Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1438/23.0T8BJA.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE
CAUSA DE PEDIR
FACTOS ESSENCIAIS
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - a ação de impugnação da perfilhação tem como objeto a demonstração de que o perfilhante não é o progenitor do perfilhado, de que existe desconformidade entre a verdade jurídica e a verdade biológica;
- a mera suspeita ou a dúvida sobre a paternidade não é facto constitutivo do direito à impugnação da perfilhação;
- sendo a ação de impugnação intentada pelo perfilhante, a alegação de factos que tornem objetivamente duvidoso que ele seja o pai biológico da perfilhada, a par da afirmação da convicção de que não será, consubstancia a alegação dos factos constitutivos do direito à impugnação da perfilhação;
- é que tais factos têm aptidão a colocar em crise, de forma séria e concreta, a verdade formal decorrente do ato de perfilhação, deles emanando a dúvida séria de que o registo esteja feito de acordo com a verdade biológica.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autor: AA
Recorrida / Ré: BB

Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual o A pretende seja declarado que não é pai da R., nos termos do n.º 1 do artigo 1859.º do CC, e que se declare a anulação da perfilhação realizada em 28/11/2003 constante do assento de nascimento n.º ...08 da Conservatória do Registo Civil ....
Alegou, para tanto, que manteve uma relação amorosa de forma esporádica com a mãe da R., nos anos de 2002 e 2003, da qual esta nasceu. Mais alegou o seguinte:
- a mãe da R. comunicou ao A. que estaria grávida;
- no dia 28 de novembro de 2003, a pedido da mãe da R. o A. acompanhou-a à Conservatória do Registo Civil ..., tendo aí declarado ser o pai da então menor;
- à medida que a R. foi crescendo, as suspeitas do A. quanto à paternidade foram-se adensando, em razão de várias pessoas terem comunicado ao A. que muito provavelmente este não seria o pai da R., porquanto a mãe da R. mantinha outros relacionamentos com outras pessoas;
- o Sr. CC, contou ao A. que na altura da gravidez da mãe da R. ter-se-ia envolvido com esta;
- o Sr. DD, primo da mãe da R., disse ao A. que havia possibilidades de a R. não ser sua filha;
- a sua tia EE e a FF comunicaram ao A. dúvidas quanto à paternidade da R;
- em meados de 2021, o A. solicitou à R. a realização de exames de ADN para suprir as suas dúvidas, tendo a R. negado a realização dos mesmos;
- em consequência de a R. se ter negado à realização dos testes de ADN, o A. é obrigado a instaurar a presente ação de impugnação da perfilhação;
- caso soubesse que não era o seu pai biológico, o A. nunca teria aceitado a respetiva perfilhação;
- a dúvida do A. é razoável, não pode viver angustiado eternamente acerca da paternidade quanto à R.
Foi proferido despacho convidando o A “para, querendo, no prazo de dez dias, apresentar petição inicial retificada indicando factos que a provarem-se permitam concluir que a criança não é sua filha, porquanto as dúvidas não são facto constitutivo do direito do autor.”
Foi, então, apresentada nova petição inicial da qual se reiteram os argumentos acima mencionados, mais se alegando que:
- durante o período de conceção a mãe da R. manteve, alegadamente, relações de cópula completa com outros jovens e não só com o A.;
- Sr. CC contou ao A. que a mãe da R. o tinha traído com ele, na altura da conceção da R. e que poderia ser pai da R.;
- ao confrontar a mãe da R. esta desmentiu, manipulando o A. que se encontrava apaixonado por esta naquelas alturas;
- o A. acreditou na mãe da R. e perfilhou a R.;
- A R. não é parecida com o A.;
- a menção de paternidade que consta do assento de nascimento da R., decorrente de perfilhação efetuada em 28/11/2003, não corresponde à verdade pois esta não é filha biológico do A.;
- existe probabilidade de a R. ser fruto de um relacionamento mantido entre a sua mãe e outras pessoas durante o período legal de conceção.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferido despacho indeferindo liminarmente a petição inicial, nos termos do artigo 590.º, n.º 1, do CPC. Nele se enunciaram os seguintes fundamentos:
«Estamos, pois, perante uma ação em que se visa a impugnação da perfilhação, com fundamento em desconformidade entre a verdade jurídica e a verdade biológica, cfr. artigo 1859.º, n.º 1, do Código Civil.
A ação de impugnação da perfilhação corresponde a uma ação constitutiva, porquanto tem por finalidade introduzir uma mudança na ordem jurídica existente, cfr. artigo 10.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Civil
Ora, provar o contrário do que consta do assento de nascimento daquela, resultante de declaração voluntária de perfilhação, e donde se presume a paternidade biológica implica necessariamente que se alegue, e que se afirme perentoriamente, a desconformidade entre a paternidade declarada no registo e a paternidade biológica.
Percorrendo todo o articulado apresentado pelo autor, não identificamos qualquer segmento que traduza alegação inequívoca do autor no sentido de que o mesmo não é pai biológico da ré, resumindo-se a dúvidas resultantes do diz-que-diz-que, e de que a ré não se parece com o autor.
Os factos alegados pelo autor, não permitem concluir que a ré não é sua filha. Na verdade, mais não traduzem do que um estado dubitativo acerca da sua condição de pai biológico. E a dúvida não é, com toda a certeza, facto constitutivo do direito do Autor.»

Inconformado, o A apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que determine o prosseguimento dos autos. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1. O que está em causa, e se coloca em crise no presente recurso, é a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos.
2. O A., ora apelante/recorrente, requereu ao tribunal a quo a impugnação/anulação do ato de perfilhação da ré, constante do assento de nascimento n.º ...08 da Conservatória do Registo Civil ..., em face do resultado do exame pericial, nos termos do n.º 1 do artigo 1859.º do Código Civil.
3. O recorrente nunca se assumiu como pai, simplesmente perfilhou a ré num acto impensado, leviano, de piedade e de complacência.
4. Ora, a menção de paternidade que consta do assento de nascimento da R., decorrente de perfilhação efetuada em 28-1-2002, não corresponde à verdade pois esta não é sua filha.
5. O meio idóneo para o recorrente fazer prova da invocada falta de coincidência entre a verdade registada e a verdade biológica é através de exames hematológicos, tendo a ré negado categoricamente a realização dos mesmos.
6. Conforme Acórdão do Tribunal do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 646/21.3T8VCD.P1, de 04/05/2023, cujo relator é Carlos Portela, disponível em www.dgsi.pt “os exames hematológicos são a prova rainha nas ações de investigação e de impugnação da paternidade, tendo a virtualidade prática de excluir que o réu seja o pai do menor ou de provar, pela positiva, com probabilidade próxima de 100%, que o réu é o pai.”
7. Com efeito, o aqui recorrente requereu ao tribunal a quo a realização de perícia biológica pelo INML, de forma a provar que não é pai da ré. Mas da prova pericial requerida fez o tribunal a quo completa tábua rasa, ignorando completamente.
8. Ora, diz o Tribunal recorrido que “provar o contrário do que consta do assento de nascimento daquela, resultante de declaração voluntária de perfilhação, e donde se presume a paternidade biológica implica necessariamente que se alegue, e que se afirme perentoriamente, a desconformidade entre a paternidade declarada no registo e a paternidade biológica”.
9. Ora, nos presentes autos o que se pretende é demonstrar que o A., ora apelante não é o pai da ré, que apesar de a ter perfilhado, entende não ser seu pai, motivo pelo qual invoca que a declaração que prestou para efeitos de perfilhação não corresponde à verdade biológica.
10. Contudo, esta situação só se confirmará após realização da perícia requerida pelo apelante e não deferida pelo Tribunal a quo.
11. Significa isto, Venerandos Desembargadores, que a demonstração a que se arroga o recorrente só será alcançada após realização da perícia requerida.
12. Face ao exposto, o autor, aqui recorrente, levou para os autos elementos suficientes que permitiriam, após prova pericial, evidenciar aquela verdade.
13. Aplicando à ação de impugnação da perfilhação os princípios gerais do ónus da prova estabelecidos nos artigos 341.º e seguintes do Código Civil, caberia evidentemente ao impugnante, ora apelante, o ónus de demonstrar que o reconhecimento da paternidade contido na declaração não correspondia à verdade, visto ser esse facto, à luz da norma substantiva aplicável (artigo 1859.º, n.º 1, do Código Civil), o elemento constitutivo do direito que o autor se arroga.
14. Acontece que ao não ter sido deferida a prova pericial requerida pelo recorrente, este ficou impedido de provar tal facto, vendo assim o seu direito debelado.
15. A ação de impugnação da perfilhação tem como objeto a demonstração de que o perfilhante não é o progenitor do perfilhado, sendo o fundamento do pedido a desconformidade entre a verdade jurídica e a verdade biológica.
16. O tribunal a quo, com a decisão desacertada que proferiu, impediu que o ora apelante fizesse tal demonstração.
17. Face ao supra exposto não se pode considerar que na petição não constam os factos necessários à elaboração de base instrutória, com deferimento do pedido de prova pericial, seguido de realização de julgamento, tendo andado mal o tribunal a quo ao decidir como decidiu.
18. Pois, ao decidir como decidiu o tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos alegados pelo apelante, violando o princípio do dispositivo e do inquisitório, nos termos do artigo 411.º do Código do Processo Civil, pois a decisão em crise não conheceu do objeto do processo, impondo-se que a mesma seja anulada, devendo o processo prosseguir com as demais consequências legais.
19. Porquanto, para se saber se o apelante é ou não pai da ré bastava a realização do exame pericial que fora requerido, mediante a necessária quesitação.
20. Embora no entender do Tribunal recorrido a causa de pedir assenta na invocação de uma dúvida sob a paternidade da ré, ou seja, ainda que o Tribunal recorrido afirme que as dúvidas resultantes do recorrente são com base no “diz-que-diz e de que a ré não se parece com ele”, na verdade sempre se dirá que não se trata de mera suspeita ou dúvida da paternidade, mas sim no facto de a mãe da ré ter mantido relações sexuais com outras pessoas que precederam o nascimento da filha e tal facto ter sido confirmado por uma das pessoas que mantiveram relações com aquela.
21. Sucede que, salvo melhor opinião em contrário, numa ação judicial, quando se diz que as partes têm de expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir (artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do Código do Processo Civil) é precisamente isso que se quer dizer: elas têm de fazer as precisas afirmações dos factos que, provados, conduzem à constituição do seu direito, designadamente através de prova pericial requerida.
22. É entendimento do recorrente que a ré perfilhada não é sua filha, tendo alegado expressamente que a sua paternidade não corresponde à verdade biológica. Pelo que, inexiste fundamento para indeferimento liminar da petição inicial, pois a procedência da ação apenas depende da prova de tais factos, que é perfeitamente possível através da prova pericial e testemunhal requerida.
23. Segundo Alberto dos Reis por factos constitutivos "entendem-se os factos idóneos, segundo a lei substantiva, para fazer nascer o direito que o autor se arroga contra o réu, isto é, os factos de que depende o êxito da pretensão que o autor se propõe fazer valer, ou, por outras palavras, de que depende a procedência da ação". Ora, o apelante ao requerer a perícia tem o objetivo de fazer valer a sua pretensão, visto que esta é o meio idóneo para fazer valer o pretendido.
24. Pelo que errou o Tribunal ao decidir como decidiu, porquanto ao ter indeferido liminarmente a petição inicial, não se pronunciando sobre a perícia requerida pelo aqui recorrente, denegou um direito ao apelante, nomeadamente o direito de se certificar se é ou não pai da ré, bem como o direito à identidade pessoal, consagrado constitucionalmente.
25. Pelo exposto, deveria o Tribunal recorrido julgar procedente a pretensão do aqui recorrente, procedente à citação da ré para querendo contestar e deferindo a perícia requerida pelo apelante, pois entende o recorrente que os factos essenciais que servem de fundamento ao pedido e à causa de pedir são suficientes, pois a procedência da ação apenas depende da prova de tais factos, que é perfeitamente possível através da prova pericial.
26. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação, nomeadamente, o disposto nos artigos 341.º, 342.º, 388.º, 392.º, 1859.º, todos do Código Civil e 410.º e seguintes, 552.º, n.º 1, alínea d) e 590.º, todos do Código do Processo Civil.»

Cumprido o disposto no artigo 641.º/7, do CPC, apresentou-se a Ré a contra-alegar, pugnando pela improcedência do recurso, por falta de fundamento avançando nada ter a obstar à realização de exame hematológico.

Cumpre apreciar se existe fundamento para indeferimento liminar da petição inicial por falta de causa de pedir.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar
Aqueles que se mostram acima enunciados.

B – A questão do Recurso
A falta de causa de pedir implica na ineptidão da petição inicial que, por sua vez, a carreta a nulidade do processo, consubstanciando exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que, em sede de apreciação liminar, conduz ao indeferimento liminar da petição – cfr. artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 577.º, alínea b) e 590.º/1, do CPC.
Por via do princípio do dispositivo consagrado no artigo 5.º do CPC, “a iniciativa do processo e a conformação do respetivo objeto incumbem às partes; pelo que – para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respetivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de ação proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida.”[1]
Na verdade, ao demandante cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir – artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Temos, por um lado, os factos essenciais nucleares, aqueles que identificam ou individualizam o direito que se pretende exercer. Outros há que, “não desempenhando tal função, se revelam, contudo, imprescindíveis para que a ação proceda, por também serem constitutivos do direito invocado”[2] – são os factos essenciais complementares. “A falta destes últimos revelará uma petição deficiente ou insuficiente, a carecer de convite ao aperfeiçoamento que permita suprir as falhas da exposição ou da concretização da matéria de facto.”[3]
A causa de pedir consiste no facto jurídico de que procede a pretensão deduzida (artigo 581.º/4, do CPC), cumprindo ao autor que invoca a titularidade de um direito alegar os factos cuja prova permita concluir pela existência desse direito. Acolhida que foi, no nosso ordenamento jurídico, a teoria da substanciação, cabe ao autor “articular os factos dos quais deriva a sua pretensão, constituindo-se o objeto do processo e, por arrastamento, o caso julgado apenas sobre os factos integradores dessa concreta causa de pedir. (…) A causa de pedir, servindo de suporte ao pedido, é integrada pelos factos (por todos os factos) de cuja verificação depende o reconhecimento da pretensão deduzida, nos termos dos artigos 5.º, n.º 1 e 552.º, n.º 1, alínea d) (…).”[4]
Quando a narração fáctica inserta na petição inicial não permite alcançar qual é o fundamento de facto da pretensão de tutela jurisdicional formulada, não se identificando o tipo legal em que se alicerça o pedido por ter sido omitida a alegação de factos essenciais nucleares cuja função é a de individualizar a causa de pedir, ocorre ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir. Se a alegação, embora deficiente por ter sido omitida a alegação de factos complementares ou concretizadores que relevam para a procedência da ação, permite essa identificação, resultando dela a individualização da causa de pedir, a petição inicial não enferma de ineptidão, reclamando antes a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento fáctico do articulado, conforme previsto no artigo 590.º, n.º 4, do CPC.[5]
Na presente ação que corre termos sob a forma de processo comum, o A. pretende impugnar o ato de perfilhação por si feita em favor da R..
Nos termos do disposto no artigo 1859.º/1, do CC, a perfilhação que não corresponda à verdade é impugnável em juízo mesmo depois da morte do perfilhado.
“A ação de impugnação da perfilhação tem como objeto a demonstração de que o perfilhante não é o progenitor do perfilhado, sendo o fundamento do pedido a desconformidade entre a verdade jurídica e a verdade biológica. Aqui não bastam as dúvidas – haverá que alegar, para posteriormente demonstrar, factos dos quais resultem que o perfilhante não é o pai biológico.”[6]
É certo que a mera suspeita ou a dúvida sobre a paternidade não se traduz na afirmação de qualquer direito, pois a dúvida não é facto constitutivo do direito.[7]
Porém, sendo a ação de impugnação intentada pelo perfilhante, a alegação de factos que tornem objetivamente duvidoso que ele seja o pai biológico da perfilhada, a par da afirmação da convicção de que não será, não consente o indeferimento liminar da petição inicial por ineptidão decorrente de falta de causa de pedir. É que, em regra, a situação factual concreta não há de permitir que o perfilhante que se tenha relacionado intimamente com a mãe do perfilhado no período legal de conceção possa afirmar, com certeza absoluta, não ser o pai biológico do perfilhado.
No caso em apreço, vem alegado que, à medida que a R. foi crescendo, veio o A. a ser confrontado com a possibilidade de não seria o pai da R., porquanto veio a saber que a mãe da R. manteve outros relacionamentos com outras pessoas, designadamente com CC; que a mãe da R., posta ao corrente dessa hipótese, recusou a realização de exames hematológicos pretendidos pelo A.; que durante o período de conceção a mãe da R. manteve relações de cópula completa com outros jovens e não só com o A.; a menção de paternidade que consta do assento de nascimento da R., decorrente de perfilhação efetuada em 28/11/2003, não corresponde à verdade, pois esta não é filha biológico do A..
Perante tal relato factual, bem se compreende que o A. não alegue, de forma perentória, desde logo sob pena de poder incorrer em litigância de má-fé, que não é o pai biológico da R..
Contudo, aquele enquadramento circunstancial consubstancia a alegação dos factos constitutivos do direito à impugnação da perfilhação, na medida em que têm aptidão a colocar em crise, de forma séria e concreta, a verdade formal decorrente do ato de perfilhação, deles emanando a dúvida séria de que o registo esteja feito de acordo com a verdade biológica. Perante tais factos, desde logo razões atinentes ao interesse público de que a verdade decorrente do ato de perfilhação se coadune com a verdade biológica, concedem ao perfilhante o direito à impugnação da perfilhação.[8]
Termos em que se conclui no sentido da procedência das conclusões da alegação do presente recurso.

As custas recaem sobre a Recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que revoga a decisão recorrida, determinando-se a prossecução dos ulteriores termos do processo, se nenhum outro fundamento a isso não obstar.

Custas pela Recorrida.

*

Évora, 9 de maio de 2024
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Cristina Dá Mesquita
Rosa Barroso

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[1] Lopes do Rego, O Princípio do Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Feitas, vol. I, pág. 789.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 2.ª edição, pág. 30.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Pires de Sousa, ob. cit., pág. 30.
[4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Pires de Sousa, ob. cit., pág. 26.
[5] Seguindo de perto o exarado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Pires de Sousa, ob. cit., págs. 233 e 630.
[6] Ac. do TRP de 04/05/2023 (Carlos Portela).
[7] Cfr. Ac. do TRL de 25/05/2017 (Pedro Martins).
[8] Neste sentido, cfr. Ac. do TRL de 03/12/2013 (Luís Espírito Santo).