Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO JOÃO LATAS | ||
Descritores: | FURTO AUTORIA ALTERAÇÃO DOS FACTOS PROVA INDIRECTA OU CIRCUNSTANCIAL | ||
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Data do Acordão: | 10/24/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO UM DOS RECURSOS | ||
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Sumário: | I - Nas hipóteses em que o sentido da decisão do tribunal a quo sobre factos relevantes para a decisão da causa se encontre inequivocamente expresso noutras partes da sentença, a falta de enumeração desses factos na parte da sentença expressamente mencionada para o efeito no art. 374º nº2 do CPP (“enumeração dos factos provados”), não constitui nulidade de sentença que importasse suprir, mas antes imperfeição da sentença, sem consequências de ordem processual. II - São distintos a ação de entrar no estabelecimento e dali retirar tabaco, juntamente com o coarguido, e o ato de ficar fora do estabelecimento para avisar o coarguido se alguém se aproximasse, pelo que o tribunal a quo condenou o ora recorrente por factos diversos dos descritos na acusação sem dar cumprimento ao disposto no art. 358º do CPP, incorrendo na nulidade de sentença prevista no art. 379º nº 1 b) do CPP, de que se impõe conhecer oficiosamente, conforme entendimento jurisprudencial maioritário que sufragamos. III - Todavia, da verificação daquela nulidade não decorre necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância, mesmo quando o tribunal de recurso não pode supri-la, como sucede in casu, pois temos entendido que ainda que declare nula a sentença, o tribunal da Relação deve conhecer do objeto do recurso sempre que tal for possível sem preterição efetiva do duplo grau de jurisdição, por aplicação subsidiária do disposto no art. 665º nº1 do N.C.P.Civil (que corresponde ao artigo 715º do CPC revogado), ex vi do art. 4º do CPP. IV - No âmbito da prova indireta, a certeza sobre os factos indiretos ou instrumentais é essencial para a validade das inferências lógicas neles assentes. Deduções retiradas de factos de ocorrência duvidosa não podem conduzir à certeza processualmente exigível à luz dos princípios da culpa e da presunção de inocência, aqui incluído o princípio in dubio pro reo. Sumariado pelo relator | ||
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Decisão Texto Integral: | Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1. – Nos presentes autos que correram termos na Secção Criminal (J1) da Instância Local de Portimão da Comarca de Faro, foram acusados em processo comum com intervenção do tribunal singular PC, nascido a 18.05.1992, solteiro, e AR, nascido a 15.11.1992, solteiro, imputando-lhes, a prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do CPenal. 2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, o tribunal singular decidiu: 1) Condenar o arguido PC, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.ºs 1 e 2, 204.º, n.º 2, al. e), do C.Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, não substituída; 2) Condenar o arguido AR, pela prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.ºs 1 e 2, 204.º, n.º 2, al. e), do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de 2 anos. 3. – Inconformados, ambos os arguidos recorreram da sentença condenatória. 3.1. O arguido PC extrai da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: «IV) CONCLUSÕES: a) Vem o presente recurso, interposto da douta Sentença proferida, na qual o arguido PC foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º/1/2, 204.º /2 alínea e), ambos do C.P. b) Porquanto, face à factualidade dada como provada, bem como dos demais elementos constantes dos autos e do Direito aplicável, deveria a pena a aplicar ao Recorrente, ter sido suspensa na sua execução. c) O douto Tribunal a quo fundou a sua convicção na conjugação de todos os meios de prova produzidos, nomeadamente, nas declarações dos arguidos, no depoimento da testemunha CB, no depoimento das testemunhas JA e P, no depoimento da testemunha AM, nos documentos juntos aos autos, entre os quais, o auto de apreensão, listagem, facturas, fotografias, registo criminal dos arguidos, e cópia da sentença proferida nos autos de processo n.º 586/13.0GDPTM relativa ao arguido PC, à luz das regras da lógica e da experiência comum. d) É referido na douta Sentença, que na determinação da medida da pena, foram atendidos os critérios previstos nos artigos 40.º e 71.º, ambos do Código Penal. e) Contudo, não foram atendidos os critérios enunciados no artigo 71.º/2 alíneas c), d) e e) do CP., designadamente os sentimentos manifestados no cometimento do crime, fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, bem como, da conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando destinada a reparar as consequências do crime. f) Porque, não foi realizado Relatório Social para aferir das condições pessoais do Recorrente, documento essencial à correcta determinação da concreta sanção a aplicar, porque só através deste pode o Tribunal a quo obter uma visão actualizada da personalidade, condições de vida do Recorrente. g) Não se mostrou valorado o depoimento da testemunha CB, na parte em que a mesma refere, que o ora Recorrente, voltou a frequentar o Café, dias depois da ocorrência dos factos, mostrando-se arrependido. h) Bem como, não foi valorado o facto do ora Recorrente, se encontrar a trabalhar, inserido na comunidade, ter apoio familiar, ter 23 anos de idade à data dos factos, ter um filho menor a seu cargo, e ter acabado recentemente um curso de informática. i) Para além, de estar a cumprir todas as medidas impostas na suspensão da pena de prisão, em que foi condenado nos autos de processo n.º 586/13.0GDPTM, e desde Dezembro de 2015, ter apresentado bom comportamento. j) Ora, a aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, em caso algum, a medida da pena ultrapassar a medida da culpa (cfr. dispõe o artigo 40.º do CP.) k) A medida da pena tem como primeira referência a culpa, funcionando depois, num segundo momento mas ao mesmo nível, a prevenção. l) A prevenção constitui um fim relevando para a determinação da pena necessária, em função da maior ou menor exigência do ponto de vista preventivo, acabando por fornecer, em último termo, a medida da pena. m) A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o Tribunal atender, em concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. n) Logo, deverá o Tribunal considerar não só os elementos que contra o agente existem, mas antes fazer uma ponderação entre os que se encontrem a favor e contra ele. o) Ora, o douto Tribunal a quo não determinou a elaboração do Relatório Social, o que podia ter feito, em qualquer altura, razão que o levou a decidir sem conhecer a personalidade do arguido, ou as suas condições de vida, omissão que em vez de o prejudicar, deveria ter beneficiado. p) Também poderia ter condicionado a suspensão da pena, subordinando-a a deveres e regras de conduta, com regime de prova, conforme dispõem os artigos 51.º, 52.º e 53.º, todos do CP., porém optou por não o fazer. q) Conforme tem sustentado a doutrina, a suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição. Tal como acontece em relação à generalidade deste tipo de penas, o Tribunal deverá optar pela sua aplicação sempre que verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revele adequada e suficiente às finalidades da substituição. r) Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o Julgador tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico. s) Para esse efeito, é necessário que o Julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao cumprimento do arguido. t) A suspensão da execução da pena depende da verificação cumulativa de dois pressupostos, pressuposto formal que exige que a pena de prisão aplicada não seja superior a cinco anos, e o pressuposto material, que consiste num juízo de prognose favorável. u) No presente caso, verifica-se a existência do pressuposto formal, e do pressuposto material, pois, a favor do ora Recorrente, atenuando as exigências de prevenção especial, releva o facto de, este quanto à segunda condenação, ter estado a cumprir as medidas que lhe foram impostas com regime de prova, tendo sido observado bom comportamento após Dezembro de 2015. v) E assim, verificando-se que as sucessivas penas de que foi alvo foram suficientes para que se mantivesse afastado da prática de novos crimes, pelo menos a partir de Dezembro de 2015, é suficiente para realizar as finalidades da punição. w) O ora Recorrente, tomou finalmente consciência não só de que não poderá cometer novos crimes, como terá de orientar a sua conduta no respeito pelos valores do direito. x) Sendo que, a medida adequada a afastar o ora Recorrente, da criminalidade será a suspensão da pena de prisão, pois só essa possibilitará a reintegração deste na sociedade, e não, a pena de prisão efectiva, que só virá a agravar a sua sociabilização para com a comunidade em geral. y) Saliente-se que o ora Recorrente, foi condenado a uma pena de prisão de duração relativamente curta, sendo certo que o instituto da suspensão nasceu para evitar o cumprimento deste tipo de penas, dado a pena de prisão, envolver grande perigo de contágio com maus elementos e causar degradação social irreparável. z) A suspensão da pena não é mera faculdade do Tribunal, mas um poder -dever, ou seja, um poder vinculado do Julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena sempre que se verifiquem os supra referidos pressupostos. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente Recurso merecer provimento e, em consequência, ser a douta Sentença proferida, ora recorrida, revogada e substituída por outra, que condene o arguido, ora Recorrente, numa pena de prisão, suspensa na sua execução.» 3.2. Por sua vez, o arguido AR extrai da sua motivação as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES: 1.O Tribunal a quo alicerçou a prova dos pontos 1, 2, 3 e 4 da decisão da matéria de facto, na parte referente à intervenção do recorrente nos factos em julgamento, nos depoimentos dos militares da GNR, JA (depoimento gravado no ficheiro áudio de 15/02/2017, de 10:14:14 a 10:28:52) e P (depoimento gravado no ficheiro áudio de 15/02/2017, de 10:29:36 a 10:43:01). 2. No entanto, a ponderação de ambos os referidos depoimentos, evidenciam que não foi produzida prova segura de que o recorrente tenha tido qualquer intervenção nos factos que constavam na acusação. 3. Assim, os excertos de prova gravada das referidas testemunhas, que se deixaram transcritos em sede de motivação de recurso, impunham, face às sérias dúvidas que suscitam, fossem os referidos pontos da decisão de facto, na parte relativa à intervenção do recorrente nos factos descritos na acusação, dados como não provados, o que se requer. 4. O Tribunal a quo alicerçou a prova do ponto 2 da decisão da matéria de facto, na parte referente à marca, quantidade e valor dos bens furtados, no depoimento CB, cujo depoimento se encontra gravado no ficheiro áudio de 15/02/2017, de 09:55:25 a 10:13:16. 5. Porém, a ponderação do referido depoimento, nos excertos transcritos em sede de motivação de recurso, impunha, ao invés, fosse dado como não provado o mencionado ponto de facto, na parte referida. 6. Face ao referido de 1. a 3. destas conclusões, e ao abrigo do princípio in dúbio pro reo, deveria ter sido proferida decisão absolvendo o recorrente da prática do crime em que foi condenado. Subsidiariamente; 7. Face ao referido em 4. e 5. das conclusões, e de acordo com o princípio in dúbio pro reo, deveria ter sido proferida decisão absolvendo o arguido da prática de um crime de furto qualificado (ex vi nº 4 do artigo 204º do Código Penal), antes subsumindo os factos ao crime p. e p. no artigo 203º do C.P, ou seja, crime de furto na sua forma simples. 8. Ao assim não decidir, salvo o devido respeito, não fez o Tribunal a quo, a melhor aplicação do disposto nos artigos 203º, nº 1, 204º, nº 2, alínea e), e nº 4 do artº 204 do Código Penal. Por todo o exposto, e pelo mais que Vªs. Exas, doutamente, suprirão, deverá ser revogada a sentença recorrida e, em sua substituição, proferir-se outra que absolva o arguido ou, assim não se entendendo, que o condene pela prática de um crime de furto na sua forma simples.» 4. – Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou resposta a ambos os recursos pugnando pela sua improcedência. 5.- Nesta Relação, a senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido. 6. – Notificado da junção daquele parecer, os arguidos nada acrescentaram 7. – Transcrição parcial da sentença recorrida: «Factos provados: 1. No dia 08 de Dezembro de 2015,pelas 01h20m, os arguidos, em conjugação de vontades e de esforços e na execução de um plano previamente acordado entre si, dirigiram-se ao estabelecimento comercial “Café Fórum”, propriedade de CB, sito …em Lagoa, com a intenção de se introduzirem no mesmo e de se apoderarem de bens e valores que ali encontrassem. 2. Ali chegados, na execução de tal propósito, enquanto o arguido AR ficou no exterior, o arguido PC introduziu-se no referido estabelecimento, através de uma janela junto à porta de entrada, que se encontrava destrancada, e dali retirou os seguintes artigos, tudo no valor total de 242,68 euros: - 10 maços de tabaco da marca “Mark 1 American Blend”, no valor de 37,44 euros; - 2 maços de tabaco da marca “Mark1 American Blend 100´s”, no valor de 7,48 euros; - 10 maços de tabaco da marca “Mark 1 Gold”, no valor de 37,44 euros; - 10 onças de tabaco da marca “Amber Leaf, no valor de 61,44 euros; e - 10 onças de tabaco da marca “Golden Virginia”, no valor de 98,88 euros 3. Em seguida, o arguido dirigiu-se à caixa registadora, mas accionou o alarme, pelo que saiu do Café, levando consigo o tabaco dali retirado e entregou uma parte ao arguido AR. 4. Os arguidos quiseram fazer seus, como fizeram, os maços e as onças de tabaco, que pertenciam a CB, bem conhecendo o carácter alheio dos mesmos e sabendo que agiam sem o conhecimento e contra a vontade da sua legítima proprietária. 5. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 6. O arguido PC já foi condenado: - por sentença proferida em 06.06.2013, pela prática de um crime de coacção de eleitor na forma tentada, um crime de burla informática e um crime de furto simples, na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de 5 euros (por factos praticados em 02.05.2012); - por sentença proferida em 01.12.2014, e transitada em julgado em 13.01.2015, pela prática de dois crimes de roubo, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, acompanhada de regime de prova. 7. O arguido PC trabalha com o seu pai, na venda de peixe, auferindo quantias variáveis, na ordem dos 300 euros mensais; vive com os seus pais, em casa destes; acabou recentemente um curso de informática; tem o 9.º ano de escolaridade. 8. O arguido AR não tem antecedentes criminais. 9. O arguido AR está a trabalhar na área da desinfestação, desde há cerca de um ano, auferindo o valor do salário mínimo nacional; vive em casa arrendada, pagando a renda mensal de cerca de 100 euros; tem o 12.º ano de escolaridade. Factos Não Provados: Nenhum outro facto com relevo para a decisão se apurou, designadamente que: 1. O arguido AR também entrou no estabelecimento e dali retirou o tabaco. I b) Fundamentação da Convicção do Tribunal Sendo certo que, salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova, nos termos do art.º 127.º do CPP, deve ser apreciada no seu conjunto segundo as regras da experiência e segundo a livre convicção do julgador, foram os seguintes os meios de prova nos quais o Tribunal fundou a sua convicção quanto à factualidade apurada: 1. Declarações dos arguidos: os quais exerceram o seu direito de não prestarem declarações a respeito dos factos que lhes foram imputados. Esclareceram, porém, sobre a sua situação pessoal, o que, por coerente, foi valorado. 2. Depoimento da testemunha CB: proprietária do estabelecimento comercial dos autos, a qual, não tendo presenciado os factos, esclareceu que nessa madrugada recebeu uma chamada dando conta de ter sido accionado o alarme no interior do Café, pelo que logo ali se deslocou. Verificou, em seguida, que lhe faltava tabaco, tendo feito, na altura, uma relação do tabaco que lhe tinha sido subtraído, de valor superior a 100 euros, que entregou, juntamente com as facturas da respectiva compra, à Polícia. Mais esclareceu que o intruso só pode ter entrado por uma janela de correr, a qual, além de fechada, costumava ficar trancada por dentro, através da colocação de um pau no caixilho inferior, mas que, como constatou, tinha sido dali retirado, vindo a ser encontrado no wc, pelo que alguém ali esteve com o intuito de tirar esse pau para permitir a entrada. Esclareceu ainda que, tendo visto as imagens gravadas pelo sistema de videovigilância, onde apenas aparece um indivíduo, a movimentar-se ao balcão e a aproximar-se da caixa registadora (altura em que se accionou o alarme), reconheceu o casaco do intruso, quando o mesmo deambula pelo interior do Café com a luz do telemóvel a servir de lanterna. Trata-se de um casaco de cor encarnada, com os dizeres “Chicago”, que já tinha visto o arguido P usar. A testemunha depôs de modo coerente e sem suscitar reservas a respeito da sua isenção, tendo merecido credibilidade para o apuramento dos factos. 3. Depoimento das testemunhas JA e P: Militares da GNR, os quais, na sequência do accionamento do alarme no Café dos autos, estando de patrulha às ocorrências, para ali se dirigiram. Ao chegarem, a testemunha P viu dois indivíduos a fugir, um deles seguindo mais à frente do que o outro, tendo acabado por ir atrás de um deles, dado o seu comportamento suspeito e a proximidade do dito café. Vieram a interceptá-lo num local onde o mesmo não tinha saída, apurando tratar-se do arguido PC, a quem viram ainda jogar uns objectos para baixo de uma viatura. Foram ver o que era e constataram tratar-se de maços de tabaco, da mesma marca que a ofendida veio a dar pela falta. O arguido trazia na mão uma camisola de cor encarnada (que lhe foi apreendida por corresponder à camisola perceptível nas imagens de videovigilância). Em seguida, viram o outro indivíduo, que ficara a espreitar, e chamaram-no ali, o que o mesmo acatou, tendo também em seu poder alguns maços do mesmo tabaco. As testemunhas depuseram de modo coerente e sem suscitarem reservas a respeito da sua isenção, tendo merecido credibilidade para o apuramento dos factos. 4. Depoimento da testemunha AM: Amiga da ofendida, a qual costumava ajudá-la no Café, esclarecendo que, na data dos autos, foi ela quem fechou o estabelecimento, tendo tido o cuidado de fechar a porta e de ligar o alarme. Em seguida foi para casa, recordando-se de ter passado, nessa ocasião, pelos dois arguidos, que ali estavam à conversa, e que tinham estado antes no dito Café, sendo que o arguido P envergava uma camisola/casaco de cor vermelha dos “Chicago Bulls”, que lhe chamou a atenção. Ao saber do que se tinha passado deslocou-se ao Café, tendo então encontrado, no interior de uma das casas de banho, o pau que era usado para trancar a janela. A testemunha depôs de modo coerente e sem suscitar dúvidas a respeito da sua isenção, tendo sido valorado o seu depoimento para o apuramento dos factos. 5. Documentos: autos de apreensão, de fls 16 e 17, frente e verso; listagem indicada a fls 70 verso; facturas de fls 72 e 73; reportagem fotográfica, de fls 79/80; relatório de inspecção com reportagem fotográfica, de fls 84 a 87; CRC dos arguidos e cópia da sentença proferida no Proc. n.ª 586/13.0GDPTM. Os factos dados como provados resultam da conjugação entre todos os meios de prova produzidos, devidamente avaliados à luz das regras de experiência e da normalidade do acontecer, que os confirmam. O facto dado como não provado resulta do sentido contrário da prova produzida, uma vez que as imagens registadas dos factos apenas atestam a presença, no interior do estabelecimento, do arguido PC. Ora, tendo a testemunha AM confirmado ter visto ambos os arguidos junto ao estabelecimento quando a mesma encerrou o Café; tendo sido ambos detectados pela GNR em fuga; e tendo ambos o arguidos tabaco que pertencia à ofendida, tudo valorado é legítimo concluir que o arguido A. participou nos factos em apreço, tendo ambos dividido papéis numa actuação em conjunto, tendo o arguido P. entrado no estabelecimento, e o arguido A., ficado no exterior, para avisar o arguido P caso alguém se aproximasse. Mais decorre da factualidade directamente apurada que, quem assim age, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, o faz de modo livre, deliberado e com consciência dos seus actos, não podendo desconhecer que tal actuação é proibida e penalmente punida, revelando-se legítimo ainda concluir, dos factos apurados, que ambos agiram de modo concertado entre si, em execução conjunta de um mesmo plano a que ambos aderiram. II – ENQUADRAMENTO JURÍDICO: Vieram os arguidos acusados pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, porquanto, de comum acordo e em conjunto, ter-se-iam dirigido ao Café dos autos e, entrando por uma janela, dali retiraram e fizeram seus, alguns maços e onças de tabaco, de valor superior a 102 euros. Em conformidade com a previsão incriminadora do art.º 203º do Código Penal, pratica o crime de furto “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia”. A pena aplicável é de prisão até 3 anos ou pena de multa. Porém, nos termos do disposto no art.º 204.º, n.º 2, al. e) do CPenal, quem furtar coisa móvel alheia, penetrando em estabelecimento comercial, por escalamento (que corresponde à introdução naquele espaço por local não destinado normalmente à entrada, como sucede com as janelas), é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos. O bem jurídico protegido pelo crime em análise é a propriedade, embora se possa afirmar que o mesmo também a tutela a detenção ou a mera posse de bens móveis. Objectivamente, constituem elementos do crime de furto: a subtracção de coisa móvel alheia, devendo, ainda, referir-se um elemento implícito, o valor patrimonial. Constitui circunstância qualificativa deste tipo de ilícito penal, no que ao caso interessa, a entrada num estabelecimento comercial, através de escalamento, já que se tratou de entrar no interior de um Café, através de uma janela. A proposição – subtracção de coisa móvel alheia - é composta por vários elementos: i) coisa, cuja definição consta do art. 202º do Cód. Civil; ii) móvel, conceito ligado à corporeidade; iii) alheia, uma vez que integra toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa distinta daquela que pratica a infracção; iv) e subtracção, que implica a eliminação do domínio do facto que outrem detinha sobre a coisa. A subtracção não se esgota na mera apreensão da coisa móvel alheia, essencial é que o agente a subtraia da posse alheia e a coloque à sua disposição ou disposição de outra pessoa. É assim, composta por dois elementos, a quebra de uma detenção originária e a constituição de uma nova detenção por parte do agente. A consumação do crime, dá-se assim, com a entrada da coisa móvel alheia furtada na esfera patrimonial do agente ou de outra pessoa. Subjectivamente, o crime de furto é um crime doloso (art. 14º do Cód. Penal) e traduz-se no conhecimento de que a coisa móvel é alheia e na vontade de a subtrair. Acresce-lhe ainda um elemento especial da ilicitude, que se traduz na intenção do agente se apropriar da coisa, contra a vontade do seu proprietário ou detentor, integrando-a na sua esfera patrimonial ou na de outra pessoa. Ora, ficou provado que, na madrugada dos autos, os arguidos dirigiram-se ao estabelecimento comercial “Café Fórum”, que se situa …, em Lagoa, tendo o arguido PC entrado no interior daquele estabelecimento, através de uma janela que conseguiu abrir, por ter sido, em momento anterior, removido, por alguém, um pau que estava enfiado no caixilho inferior, a trancar a janela. Ali entrado, o arguido dirigiu-se ao local onde estava guardado o tabaco que a proprietária tinha para venda, e dali tirou 22 maços e 20 onças de tabaco, num total de 242,68 euros. Em seguida, depois de se dirigir à caixa registadora, sem êxito, saiu do local, em poder daquele tabaco, tendo repartido o mesmo com o arguido A., que ficara no exterior, de “atalaia”, para o avisar se vinha alguém. Os arguidos, em conjunto, mediante divisão de funções e na execução de um plano comum, o de se apoderem de bens com valor que ali encontrassem (agindo em co-autoria, cfr. art.º 26.º do CPenal), subtraíram tabaco, no valor de 242,68 euros, que pertencia à ofendida (coisa móvel alheia, de valor não insignificante), que se encontrava no interior de um estabelecimento comercial, onde um deles entrou, através de uma janela (penetrando no interior do estabelecimento comercial por escalamento). Mais se apurou que ambos agiram como foi de sua vontade, a qual foi livre e esclarecidamente formada, sem que pudessem, ademais, desconhecer que aquela conduta era proibida e punida por lei, pelo que agiram com dolo. Nestes termos, verificando-se o preenchimento de todos os elementos constitutivos deste tipo penal, impõe-se a condenação dos arguidos pela sua prática, como se decide fazer. DAS PENAS: Subsumidos os factos ao direito importa seguidamente determinar a espécie e a medida da pena aplicável a cada arguido. Os parâmetros fixados pelo legislador no que refere à operação de determinação da pena encontram-se consignados nos art.sº 71.º e 40.º do CPenal: por um lado, as exigências de prevenção geral e especial (atendíveis como limiar a partir do qual já se justifica e impõe uma punição) e, por outro, a culpa do agente (atendível como limite máximo da pena aplicar). Quando ao crime sejam aplicáveis, alternativamente, uma medida privativa e uma medida não privativa da liberdade, o Tribunal deverá dar preferência à segunda, sempre que esta proteja adequadamente os bens jurídicos e permita a reintegração do agente na sociedade (cfr. art.º 70.º do Código Penal). Este tipo penal, porém, é punido apenas com pena de prisão, ainda que balizada, no seu limite máximo, em consequência da aplicação do instituto consagrado no art.º 16.º, n.º 3 do CPP, nos 5 anos de prisão. Ora, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos, encerrando um fim de prevenção geral – de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida – e de prevenção especial, com vista à reintegração do agente na sociedade. A pena não poderá, porém, ultrapassar a medida da culpa, sendo que esta é o ponto de referência que o julgador não poderá transpor. Nos termos do art. 71º, n.º 1 do C. Penal, na determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra os agentes do crime. No caso vertente, as necessidades de prevenção geral situam-se num nível elevado, atendendo o número significativo de crimes desta natureza e o incremento do sentimento de insegurança que vem grassando nos centros urbanos. Quanto à prevenção especial, serão pouco significativas, no caso do arguido AR, uma vez que o mesmo não regista condenações anteriores e mostra-se socialmente inserido. Já no caso do arguido P a conclusão será diversa, atendendo ao seu percurso criminal anterior. São, pois, elevadas as necessidades de prevenção especial, pois que regista o mesmo condenações anteriores pela prática de um crime de furto e dois crimes de roubo, sem que as ditas condenações o tivessem demovido de prosseguir na sendo do crime, ademais, contra o mesmo bem jurídico. Tendo em consideração o modo de entrada no estabelecimento e os concretos artigos que vieram a ser subtraídos, bem como o seu valor, a ilicitude não se mostra significativa. O dolo presente na conduta dos arguidos é directo e de média intensidade. O arguido A. não tem registo de condenações anteriores. O arguido P. tem antecedentes criminais, incluindo pela prática de crimes contra o património, tendo sido já condenado numa pena de prisão, ainda que tivesse ficado suspensa na sua execução. Importa ainda ter presente que os arguidos tinham, à data, 23 anos de idade. * Em face das circunstâncias acima alinhadas, devidamente ponderadas, afigura-se adequado punir o crime praticado pelo arguido PC na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; e o crime praticado pelo arguido AR, na pena de 2 (dois) anos de prisão. No que respeita ao arguido A, importa atentar na sua idade e no facto de não ter sofrido ainda qualquer contacto com o sistema de justiça penal, estando o mesmo inserido na comunidade, trabalhando e vivendo com autonomia. Entende-se, pois, que, quanto a si, a censura que vai contida nesta condenação e a ameaça de cumprimento efectivo da pena ainda realizam de forma adequada e suficiente as finalidades das penas. Como assim, decido suspender a execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, pelo mesmo período de 2 anos, cfr. art.º 50.º do CPenal. Já no que concerne ao arguido P, entende-se ser de afastar a execução da pena em meio livre, substituindo-se a pena de prisão por pena não privativa da liberdade. Com efeito, tendo sido o mesmo condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução pela prática de dois crimes de roubo, altura em que foi solenemente censurado pelo mal feito, tendo-lhe sido dada a oportunidade de, em liberdade, se regenerar, não havia decorrido ainda um ano sobre o trânsito em julgado da sentença e já o mesmo incorria em novo crime, contra o património, tendo tomado parte no furto pela forma mais activa (foi quem entrou no estabelecimento e dali retirou os artigos com valor económico que ali encontrou). O arguido cometeu os presentes factos em pleno período de suspensão de uma pena de prisão, indiferente àquela condenação. Não merece, pois, uma nova oportunidade, não sendo possível manter um juízo de prognose favorável a respeito da sua conduta futura. Decido, assim, que a pena a expiar pelo arguido seja cumprida efectivamente, em meio prisional. (…) » Cumpre agora apreciar e decidir os presentes recursos. II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto dos recursos. É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. 1.1. O arguido PC, apesar de se referir repetidamente aos critérios legais de determinação da medida da pena, apenas recorre em matéria de escolha da pena em sentido amplo, pois pugna pela suspensão da execução da pena de dois anos e seis meses de prisão que lhe foi aplicada. 1.2. Por sua vez, o arguido AR impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto relativamente aos pontos 1), 2), 3) e 4), da factualidade provada na parte relativa à sua intervenção nos factos, incluindo o que se reporta à marca, quantidade e valor dos bens furtados, concluindo por pedir a sua absolvição. Subsidiariamente, este arguido pretende que se profira decisão absolvendo-o da prática de um crime de furto qualificado (ex vi nº 4 do artigo 204º do Código Penal), antes subsumindo os factos ao crime p. e p. no artigo 203º do C.P, ou seja, crime de furto na sua forma simples. São, pois, estas as questões suscitadas, começando por apreciar-se o recurso interposto pelo arguido A, dado que este recorre também em matéria de facto, como vimos, a propósito da qual abordaremos duas questões prévias que importa esclarecer. 2. Decidindo 2.1. Recurso do arguido AR - impugnação da decisão em matéria de facto 2.1.1. Questões prévias a) O arguido AR impugna os pontos 1,2,3 e 4 da factualidade provada no que respeita à sua participação nos factos que o tribunal a quo considerou integrarem a prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.ºs 1 e 2, 204.º, n.º 2, al. e), do C. Penal. Porém, apenas no ponto 2) é referida a conduta deste arguido do ponto de vista da sua participação objetiva na execução dos factos, ao dizer-se que na execução do propósito de se introduzirem no “Café Fórum”, propriedade de CB, sito em Lagoa, e de se apoderarem de bens e valores que ali encontrassem, o arguido A ficou no exterior, enquanto o arguido PC introduziu-se no referido estabelecimento, através de uma janela junto à porta de entrada, que se encontrava destrancada, e dali retirou os seguintes artigos, tudo no valor total de 242,68 euros. Uma vez que a factualidade provada e enumerada não volta a referir qualquer participação objetiva do arguido A. na ação de subtrair os bens em causa, materialmente levada a cabo pelo arguido PC, impor-se-ia concluir que a factualidade enumerada na sentença recorrida não integraria qualquer das formas de autoria previstas no artigo 26º do C. Penal, de acordo com o qual é autor do crime de furto quem subtraia a coisa por si mesmo (autoria material) ou por intermédio de outrem (autoria moral) ou quem dolosamente determinar outra pessoa à prática do facto (instigação) ou tomar parte na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (coautoria). Com efeito, ficar no exterior enquanto o autor material da subtração a leva a cabo não significa, por si, que tome parte na execução por acordo ou juntamente com aquele, sendo certo que não se diz na factualidade provada em que termos “ficar no exterior” contribuiu para a execução dos atos materiais levados a cabo pelo arguido PC que, conforme descrito na factualidade provada, foi quem entrou no estabelecimento pela janela e quem subtraiu dali o tabaco em causa. Sucede, porém, que apesar de o tribunal a quo não ter incluído no ponto 2 da factualidade provada (ou em qualquer outro) qual o contributo da presença do arguido A. no exterior do estabelecimento para a execução do plano conjunto (segundo a sentença recorrida), tal contributo resulta clara e expressamente mencionado na apreciação crítica da prova relativa ao facto não provado, onde se refere (fls 584) “… que é legítimo concluir que o arguido A. participou nos factos em apreço, tendo ambos dividido papéis numa actuação em conjunto, tendo o arguido P entrado no estabelecimento, e o arguido A., ficado no exterior, para avisar o arguido P caso alguém se aproximasse”, repetindo-se em sede de enquadramento jurídico dos factos que, o arguido PC “ … depois de se dirigir à caixa registadora, sem êxito, saiu do local, em poder daquele tabaco, tendo repartido o mesmo com o arguido A., que ficara no exterior, de “atalaia”, para o avisar se vinha alguém”. Ora, conforme temos vindo a entender, nas hipóteses em que o sentido da decisão do tribunal a quo sobre factos relevantes para a decisão da causa se encontre inequivocamente expresso noutras partes da sentença, a falta de enumeração desses factos na parte da sentença expressamente mencionada para o efeito no art. 374º nº2 do CPP (“enumeração dos factos provados”), não constitui nulidade de sentença que importasse suprir, mas antes imperfeição da sentença, sem consequências de ordem processual, por não influir na decisão da causa, pois a nulidade de sentença com aquele fundamento apenas se verifica quando, no seu conjunto, a sentença não permita concluir se o tribunal a quo fez incidir o seu juízo de provado ou não provado sobre os factos omitidos na enumeração respetiva mas inequivocamente afirmados noutros passos da sentença (pode ver-se fundamentação mais desenvolvida no Ac TRE de 29.11.2016, NUIPC 6/15.5GBMRA.E1, subscrito por estes mesmos juízes). Significa isto, no caso concreto, que ao mencionar-se no ponto 2) da factualidade provada “… enquanto o arguido AR ficou no exterior, o arguido PC introduziu-se no referido estabelecimento…” deve considerar-se que era função do arguido A. avisar o arguido P caso alguém se aproximasse, pelo que é igualmente com este sentido, naturalmente, que deve tomar-se a impugnação relativamente ao ponto 2) na parte em que respeita à participação do arguido A. nos factos. b) Ainda a respeito do teor do ponto 2) da factualidade provada, cabe ter em conta que o que ali se descreve sobre a participação do arguido AR, não era o que constava da acusação, que mencionava, antes, que “ 1. O arguido AR também entrou no estabelecimento e dali retirou o tabaco”, facto este que a sentença recorrida enumera como facto não provado. Significa isto que o tribunal a quo condenou o ora recorrente por factos diversos dos descritos na acusação, pois independentemente do seu enquadramento jurídico penal, a realidade de facto que lhe era imputada na acusação e a que está na base da sua condenação são diferentes, pois não se confunde a ação de entrar no estabelecimento e dali retirar tabaco, juntamente com o coarguido PC, com o ato de ficar fora do estabelecimento para avisar aquele coarguido se alguém se aproximasse. Assim sendo, impunha-se dar cumprimento ao disposto no art. 358º do CPP o que não foi levado a cabo pelo tribunal a quo conforme pode ver-se da ata da audiência de discussão e julgamento (fls 179 a 186, por numerar), pelo que verifica-se a nulidade de sentença prevista no art. 379º nº 1 b) do CPP, de que se impõe conhecer oficiosamente, conforme entendimento jurisprudencial maioritário que sufragamos. Todavia, da verificação da nulidade não decorre necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância, mesmo quando o tribunal de recurso não pode supri-la, como sucede in casu, pois temos entendido que ainda que declare nula a sentença, o tribunal da Relação deve conhecer do objeto do recurso sempre que tal for possível sem preterição efetiva do duplo grau de jurisdição, por aplicação subsidiária do disposto no art. 665º nº1 do N.C.P.Civil (que corresponde ao artigo 715º do CPC revogado), ex vi do art. 4º do CPP. Por outro lado, a procedência da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto pode levar à absolvição do arguido recorrente no caso presente, pretensão que não nos parece manifestamente improcedente, pelo que sempre se impõe conhecer agora da impugnação em matéria de facto, sob pena de eventual inutilidade da remessa dos autos à 1ª instância para suprimento da apontada nulidade. c) Por último, sempre se diga que mesmo a considerar-se verificada a nulidade de sentença a que se reporta o art. 379º nº1 a) do CPP, por falta de enumeração de factos, sempre se imporia conhecer da impugnação em matéria de facto antes de ordenar a remessa dos autos à â instância pela mesma ordem de razões, ou seja, porque da procedência desta com eventual absolvição do ora recorrente sempre resultaria inútil aquela mesma remessa. 2.1.2. Passamos, então, a decidir da impugnação dos pontos 1,2,3 e 4 da factualidade provada no que respeita à participação nos factos do arguido AR. O referido ponto 2) é o único que se refere diretamente à participação objetiva do ora recorrente na subtração do tabaco nele enumerado (objeto da ação no caso concreto) e é a respeito dele que o recorrente centra a sua argumentação, lembrando nós, conforme vimos, que ao mencionar-se no ponto 2) da factualidade provada “… enquanto o arguido AR ficou no exterior, o arguido PC introduziu-se no referido estabelecimento…” deve considerar-se que o arguido A. ficou no exterior para avisar o arguido P. caso alguém se aproximasse, o que, aliás, nos parece implicitamente assumido pelo próprio recorrente. No essencial, o arguido AR alega ter o tribunal a quo julgado provada a sua participação nos factos apenas com base nos depoimentos das únicas testemunhas que depuseram com conhecimento direto sobre tais factos, conforme diz, ou seja, JA e P, militares da GNR que se dirigiram ao local e procederam à detenção dos arguidos, sem que, porém, como alega, resulte daqueles depoimentos – de que transcreve alguns trechos – certeza bastante sobre a participação do arguido AR nos factos. Assim, conclui, devem os quatro factos impugnados ser julgados não provados na parte em que se referem à sua participação, com a consequente absolvição da prática do crime pelo qual vem condenado, pelo menos em obediência ao princípio in dubio pro reo. Vejamos. 2.1.2.1. Ao apreciar a prova produzida com interesse para prova da factualidade provada descrita sob os nºs 1 a 4, sob impugnação, e do facto não provado (“O arguido AR também entrou no estabelecimento e dali retirou o tabaco.”), o tribunal a quo explica, em síntese, não ter julgado provado que o arguido A. entrou no estabelecimento com o coarguido P, contrariamente ao descrito na acusação, porque as imagens registadas dos factos apenas atestam a presença, no interior do estabelecimento, do arguido PC. Quanto à prova de que o arguido A. ficou fora do estabelecimento [para avisar o arguido P. se alguém se aproximasse], o tribunal a quo explica ter fundado a sua convicção nas declarações das testemunhas seguintes. A testemunha A, amiga da ofendida, que depois de ter fechado o estabelecimento, foi para casa, recordando-se de ter passado, nessa ocasião, pelos dois arguidos, que ali estavam à conversa, e que tinham estado antes no dito Café. As testemunhas JA e P, militares da GNR. A testemunha P, que viu dois indivíduos a fugir, tendo acabado por ir atrás de um deles, o arguido PC, a quem viu ainda jogar uns objetos para baixo de uma viatura. Ambas as testemunhas que em seguida viram o outro indivíduo [coarguido A], que ficara a espreitar, e chamaram-no ali, o que o mesmo acatou, tendo também em seu poder alguns maços do mesmo tabaco. Conclui o tribunal a quo que tendo a testemunha AM confirmado ter visto ambos os arguidos junto ao estabelecimento quando a mesma encerrou o Café; tendo sido ambos detectados pela GNR em fuga; e tendo ambos o arguidos tabaco que pertencia à ofendida, tudo valorado é legítimo concluir que o arguido A. participou nos factos em apreço, tendo ambos dividido papéis numa actuação em conjunto, tendo o arguido P. entrado no estabelecimento, e o arguido A., ficado no exterior, para avisar o arguido P caso alguém se aproximasse. 2.2.2. Significa isto que o tribunal a quo julgou provada a participação do arguido A. no furto com base em prova indireta, visto assentar a sua decisão em inferências lógicas extraídas de factos indiretos ou instrumentais relatados pelas testemunhas aludidas, com o auxílio de regras da experiência, pois nenhuma das testemunhas declarou ter visto aquele arguido fora do estabelecimento a vigiar enquanto o coarguido P penetrava no estabelecimento e subtraía o tabaco em causa ou após tê-lo feito, nem foram registadas imagens do arguido A. dentro ou fora do estabelecimento. Tais factos indiretos são os seguintes: - O arguido A. encontrava-se junto do arguido P no exterior do estabelecimento quando a testemunha AM fechou as portas e seguiu para sua casa, esclarecendo a testemunha ao depor que tal ocorreu entre as 23h30 e as 00h30 e que os arguidos tinham feito compras no interior do estabelecimento; - O arguido A. foi detetado em fuga com o arguido P, pela GNR; - O arguido A, tal como o arguido P., tinha consigo tabaco que pertencia à ofendida. Ora, o arguido recorrente assenta a sua impugnação em dúvidas suscitadas pelos depoimentos dos militares da GNR e da proprietária do café quanto a ser o arguido A. o segundo indivíduo que foi avistado a fugir juntamente com o arguido P, dúvidas que entendemos ser fundadas face à audição integral da gravação daqueles três depoimentos, a que procedemos. Por um lado, a testemunha JA declarou que ao aproximar-se do estabelecimento com o seu colega P apenas viu o arguido PC a fugir e que o arguido A, que se encontrava ao cimo da rua onde intercetaram o arguido P, é que foi ter com eles quando o chamaram, não podendo esta testemunha afirmar que o arguido A não estivesse ali ocasionalmente. O outro militar da GNR, P, apesar de ter visto inicialmente outro indivíduo a fugir com o arguido P e de lhe parecer que era o arguido A., disse não ter a certeza que assim fosse ao ser diretamente interpelado em audiência. Por último, a testemunha CB, então proprietária do café “Forum”, contou em audiência que ao dirigir-se de sua casa para o estabelecimento, logo após os factos, viu passar a correr pela frente do seu carro um indivíduo que já conhecia por viver perto dela, de nome A. Wiatt, que terá contado mais tarde ter sido ele quem destrancou a janela por onde o arguido PC viria a entrar. Mais disse a testemunha que contou aquele episódio à GNR e que aquele indivíduo foi aí ouvido, factos estes que se encontram efetivamente registados no processo. Assim, são muitas as dúvidas sobre um dos três factos indiretos em que o tribunal a quo assentou a sua convicção, ou seja, que o arguido A. foi detetado em fuga com o arguido P, pela GNR, pois nenhuma das testemunhas invocadas pelo tribunal a quo afirma com convicção ter visto o arguido AR a fugir juntamente com o arguido PC, sendo que a certeza sobre os factos indiretos ou instrumentais é essencial para a validade das inferências lógicas neles assentes. Deduções retiradas de factos de ocorrência duvidosa não podem conduzir à certeza processualmente exigível à luz dos princípios da culpa e da presunção de inocência, aqui incluído o princípio in dubio pro reo. 2.1.2.3. Quanto aos dois outros factos indiretos ou indiciários considerados pelo tribunal a quo, embora a prova reapreciada não ponha em causa a verdade dos mesmos, estes factos não têm força indiciária suficiente para sustentar, à luz das regras da experiência, que o arguido A. ficou de vigia no exterior do estabelecimento enquanto o arguido PC procedia à subtração dos maços de tabaco em causa. Como diz, por todos, M.Taruffo, “A característica mais importante da estrutura lógica básica das provas circunstanciais é a inferência que o julgador retira ao relacionar o factum probans (a circunstância ou facto indireto) com o factum probandum (o facto principal a provar)…. Por conseguinte, o núcleo desse raciocínio encontra-se nas regras em função das quais o julgador pode realizar as inferências que ligam aqueles dois factos. As regras mais habituais são generalizações provindas do senso comum e nele justificadas, a experiência ou a cultura média existente na época e no lugar em que se toma a decisão, conhecidas por máximas da experiência”[1]. No caso concreto, embora a presença do arguido A. junto do estabelecimento de café logo depois de descoberto o furto, tendo em seu poder dois maços de tabaco de marca dos que foram dali subtraídos, leve a concluir logicamente, à luz das regras da experiência, que o arguido A. teve conhecimento da subtração levada a cabo pelo arguido PC, não pode concluir-se com igual certeza que aquele participou por qualquer meio na execução da factualidade respetiva. Dado o contexto próximo em que ocorreram os factos, com destaque para a diversidade de dinâmicas que se estabelecem entre jovens com a idade dos arguidos, constitui hipótese igualmente plausível ter o arguido PC praticado os factos sem qualquer ajuda ou colaboração do arguido A. e, não obstante, oferecer-lhe os dois maços (e não volumes) que o arguido A. tinha consigo ao ser abordado e detido pelos militares da GNR. Com efeito, mesmo que a presença do arguido A. no local do estabelecimento, antes e depois do furto, fosse motivada pela expectativa de beneficiar do produto daquele, daí não poderia deduzir-se necessariamente que o mesmo ficou de vigia ou que teve qualquer outra intervenção na prática do mesmo, como referido, tanto mais que ninguém o viu em atitude vigilante nem resulta da demais factualidade provada ou dos depoimentos reapreciados que eventual vigilância fosse necessária ou útil à execução da subtração com sucesso, pois não se vê em que medida a aproximação de alguém podia perturbar o arguido PC enquanto se encontrava, às escuras, no interior do estabelecimento, nem como o arguido A. podia avisar o arguido PC se alguém se aproximasse. A tudo acresce, enquanto facto indiciário de importância não desprezível, que o arguido AR não tem antecedentes criminais. A responsabilidade penal é estritamente individual, impondo-se distinguir, descriminar e diferenciar a atuação de cada um dos arguidos acusados de coautoria do crime, sendo indutora de erro judiciário a atribuição conjunta de factos apurados apenas quanto a um deles, sem que se apure para além de toda a dúvida razoável a participação de todos os indiciados à luz do citado art. 26º do C.Penal. Sobram, pois, as dúvidas quanto a ter o arguido AR ficado no exterior [para avisar o arguido P. se alguém se aproximasse], contrariamente ao referido no ponto 2) da factualidade provada, donde resulta que este facto deve ser antes julgado não provado, tal como os demais que em 1) e 4) da mesma factualidade se reportam à participação do arguido A, dado que estes últimos factos foram julgados provados pelo tribunal a quo por inferência lógica retirada do facto de aquele ter ficado no exterior para avisar o arguido PC e não de prova direta autonomamente produzida. 2.1.2.4. A reapreciação da prova pessoal supra referida impõe, pois, a procedência da impugnação da decisão proferida em matéria de facto relativamente aos pontos 1, 2 e 4 da factualidade julgada provada, em obediência ao princípio in dubio pro reo. Assim e tendo em conta o disposto no art. 431º do CPP, procede-se à modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto, alterando-se a redação dos pontos 1, 2 e 4 da factualidade provada, que passa a ser a seguinte: - «1. No dia 08 de Dezembro de 2015,pelas 01h20m, o arguido PC dirigiu-se ao estabelecimento comercial “Café Fórum”, propriedade de CB, sito…, em Lagoa, com a intenção de se introduzir no mesmo e de se apoderar de bens e valores que ali encontrasse. 2. Ali chegado, na execução de tal propósito, o arguido PC introduziu-se no referido estabelecimento, através de uma janela junto à porta de entrada, que se encontrava destrancada, e dali retirou os seguintes artigos, tudo no valor total de 242,68 euros: - 10 maços de tabaco da marca “Mark 1 American Blend”, no valor de 37,44 euros; - 2 maços de tabaco da marca “Mark1 American Blend 100´s”, no valor de 7,48 euros; - 10 maços de tabaco da marca “Mark 1 Gold”, no valor de 37,44 euros; - 10 onças de tabaco da marca “Amber Leaf, no valor de 61,44 euros; e - 10 onças de tabaco da marca “Golden Virginia”, no valor de 98,88 euros 4. O arguido PC quis fazer seus, como fez, os maços e as onças de tabaco, que pertenciam a CB, bem conhecendo o carácter alheio dos mesmos e sabendo que agia sem o conhecimento e contra a vontade da sua legítima proprietária.» Consequentemente são aditados à matéria de facto não provada três outros pontos de facto, do seguinte teor: « 2. O arguido AR, em conjugação de vontades e de esforços e na execução de um plano previamente acordado entre si e o arguido PC, dirigiu-se ao estabelecimento comercial “Café Fórum”, propriedade de CB, sito…, em Lagoa, com a intenção de se introduzirem no mesmo e de se apoderarem de bens e valores que ali encontrassem. 3. Ali chegados, na execução de tal propósito o arguido PC introduziu-se no referido estabelecimento, enquanto o arguido AR ficou no exterior 4. O arguido AR quis fazer seus, como fez, os maços e as onças de tabaco, que pertenciam a CB, bem conhecendo o carácter alheio dos mesmos e sabendo que agia sem o conhecimento e contra a vontade da sua legítima proprietária.» 2.1.2.5. Procedendo a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, como vimos, não resultam provados factos integradores da coautoria do arguido AR pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.ºs 1 e 2, 204.º, n.º 2, al. e), do C. Penal, pelo qual vinha condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de 2 anos, pelo que impõe-se absolvê-lo deste mesmo crime, ficando prejudicado o conhecimento de quaisquer outras questões por ele suscitadas em matéria de facto ou de direito. 2.2. O recurso do arguido PC. Como referido antes, este arguido apenas recorre em matéria de escolha da pena, pugnando pela suspensão da execução da pena de dois anos e seis meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.ºs 1 e 2, 204.º, n.º 2, al. e), do C. Penal. Alega o arguido PC, no essencial, que não foi valorado pelo tribunal a quo encontrar-se a trabalhar, inserido na comunidade, ter apoio familiar, ter 23 anos de idade à data dos factos, ter um filho menor a seu cargo e ter acabado recentemente um curso de informática, bem como ter estado a cumprir as medidas que lhe foram aplicadas no âmbito de anterior condenação (processo 586/13.0GDPTM) e ter bom comportamento após dezembro de 2015, data dos factos. Vejamos a) Apesar de se reportar em primeira linha às penas principais, o art. 70º do C. Penal constitui manifestação da regra da preferência pela substituição da pena não privativa da liberdade, reafirmada a propósito de cada uma das penas de substituição. É o caso do art. 50º do C. Penal que impõe a substituição da pena de prisão até 5 anos sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso concreto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao ilícito e as circunstâncias deste. Finalidades que são sobretudo de prevenção geral positiva e de prevenção especial positiva ou de ressocialização, reconhecido que a culpa não tem aqui qualquer papel e que também não relevam aqui finalidades de retribuição, como é dominante na Doutrina e Jurisprudência portuguesas, nomeadamente face à atual versão do art. 40º do C. Penal que desde a reforma de 1995 versa sobre as finalidades das penas e das medidas de segurança. Significa isto, aplicado às penas de substituição em geral e em particular à suspensão da execução da pena, que são razões de prevenção especial e geral que estão na base da opção por pena desta natureza ou pela efetividade da pena principal privativa da liberdade, sendo os casos de finalidades antinómicas presentes num dado caso concreto decididos de acordo com as necessidades de prevenção geral positiva, critério que, em abstrato, a nossa lei impõe para decidir o conflito, operando aquelas finalidades de caráter geral como um verdadeiro limite à substituição. Na verdade, como refere há muito Anabela Rodrigues: “…em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral positiva hão de funcionar como limite ao que, de uma perspetiva de prevenção especial podia ser aconselhável (…) sendo um orientamento de prevenção – agora de prevenção geral no seu grau mínimo – o único que pode (deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial. (…) A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição- mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão” – cfr Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984 p. 40 e 41. b) Ora, embora no caso concreto não possam considerar-se despiciendas as necessidades de prevenção geral positiva, estas não são de tal modo significativas que exijam, por si, o cumprimento da pena de prisão aplicada. Como refere a sentença recorrida, “tendo em consideração o modo de entrada no estabelecimento e os concretos artigos que vieram a ser subtraídos, bem como o seu valor, a ilicitude não se mostra significativa”, sendo certo que a pronta intervenção das forças policiais, a detenção do arguido, a recuperação de parte do tabaco, subtraído em quantidade pouco significativa e sem implicar outros prejuízos, como fossem a inutilização de máquinas ou dispositivos de guarda dos mesmos, como muitas vezes sucede, não induzem fortes necessidades de prevenção geral positiva no concreto meio em que ocorreram. Pode dizer-se, porém, com a sentença recorrida, que são elevadas as necessidades de prevenção especial, pois que o arguido PC regista condenações anteriores pela prática de um crime de furto e dois crimes de roubo, sem que as ditas condenações o tivessem demovido de prosseguir na sendo do crime, ademais, contra o mesmo bem jurídico?- Ou seja, deve entender-se que a substituição da pena de prisão não pode considerar-se adequada e suficiente para prevenir a prática de futuros crimes pelo arguido, face, em especial, aos seus antecedentes criminais e à circunstância de o crime presente ter sido praticado no período de suspensão da pena única de 3 anos e 9 meses de prisão que lhe foi aplicada por sentença de 1.12.2014, transitada em julgado em 13.01.2015 pela prática de dois crimes de roubo (cfr cópia de fls 466 a 479, antes de retificada a numeração respetiva), conforme julgado pelo tribunal recorrido? Como referido, o arguido alega que tem tido bom comportamento após dezembro de 2015, data da prática dos presentes factos, e que se encontra numa fase de inserção pessoal e familiar capaz de suportar a sua cabal reintegração em liberdade. Todavia, a factualidade provada não reflete a situação atual do arguido tal como este a refere. Na verdade, a sentença recorrida não assinala outros comportamentos ilícitos entre a data dos factos e a prolação da sentença (14.03.2017), e considera-se aí como provado que o arguido trabalha com o seu pai, na venda de peixe, auferindo quantias variáveis, na ordem dos 300 euros mensais e que vive com os seus pais, mas nada consta quanto a ter um filho a seu cargo e ter acabado recentemente um curso de informática, bem como ter estado a cumprir as medidas que lhe foram aplicadas no âmbito de anterior condenação no processo 586/13.0GDPTM). Por outro lado, o Plano de Reinserção Social posterior a 13.01.2015 que acompanha a cópia da sentença proferida no processo 586/13.OGDPTM, refere-se a desemprego continuado e ao propósito de o arguido emigrar para o Reino Unido, nada mencionando quanto à alegada paternidade e à relação que manterá com o filho. E se é certo que o tribunal a quo não ordenou a realização de relatório social, não resulta dos autos que o arguido o tivesse solicitado ou que procurasse juntar prova dos factos que vem agora alegar, embora deva dizer-se que estes factos não são particularmente impressivos quanto à alegada possibilidade de a ressocialização do arguido ter lugar ainda em liberdade. Significa isto, à luz do critério material de que o artigo 50º do C.Penal faz depender a substituição da pena de prisão, que as necessidades de prevenção especial positiva não se mostram satisfeitas de forma adequada e suficiente através de pena não privativa de liberdade, pois o enquadramento pessoal e familiar do arguido traduzido na factualidade provada não é de molde a contrabalançar o peso significativo da sua condenação pelos dois crimes de roubo a que fizemos referência e à instabilidade pessoal que persiste, o que é particularmente relevante quanto o arguido tenderá a envolver-se com grupos de pares para a prática dos crimes, conforme resulta claramente da sentença proferida no processo NUIPC 586/13 GDPTM. Assim, decide-se julgar improcedente o recurso do arguido PC, mantendo a sentença recorrida no que lhe respeita. III. Dispositivo Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: -Julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo arguido AR, revogando a sentença recorrida na parte em que o condenou pela prática, em coautoria, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.ºs 1 e 2, 204.º, n.º 2, al. e), do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de 2 anos, decidindo-se, em substituição, absolvê-lo desse mesmo crime; - Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido PC, mantendo-se integralmente o decidido quanto a ele na sentença recorrida. Custas pelo arguido PC, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça devida – cfr arts. 513º nº1 do CPP e art 8º nº5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP). Évora, 24 de outubro de 2017 ------------------------------------ (António João Latas) ------------------------------------- (Carlos Jorge Berguete) __________________________________________________ [1] Cfr Michelle Taruffo, La prueba, Marcial Pons, Madrid-2008, pp105-6 |