Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
218/20.0T8STB.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: PROCESSO LABORAL
REVELIA
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- O efeito cominatório da revelia do réu estipulado no n.º 1 do artigo 57.º do Código de Processo do Trabalho, é apenas semipleno, ou seja, embora se considerem os factos alegados pelo autor como confessados, tal não significa que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o autor pretende, pois a lei é clara, o juiz deve julgar a causa conforme for de direito.
II- O artigo 366.º, n.º 4 do Código do Trabalho consagra uma presunção iuris tantum de aceitação do despedimento pelo trabalhador quando recebe do empregador a totalidade da compensação pela cessação do contrato de trabalho.
III- Tal aceitação do despedimento impede o direito à impugnação do mesmo.
IV- Para afastar a aludida presunção, é necessário que o trabalhador demonstre que entregou, ou colocou, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.
I- Tendo ficado provado que a Autora recebeu a compensação devida pela cessação do contrato de trabalho e não a devolveu ou colocou a mesma à disposição do empregador, verifica-se um facto impeditivo do direito de impugnação do despedimento. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
M… intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra D…, SA. – Sucursal em Portugal, pedindo que se declare que o contrato celebrado entre as partes processuais é um contrato de trabalho sem termo e que a comunicação da cessação do mesmo por caducidade, constituiu um despedimento ilícito. Mais peticionou a condenação da Ré a pagar-lhe:
a) A indemnização por antiguidade, nos termos do disposto no artigo 389.º do Código do Trabalho, pela qual optou em substituição da reintegração, fixada em 45 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude elevado, considerando, nomeadamente, a discriminação representada pelo seu estado de lactante, no valor de 17.265,07€.
b) As retribuições que deixou de auferir , incluindo a retribuição do período de férias e os subsídios de férias e natal, que se vençam até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, calculados à data da apresentação da petição inicial, atendendo à diferença salarial resultado da situação de emprego da Autora (17,64€ /mês) e ao mês por inteiro de fevereiro de 2019, no valor de (17,64€ x 10 meses = 1764,00 + 1237,64) 3001,64 €, assim como as vincendas.
c) A indemnização por danos não patrimoniais, em montante de 5.000,00€.
d) Juros moratórios sobre as anteriores quantias, desde a data do seu vencimento e até integral pagamento.
Alegou, resumidamente, que foi contratada pela Ré, para prestar funções inerentes à categoria profissional de Secretária de Direção, mediante um contrato de trabalho escrito, a termo certo, pelo período de 1 ano, com início em 1 de abril de 2009. Tal contrato converteu-se num contrato sem termo, pelo decurso do tempo ao atingir o seu prazo máximo de duração.
Em 2018, após o gozo da licença de maternidade, a Autora regressou ao serviço em 12 de outubro de 2018, na sua condição de lactante. No dia 22 de novembro de 2018, foi-lhe entregue uma carta a informar que o seu contrato de trabalho iria cessar por caducidade, devido ao encerramento total e definitivo da empresa, que estava previsto para 5 de fevereiro de 2019. De acordo com tal comunicação, a cessação do contrato ocorreria em 21 de janeiro de 2019, referindo-se, ainda, que iria receber uma compensação no valor de 7.819,13€ e outros créditos, não discriminados, que totalizavam o valor de 5.013,82, mencionando-se que as referidas quantias seriam transferidas para a conta bancária da Autora em 21 de janeiro de 2019.
No referido dia 21 de janeiro, a Autora, por email e por carta registada, informou a empresa que não aceitava o despedimento, que considerava nulo, e que iria continuar a apresentar-se ao trabalho.
Na sequência, a Ré comunicou-lhe que lhe estava vedada a entrada nas instalações da empresa, e que se o fizesse seria crime e que a Ré recorreria às autoridades judiciais.
Em 25 de janeiro de 2019, solicitou à empresa o IBAN para poder devolver a compensação que fora transferida para a sua conta bancária, o que a empresa espanhola indicou, por carta, em 29 de janeiro de 2019. Porém, a ACT informou-a de que não deveria devolver a verba, porque a mesma lhe era devida e o assunto poderia levar largos meses a ser resolvido, carecendo a mesma de meios de sobrevivência para si e para o seu bebé. Motivo pelo qual não chegou a devolver a compensação recebida.
Tomou conhecimento de que a Ré não encerrou em 5 de fevereiro de 2019.
A Autora sustentou que o fundamento usado para a caducidade do seu contrato de trabalho foi falso, pelo que, a comunicação de cessação do contrato constituiu uma verdadeira declaração de despedimento, que se mostra ilícito, nos termos das alíneas b), c) e d) do artigo 381.º do Código do Trabalho, com as legais consequências.
Mais informou que se encontra a trabalhar para outra empresa desde 6 de março de 2019, aí auferindo uma retribuição mensal de 1.220,00€, para efeito das deduções salariais legais.
Finalmente, acrescentou que o comportamento assumido pela Ré lhe causou danos de natureza não patrimonial, que devem ser ressarcidos.
A Ré, devidamente citada, não compareceu à audiência de partes.
Não foi apresentada contestação.
Foi proferida sentença, com a seguinte decisão:
«Pelo exposto, julgo a presente procedente e, em consequência:
1. julgo ilícito o despedimento;
2. condeno D…, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL a pagar a M…:
a) a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente a 45 (quarenta e cinco) dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, decorridos desde a data de admissão até ao trânsito em julgado da decisão, a título de indemnização pela ilicitude do despedimento, em substituição da reintegração, que se liquida provisoriamente em €20.421,06 (vinte mil, quatrocentos e vinte e um euros e seis cêntimos), até ao dia 24/02/2020, a que acrescem juros de mora, à taxa legal em vigor desde o referido trânsito;
b) a quantia, a liquidar em execução de sentença, correspondente às retribuições que esta deixou de auferir desde 21 de Janeiro de 2019 até ao trânsito em julgado da decisão, que se liquida provisoriamente em €20.519,39 (vinte mil, quinhentos e dezanove euros e trinta e nove cêntimos), até ao dia 24/02/2020, a que deverá ser deduzido o montante das importâncias comprovadamente obtidas com a cessação do contrato e que aquele não receberia se não fosse o despedimento e ainda o montante do subsídio de desemprego auferido, a que acrescem juros legais, desde o respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento;
c) a quantia de €5.000 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% e sucessivas taxas legais em vigor desde a data trânsito em julgado da presente sentença até integral e efetivo pagamento;
(…)
Valor da ação: €45.940,45 (quarenta e cinco mil, novecentos e quarenta euros e quarenta e cinco cêntimos) (…)»
Não se conformando com tal decisão, veio a Ré interpor recurso da mesma, extraindo das suas alegações, as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«1. O contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a aqui Recorrente cessou, por caducidade, no dia 21 de janeiro de 2019, em virtude do seu encerramento total e definitivo, nos termos do n.º 3 e n.º 4, do artigo 346.º do CT.
2. O procedimento tendente ao encerramento total e definitivo da empresa, em virtude de a aqui Recorrente ser uma microempresa, não estava dependente da emissão de parecer prévio da CITE, à luz da simplificação procedimental prevista no n.º 4, do artigo 346.º do CT e da expressa exclusão e inaplicabilidade do procedimento de despedimento coletivo (previsto nos artigos 360.º e seguintes do CT) decorrente desta disposição legal, sendo assim que estas disposições legais devem ser interpretadas e aplicadas.
3. Por este motivo, e ao contrário da conclusão perfilhada pelo Tribunal a quo, não se vislumbra a existência de qualquer vício procedimental do qual resulte, nos termos das alíneas c) e d), do artigo 381.º do CT, a ilicitude da cessação do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a aqui Recorrente, cessação essa que, bem ao invés, foi totalmente lícita e aceite pela Autora.
4. Na verdade, a Autora nunca, em momento algum, diligenciou pela devolução da compensação que recebeu da aqui Recorrente, mediante transferência bancária, nos termos do artigo 366.º, ex vi, n.º 5 do artigo 346.º, ambos do CT.
5. Este facto, vertido no artigo 26.º da Petição Inicial, foi considerado como provado na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, atentos os efeitos estabelecidos no artigo 57.º do CPT.
6. Por este motivo, a Autora não ilidiu, nos termos taxativamente previstos pelo legislador no n.º 5 do artigo 366.º do CT, a presunção constante n.º 4 da mesma disposição legal, sendo assim que esta disposição legal deve ser interpretada e aplicada.
7. Consequentemente, a Autora aceitou a cessação do seu contrato de trabalho, bem como os termos, pressupostos, motivos e procedimento a esta conducentes.
8. A aceitação da cessação do contrato de trabalho, por força da não devolução da compensação comprovadamente recebida nos autos porque alegada e confessada nos autos pela Autora, extingue o direito da Autora de impugnar a cessação do seu contrato de trabalho.
9. Efetivamente, é inegável que a Autora não adotou um comportamento ativo consentâneo com a intenção e possibilidade de proceder à impugnação da cessação do seu contrato de trabalho.
10. Consequentemente, a impugnação da cessação do contrato de trabalho por parte da Autora, através da presente ação judicial, consubstancia um manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium,¸ nos termos do artigo 334.º do CC, cujo instituto obstará a que a Autora venha agora beneficiar de uma presunção que não pretendeu e/ou não conseguiu ilidir, sendo assim que in casu, este preceito legal deve ser interpretado e aplicado.
11. Com efeito, e mesmo que não existisse a norma do artigo 366.º do CT, sempre o abuso do direito impediria a Autora, ora Recorrida, de exercer o direito a que se arroga, pois que sempre estamos perante ex-trabalhadora que fez sua a compensação que recebeu por cessação do seu contrato durante um largo período de tempo,
12. O que não poderá ser interpretado de outra forma que não seja a aceitação tácita da cessação do seu contrato de trabalho e, consequentemente, criando essa a legítima convicção na aqui Recorrente,
13. Com isso perdendo o direito de impugnar aquilo que aceitou e cuja aceitação exteriorizou por atos e omissões concludentes.
14. Assim, o funcionamento do instituto do abuso do direito no caso vertente, não necessitava da previsão constante do artigo 366.º do CT, antes tendo, no caso vertente (e como acima referido) aplicabilidade autónoma, pois que a própria matéria de facto evidencia o comportamento flagrantemente em zigue-zague, em sistemática contradição, em permanente criação de expetativas na parte contrária, para depois, muito depois, as defraudar em violação das mais elementares regras da boa fé.
15. Processualmente, a confirmação da aceitação da cessação do contrato de trabalho por parte da Autora (conforme sucede no caso em apreço) configura uma exceção perentória cujo facto em que assenta, a ser considerado provado (como também sucede no caso sub judice), resultará inelutavelmente na absolvição da Ré, ora Recorrente, do pedido.
16. Não obstante, o Tribunal a quo não tomou em consideração, na decisão de mérito da causa, o facto essencial, e considerado provado, em que se traduz a confirmação da não devolução, por parte da Autora, da compensação legal por si recebida.
16 Note-se que o abuso do direito é do conhecimento oficioso (neste sentido, por exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04/04/2002 e 12/07/2018, respetivamente processo 02B749 e 2069/14.1T8PRT.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt).
17. O não atendimento deste facto essencial para a decisão da causa corresponde a um erro de julgamento o qual, a não a ter existido, permitiria alcançar um sentido decisório oposto àquele que vem vertido na sentença proferida pelo Tribunal a quo – independentemente de se entender haver ou não exceção perentória
18. Ou seja: da conjugação da factualidade considerada provada (i.e. a Autora nunca ter procedido, fosse por que meio fosse, à devolução da compensação por si recebida) com as presunções previstas na lei, em particular as resultantes do n.º 4 e n.º 5 do artigo 366.º do CT, tal como determinado na 2.ª parte, do n.º 4, do artigo 607.º do CPC,
19. A outro resultado, conclusão e decisão não será possível chegar que não seja a inequívoca absolvição da Ré, ora Recorrente, do pedido, porquanto apenas deste modo se estará a fazer uma correta aplicação do Direito à factualidade provada no caso sub judice.
20. A não ser assim, tal equivaleria a permitir que se consolidasse na ordem jurídica uma decisão judicial cujo sentido decisório estaria em completa dissonância com factos considerados provados, as disposições legais concretamente aplicáveis e o princípio da boa-fé.
21. Em face do exposto, conclui-se que não existe qualquer fundamento, por tal direito encontrar-se extinto, para a Autora impugnar judicialmente, através da presente ação, a cessação do seu contrato de trabalho e muito menos para a declaração da ilicitude da cessação do contrato de trabalho legalmente promovida pela aqui Recorrente, devendo, em consequência, ser revogada a douta decisão do Tribunal a quo, com as legais consequências.
22. Sem prescindir, nem de modo algum conceder, refira-se desde já que, a ter de ser paga, eventualmente, alguma compensação em substituição da reintegração, tal como previsto no n.º 1, do artigo 391.º do CT, a mesma deveria situar-se entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade.
23. Uma vez que o Tribunal a quo considerou “mediana” a ilicitude da cessação do contrato de trabalho da Autora, o valor de tal compensação, a ser efetivamente considerada devida pelo Tribunal ad quem (no que não se concede), não deveria nunca, por questões de proporcionalidade e adequação, ser superior a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade.
24. A sentença recorrida violou os artigos 346º, n.ºs 3 e 4 e 366.º ambos do Código do Trabalho e o artigo 334.º do Código Civil.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, por ter sido prestada caução.
Tendo o processo subido à Relação, foi observado o estipulado no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Não foi oferecida resposta.
Dispensados os vistos, com a anuência dos Exmos. Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas nas conclusões do recurso são as seguintes:
1.ª. Aceitação da cessação do contrato de trabalho por caducidade, por parte da Autora.
2.ª. Verificação de abuso de direito através da propositura da presente ação.
3.ª. Excessivo valor da indemnização fixada em substituição da reintegração.

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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância, atendendo à falta de oposição da Ré, nos termos do artigo 57.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, considerou confessados os factos articulados pela Autora na petição inicial, pelo que são estes os factos provados e a ter em consideração na aplicação do direito.
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IV. Direito
Com arrimo nos factos provados, infere-se que, entre as partes processuais, foi celebrado um contrato de trabalho sem termo[2], com início em 1 de abril de 2009, no âmbito do qual a Autora se obrigou a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Secretária de Direção, auferindo uma retribuição mensal de € 1.237,64.
Este contrato cessou por iniciativa da Ré, em 21 de janeiro de 2019.
Para o efeito, a Ré entregou à Autora, em 22 de novembro de 2018, em mão, uma carta, no âmbito da qual informava: «Nos termos e para os efeitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 363.º do Código do Trabalho, ex vi n.º 4 do artigo 346.º do mesmo diploma legal, vimos pelo presente comunicar que, em virtude do encerramento total e definitivo da atividade da “D…, S.A. – Sucursal em Portugal” com efeitos previstos a 5 de fevereiro de 2019, o contrato de trabalho de V. Exa. Cessará por caducidade na referida data, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 346.º do Código do Trabalho.».
Na aludida missiva, que constitui o documento n.º 4 junto com a petição inicial, a Ré detalhou os motivos para a cessação do contrato de trabalho.
Mais informou que o contrato de trabalho cessaria em 21 de janeiro de 2019.
Por fim, referiu que em virtude da cessação da relação contratual, a Autora teria direito à compensação na quantia ilíquida de 7.819,13€ e ao montante de 5.013,82€, respeitante a todos os créditos vencidos à data da cessação ou exigíveis em virtude da cessação, que seriam pagos por transferência bancária até 21 de janeiro de 2019.
Decorre da factualidade provada, que a Autora, no dia da cessação do contrato, remeteu um email e uma carta registada para a empresa, comunicando que não aceitava o «despedimento»[3], «por considerar que não foram cumpridos os procedimentos legais para o mesmo», informando que iria continuar a apresentar-se diariamente ao trabalho (documento n.º 7, junto com a apetição inicial).
Todavia, a Ré, por carta dirigida à Autora, reafirmou a cessação do contrato de trabalho.
A Autora não devolveu a compensação pela cessação do contrato de trabalho, que admitiu ter recebido.
Quid júris?
Primeiramente, importa destacar que a factualidade alegada pela Autora na petição inicial, foi julgada provada por efeito da revelia da Ré, de harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 57.º do Código de Processo do Trabalho.
Dispõe tal artigo:
«Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.».
Aliás, a recorrente reconhece, na motivação do recurso, o efeito decorrente da sua revelia, constituindo, assim, tal questão matéria indiscutível.
Deduz-se da redação da norma citada, que o efeito cominatório da revelia é apenas semipleno, ou seja, embora se considerem os factos alegados pelo autor como confessados, tal não significa que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o autor pretende, pois a lei é clara, o juiz deve julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos.
Pode ler-se no sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 05-12-2012, proferido no processo n.º 1706/11.4TTLSB.L1-4[4]:
«I. A revelia operante implica a confissão dos factos articulados pelo autor, mas a lei estabelece uma cominação semiplena e não um efeito cominatório pleno, cabendo ao tribunal “julgar a causa conforme for de direito”, o que significa que os factos reconhecidos por falta de contestação tanto podem determinar a procedência da ação, total ou parcial, como podem conduzir à absolvição do Réu da instância (com base na verificação de exceções dilatórias de que o tribunal tenha conhecimento oficioso) ou do pedido ( n.º1 do art.º 57.º do CT).
II. A falta de impugnação de factos alegados pelo Autor, poderá levar a que se considerem provados os essenciais e suficientes para o conhecimento de mérito, nesse caso podendo o juiz concluir que lhe é possível conhecer imediatamente do mérito da causa (n.º1, do art.º 61.º).
III. Porém, do mesmo modo que ocorre em caso de revelia operante, tal não significa que a decisão sobre os pedidos seja inevitavelmente no sentido da sua procedência. Conhecer do mérito da causa significa que o tribunal irá determinar e aplicar o direito aos factos, podendo vir a concluir quer pela procedência total, quer pela parcial, quer ainda pela improcedência.»
A leitura da sentença recorrida, permite-nos inferir que a mesma aplicou o direito aos factos considerados provados e concluiu pela procedência da ação.
O que decorre da motivação do recurso é que a recorrente considera que existe erro na aplicação do direito, porquanto o tribunal a quo violou os artigos 346.º, n.ºs 3 e 4 e 366.º, ambos do Código do Trabalho, bem como o artigo 334.º do Código Civil.
Avancemos, então, para a apreciação do enquadramento jurídico do caso sub judice.
De harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 340.º, alínea a) e 346.º, n.º 3, todos do Código do Trabalho, o encerramento total e definitivo da empresa determina a caducidade do contrato de trabalho.
Tal cessação exige o cumprimento do procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações, exceto se se tratar de uma microempresa, situação em que a lei apenas exige que o trabalhador seja informado com a antecedência prevista nos n.ºs 1 e 2 do referido compêndio legal.
Por microempresa, entenda-se aquela que emprega menos de 10 trabalhadores – artigo 100.º, n.º 1, alínea a) do referido código.
De acordo com o estipulado no n.º 5 do artigo 346.º a caducidade do contrato de trabalho por encerramento total e definitivo da empresa confere ao trabalhador o direito a uma compensação calculada nos termos do artigo 366.º, pela qual responde o património da empresa.
O n.º 4 do aludido artigo 366.º estipula que se presume que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo.
Trata-se de uma presunção iuris tantum, pois pode ser ilidida por prova em contrário, conforme nos dá conta o n.º 5 do artigo ao consagrar que «[a] presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último».
Esta Secção Social já se pronunciou, anteriormente, sobre a interpretação das normas em causa.
No acórdão de 20-12-2012, proferido no processo 156/12.0TTSTB.E1[5] [6], escreveu-se:
«Como é consabido, constitui requisito, entre outros, do despedimento por extinção do posto de trabalho que seja posta à disposição do trabalhador a compensação (indemnização) devida, sendo que a falta da mesma, até ao termo do prazo de aviso prévio, torna o despedimento ilícito [artigos 385.º, alínea c) e 366.º, ex vi do artigo 372.º, todos do Código do Trabalho].
Com efeito, este último preceito determina que ao trabalhador cujo contrato de trabalho cesse por extinção de posto de trabalho aplica-se a compensação prevista no artigo 366.º: um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade (n.º 1), sendo em caso de fração do ano a compensação calculada proporcionalmente (n.º 2), e não podendo a referida compensação ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades (n.º 3).
Por sua vez, é do seguinte teor o n.º 4 do mesmo artigo: «Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo».
A propósito do disposto no n.º 4 do artigo 401.º do Código do Trabalho de 2003, que corresponde integralmente ao citado n.º 4 do artigo 366.º do Código do Trabalho de 2009, escreve Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 594): «A configuração funcional deste dispositivo (muito criticável a nosso ver) só parece encontrar chave interpretativa minimamente adequada na ideia de que a rutura unilateral se transmuta, com a aceitação da compensação, e por via de uma arriscadíssima ficção jurídica, em algo de semelhante à cessação do mútuo acordo – como tal normalmente insuscetível de impugnação pelo trabalhador com base em vícios de processo ou de motivação».
Já no âmbito do Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho e Contrato a Prazo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27-02 (LCCT), na sua versão original, o recebimento da compensação correspondia à aceitação do despedimento, o que, de acordo com a posição dominante, correspondia a uma presunção juris et de jure, presunção, pois, inilidível.
Porém, para tanto era necessário que a compensação paga fosse a devida, pois uma compensação inferior à devida tinha-se por irrelevante no sentido da aceitação do despedimento (entre outros, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-1998, Revista n.º 220/97).
A solução foi posteriormente afastada, com a eliminação do anterior n.º 3 do artigo 23.º, da LCCT, operada pela Lei n.º 32/99, de 18-05.

Como se viu, o atual Código do Trabalho consagra no n.º 4 do artigo 366.º, uma disciplina idêntica à do n.º 4 do artigo 401.º do Código do Trabalho de 2003, ou seja, de que se presume que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista na lei.
Nada referindo o Código de 2003 quanto à natureza da presunção, face ao disposto no artigo 350.º, do Código Civil, teria que se entender tratar-se de uma presunção ilidível, ou seja, que admitia prova em contrário; porém, o Código nada referia quanto à forma de ilidir a presunção.
Já em relação ao atual Código do Trabalho acrescenta-se em relação à forma de ilidir a presunção (n.º 5 do artigo 366.º): «A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida».
Desta norma decorre que, no âmbito do Código do Trabalho de 2009, o recebimento da compensação devida, sem que o trabalhador a entregue/devolva ou coloque à disposição do empregador, inviabiliza qualquer reação daquele à não aceitação do despedimento; isto é, a mera comunicação da não aceitação do despedimento não acompanhada da devolução da compensação não afasta a presunção de aceitação daquele; já a simples devolução ou colocação à disposição da empregadora da compensação recebida parece constituir em si mesmo um comportamento que demonstra a não aceitação do despedimento e, nessa medida, de afastar a aludida presunção de aceitação do despedimento (cfr. artigo 236.º, do Código Civil).
Daqui se retira, pois, que a presunção de aceitação do despedimento só pode ser afastada se houver da parte do trabalhador a devolução, ou colocação à disposição do empregador, da compensação recebida.
Diversamente, no âmbito do Código do Trabalho de 2003, aludindo a lei apenas à presunção de aceitação do despedimento em caso de recebimento da compensação, tal significa que o trabalhador pode afastar essa presunção, o mesmo é dizer que a presunção pode ser ilidida mediante prova em contrário e por qualquer meio de prova, não sendo para tal conditio sine qua non a devolução da compensação recebida (cf. n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil).
No âmbito do atual Código e quanto à circunstância do recebimento da compensação pelo trabalhador levar a presumir que aceitou o despedimento, escreve Bernardo Lobo Xavier (Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 780): «O legislador, depois de algumas oscilações, acabou por se fixar nesta ideia de «aceitação», certamente para promover e dar estabilidade e segurança à liquidação das compensações. Por outro lado, a fórmula que já nos referimos de pagamento prévio das compensações como requisito de licitude do despedimento constitui uma vantagem para os trabalhadores, que se pretendeu equilibrar com a estabilização da situação, ainda que com base numa aceitação duvidosamente presumível.
Trata-se obviamente de uma aceitação sui generis, já que o despedimento é um ato unilateral e que de nenhum modo depende da aceitação. O legislador utilizou uma linguagem publicística e processual, como quando constrói a aceitação do ato administrativo como requisito negativo da possibilidade de impugnação ou da aceitação da sentença, como requisito negativo do recurso (art. 681.º, 2, do CPC)».
Também sobre a matéria assinala Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 402-403): «Se o trabalhador receber a compensação, isso significa, segundo o CT, que ele aceita o despedimento. E, se ele aceita o despedimento, então não poderá, mais tarde, contestá-lo em tribunal – a proibição de venire contra factum proprium a tanto obstaria. Ou seja, parece poder depreender-se que, ao menos em via de princípio, se a colocação da «compensação de antiguidade» à disposição do trabalhador despedido constitui um requisito indispensável, uma condição necessária para a licitude do despedimento, o recebimento de tal compensação pelo trabalhador perfila-se como condição suficiente para a respetiva licitude, como sanando quaisquer vícios, procedimentais ou substanciais, de que este enferme».
Do que se deixa referido, impõe-se concluir que o recebimento da compensação pelo trabalhador, em caso de despedimento por extinção do posto de trabalho, faz presumir que ele aceita o despedimento, pelo que não poderá impugná-lo, seja por razões que se prendem com a não observância de regras processuais (razões procedimentais), seja por razões que se prendem com a não verificação dos requisitos substantivos para o despedimento (razões substantivas).»
No mesmo sentido, v.g. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2016, P. 1274/12.0TTPRT.S1.
Não vislumbramos qualquer razão para alterar o entendimento que vem sendo assumido por esta Secção Social[7].
O artigo 366.º n.º 4 do Código do Trabalho consagra uma presunção de aceitação do despedimento pelo trabalhador, quando recebe a compensação a que tem direito pela cessação do contrato.
No caso vertente ficou demonstrado que a Autora recebeu tal compensação, por transferência bancária, conforme a mesma admitiu.
O valor da compensação devida foi satisfeito.
A Autora não devolveu ou colocou à disposição da empregadora[8] a compensação que lhe foi paga. E não esqueçamos que a Ré informou a Autora do IBAN e NIB da conta bancária para a qual poderia ser devolvida a compensação (documento n.º 10, junto com a petição inicial).
Destarte, A autora não ilidiu a presunção de aceitação do despedimento, nos termos previstos pelo n.º 5 do artigo 366.º do Código do Trabalho[9].
Por conseguinte, a presumida aceitação do despedimento inviabiliza a impugnação desse mesmo despedimento, por tal contrariar o princípio geral da boa fé.
A aceitação do despedimento tal como o mesmo foi configurado e executado pela empregadora mostra-se aceite, “tout court”, e impede a trabalhadora de impugnar judicialmente o seu despedimento.
É esta a conclusão a que se chega quando se aplica o direito aos factos julgados provados.
Ainda que não tenha sido oferecida contestação, da análise do contexto factual provado, com relevância para a boa decisão da causa, resulta, desde logo, um facto impeditivo do direito de que a Autora se arroga titular.
A própria Autora reconheceu a realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, porque tem consequências jurídicas que impedem a procedência da pretensão deduzida[10].
Ora, tendo o tribunal a quo procedido à apreciação da impugnação do despedimento, o mesmo errou na aplicação do direito, tendo violado o preceituado no artigo 346.º, n.ºs 3 a 5, conjugado com o artigo 366.º, ambos do Código do Trabalho.
Mostra-se, pois, procedente a 1.ª questão suscitada no recurso, ficando, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Concluindo, o recurso mostra-se procedente.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e julga-se a ação procedente, absolvendo-se a Ré dos pedidos contra si deduzidos.
Custas da ação pela Autora, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique, com a advertência de que os prazos para a interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma da decisão, não estão suspensos, nos termos da alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro.
Évora, 11 de março de 2021
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Moisés Silva (2.º Adjunto)
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] O inicial contrato de trabalho a termo converteu-se em contrato sem termo.
[3] Palavra utilizada pela Autora.
[4] Publicado em www.dgsi.pt.
[5] Ainda que este acórdão aprecie uma situação de extinção do posto de trabalho, mostra-se aplicável à mesma o artigo 366.º do Código do Trabalho.
[6] Acessível em www.dgsi.pt.
[7] Veja-se o Acórdão proferido por este coletivo no processo n.º 1081/18.6T8BJA.E1, de 02-05-2019, acessível em www.dgsi.pt.
[8] Repare-se que na carta remetida pela Autora em 21-01-2019 (documento n.º 7 junto com a petição inicial), nada é referido sobre a devolução da compensação.
[9] Neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 18-12-2019, P. 382/19.0T8PDL.L1-4, consultável em www.dgsi.pt.
[10] Salienta-se que o pedido relativo ao ressarcimento dos alegados danos não patrimoniais alicerçava-se na impugnação do despedimento (facto ilícito).