Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
45/11.5TBMAC.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
HABILITAÇÃO DE SUCESSORES
RECURSO
Data do Acordão: 05/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: COMARCA DE MAÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
1 – Apesar de na al. a) do n.º 1 do artº 284º do CPC se estabelecer que a suspensão da instância cessa quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da parte falecida, tal menção não pode ser tomada apenas à letra, mas integrada, como é bom de ver, no sistema jurídico em que está inserida a norma, tendo em atenção a unidade de tal sistema, conforme decorre do disposto no artº 9º do CC.
2 – Donde a suspensão só deve cessar quando no lugar do falecido estiver colocado o seu sucessor, ou seja, quando a decisão de habilitação começa a afirmar a sua eficácia ou a surtir os seus efeitos.
3 – Por isso, há sempre que esperar-se que decorra o prazo para interposição de recurso e que, no caso de se recorrer se defina o efeito do recurso.
4 – Não tendo sido interposto recurso a sentença de habilitação transita, portanto em julgado e o prosseguimento da instância coincide com a data do trânsito em julgado.
5 – Havendo recurso e sendo o mesmo recebido com efeito meramente devolutivo, a decisão de habilitação, embora não transitada em julgado, produz efeitos desde a data de notificação do despacho que admite o recurso e define o seu efeito.
6 - A habilitação de sucessores é um dos incidentes nominados previstos no CPC, donde o recurso a interpor da decisão que julgue habilitados os sucessores, põe termo ao incidente e como tal deve tal decisão ser impugnada de imediato (não com o recurso que se interpuser da decisão final) e no prazo de 15 dias (artº 691º n.º 2 al. j) e n.º 5 do CPC).

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
A… e F… instauraram no Tribunal Judicial da Comarca de Mação, ação declarativa de condenação com processo sumário contra A… e marido, A…, A… e marido, B… e A… e marido, C…, peticionando a condenação destes a reconhecerem que eles são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio misto, sito em “bousina”, composto de cultura arvense de sequeiro, mata, e urbano composto de casa de dois pisos, destinada a habitação, com a superfície coberta de 333,35m2, inscrito na matriz urbano sob o artigo P2503, e artigo rústico 338, da secção T, da freguesia de Penhascoso, concelho de Mação, com a área 4680m2, a confrontar do norte com A…, do sul com C… e outro do nascente com Ribeiro, do poente com P… e outros, o qual adquiriram pela via de usucapião.
Como sustentáculo do peticionado alegam, em síntese:
- Adquiriram através de doação verbal efetuada pelos primeiros réus no ano de 1983 a dita propriedade, usando e fruindo a mesma desde essa data, limpando as árvores, nomeadamente oliveiras, apanhando a azeitona na época própria, lavrando a terra sempre que é necessário, cultivando, semeando, aplicando fertilizantes e pesticidas, colhendo os respetivos frutos, como feijão, batatas, hortaliças, plantando videiras e apanhando as uvas;
- Plantaram, nela, árvores de fruto, como dois pessegueiros, cinco laranjeiras, três nespereiras, uma tangerineira, três cerejeiras, cinco clementinas, uma figueira, um alperce, um marmeleiro, uma ameixieira, uma romãzeira, duas pereiras e uma macieira;
- Os réus doaram-lhes, ainda, parte do prédio urbano aí implantado tendo nele procedido a obras de construção e ampliação da casa, tendo tapado uma porta interior, que dava acesso à zona da residência onde os primeiros réus viviam e vivem, isto antes da data do casamento dos demandantes que ocorreu no ano de 1983;
- A casa deu origem a dois prédios independentes, a que se acede por um portão e zona comum;
- No ano de 1983 os autores construíram no rés do chão uma divisão destinada a arrumos, a um corredor, uma casa de banho e uma sala e no primeiro andar uma cozinha e uma casa de banho.
- Mesmo depois do casamento continuaram a efetuar obras na casa, tendo a meio da propriedade construído um muro de suporte de terras, junto ao qual colocaram a tubagem necessária para transportar a água de uma outra propriedade sua, a norte;
- Em 1993 construíram uma parte de muro em pedra que se encontrava danificada, o qual tem uma base em pedra, com lintel em cimento, duas fiadas de blocos, pilares em tubo galvanizado e arame que serve de suporte às videiras;
- Em 1995 construíram uma marquise, fechada a alumínio, no 1.º andar;
- Três ou quatro meses depois do casamento construíram capoeiras em madeira e no ano de 2000 cobriram as mesmas com ripas, vigas de madeira, trave e cimento, substituindo o telhado e construíram, também, arrecadações com destino à criação de galinhas e coelhos;
- Em 1996 construíram uma garagem e em 1998 abriram um furo de pesquisa e captação de água subterrânea;
- Têm vindo a praticar tais atos à vista de toda a gente, de forma continua, sem oposição de ninguém, na convicção de exercerem um direito próprio, sem lesarem direitos alheios;
- A autora é filha dos primeiros réus e as rés irmãs entre si;
- Por óbito de J… e E…, pais das rés, correu termos no Tribunal de Mação processo de inventário com o n.º 132/08.7TBMAC, no âmbito dos quais foi relacionado, na verba 23, o prédio misto, sito em “bousina”, freguesia de Penhascoso, concelho de Mação, com a área de 24.520 m2, a confrontar no seu todo a norte com A…, do sul com ribeiro, do nascente com A… e do poente com M… e outros, que se compõe, a parte rústica de cultura arvense, ameixeiras, citrinos, figueiras, macieiras, oliveiras, sobreiros, mato, horta, pinhal, construção rural e leito e curso de água, omisso na Conservatória do Registo Predial de Mação e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 29, da secção T e a parte urbana composta de casa de rés-do-chão para arrecadação com uma divisão, omissa na Conservatória do Registo Predial e inscrita na matriz sob 1579;
- Tal prédio foi doado pelos inventariados aos primeiros réus, que o dividiram, doando-o às suas filhas tendo o extinto artigo 29 da secção T dado origem aos atuais artigos 338, 339 e 340 da referida secção. Por outro lado o urbano com o n.º 1579 era uma construção em ruínas, que se encontrava na parcela 10 do extinto artigo 29 e implantada na parcela 2 do atual artigo 340 da secção T.
Citados os réus vieram os mesmos, no decurso do prazo da contestação, informar do falecimento do co-réu A…, pelo que foi suspensa a instância tendo-se procedido à habilitação das suas herdeiras, A… e A…, as quais foram declaradas habilitados para prosseguirem na ação, por sentença de 17/11/2011, da qual as partes se têm por notificadas no dia 28/11/2011
Em 27/01/2012 vieram apresentar contestação P… e A... Em 30/01/2012 vieram apresentar contestação A…, B…, A… e C...
Ambas as contestações foram, por decisão de 12/09/2012, consideradas extemporâneas, não tendo sido admitidas.
Os réus vieram recorrer do despacho que julgou extemporâneas as contestações apresentadas tendo qualificado o recurso de apelação, com efeito suspensivo e subida nos próprios autos.
Tais recursos não foram admitidos, por se ter entendido que sendo uma decisão interlocutória, não compreendida nas alíneas do n.º 2 do artº 691º do CPC os réus só dela podem recorrer no âmbito do recurso que for interposto da decisão que ponha termo ao processo.
A ação foi considerada não contestada e usando-se da faculdade concedida pelo disposto no artº 784º do CPC, aderiu-se aos fundamentos alegados pelos autores na petição, tendo-se proferido sentença pela qual se julgou “a ação totalmente procedente e, em consequência, condeno os Réus a reconhecerem que os autores são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio misto, sito em “bousina”, composto de cultura arvense de sequeiro, mata, e urbano composto de casa de dois pisos, destinada a habitação, com a superfície coberta de 333,35m2, inscrito na matriz urbano sob o artigo P2503, e artigo rústico 338, da secção T, da freguesia de Penhascoso, concelho de Mação, com a área 4680m2, a confrontar do norte com A…, do sul com C… e outro do nascente com Ribeiro, do poente com P… e outros, o qual adquiriram pela via de usucapião.
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Inconformados vieram os réus P… e A…, por um lado, bem como os réus A…, B…, A… e C.., por outro, interpor recurso, apresentando as suas alegações e terminando por formularem as seguintes conclusões, que se transcrevem:
- Os réus Paulo e Adélia –
1 - Proposta a ação, foi ordenada a suspensão da instância, por ter falecido um dos R.R..
2 - Os sucessores do R. falecido foram declarados habilitados para prosseguirem na ação por douta sentença de 17 de Novembro de 2011,
3 - Que, portanto, transitou em julgado no dia 9 de Janeiro de 2012.
4 - Logo, o prazo para contestar só se iniciou no dia 10 de Janeiro, terminando a 30 desse mês. E a contestação dos recorrentes foi apresentada no Tribunal no dia 27 desse mês. Portanto, foi apresentada tempestivamente.
5 – Na douta sentença recorrida decidiu-se porém que a Contestação entrara fora de prazo por entender que para cessar a suspensão da instância não teria que se aguardar o trânsito em julgado da decisão de habilitação dos sucessores do R. falecido.
6 – Nunca foi esse o entendimento da nossa jurisprudência – que sempre decidiu que a suspensão da instância só cessa com o trânsito em julgado da decisão de habilitação.
7 – A douta decisão recorrida não atendeu ao espírito da lei, perdendo de vista que a preocupação do artº 9º do CC é a de reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico,
8 – Não parecendo que deva desprezar-se a regra de que as decisões dos tribunais suscetíveis de recurso só se impõem a partir do momento em que transitarem em julgado,
9 – Além de que compete aos Tribunais obter “a justa composição” dos litígios (artº 266º do CPC); e devem assegurar “um estatuto de igualdade substancial das partes (artº 3º-A do CPC), devendo, tanto quanto possível, apurar a verdade material – em detrimento de decisões meramente formais – como pode acontecer nas decisões de preceito em que a não contestação não tenha resultado de ato voluntário da parte.
10 - A unidade do sistema jurídico reclamada pelo artº 9º do C.C. propõe inequivocamente que num sistema jurídico como o nosso, em que os efeitos das decisões dos Tribunais só se produzem com o trânsito em julgado das decisões, se interprete o nº 1 - a) do artº 284º do CPC nesse sentido.
11 – A douta decisão recorrida obsta à aplicação dos artºs. 666º e ss. do CPC, impede o exercício do contraditório, desrespeita o princípio da igualdade das partes e os princípios da economia processual e da celeridade processual.
12 – E contende com o espírito da reforma processual de 95/96, ignorando os objetivos inovadores da mesma, com absoluto desprezo dos comandos dos artºs. 265º e 266º do CPC.
13 – O entendimento uniforme da nossa jurisprudência não desrespeita nenhum princípio processual e não lesa nada nem ninguém, porque a afirmação justa do direito pressupõe a lide que a interpretação da decisão recorrida impede.
14 – Tendo que optar-se por uma das interpretações em jogo, deverá prevalecer a que respeitando o sentido do artº 9º do CC não viole os princípios fundamentais de jurisdição e do processo: a interpretação consagrada na jurisprudência que diz que as decisões só produzem efeito depois do respetivo trânsito em julgado.
15 – A douta decisão recorrida violou o disposto no artº 9º do CC e nos artºs. 666º e ss., 265º, 266º, 284º-1-a) e 671º do CPC – pelo que deve ser revogada, substituindo-se por decisão que declare que foi tempestivamente apresentada a contestação dos Recorrentes.
- Os réus A…, B…, A… e C… –
a) A Mmª Juíza “a quo” , na sentença final, partiu erroneamente do pressuposto de que a decisão interlocutória de extemporaneidade das contestações já havia transitado em julgado. E,
b) Com base nesse pressuposto, transformou-o em fundamentação basilar dessa decisão.
c) A sentença é incindível, não se podendo separar do seu texto a convicção/apreciação que se fez nela dos recursos anterior e oportunamente interposto, e ao mesmo tempo e concomitantemente fundamentar uma decisão (sentença) final com base numa decisão interlocutória que ainda não transitara em julgado.
d) Houve e há, pois, manifesta violação do conceito/princípio do trânsito em julgado. Pois que,
e) Proposta a ação, foi ordenada a suspensão da instância, por ter falecido um dos R.R..
f) Os sucessores do R. falecido foram declarados habilitados para prosseguirem na ação por douta sentença de 17 de Novembro de 2011,
g) Que, portanto, transitou em julgado no dia 9 de Janeiro de 2012.
h) Logo, o prazo para contestar só se iniciou no dia 10 de Janeiro, terminando a 30 desse mês. E a contestação dos recorrentes foi apresentada no Tribunal no dia 30 desse mês. Portanto, foi apresentada tempestivamente.
i) A Mª Juíza a quo decidiu, porém, que a Contestação entrara fora de prazo por entender que para cessar a suspensão da instância não teria que se aguardar o trânsito em julgado da decisão de habilitação dos sucessores do R. falecido.
j) Nunca foi esse o entendimento da nossa jurisprudência – que sempre decidiu que a suspensão da instância só cessa com o trânsito em julgado da decisão de habilitação.
l) A douta decisão recorrida não atendeu ao espírito da lei, perdendo de vista que a preocupação do artº 9º do CC é a de reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico,
m) Não parecendo que deva desprezar-se a regra de que as decisões dos tribunais suscetíveis de recurso só se impõem a partir do momento em que transitarem em julgado,
n) Além de que compete aos Tribunais obter “a justa composição” dos litígios (artº 266º do CPC); e devem assegurar “um estatuto de igualdade substancial das partes (artº 3º-A do CPC), devendo, tanto quanto possível, apurar a verdade material – em detrimento de decisões meramente formais – como pode acontecer nas decisões de preceito em que a não contestação não tenha resultado de ato voluntário da parte.
o) A unidade do sistema jurídico reclamada pelo artº 9º do C.C. propõe inequivocamente que num sistema jurídico como o nosso, em que os efeitos das decisões dos Tribunais só se produzem com o trânsito em julgado das decisões, se interprete o nº 1- a) do artº 284º do CPC nesse sentido.
p) A douta decisão recorrida obsta à aplicação dos artºs. 666º e ss. do CPC, impede o exercício do contraditório, desrespeita o princípio da igualdade das partes e os princípios da economia processual e da celeridade processual.
q) E contende com o espírito da reforma processual de 95/96, ignorando os objetivos inovadores da mesma, com absoluto desprezo dos comandos dos artºs. 265º e 266º do CPC.
r) O entendimento uniforme da nossa jurisprudência não desrespeita nenhum princípio processual e não lesa nada nem ninguém, porque a afirmação justa do direito pressupõe a lide que a interpretação da decisão recorrida impede.
s) Tendo que optar-se por uma das interpretações em jogo, deverá prevalecer a que respeitando o sentido do artº 9º do CC não viole os princípios fundamentais de jurisdição e do processo: a interpretação consagrada na jurisprudência que diz que as decisões só produzem efeito depois do respetivo trânsito em julgado.
t) A douta decisão recorrida violou o disposto no artº 9º do CC e nos artºs. 666º e ss., 265º, 266º, 284º-1-a), 671º e 677º do CPC e a jurisprudência invocada especificamente o Ac. do STJ de 25/06/2009 nº 107/09.9YFLSB 3ª Secção in www.dgsi.pt/jstj - pelo que deve ser revogada, substituindo-se por decisão que declare que foi tempestivamente apresentada a contestação dos Recorrentes, seguindo-se os demais termos até final.
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Não foram apresentadas contra alegações por parte dos apelados.
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Apreciando e decidindo
Como se sabe o objeto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, tendo por base as disposições combinadas dos artºs 660º n.º 2, 661º, 664º, 684º n.º 3 e 685º-A todos do Cód. Proc. Civil.
Assim, a questão nuclear a apreciar, em ambos os recursos, consiste em saber se as contestações apresentadas pelos réus devem, ou não, ser consideradas tempestivas.
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Para apreciar e decidir a questão há que ter em conta todo o circunstancialismo factual descrito no Relatório, que nos dispensamos de transcrever de novo.
Vejamos então!
Caberá salientar, como preliminar, antes de apreciarmos a questão propriamente dita, que não podemos sufragar o entendimento dos recorrentes A…, B…, A… e C…, de que ao ser proferida a sentença final nos termos em que o foi, foi violado o princípio do caso julgado, como transparece das conclusões 1ª a 4ª. Em nossa opinião, o Julgador a quo não partiu do pressuposto de que qualquer decisão interlocutória por ele proferida nos autos já tivesse transitado em julgado. Limitou-se, sim, a afirmar, seguindo as regras recursivas plasmadas no novo regime de recursos, que as decisões interlocutórias não expressamente referenciadas no n.º 2 do artº 692º do CPC, apenas devem ser impugnadas no recurso que se vier a interpor da decisão final, não significando tal, que se considerem tais decisões interlocutórias como transitadas em julgado, pois se assim fosse, não poderiam as mesmas serem atacadas no âmbito deste aludido recurso, aliás, como o fazem os réus no presente recurso.
Não se vislumbra, assim, qualquer violação do princípio do caso julgado nos termos em que tal desiderato se mostra invocado.
Quanto à questão propriamente dita, desde já, diremos que em face do circunstancialismo factual assente, embora não corroborando dos fundamentos perfilhados pelo Julgador a quo, não podemos deixar de considerou as contestações oferecidas pelos réus, como tendo sido apresentadas para além do prazo que dispunham para contestar.
A instância foi suspensa com vista há habilitação de sucessores de um dos primitivos réus, decorrendo da lei que tal suspensão cessa “quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida” (v. artº 284º n.º 1 al. a) do CPC). Contudo, a expressão “notificada da decisão” não pode ser tomada apenas à letra, mas integrada, como é bom de ver, no sistema jurídico em que está inserida a norma, tendo em atenção a unidade de tal sistema, conforme decorre do disposto no artº 9º do CC.
O Julgador a quo entendeu que tendo-se os réus por notificados da sentença de habilitação herdeiros em 28/11/2012, era a partir dessa data que dispunham dos vinte dias consignados no artº 783º do CPC para apresentarem a peça processual contestação, tendo em conta, também, que a suspensão da instância inutiliza qualquer parte de prazo que já haja decorrido (cfr. artº 283º n.º 2 do CPC), começando, de novo, a contagem do prazo.
Muito embora a lei refira “data da notificação” não podemos deixar de ter em consideração como salienta Alberto dos Reis que “a suspensão só deve cessar quando no lugar da referida pessoa (o falecido) estiver colocado o seu sucessor”, pelo que “o preciso momento em que cessa a suspensão não é rigorosamente o da notificação da decisão a que o texto (da lei) se refere[1]
A doutrina expressa pelo Insigne Mestre continua a ter plena atualidade, até porque a redação do artigo 284º do CC (vigente) provém ipsis verbis (com exceção da única alteração dum tempo verbal) do artº 289º do CPC de 1939.[2]
Por isso, há sempre que esperar-se que decorra o prazo para interposição de recurso e que, no caso de se recorrer, se defina o efeito do recurso. Conforme lapidarmente é expresso pelo Insigne Mestre “fizeram-se as notificações, começou a correr o prazo para o recurso; o prazo expirou sem que se tivesse recorrido da sentença; esta transitou, portanto em julgado. Neste caso o prosseguimento da instância coincide com o trânsito da sentença em julgado.”[3] No caso em apreço, esta foi a realidade pelo que ao contrário do entendido pelo Julgador a quo, a cessação da suspensão da instância apenas ocorreu com a data do trânsito em julgado da decisão proferida no apenso de habilitação, iniciando-se, então o prazo para o oferecimento da defesa por parte dos réus.
O facto de, presentemente, na lei se atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso que se interpuser da sentença proferida no incidente de habilitação de herdeiros, que defira a pretensão, não releva diferentemente do que acontecia no âmbito da anterior legislação recursiva. Pois, só no caso de ser interposto recurso é que é de tomar em linha de conta o efeito a atribuir ao mesmo para fins de afirmar o início da eficácia ou do surtir dos efeitos da sentença de habilitação que poderá não coincidir com o trânsito em julgado da sentença, mas com o momento em que se marca o efeito do recurso.
Efetivamente cabe ao Juiz na decisão que proferir sobre o requerimento de recurso, caso o admita, que fixe a sua espécie e determine o efeito (artº 685º - C n.º 5 do CPC) até porque, embora a lei possa prever, na generalidade, efeito meramente devolutivo para o recurso em causa, também, concede ao recorrente, possibilidade de requerer ao Juiz a atribuição de efeito suspensivo, desde que invoque prejuízo considerável na execução da decisão recorrida e se ofereça para prestar caução (artº 692º n.º 4 do CPC).
Donde, só após o despacho de apreciação do requerimento recursivo, no qual o Julgador fixe o efeito a atribuir ao recurso é que se poderá afirmar a eficácia e os efeitos da decisão que conduz à cessação da suspensão da instância, sendo necessário, por isso “que as partes tenham conhecimento do despacho que define o efeito do recurso”, e sendo esse efeito definido como meramente devolutivo, “em rigor a suspensão da instância só cessa na data em que o despacho é notificado”.[4]
Nestes termos, seguindo a argumentação dos recorrentes e as datas por eles elencados teríamos de concluir pela procedência do recurso. No entanto, a argumentação dos recorrentes parte de premissas erradas e só por isso lhes permite chegar ao entendimento que as contestações que apresentaram foram oferecidas tempestivamente.
Ao contrário do que afirmam os recorrentes, a decisão que pôs termo ao incidente de habilitação de sucessores não transitou em julgado em 09/01/2012, mas antes, ou seja, no dia 13/12/2011. Pois, tal decisão, como reconhecem os recorrentes tem-se-lhes por notificada no dia 28/11/2011, por isso podiam impugná-la até ao dia 13/12/2011, sem multa ou até ao dia 16/12/2013, com multa, uma vez que o prazo legal de recurso não é de 30 dias, mas apenas de 15 dias.
A habilitação de sucessores é um dos incidentes nominados previstos no CPC, conforme decorre do Livro III, Título I, Capítulo III, Secção V, donde o recurso a interpor da decisão que julgue habilitados os sucessores, põe termo ao incidente e, como tal, tendo em consideração o disposto no artº 691º do CPC, cujo conteúdo versa sobre as decisões de que pode apelar-se, cai na alçada, não do n.º 1 deste artigo, mas sim na do n.º 2 al j) devendo tal decisão ser impugnada de imediato (não com o recurso que se interpuser da decisão final) e no prazo de 15 dias, por força do que dispõe o n.º 5 do aludido dispositivo,[5] no qual se estabelece que “nos casos previstos das alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 … o prazo para interposição de recurso e apresentação de alegações é reduzido para 15 dias”
Tendo, assim ocorrido o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao incidente de habilitação no dia 13/12/2011, os recorrentes tinham, a partir dessa data, 20 dias para apresentarem o articulado contestação à ação, ou seja, até 16/01/2012, ou até 19/01/2012 (neste caso pagando a respetiva multa).
Como as contestações de uns recorrentes foram apresentadas em 27/01/2012 e de outros recorrentes em 30/01/2012, é manifesto que o foram extemporaneamente, pelo que embora divergindo dos fundamentos do Julgador a quo temos que reconhecer que a decisão que não admitiu as contestações se mostra acertada sendo por isso de manter.
Improcede, deste modo a apelação, sendo de confirmar, quer a decisão interlocutória de não admissão das contestações por extemporaneidade, quer a sentença final, a qual, aliás, nem foi diretamente impugnada, conforme decorre do teor das conclusões.
DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, e consequentemente confirmar a decisão recorrida
Custas pelos apelantes
Évora, 16 de Maio de 2013
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura
__________________________________________________
[1] - v. Código Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, 388, bem como Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, edição de 1946, 305.
[2] - v. Lebre de Freitas in Código Processo Civil anotado, vol. I, 1999, 507.
[3] - v. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, edição de 1946, 306.
[4] - v. Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, edição de 1946, 306.
[5] - v. Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 2008, 179; Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª edição, 201 e 202; Fernando Amâncio Ferreira in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, 195.