa integrado(a) no PERSI Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (*) e está a ser acompanhado por uma Unidade de Recuperação.


No caso de, entretanto, ter já procedido à regularização dos valores identificados, ou estar em curso a formalização de um acordo de pagamento ou de uma proposta de reestruturação, agradecemos que considere esta carta sem efeito. Na eventualidade de não ter condições para regularizar integralmente os valores em atraso, deverá V. Exa, enviar-nos no prazo máximo de 10 dias, a documentação abaixo indicada, comprovativa da sua situação financeira, para que se possa proceder a uma avaliação correta da capacidade financeira de V. Exa. e ponderar pela apresentação de eventual proposta de regularização:


(a) cópia da última certidão de liquidação do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares disponível;


(b) comprovativo do rendimento auferido por V. Exa, nomeadamente a título de salário, remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;


(c) descrição e quantitativo dos encargos que V. Exa, suporta, nomeadamente com obrigações decorrentes de contratos de crédito, incluindo os celebrados com outras instituições de crédito.


Mais informamos que a situação de crédito vencido foi comunicada à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.


Para mais informações agradecemos que contacte os nossos serviços através do número de telefone do Centro de Contactos do Millennium bcp, abaixo indicado, ou através dos canais habituais.


Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no "Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt.". (…)»


4. Em anexo à comunicação referida em 3, a A. remeteu um documento com o seguinte teor:


«Anexo II


2ª via


O PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, criado pelo Decreto-Lei n.º 27/2012, de 25 de outubro, visa promover a regularização de situações de incumprimento através de soluções negociadas entre o cliente bancário e a instituição de crédito.


Negociação de soluções


Nos 30 dias após a integração do crédito em incumprimento em PERSI (data indicada na presente comunicação), a instituição de crédito deve avaliar a capacidade financeira do cliente bancário, propondo-lhe soluções para renegociar o contrato de crédito ou consolidar dívidas, quando tal seja viável.


O cliente bancário deve responder à(s) proposta(s) no prazo de 15 dias, podendo apresentar alterações ou propostas alternativas. A instituição de crédito não está obrigada a aceitar as propostas do cliente bancário.


Garantias do cliente bancário


Durante o PERSI, as instituições de crédito não podem:


• Resolver o contrato de crédito;


• Iniciar ações judiciais contra o cliente bancário;


• Ceder o crédito a outra entidade que não seja uma instituição de crédito, salvo para efeitos de titularização.


Deveres do cliente bancário


O cliente bancário deve colaborar com a instituição de crédito na procura de soluções para a regularização da situação de incumprimento.


Para tal deve respeitar os prazos para disponibilizar os documentos e as informações que lhe sejam solicitados (10 dias) e responder à(s) proposta(s) da instituição de crédito (15 dias).


Extinção do PERSI


O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.


A instituição de crédito pode ainda extinguir o PERSI caso:


–– Verifique não ser viável a apresentação de propostas;


–– Ocorra a penhora, ou seja, decretado arresto sobre bens do cliente bancário;


–– Seja nomeado administrador judicial provisório no âmbito de processo de insolvência;


–– O cliente bancário não colabore durante o PERSI;


–– O cliente bancário ou a instituição de crédito recuse a(s) proposta(s) apresentada(s);


–– O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa direitos ou garantias da instituição de crédito.


A instituição de crédito deve informar o cliente bancário dos fundamentos para a extinção do PERSI.


Mediador do Crédito


O cliente bancário que esteja a incumprir um contrato de crédito à habitação e seja igualmente mutuário de outros contratos de crédito pode beneficiar das garantias do PERSI por um período adicional de 30 dias caso solicite a intervenção do Mediador do Crédito nos 5 dias seguintes à extinção do PERSI. (…)


Rede de apoio ao cliente bancário


Os clientes bancários com créditos em risco de incumprimento ou em atraso no pagamento das suas prestações podem obter informação, aconselhamento e acompanhamento junto da rede extrajudicial de apoio ao cliente bancário, a título gratuito.


A rede de apoio ao cliente bancário é constituída por entidades habilitadas e reconhecidas pela Direção-Geral do Consumidor.


Para mais informações sobre a rede de apoio, consulte o “Portal do Consumidor”, em www.consumidor.pt.»


5. Em 27-11-2023, a A. dirigiu para a morada da R. constante do contrato referido em 1, uma comunicação com o seguinte teor:


«Assunto: Responsabilidades em incumprimento


N/Ref.: 00271605685DEX2


Exmo(a) Senhor(a).


Vimos por este meio informar que, na sequência de terem decorrido 91 dias da integração de V. Exa. no PERSI -Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e permanecendo em mora as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo, consideramos extinto o referido procedimento (*).


Assim, caso se mantenham por regularizar as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro que anexamos, o Banco reserva-se o direito de, verificadas que sejam as condições legais previstas para o efeito conforme informações adicionais - promover pela resolução do(s) contrato(s) e avançar com a execução judicial dos créditos. Sem prejuízo do referido anteriormente, relembramos que ainda poderá contactar a Unidade de Recuperação através do número de telefone do Centro de Contactos do Millennium bcp, abaixo indicado, com vista à regularização extrajudicial das referidas responsabilidades de crédito.


No caso de, entretanto, estar em formalização uma reestruturação com vista à regularização dos valores identificados, agradecemos que considere esta carta sem efeito e aceite as nossas desculpas pelo incómodo.


Informamos que existe uma rede de apoio ao consumidor endividado. As informações sobre esta rede poderão ser consultadas no "Portal do Consumidor, disponível em www.consumidor.pt."


(…)»


6. Do mérito do recurso


Entendeu o Tribunal “a quo” que a comunicação, dando conta à Ré da extinção do PERSI em que havia sido integrada, não satisfez os requisitos legais da obrigação de comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10., tendo, por isso, decidido absolvê-la da instância em consequência da procedência de excepção dilatória inominada.


Defende a apelante que a carta de extinção do PERSI cumpre os requisitos formais do nº3 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 que estatui o seguinte: « A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento”.


Por seu turno o Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021, aplicável ao caso, no seu art.º 9.º que versa sobre a comunicação de extinção do PERSI, determina o seguinte:


A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, os seguintes elementos: a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;


b) Identificação das consequências da extinção do PERSI nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, devendo ser feita, em particular, referência à possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos e explicitadas as condições que, de acordo com o regime jurídico aplicável ao contrato de crédito em causa, têm de estar preenchidas para que a instituição possa proceder à resolução desse contrato;


c) Apresentação de informação sobre as disposições previstas no Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, a respeito do direito à retoma do contrato de crédito, quando esteja em causa um contrato de crédito à habitação;


d) Identificação das situações em que o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito mantendo as garantias associadas ao PERSI;


e) Indicação dos elementos de contacto da instituição através dos quais o cliente bancário pode obter informações adicionais ou negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento.”


Por outro lado, no nº1 do citado art.º 17º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 enunciam-se os quatro fundamentos de extinção (ope legis) do PERSI que são os seguintes:


a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;


b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;


c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou


d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.


Prevê ainda o nº2 que a instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:


a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor;


b) Seja proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;


c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;


d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;


e) O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito;


f) O cliente bancário recuse a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; ou


g) A instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente bancário a proposta anteriormente apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.”.


Será que as formalidades a que deve obedecer a missiva extintiva e que são exigidas no citado Aviso do Banco de Portugal foram cumpridas?


Cremos que sim.


Note-se que tais formalidades contemplam não só as situações enunciadas no nº 1 do artigo 17ºcomo as contempladas no nº2 da mesma norma.


Naturalmente que quando ocorre um dos fundamentos de extinção enunciados no nº1 a tarefa informativa do Banco está facilitada já que aí se elencam, afinal, os fundamentos (automáticos) de extinção do PERSI.


Efectivamente, é o próprio Banco de Portugal que no Portal do Cliente Bancário dedicado ao PERSI ( https://clientebancario.bportugal.pt/pt-pt/gestao-do-incumprimento) explicita o seguinte:


O PERSI extingue-se ainda automaticamente:


Com o pagamento integral dos montantes em dívida;


Com a obtenção de um acordo para a regularização da situação de incumprimento;


No 91.º dia após a integração do cliente bancário, exceto se as partes acordarem na prorrogação deste prazo;


Com a declaração de insolvência do cliente bancário” (realce e sublinhado nosso).


Aliás, não se descortina que explicitação adicional é de exigir ao Banco quando esteja em causa uma das situações aí objectivamente definidas: pagamento ou extinção da dívida, obtenção de um acordo; decurso do prazo de 90 dias subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento ou declaração de insolvência do cliente bancário.


Portanto, a explicitação das “razões da inviabilidade da manutenção do procedimento” só faz , a nosso ver, sentido quando a extinção do PERSI tenha por fundamento uma das situações em que o Banco decide pôr-lhe termo à luz do disposto no nº2 do artigo 17º, mormente nas elencadas nas alíneas c) e e) em que tal exigência se coloca com maior acuidade ( v.g. discriminação dos actos praticados pelo cliente bancário que no entender do Banco são susceptíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da mesma instituição de crédito).


Ora, na missiva dos autos:


- Foi concretamente indicado o fundamento legal que determinou a extinção do procedimento: o decurso do prazo de 91 dias da integração no PERSI mantendo-se em atraso as dívidas enunciadas no quadro anexo à carta .


Trata-se, como dissemos, de um fundamento objectivo e não compreendemos que outra informação adicional seria de exigir no caso:


- Foram explicitadas as consequências da extinção do PERSI após o decurso de um prazo suplementar de 15 dias: resolução do contrato e execução judicial dos créditos.


- A Ré foi informada de que poderia solicitar a intervenção do Mediador do Crédito nos 5 dias seguintes à extinção do PERSI e, nesse caso, beneficiar das medidas do PERSI por um período adicional de 30 dias mantendo as garantias associadas ao PERSI;


- Facultou-se o contacto telefónico da Unidade de Recuperação com vista à regularização extrajudicial da dívida e indicou-se, ainda, o contacto de uma rede de apoio ao consumidor endividado.


Cremos, portanto, que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, não poderia deixar de perceber qual o fundamento legal concreto da extinção do PERSI, quais as consequências disso advenientes e as possibilidades que ainda tinha para tentar reverter a situação.


É que o cliente bancário visado no diploma em apreço não pode deixar se ser o “homem médio”, i.e. o cliente normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, segundo os acórdãos do TJUE1 que versam o conceito e a importância do consumidor médio e que é susceptível de ser transposto para este domínio.


A preocupação – obviamente válida- de tutela dos seus interesses e de garantia dos seus direitos não nos pode fazer cair na tentação de alterar este paradigma.


Em suma: A decisão recorrida não se pode manter.


III.DECISÃO


Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, revogando a decisão recorrida, determina-se o prosseguimento da acção.


Custas pela apelada.


Évora, 9 de Abril 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Ana Pessoa (vencida, conforme declaração infra)


Manuel Bargado


Declaração:


"Não obstante a excelente fundamentação do Acórdão e as válidas razões que do mesmo constam, fiquei vencida por entender que:


I. Para que a comunicação da extinção do PERSI seja eficaz importa que a entidade bancária, para além da invocação do decurso de 90 dias, descreva as razões concretas pelas quais considera que a manutenção do procedimento é inviável.


II. A comunicação da extinção do PERSI constitui condição de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva) consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição da instância.


Por isso, manteria a decisão recorrida."


Ana Pessoa

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1. Processo Lego Juris A/S, com acórdão de 14 de Setembro de 2010 apud Maria Ana Fonseca in “ Do Consumidor Médio” consultável em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/10927/1/10927.pdf↩︎