Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1154/22.0T8EVR-E.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: REMIÇÃO
LEILÃO
DEPÓSITO DO PREÇO
CONDIÇÃO
Data do Acordão: 11/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – A intervenção do remidor, no processo no âmbito do qual foi efetuada a venda, é espontânea, não se encontrando dependente de qualquer notificação;
II - Estando em causa o exercício do direito de remição sobre um bem imóvel vendido em leilão eletrónico, a apresentação de comprovativo do depósito do preço no momento da remição constitui condição de validade do exercício do direito;
III - A invalidade do anterior exercício do direito de remição não impede o apelante, caso não tenha ainda decorrido o limite temporal fixado para o efeito, de exercer novamente esse direito, com observância da obrigação de proceder ao depósito do preço e dos demais requisitos da validade de tal exercício.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1154/22.0T8EVR-E.E1
Juízo Local Cível de Évora
Tribunal Judicial da Comarca de Évora


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

No decurso da liquidação que corre termos por apenso ao processo no âmbito do qual foi declarada a insolvência de (…), foi determinada a venda em leilão eletrónico de um bem imóvel apreendido para a massa insolvente: o prédio misto sito no Caminho Municipal n.º (…), Quinta (…), Arraiolos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arraiolos sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), secção (…), na parte rústica, e artigo (…), na parte urbana.
O leilão eletrónico foi declarado encerrado às 19 horas do dia 07-03-2024, tendo sido aceite e escolhida uma oferta de licitação para aquisição do imóvel apresentada por (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., no valor de € 229.500,00.
Mediante comunicação apresentada nos autos no dia 14-03-2024, (…), invocando a qualidade de filho da insolvente, declarou que pretende exercer o direito de remição e proceder, para o efeito, ao depósito integral do preço.
Por despacho judicial de 15-03-2024, foi determinado, além do mais, o seguinte:
(…)
III - Req. de 14-03-2024 - Notifique o respetivo teor ao administrador da insolvência.
Informe ainda o administrador da insolvência que não deverá adjudicar à proponente (…), SMI, Unipessoal, Lda. o identificado imóvel nem formalizar a respetiva alienação enquanto não for apreciado o referido requerimento de 14-03-2024, cabendo tal decisão ao mesmo administrador da insolvência, sem prejuízo de posterior reclamação da decisão do administrador da insolvência.
De seguida, (…) apresentou diversos requerimentos nos autos, solicitando a concessão de um prazo para proceder ao depósito do preço.
O administrador da insolvência veio aos autos, em 03-04-2024, comunicar a decisão seguinte:
(…), nomeado Administrador de Insolvência (…), vem muito respeitosamente recordar os Autos que o leilão eletrónico promovido para venda do imóvel apreendido nos Autos (…) terminou a 07/03/2024 com uma licitação no valor de € 229.500,00 apresentada por “(…), SMI, Unipessoal, Lda.”.
Oportunamente, em tempo e após notificação do Administrador de Insolvência, veio o filho da Insolvente, Sr. (…), expressamente requerer que pretendia exercer o direito de remição. O Administrador da Insolvência, por carta registada de 18 de Março, reconheceu o direito de remição invocado e concedeu ao remidor 5 dias úteis, posteriormente prorrogados por mais 5.
Não tendo sido cumprido o prazo de pagamento relativamente à aquisição do imóvel supra identificado, na sequência do requerimento para exercício do direito de remição, o Administrador de Insolvência vem muito respeitosamente informar que irá de imediato adjudicar o identificado bem ao licitante vencedor do leilão eletrónico que teve encerramento a 07/03/2024, pelo valor de € 229.500,00 (duzentos e vinte e nove mil e quinhentos euros).
Notificado desta decisão proferida pelo administrador da insolvência (…) apresentou reclamação em 10-04-2024, pugnando pela revogação da decisão impugnada, pelos motivos que expõe, e formulando a pretensão que se transcreve:
«Em face do exposto, atento os factos invocados e em consequência das ilegalidades referenciadas e reiteradas praticadas pelo Sr. A.I., apresento reclamação ao Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito do presente processo, solicitando, a revogação da decisão do Sr. A.I. do dia 03/04/2024 por todos os procedimentos legais relacionados com o exercício do direito de remição comunicados pelo preferente remisso terem sido reiteradamente violados pelo Sr. A.I., tudo com as legais consequências.»
Por despacho judicial de 21-06-2024, decidiu-se o seguinte:
a) indeferir totalmente o requerido pelo ora requerente (…) no seu requerimento de 10-04-2024, incluindo a pretendida revogação da decisão do administrador da insolvência do dia 03/04/2024 cuja cópia foi junta com o referido requerimento;
b) determinar que o administrador da insolvência prossiga com a liquidação do mencionado imóvel, autorizando-se a formalização da respetiva venda à licitante (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda.;
c) determinar a notificação da insolvente para, no prazo de 10 dias, proceder à entrega voluntária do identificado imóvel ao administrador da insolvência.

Inconformado, (…) interpôs recurso deste despacho, pugnando para que seja revogado, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«II- DAS CONCLUSÕES
18º
O artigo 842.º do CPC ao fazer menção a “venda”, permite que o direito de remição seja exercido antes e mesmo após a concretização do negócio, uma vez que a venda, nos termos do artigo 879.º do CPC pressupõe a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito ou seja, a obrigação de entregara coisa e a obrigação de pagar o preço.
19º
Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 4666/11.8TBMAI-AA-P1, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler o seguinte: “O direito de remir é o direito a substituir-se ao comprador dos bens, pelo preço pelo qual este os adquiriu. Por essa razão, o exercício do direito de remição pressupõe que se tenha realizado a venda dos bens do devedor (…).
20º
Perante isto, não tem razão o Tribunal a quo quando refere no despacho de que se recorre que tal direito nunca poderá exercer-se após a concretização da transmissão e quando exige o imediato deposito da totalidade do preço, ou seja, quando, alega:
“Nos termos do artigo 843.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, devendo o familiar do executado que pretenda exercer esse direito estar presente no termo do leilão, de modo a acautelar o seu exercício, dado que a lei não prevê qualquer outro procedimento que o garanta após aquele momento. A adjudicação formaliza-se pela emissão do título de transmissão a favor do adquirente, não existindo uma previsão legal expressa no sentido da necessidade da comunicação da data em que este será lavrado, impondo-se apenas que o preço se mostre depositado antes disso.”
21º
Mais, o despacho recorrido, alega que o direito de remição só pode ser exercido até à emissão do titulo de transmissão e indefere a pretensão do ora recorrente, apesar do titulo de transmissão não se mostrar emitido, pelo que nesta conformidade, o Tribunal a quo aplicou mal o disposto no artigo 843.º, n.º 1, alínea a), do CPC, visto que o Recorrente se encontrava em tempo de exercer o direito de remição quando requereu que o mesmo lhe fosse reconhecido e quando requereu a prorrogação do prazo que lhe foi negado.
22º
Não tem razão o Tribunal quando afirma no despacho de que se recorre que o Sr. Administrador da Insolvência não tinha sequer que notificar o ora recorrente, depois de tomar conhecimento da sua intenção de exercer o seu direito de remição, nem quando alega que o ora recorrente tinha a obrigação de proceder imediatamente ao depósito do preço de alienação do imóvel, omitindo, por completo os exigidos 5% de comissão a pagar à referida sociedade licitante, o que foi igualmente exigido ao ora recorrente para que a adjudicação do imóvel lhe fosse feita, o que é também ilegal.
23º
Desde logo, porque o titular do direito de remição só pode exercer o seu direito se tiver conhecimento de que o pode exercer, o que no presente caso não aconteceu, tendo sido nesta medida violado o direito de informação e o direito de remissão previsto nos artigos 842.º e 843.º do Código de Processo Civil.
24º
Nas outras modalidades de venda como é o caso de venda em leilão, o direito de remissão pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, sendo nesta medida o despacho ilegal quando exigiu ao preferente o deposito do preço imediatamente, mesmo antes da emissão do titulo de transmissão e antes da entrega dos bens, que não se verificou até à presente data.
25º
O título de transmissão está previsto no artigo 827.º/1, do CPC, sob a epígrafe “Adjudicação e registo”: Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor
26º
O que significa, que a propriedade não se transferiu por mero efeito do contrato, como previsto no artigo 879.º/a) a c), do Código Civil, pelo que não basta o pagamento do preço e a entrega da coisa;
27º
Na verdade, a propriedade só se transfere para o adquirente quando a ele é adjudicada apenas após a emissão do título de transmissão a favor do adquirente, uma vez que estamos em presença de uma venda judicial e, por isso, rodeada de especiais particularidades e cautelas, como sejam a prova do cumprimento das obrigações fiscais inerentes à transmissão – neste sentido, cfr. Ac. RE de 06-12-2018, Proc. 1866/14; Ac. RG de 03-03-2016, Proc. 976/09; RP de 20-11-2014, Proc. 810/09 e RL de 27-03-2014, Proc. 17748/12.
28º
Pelos motivos expostos, o direito de remição pode ser exercido até ao momento em que o título de transmissão é entregue ao adquirente, o que não sucedeu até à presente data, apesar do despacho recorrido ter ordenado a entrega do imóvel ao A.I. o que a insolvente se recusa a fazer voluntariamente, por entender que o recorrido exerceu legalmente o direito de remissão que tinha ao seu dispor, o que lhe foi ilegalmente negado, com a imposição do deposito do preço antes da emissão do titulo de transmissão, da venda e da entrega do bens, que não se efectivou a favor do licitante.
Termos em que,
• Deverá ser admitido por legal e tempestivo o presente recurso de apelação, por violação do disposto no artigo 842.º do CPC e por erro de interpretação e aplicação do artigo 843.º do CPC e por violação da ratio do direito de remição e violação do dever de informação, o qual deverá ser considerado totalmente procedente e consequentemente, deverá o despacho judicial recorrido ser, totalmente revogado, bem como a decisão do Sr. A.I. de 03/04/2024 e reconhecido o direito de remissão por parte do ora recorrente, fixando-se um prazo de 30 dias para o deposito da totalidade do preço (€ 229.500,00 euros);
• Em face das referidas ilegalidades, deverá, consequentemente ser revogado o despacho judicial recorrido na parte em que o mesmo autorizou a formalização da venda à licitante (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. e na parte em que ordenou a entrega voluntária do imóvel identificado ao Sr. A.I.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão da validade do exercício do direito de remição pelo filho da insolvente.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Tramitação processual
Os elementos com relevo para a apreciação da questão suscitada constam do relatório supra.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Respeita o presente recurso ao exercício pelo apelante, na qualidade de filho da insolvente, do direito de remição sobre um bem imóvel apreendido para a massa insolvente e vendido em leilão eletrónico, no âmbito do incidente de liquidação que corre termos por apenso ao processo em que foi declarada a insolvência de (…).
Na sequência de comunicação apresentada nos autos pelo apelante, na qual invocou a qualidade de filho da insolvente e manifestou vontade em exercer o direito de remição sobre o imóvel vendido, requerendo lhe seja concedido um prazo para proceder ao depósito do preço, o administrador da insolvência reconheceu-lhe o direito de remir, o que não vem questionado na apelação, mas rejeitou a concessão do pretendido prazo.
Vem posto em causa no recurso o despacho judicial de 21-06-2024, que apreciou e considerou improcedente a impugnação, deduzida pelo apelante, da decisão de 03-04-2024 do administrador da insolvência, na qual, apesar de reconhecer ao recorrente o direito de remição, não lhe concedeu o peticionado prazo para depósito do preço.
Entendeu a 1.ª instância que a apresentação de comprovativo do depósito do preço no momento do exercício do direito de remição constitui condição de validade de tal exercício, em consequência do que se considerou não caber ao administrador da insolvência efetuar qualquer notificação ou conceder algum prazo para o efeito, competindo ao apelante, na qualidade de remidor, proceder ao depósito do preço obtido na venda realizada em leilão eletrónico, o que não demonstrou ter efetuado.
Discordando deste entendimento, o apelante invoca o artigo 843.º do Código de Processo Civil (CPC) e sustenta que, estando em causa uma venda em leilão eletrónico, a alínea b) do n.º 1 do preceito permite o exercício do direito de remição até ao momento da entrega dos bens e o n.º 2 não exige o imediato depósito da totalidade do preço para o exercício do direito de remição; alegando que ainda não foi emitido o título que documenta a venda a favor do adquirente do imóvel, peticiona a fixação de um prazo de 30 dias para proceder ao depósito da totalidade do preço.
Vejamos se lhe assiste razão.
O artigo 842.º do CPC reconhece a determinadas categorias de pessoas – ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado – o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.
O artigo 843.º do mesmo código, por seu turno, estabelece, no n.º 1, os limites temporais dentro dos quais pode o direito de remição ser exercido, a saber: a) no caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º; b) nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta. O n.º 2 deste artigo, por sua vez, estabelece regras relativas ao exercício do direito de remição.
O direito de remição consiste, nas palavras de José Lebre de Freitas (A Ação Executiva, 7.ª edição, 2017, Coimbra, Gestlegal, pág. 387), num «especial direito de preferência» que a lei processual concede ao cônjuge e aos parentes em linha reta do executado.
Em anotação ao mencionado artigo 842.º, explicam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 834) que o «direito de remição constitui um direito de preferência legal de formação processual que, tendo por finalidade a proteção do património familiar, evita, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado (…)».
Os termos e os prazos para o exercício do direito de remição variam em função da modalidade de venda, pelo que, estando em causa a venda em leilão eletrónico de um bem imóvel apreendido para a massa insolvente, impõe-se apreciar o regime do exercício do direito de remição no âmbito desta modalidade de venda.
É sabido que cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir, entre outras funções, a prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), isto é, preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram.
Regulando o começo da venda dos bens, dispõe o n.º 1 do artigo 158.º do CIRE que o administrador da insolvência, transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia, apresentando nos autos, para o efeito, no prazo de 10 dias a contar da data de realização da assembleia de apreciação do relatório, um plano de liquidação de venda dos bens, contendo metas temporalmente definidas e a enunciação das diligências concretas a encetar.
No que respeita às modalidades da alienação, o artigo 164.º do mesmo código dispõe que o administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.
Decorre destes preceitos que, transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, compete ao administrador da insolvência, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia, promover, com prontidão, a alienação dos bens que integram a massa insolvente, preferencialmente através de venda em leilão eletrónico.
Dispõe o artigo 837.º do CPC que a venda em leilão eletrónico é feita nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, sendo-lhe aplicáveis as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão em tudo o que não estiver especialmente regulado naquela portaria.
O diploma legal a que alude este preceito é a Portaria n.º 282/2013, de 29-08, que regulamenta, entre outros aspetos das ações executivas cíveis, os termos da venda em leilão eletrónico de bens penhorados – cfr. artigo 1.º, al. j) –, cujas regras constam dos artigos 20.º a 26.º.
Estatui o artigo 20.º que o leilão eletrónico consiste numa modalidade de venda de bens penhorados que se processa em plataforma eletrónica acessível na Internet, concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender em processo de execução, nos termos definidos na portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça, o que impõe se atenda também ao Despacho n.º 12624/2015, de 09-11, da Ministra da Justiça – publicado no Diário da República n.º 219/2015, Série II de 2015-11-09 --, que complementa a portaria, designadamente quanto às regras de funcionamento da plataforma de leilão eletrónico.
Com relevo para o caso presente, extrai-se dos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º da portaria que, em sítio da Internet de acesso público, é disponibilizada a todos os interessados, entre outros elementos, a consulta dos anúncios de venda de bens que decorra através de leilão eletrónico e do resultado do leilão eletrónico; por outro lado, dispõe o artigo 26.º, n.º 2, da portaria, que os direitos ou deveres legalmente previstos podem ser exercidos até ao momento da adjudicação, esclarecendo o Despacho n.º 12624/2015, de 09-11, no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), que se entende por adjudicação, para efeitos das regras nele estabelecidas, «a decisão tomada no âmbito do processo de execução pelo agente de execução, que decida a venda de um bem ou conjunto de bens integrados num lote, a um utente que apresentou a licitação mais elevada, depois de ter depositado o preço e demonstrado o cumprimento das obrigações fiscais».
Determina o n.º 10 do artigo 8.º do aludido despacho que, «no prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada».
Reportando-se ao exercício de direitos por terceiros, estatui o artigo 13.º do aludido despacho, no n.º 1, que os preferentes ou remidores exercem os seus direitos diretamente no processo de execução, o que impõe a respetiva intervenção nos autos.
No que respeita ao exercício do direito de remição, decorre do regime exposto que, sendo o remidor um terceiro relativamente ao processo no âmbito do qual é efetuada a venda, a respetiva intervenção é espontânea[1], não se encontrando dependente de qualquer notificação a efetuar pelo agente de execução ou, no caso, pelo administrador da insolvência, sendo certo que sempre poderão os interessados tomar conhecimento do resultado da venda, isto é, da proposta vencedora, por consulta ao portal de acesso público.
Encontra-se assente que assiste ao apelante, na qualidade de filho da insolvente, o direito de remir o bem imóvel vendido, pelo preço por que tiver sido feita a venda, cumprindo apreciar se exerceu validamente o direito de remição, sendo que não demonstrou ter procedido ao depósito do preço da venda.
Afirma o apelante que ainda não decorreu o prazo limite para o exercício do direito de remição, sustentando que, estando em causa uma venda em leilão eletrónico, pode exercer o seu direito até ao momento da entrega do bem vendido; mais defende que não tem de depositar a totalidade do preço para o exercício do direito de remição, pelo que requer a concessão de um prazo para o efeito.
O que está em causa, nos presentes autos, não é o respeito pelo limite temporal previsto na lei para o exercício do direito de remição – nem o administrador da insolvência na decisão impugnada, nem a 1.ª instância na decisão recorrida, consideraram extemporaneamente exercido o direito de remição –, mas a validade do próprio exercício desse direito, concretamente, a exigência do integral depósito do preço como condição de validade do exercício do direito de remição.
Vejamos se o remidor, aquando do exercício do direito de remição, tem de depositar a totalidade do preço.
O n.º 2 do artigo 843.º do CPC dispõe o seguinte: Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.
Analisando esta norma, verifica-se que a primeira parte, que prevê a possibilidade de o remidor não pagar imediatamente a totalidade do preço, por força da aplicação, com as necessárias adaptações, do regime previsto no artigo 824.º – que concede ao remidor a possibilidade de entrega de um cheque visado, à ordem do administrador da insolvência, no montante correspondente a 5% do valor anunciado ou garantia bancária no mesmo valor, sendo posteriormente notificado para, no prazo de 15 dias, depositar a totalidade ou a parte do preço em falta –, reporta-se apenas à venda realizada por propostas em carta fechada, caso o direito de remição seja exercido no ato de abertura e aceitação das propostas, não sendo aplicável se o direito for exercido depois desse momento, nem às outras modalidades de venda.
Explica Rui Pinto (A Ação Executiva, Lisboa, AAFDL – 2020, 2.ª reimpressão, pág. 887) o seguinte: «Se o remidor exercer o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, deverá proceder à prestação de caução e depósito do preço conforme o artigo 824.º, com as adaptações necessárias (…). Se o remidor exercer o seu direito depois desse momento, mas necessariamente antes da adjudicação de bens, o preço deve ser integralmente depositado com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º»
No caso presente, não tendo a venda sido realizada por propostas em carta fechada, não se mostra preenchida a previsão da primeira parte do n.º 2 do artigo 843.º, o que afasta a possibilidade de não pagamento da totalidade do preço aquando do exercício do direito de remição.
Tendo a venda sido efetuada em leilão eletrónico, cabe ao remidor demonstrar o depósito da totalidade do preço aquando do exercício do direito de remição, conforme decidido pela 1.ª instância, carecendo de fundamento legal a posição contrária defendida pelo apelante.
Não tendo o apelante demonstrado o depósito de qualquer montante, mostra-se inválido o ato de exercício do direito de remição, dado que o depósito do preço no momento da remição constitui condição de validade do exercício desse direito.
No entanto, tal como se considerou no acórdão da Relação de Coimbra de 17-12-2014 (relatora: Maria Inês Moura) – proferido no proc. n.º 306/05.2TBPCV-F.C1 e publicado em www.dgsi.pt –, estando ainda o remidor dentro do prazo estabelecido na lei para o exercício do seu direito, não pode ter-se o mesmo por precludido antes de decorrido tal prazo, ainda que em momento anterior o remidor tenha pretendido exercer o seu direito, sem observância dos requisitos necessários à sua validade.
A invalidade do anterior exercício do direito de remição não impede o apelante, caso não tenha ainda decorrido o momento processual fixado para o efeito, de exercer novamente tal direito, com observância da obrigação de proceder ao depósito do preço e dos demais requisitos da validade de tal exercício.
Em conclusão, improcede a apelação, cumprindo confirmar a decisão recorrida.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
Évora, 21-11-2024
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Francisco Matos (1.º Adjunto)
Eduarda Branquinho (2.ª Adjunta)


__________________________________________________
[1] Neste sentido, cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, Lisboa, AAFDL – 2020, 2.ª reimpressão, pág. 886); José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, cit., pág. 837.