Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
767/18.0T8TMR-A.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: NULIDADE DE DESPACHO
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE SANÁVEL
PRAZO DE ARGUIÇÃO
RECTIFICAÇÃO DE SENTENÇA
RECTIFICAÇÃO
ACTO JUDICIAL
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) mostra-se sanada a nulidade arguida fora do prazo, desde que, como é o caso dos autos, não possa ser invocada a todo o tempo.
ii) quando a lei refere “ato” tem em vista a sua prática num dado tempo bem delimitado.
iii) tendo a ré vários representantes legais, a eventual nulidade na prestação de um depoimento deve ser suscitada de imediato pela parte que estiver presente até ao momento em que terminar.
iv) a retificação da ata pressupõe que algo foi ditado para ata e que aparece aí transcrito de forma incompleta, deficiente, deturpada, ininteligível ou obscura. Não é passível de correção a não documentação na ata de requerimento se a parte estando presente em audiência não suscitou a questão de imediato.
v) a arguição de nulidade fora do prazo constitui um incidente anómalo, consistindo a anormalidade, neste caso, no facto de ter sido invocada fora do prazo legal e constituir um ato inútil por o tribunal estar impedido de conhecer da mesma. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: C… (autor).
Apelada: Ce… (ré).

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Tomar, J1.

1. Nos presentes autos foi proferido o despacho seguinte:
“C…, autor nos presentes autos, veio requerer a retificação da ata da audiência de julgamento realizada em 28/03/2019. Requereu a introdução na ata de que durante o depoimento de parte, o mandatário do autor arguiu e invocou a nulidade do depoimento de parte por este se estar a circunscrever aos temas da prova, remetendo a fundamentação mais aprofundada para o requerimento apresentado, horas antes da audiência, no próprio dia 28/03/2019.
No seguimento desse requerimento, foi proferido despacho a 9/4 p.p. referindo que: "a pretendida retificação da ata revela-se excessivamente vaga e ambígua, presta-se a equívocos e não se alcança da mesma o respetivo propósito ou utilidade.
Por conseguinte, convido o autor a vir aos autos precisar e concretizar:
Qual é exatamente o facto que pretende trazer à ata e respetivo teor; e,
Qual é a relevância do facto para a boa decisão da causa".
O A. respondeu ao convite, na parte que interessa, requerendo - "e independentemente da formulação que V. Exa. vier a considerar a mais adequada -, a introdução na ata da audiência de 28 de março de 2019 de que, durante o depoimento de parte, o mandatário do autor arguiu e invocou a nulidade do mesmo por este se estar a circunscrever aos temas da prova, remetendo a fundamentação mais aprofundada para o requerimento apresentado, horas antes da audiência, no próprio dia".
Afigura-se manifestamente desnecessário ouvir a contraparte quanto a esta questão - art.° 3.°, n.° 3, do Código de Processo Civil.
Nos termos do disposto no artigo 155.°, do Código de Processo Civil, a redação da ata incumbe ao funcionário judicial, sob a direção do juiz, dela devendo constar todos os requerimentos, visto que a audiência não foi gravada.
Em caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido, são feitas consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das retificações a efetuar, após o que o juiz profere, ouvidas as partes presentes, decisão definitiva, sustentando ou modificando a redação inicial. Daqui resulta que qualquer desconformidade na redação da ata, nomeadamente a omissão do juiz no sentido de se assentar qualquer eventual requerimento de uma das partes, deverá ser alvo de reclamação imediatamente no momento em que o ato é praticado. O juiz ouvirá as partes presentes e decidirá em conformidade. Ora, apesar da forma genérica como o requerimento em causa foi redigido, logo se evidencia uma flagrante omissão: se o juiz não ordenou a redução a escrito de eventual requerimento a arguir nulidade do depoimento da legal representante da ré, F…, porque razão o autor não arguiu logo tal falha, sendo certo que tal falha seria manifesta e evidente?
Não tendo o autor arguido logo tal omissão, não é possível recorrer ao mecanismo aí previsto: audição das partes presentes e imediata decisão sobre a redação da ata.
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Não obstante, poderá existir outro vício: foi apresentado um requerimento, ordenada a sua redução a escrito em ata, mas por eventual erro ou falha na redação e conferência da mesma, tal parte acabou por ser suprimida. Só posteriormente é que a parte - tendo ditado ou formulado tal requerimento na audiência - constata a sua omissão em ata.
Naturalmente, se a parte se convenceu que o requerimento estava a ser exarado em ata e depois constatou que foi omitido na versão final disponibilizada na plataforma Citius, ainda assim poderá arguir a sua falsidade ou desconformidade, independentemente das razões para essa omissão, logo que a detete.
Claro está que, em primeiro lugar, terá que esclarecer porque razão se convenceu que algo teria exarado em ata (razão pela qual nada arguiu no decurso do próprio ato!).
Também quanto a este pormenor se nota que o requerimento em causa é omisso quanto às seguintes questões:
Porque razão o autor não reclamou logo no decurso da sessão da audiência de julgamento relativamente à omissão da redação do alegado requerimento aí apresentado?
No pressuposto que se convenceu que o alegado requerimento estava a ser exarado em ata, com base em que factos em que formou tal convencimento?
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Além destas objeções preliminares quanto ao que é requerido, há que salientar que a legal representante da ré, F…, foi chamada a depor de forma algo imprevista, no seguimento da constatação em anterior sessão em como o outro representante da ré, J…, não dispunha de poderes estatutários para a obrigar (confessar) por si só - cfr. ata da sessão do dia 12/3. Ora, a legal representante da ré, F…, veio a tribunal declarar que exerce funções sobre um distinto pelouro e, no essencial, nem sequer têm conhecimento dos factos centrais, instrumentais ou acessórios... Perante tão lacónio e breve depoimento (que se infere da própria duração da sessão em causa), em que a mesma respondeu a todas as perguntas que lhe foram colocadas por todos os intervenientes (quase invariavelmente invocando o total desconhecimento, o que também se infere da circunstância de nada ter sido exarado em termos de confissão, embora fosse obrigatória a redução a escrito, caso se verificasse), afigura-se que seria caricato que o juiz tivesse que intervir em termos de direção das poucas perguntas que eram formuladas à depoente. Se há casos em que o juiz não precisa de exortar as partes a centrarem-se nas questões relativas aos definidos temas da prova é precisamente quando a deponente logo declara que não têm conhecimento da generalidade dos factos em julgamento!
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Nota-se ainda o seguinte: o que autor entende estar em falta será a arguição de uma nulidade de um depoimento de parte por este se estar a circunscrever aos temas da prova.
O ato pretensamente omitido reveste uma determinada forma (requerimento), têm que ser apresentado por quem têm legitimidade (a parte interessada), conter uma fundamentação conforme à situação concretamente em causa e terminar com um pedido claro e preciso. Neste caso, o autor teria que dizer expressamente o que estaria em falta, isto é a redação a levar à ata (ou, na letra da lei, "consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das retificações a efetuar"). Por se tratar de uma questão que se reputa importante, como já se aludiu expressamente no despacho proferido a 9/4 p.p. "a pretendida retificação da ata revela-se excessivamente vaga e ambígua, presta-se a equívocos e não se alcança da mesma o respetivo propósito ou utilidade". O autor foi taxativamente convidado a vir aos autos precisar e concretizar qual é exatamente o facto que pretende trazer à ata e respetivo teor.
Na sua reposta, o autor entendeu que deverá constar a formulação que o juiz vier "a considerar a mais adequada -, a introdução na ata da audiência de 28 de março de 2019 de que, durante o depoimento de parte, o mandatário do autor arguiu e invocou a nulidade do mesmo por este se estar a circunscrever aos temas da prova, remetendo a fundamentação mais aprofundada para o requerimento apresentado, horas antes da audiência, no próprio dia".
Não é isto o que a lei exige quando se pretende a retificação de uma ata da audiência de julgamento. Seria absolutamente absurdo que competisse ao juiz a formulação em ata mais adequada de um tal requerimento (para mais quando a parte é representada por advogado). O juiz não redige os requerimentos das partes, particularmente a arguir nulidades de um ato a que está a presidir. Nem depois vai notificar a contraparte para se pronunciar sobre um requerimento que o próprio juiz redigiu!
A parte é que tem que dizer (no próprio ato) qual é a discrepância ou omissão da ata; se tal omissão é arguida posteriormente à realização do ato têm que justificar e comprovar porque razão não arguiu a discrepância ou omissão nesse ato; e também terá que consignar concreta e exatamente as declarações relativas à discrepância, com indicação das retificações a efetuar (isto é, não basta dizer vagamente que foi arguida uma nulidade). Embora não seja objeto da presente reclamação, também parece que seria curial que - a existir a arguição de uma nulidade por uma das partes - se fizesse constar qualquer ato consequente, pois seria deveras estranho que o juiz nem sequer mandasse ouvir a contraparte... Por último, perante a primeira parte do último requerimento do autor, parece que também estamos perante um problema de gestão de espectativas. O autor esteve presente na sessão da audiência do dia 13/3. Demorou até às 12:05 horas do dia 28/3 para arguir uma nulidade pretensamente cometida na anterior sessão. E já contava com uma decisão quando a audiência se reatou pelas 14 horas desse dia 28/3. Quanto a tal circunstância apenas se dirá que o tribunal também compartilha da necessidade evidenciada pelo autor de ponderar a melhor solução (embora por vezes seja imprescindível tomar posição imediatamente) e de aguardar o decurso do prazo legal para o exercício do princípio do contraditório. Tudo visto, considero que o autor:
Não invocou logo na referida sessão qualquer alegada desconformidade ou omissão na redação da ata;
Tão pouco justificou por que razão só arguiu a invocada desconformidade ou omissão após o encerramento da sessão da audiência; e sobretudo, - Não concretizou, nem precisou as exatas retificações a efetuar, como era seu ónus e para tal foi expressamente convidado, não competindo ao signatário formular a redação alternativa que considerar a mais adequada, mas simplesmente julgar a reclamação provada ou não provada em face dos factos que sejam invocados (tomou a palavra/não tomou a palavra; requereu/não requereu; o quê); Entendo que precludiu o direito do autor requerer a retificação da ata da sessão do dia 28/03/2019 (art.° 139.°, n.° 3, 155.°, n.° 9, e 199.°, n.° 1, do Código de Processo Civil), além de que tal requerimento é ininteligível, na medida em que não concretiza factualmente a desconformidade entre o teor do que teria sido ditado (!?) e o ocorrido, nem consigna as declarações relativas à exata discrepância supostamente ocorrida, limitando-se a uma menção vaga, imprecisa e que se presta a entendimentos dúbios (art.° 186.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
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Pelo exposto, julgo inepta quanto ao seu exato sentido e ao texto a exarar em ata e não conheço da requerida retificação da ata da audiência de julgamento realizada em 28/03/2019.
Custas no anómalo incidente pelo autor, fixando a taxa de justiça em uma U.C..
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REFa: 31993713:
O autor arguiu a nulidade do depoimento de parte ordenando-se a sua repetição referente à matéria que admite confissão, com a repetição do depoimento de parte sobre os factos requeridos pelo autor que são suscetíveis de serem confessados pela ré.
A ré não respondeu.
Cumpre decidir.
Muito embora o autor não concretize, depreende-se da sua argumentação em como se insurge quanto à circunstância de não ter sido admitida a formulação de várias perguntas ao representante legal da ré, J….
Quais foram as perguntas que o autor pretendia formular ao representante legal da ré e que não foram admitidas? Não o sabemos, porque o autor não concretizou as questões em causa, para podermos aquilatar e sindicar da sua pertinência ou relevância, em termos incidirem de factos essenciais, instrumentais, acessórios ou simplesmente irrelevantes.
Por conseguinte, a questão colocada neste requerimento assume apenas natureza académica: não se trata de saber se as questões preteridas são relevantes ou pertinentes em face do objecto deste processo, mas apenas de saber se é possível que um depoimento de parte incida sobre questões que não constem dos temas da prova. Note-se que o autor apenas indicou na petição os factos sobre os quais devia incidir o depoimento de parte, mas não concretizou no requerimento quais as questões que ficaram por responder e que teriam interesse para a boa decisão da causa.
Também não deixa de ser curioso que o autor aparentemente resuma a questão em termos de saber se é possível que um depoimento de parte incida sobre questões que não constem dos temas da prova quando se têm como pacífica uma resposta afirmativa a tal questão. Evidentemente, as partes podem formular perguntas sobre factos que não constam estritamente dos temas da prova, desde que observem alguns princípios de adesão mínima.
O que as partes não podem fazer é ignorar que a lei processual consagra a necessidade de um despacho a identificar o objeto do litígio e os temas da prova, o qual é passível de reclamação - art.° 569.°, do Código de Processo Civil. E depois vão para a audiência final como se a mesma não tivesse qualquer objeto pré-definido, em que são admitidas todas as questões relativas a todos os factos dos articulados (e fora dos articulados), independentemente de estarem indicados nos temas da prova, de serem instrumentais ou acessórios, ou da necessidade de previamente requererem o alargamento dos temas da prova em resultado de qualquer desenvolvimento que reputem relevante. Mas se assim é, qual é a necessidade de proferir um despacho a identificar o objeto do litígio e os temas da prova ou do juiz efetivamente dirigir a audiência, nomeadamente exortando os advogados a cingirem-se à matéria relevante (seguramente não seria o juiz a definir qual a matéria relevante) para o julgamento da causa - art.° 602.°, n.° 2, alínea d), do Código de Processo Civil. Melhor seria que a lei dissesse que, findos os articulados, o juiz simplesmente designa um dia para a realização da audiência, onde as partes podem formular todas as questões que reputem relevantes. Como ó evidente, teria todo o interesse em saber quais são as questões concretas que o autor ainda pretendia colocar ao representante legal da ré, J…, tendo em consideração que o mesmo esteve a depor quase toda a manhã do dia 12/3 p.p., como resulta da respetiva ata. Só assim o tribunal poderia ponderar e decidir sobre a pertinência do requerido, ao invés de tecer considerações sobre uma questão meramente académica que - da forma genérica como o autor a coloca - não pode deixar de merecer concordância. Isto é, fica por saber se tal teoria se aplica ou não ao caso concreto.
No entanto, a apreciação deste requerimento logo esbarra no obstáculo da sua intempestividade. Estando a parte presente no decurso do ato de prestação do depoimento de parte da ré, na pessoa de J…, a preterição do direito de formular qualquer pergunta relevante ao mesmo teria que ser arguida no próprio ato, sob pena de se considerar sanada - artigo 199.°, n.° 1, do Código de Processo Civil. O autor nada arguiu nesse ato e só veio a fazer 15 dias depois, pelo que qualquer eventual irregularidade se considera sanada.
O autor deu-se conta desta vicissitude e vem sustendo a ideia de que o que conta é o depoimento de parte da ré e que "ainda estamos sob o domínio do mesmo depoimento de parte, ainda que seja necessária uma ação declarativa de duas pessoas. Assim sendo, o depoimento de parte, enquanto ato processual, apenas está completo com a audição da Sra. F…". Não se acompanha tal raciocínio que tenta estender artificialmente o ato. O ato em causa é a tomada de depoimento a J…, legal representante da ré. Qualquer vicissitude que ocorra durante essa inquirição terá que ser suscitada até que a mesma termine. E a mesma terminou pelas 11:50 horas do dia 12/3 quando terminou a tomada do depoimento a J…. A lei claramente exige uma pronta e imediata reação da parte presente ao ato, pelo que a ficção do depoimento de parte se prolongar enquanto são ouvidos outros representantes da parte não encontra acolhimento na letra e no espírito do legislador. Aliás, seria incompreensível que alguém viesse prestar depoimento a tribunal, respondesse a múltiplas perguntas, fosse dispensado pelo juiz e depois voltasse a ser chamado apenas com o argumento que afinal o seu depoimento ainda não terminou. Naturalmente, nessas circunstâncias, qualquer pessoa se convence que, se o juiz já o dispensou, é porque o ato terminou e uma nova convocação apenas com a menção que afinal ainda não terminou o depoimento até soaria a brincadeira para o destinatário.
Dito de outra forma: o autor podia e devia ter reagido no dia 12/3 durante o decurso da inquirição de J…, indicando concretamente quais seriam as outras perguntas que reputava relevantes para o julgamento da causa e porque razão. Só assim seria possível um conhecimento seguro e consciencioso da pertinência das mesmas. Não o tendo feito, considera-se sanada qualquer eventual irregularidade.
Pelo exposto, julgo intempestiva e não conheço da arguida nulidade por não terem sido autorizadas outras questões ao depoente J…. Custas no anómalo incidente pelo autor, fixando a taxa de justiça em uma U.C..
Relativamente à questão da inquirição da testemunha E… não se reputa por conveniente a este tribunal realizar qualquer diligência, considerando que o respetivo ónus compete à parte que a arrolou”.

2. Inconformado, veio o A. interpor recurso de apelação que motivou, com as conclusões que se seguem:
1. O autor recorrente não se conforma com a decisão vertida no despacho recorrido, em virtude de considerar que o Tribunal a quo fez uma infundada e incorreta apreciação do Direito, decidindo com manifesta iniquidade e ilicitude.
2. O depoimento de parte da ré, nas pessoas dos seus legais representantes, o Sr. J… e a Sra. F…, apenas teve por objeto os temas da prova e não os factos indicados pelo autor suscetíveis de confissão;
3. O autor recorrente invocou a nulidade do depoimento, nos termos do 199.° CPC, durante a pendência do ato processual, ou seja, o depoimento de parte;
4. O depoimento de parte só pode ter objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.
5. O Tribunal a quo, em sede de despacho saneador, deferiu, sem mais, a tomada do requerido depoimento de parte do representante da ré à matéria que admite confissão, sendo que, na falta de mais informação ou qualquer restrição imposta, se presume que o Tribunal a quo considera todos os factos elencados pelo autor recorrente como passíveis de confissão.
6. O Tribunal a quo não indeferiu o requerimento do autor recorrente ou proferiu despacho pré-saneador a convidar o autor recorrente a concretizar as questões sobre os factos que indicara na P.I., deferindo o requerido pelo autor recorrente, tal como requerido.
7. O Tribunal a quo desrespeitou o requerido pelo autor recorrente e deferido pelo próprio.
8. O requerimento de nulidade da prova do autor, nos termos do art.º 199.° do CPC, não foi intempestivo, uma vez que foi requerido durante o ato processual.
9. Não se confunde a pessoa com a parte, nem ato processual com diligência judicial.
10. A produção, validade, integridade e completude da prova deve prevalecer sobre outros interesses, pelo que deverá o Tribunal a quo chamar depoentes e ordenar a repetição da prova as vezes necessárias até ao seu cabal esclarecimento.
11. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o requerimento de nulidade do depoimento de parte que o autor recorrente fez durante o decorrer da segunda diligência judicial do depoimento de parte, nem imprimiu tal alegação na ata da audiência.
12. A nulidade do depoimento de parte implica a anulação dos atos de prova subsequentes.
13. O autor recorrente apresentou requerimento a requerer a retificação da ata da audiência de julgamento realizada em 28 de março de 2019, por a mesma não replicar o teor do requerimento de nulidade que apresentara no decurso da mesma.
14. O Tribunal a quo, sem nunca pôr em causa a invocação de nulidade, veio requerer esclarecimentos sobre tal requerimento, e que o autor recorrente cabalmente prestou.
15. O Tribunal a quo, por sua admissão, admite que a não redução a escrito do requerimento do autor recorrente na ata de audiência reconduz-se a uma falha "manifesta e evidente", mas não ordenou que constasse em ata a transcrição da invocação de nulidade.
16. A redação da ata não foi lida em voz alta perante os presentes e as partes não tiveram acesso à ata de julgamento e aos seus termos senão dias mais tarde, aquando da sua disponibilização eletrónica no CITIUS.
17. O Tribunal a quo não pediu previamente a prestação de qualquer esclarecimento ao autor recorrente, apesar de não se sentir devidamente esclarecido.
18. O Tribunal a quo vem admitir que as questões colocadas em sede de depoimento de parte se ativeram aos temas da prova, ao invés dos factos invocados pelo autor recorrente.
19. Estando em julgamento a confirmação de decisões estatutárias da pessoa coletiva ré, o Tribunal a quo considerou credível um não depoimento e o desconhecimento de factos pela representante legal da ré, a mesma que o próprio Tribunal a quo considerou indispensável à prestação de depoimento de parte face à impossibilidade legal da pessoa coletiva ré se vincular apenas com a intervenção do primeiro depoente e representante legal.
20. Não cumpre ao autor recorrente suprir as nulidades provocadas pelo próprio Tribunal a quo.
21. O autor recorrente requereu a retificação da ata, fundamentou o seu desiderato e concretizou o que ambicionava, ao contrário do que o Tribunal a quo afirma que este não fez.
22. A frase "independentemente da formulação que V. Exa. vier a considerar a mais adequada" traduz-se num desabafo do autor recorrente, em reconhecimento da sua não compreensão das dúvidas do Tribunal a quo.
23. O requerimento de retificação da ata decorre do princípio da cooperação entre as partes e o Tribunal e não configura qualquer tipo de incidente, anómalo ou de outra índole.
24. O autor recorrente tem - efetivamente - razão, porque a ata não reproduz o que se passou em audiência.
25. Pelo que o autor recorrente não pode ser condenado no pagamento de custas.
Nestes termos e nos mais de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, deve este Tribunal prolatar desembargo no sentido do presente recurso ser admitido e julgado procedente, por provado, tendo por efeito:
- A declaração de nulidade do depoimento de parte da ré recorrida identificada nos autos e da subsequente prova testemunhal realizada, ordenando-se a sua repetição;
- A declaração da irregularidade da ata da sessão de audiência de julgamento de 28 de março de 2019 e a respetiva ordem de correção, com a introdução dos elementos acima enunciados;
- A absolvição do autor recorrente das condenações em custas concretizadas no despacho de 08 de Maio de Junho de 2019.

3. Não foi oferecida resposta.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a decisão recorrida.
Notificado, apenas a ré respondeu e fê-lo manifestando a sua adesão ao mesmo.

5. Dispensados os vistos por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões, e só por estas, as quais constituem a baliza dentro da qual o tribunal de recurso, neste caso a Relação, pode conhecer das questões aí contidas e não de outras, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
Questões a decidir:
1. A nulidade do depoimento de parte da ré.
2. A retificação da ata.
3. Condenação em custas.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS A ATENDER
Os factos a atender são os que resultam do despacho recorrido, das alegações e conclusões da apelante e do mais que resultar dos autos, nomeadamente o seguinte:
A) No dia 28 de março de 2019, o autor apresentou requerimento a requerer a nulidade do depoimento de parte, nos termos e com fundamentos seguintes:
1) O autor requereu, em sede de petição inicial, a prestação de depoimento de parte da ré, na pessoa do seu representante legal, tendo-se discriminado os factos passíveis de confissão e sobre os quais deveria recair o depoimento, desde logo, os contidos nos arts. 1. ° a 12.º 15. ° a 35.° 36.º a 156.°, 158.º a 165.º, 175.º a 178.° todos da petição inicial;
2) Nesse seguimento, a prestação de depoimento de parte foi deferida no despacho saneador, circunscrevendo-a à matéria que admite confissão, ou seja, aos factos requeridos que admitem confissão e não aos temas da prova, que não é uma base instrutória;
3) Considerar os temas da prova como se fossem uma base instrutória, ainda que estes possam elencar factos concretos, contraria o seu propósito e a respetiva ratio legis, uma vez que os temas da prova podem ser enunciados como meras formulações genéricas, factuais e/ou jurídicas, o que permite concluir que o legislador não os pensou como uma base instrutória;
4) Volta-se a referir que é atualmente admissível que a enunciação dos temas da prova prevista no n.º 1 do artigo 596.º do CPC assuma um caráter genérico e/ou aparentemente conclusivo — ao invés do que sucedia com a Base Instrutória elaborada, nos termos do artigo 511.º do antigo CPC — encontrando-se apenas balizada pelos limites decorrentes da causa de pedir e das exceções invocadas na lide;
5) Mais assim se conclui, dado que, hoje em dia, a sentença não é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPC, se o juiz der como provado determinado facto que uma parte considera não ter sido alegado ou não constar dos temas da prova;
6) Ademais, o julgador é obrigado a considerar provados factos e não os temas da prova; Isto é, o juiz não tem de responder aos temas de prova, mas aos pontos de facto que consubstanciam o direito invocado, ou as exceções deduzidas, pelo que se entende não ser de limitar a apreciação da prova aos temas da prova enunciados, mas aos factos necessitados de prova a que alude a parte final do artigo 410.º do CPC, os factos relevantes, no quadro do litígio, tal qual foi conformado pelo pedido, pela causa de pedir e pelas exceções invocadas;
7) Logo, a prestação de depoimento de parte somente quanto aos factos elencados nos temas da prova é, portanto, contrária ao requerido pelo autor e deferido pelo Tribunal, bem como à natureza do meio de prova em questão, e configura uma nulidade inominada, suscetível de influir no exame e decisão da causa;
8) Por conseguinte, à luz dos arts. 195.º e ss. do CPC, deve Vossa Excelência declarar nulo todo o depoimento prestado pelo legal representante da ré, ordenando a sua repetição, desta feita, quanto aos factos indicados pelo autor na petição inicial que admitem confissão;
9) Ademais, a fim de garantir o valor confessório das declarações da parte, tornou-se necessária a audição de um membro adicional da direção da ré, na pessoa da Sra. Florbela Bairrão Aranha;
10) Pelo que a perfeição e completude do depoimento de parte, na qualidade de meio de prova cujo escopo principal é a obtenção de confissão, depende, em boa verdade, da audição de dois representantes da ré, uma vez que só a sua intervenção conjunta é suscetível de vincular a ré, enquanto pessoa coletiva;
11) Se atendermos ao despacho lavrado em ata durante a audiência realizada no dia 12/03/2019, Vossa Excelência deferiu a tomada de depoimento de parte da indicada membro da direção;
12) Contudo, em bom rigor, o depoimento de parte é da ré, que é a contraparte do autor, não havendo mais alguma parte neste litígio;
13) Dito de outro modo, o que foi deferido foi a chamada de um membro da direção para, mediante a sua intervenção, tornar processualmente admissível a confissão dos factos pela ré;
14) Por consequência, sem sombra de dúvida, ainda estamos sob o domínio do mesmo depoimento de parte, ainda que seja necessária uma ação declarativa de duas pessoas;
15) Assim sendo, o depoimento de parte, enquanto ato processual, apenas está completo com a audição da Sra. F…;
16) Não estando, portanto, terminado o ato processual, vem o autor requerer a sua nulidade, nos termos do art.º 199.º do CPC;
17) Neste pressuposto, declarando-se a nulidade do depoimento de parte e ordenando-se a sua repetição referente à matéria que admite confissão, tal como despachado por Vossa Excelência, o que só pode ser interpretado como a repetição do depoimento de parte sobre os factos requeridos pelo autor que são suscetíveis de serem confessados pela ré".
B) No dia 07 de abril de 2019, o autor recorrente apresentou requerimento “a requerer a retificação da ata da audiência de julgamento realizada em 28 de março de 2019, nos termos e fundamentos que ora se transcrevem:
1.º No decurso da continuação de depoimento de parte da ré, na parcela que coube à audição da senhora F…, o mandatário da autora, J…, alertou o Excelentíssimo Sr. Dr. Juiz de que havia dado entrada de um requerimento durante a manhã do mesmo dia, alegando a nulidade do depoimento de parte.
2.º Informou que o fundamento da nulidade se prendia ao facto de o douto tribunal estar a circunscrever o depoimento de parte aos temas da prova e não ao que fora requerido - e deferido — ou seja, os factos discriminados em requerimento probatório que admitem confissão.
3.º O mandatário alertou o Excelentíssimo Senhor Dr. Juiz de que o prosseguimento da continuação do depoimento de parte nos mesmos moldes se traduzia em idêntica prática consubstanciadora de nulidade processual, pelo que se invocava a aludida nulidade, remetendo a fundamentação para o requerimento que se juntara aos autos no mesmo dia, durante a manhã.
4.º O Excelentíssimo Senhor Dr. Juiz indicou ao mandatário do autor para prosseguir com a solicitação de esclarecimentos, não invertendo a sua decisão.
5.º Compulsada a ata, não se encontra qualquer referência à nulidade expressamente invocada”.

B) APRECIAÇÃO

B1) A nulidade do depoimento de parte da ré

O autor vem arguir a nulidade do depoimento do legal representante da ré, J…, prestado na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 12.03.2019, em virtude de ter deposto sobre os temas da prova e não sobre os factos concretos que indicou no requerimento em que foi pedido e deferido pelo tribunal tal depoimento.
Arguiu a nulidade em 28.03.2019, através de requerimento escrito prévio ao início da sessão da audiência de julgamento agendada para esse dia.
O depoimento deste legal representante da ré havia terminado na sessão da audiência de julgamento realizada em 12.03.2019.
O tribunal recorrido entende que a arguição da nulidade é extemporânea, pois não ocorreu até terminar o ato em que a parte esteva presente.
O autor conclui que a arguição da nulidade está em tempo, pois ainda iria decorrer o depoimento de parte de outra representante legal da ré, daí que o ato não possa ainda considerar-se como terminado. Entende que o ato processual é o mesmo, apesar de ocorrido em data diferente e do depoimento de parte do representante legal já ter terminado na sessão anterior. A seu ver, o que conta é o depoimento de parte de todos os legais representantes legais da ré. Enquanto não terminarem todos, está sempre em tempo para arguir a nulidade de qualquer um deles, mesmo que já tenha sido prestado em data anterior e esteja concluído.
Vejamos:
O art.º 195.º do CPC estabelece as regras gerais sobre a nulidade dos atos nos termos seguintes:
1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
A invocada nulidade, que não está prevista no elenco das nulidades de conhecimento oficioso, a existir, está sujeita ao regime jurídico previsto nos art.ºs 197.º e seguintes do CPC.
O art.º 199.º n.º 1 do CPC prescreve:
1. Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
2 - Arguida ou notada a irregularidade durante a prática de ato a que o juiz presida, deve este tomar as providências necessárias para que a lei seja cumprida.
3 - Se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo referido neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição.
O depoimento do legal representante da ré, J…, ocorreu em 12.03.2019, o autor esteve presente, juntamente com o seu mandatário judicial, terminou nesse dia e a nulidade foi arguida em 28.03.2019.
O ato judicial consistente na prestação do depoimento de parte através deste representante legal da ré começou e cessou no dia 12.03.2019. O depoimento de parte através da legal representante da ré F… ocorreu em 28.03.2019.
Quando a lei refere “ato” tem em vista a sua prática num dado tempo bem delimitado. A finalidade da lei é que eventuais nulidades ou irregularidades que ocorram sejam de imediato assinaladas pelas partes presentes, a fim evitar a continuação da invalidade e a possível contaminação dos atos que vierem a seguir-se. O legislador entende que não faz qualquer sentido a parte assistir a um desvio ao prescrito na lei e não assinalar de imediato a respetiva vicissitude.
A boa-fé e o princípio da cooperação exigem que a parte tome posição imediata sobre o vício cometido quando está presente.
Tendo a ré dois representantes legais, a eventual nulidade na prestação do depoimento de um deles deve ser suscitada de imediato pela parte que estiver presente até ao momento em que terminar, não podendo fazê-lo em momento posterior, mesmo que ainda esteja a decorrer o depoimento de parte do outro representante legal.
O autor estava presente no ato, pelo que se entendia que o depoimento de parte do legal representante da ré não estava a incidir sobre os factos que indicou, deveria ter assinalado a falta de imediato. Ao não arguir de imediato a irregularidade que alega ter sido cometida em 12.03.2019 e que veio invocar apenas em 28.03.2019, mostra-se manifestamente extemporânea a sua arguição.
A nulidade, a existir, mostrar-se-ia sanada.
Termos em que a apelação improcede nesta parte.

B2) A retificação da ata

O autor vem pedir “a declaração da irregularidade da ata da sessão de audiência de julgamento de 28 de março de 2019 e a respetiva ordem de correção, com a introdução dos elementos acima enunciados” (…) “por a mesma não replicar o teor do requerimento de nulidade que apresentara no decurso da mesma”.
O autor pediu a retificação da ata em 07.04.2019, alegando que a mesma não ficou logo disponível no sistema citius e que por isso não teve conhecimento do seu conteúdo em data anterior.
O art.º 155.º do CPC, na parte que interessa ao caso, prescreve:
8. A redação da ata incumbe ao funcionário judicial, sob a direção do juiz.
9. Em caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido, são feitas consignar as declarações relativas à discrepância, com indicação das retificações a efetuar, após o que o juiz profere, ouvidas as partes presentes, decisão definitiva, sustentando ou modificando a redação inicial.
Resulta do requerimento em que o autor pede a retificação da ata, apresentado em 07.04.2019, que o seu mandatário alertou o sr. juiz para a existência de um requerimento apresentado nesse dia a arguir a nulidade do depoimento do representante legal da ré, J…, e que “o Excelentíssimo Senhor Dr. Juiz indicou ao mandatário do autor para prosseguir com a solicitação de esclarecimentos, não invertendo a sua decisão”.
O art.º 155.º n.º 9 do CPC menciona expressamente o caso de alegada desconformidade entre o teor do que foi ditado e o ocorrido.
Resulta do alegado pelo autor que o sr. Juiz não ditou para a ata o que alega ter dito quanto à nulidade. O autor refere expressamente que o sr. juiz desatendeu a sua pretensão. Ou seja, tal como é alegado pelo autor, o tribunal não só não conheceu da questão colocada como nem sequer ditou para ata a interpelação do mandatário judicial.
Estando a parte e o seu mandatário presentes no ato, deveria ter sido logo arguida a alegada irregularidade da ata e não em data posterior. Aplica-se aqui o mesmo regime jurídico relativo à nulidade invocada relativamente ao depoimento de parte da ré na pessoa do seu representante legal J…, que já apreciamos. Não se trata de uma desconformidade entre o ditado e o escrito na ata, mas sim, eventualmente, de uma irregularidade consistente em o sr. juiz não ter ditado para ata o que terá sido referido pelo mandatário do autor.
O que o autor relata não é a desconformidade entre o que foi ditado e o que foi escrito ou omitido, mas sim o desatendimento da nulidade invocada ao prosseguir-se com o depoimento de parte da ré através da sua representante legal F….
A retificação da ata pressupõe que algo foi ditado para ata mas aparece aí transcrito de forma incompleta, deficiente, deturpada, ininteligível ou obscura.
No caso, em face do alegado pelo autor, não se trata dessa deficiência mas sim de não ter sido ditada para a ata a invocação oral da nulidade.
Neste circunstancialismo, o mandatário do autor deveria ter requerido de imediato que fosse levado à ata que havia arguido a nulidade do depoimento de parte através de requerimento prévio à sessão de julgamento e que pretendia que o tribunal se pronunciasse sobre o mesmo. O mandatário, neste caso, não precisaria de esperar que a ata ficasse disponível, pois assistiu em tempo real à não prática do ato.
Em face do alegado pelo autor, o tribunal não ditou para a ata e desatendeu a nulidade invocada ao prosseguir com o depoimento de parte. Era este o momento em que, com o devido respeito, o mandatário do autor deveria ter requerido que ficasse a constar da ata a sua intervenção[1].
A ter ocorrido o facto tal como alegado pelo autor, tratar-se-ia de uma irregularidade da ata, consistente em não referir o requerimento.
Não tendo o autor arguido de imediato esta eventual irregularidade, fica precludido o direito de vir a fazê-lo posteriormente.
Termos em que improcede a apelação quanto a esta questão.

B3) A condenação em custas

O autor conclui que não deveria ter sido condenado em custas, pois não estamos em presença de um incidente anómalo.
O art.º 7.º n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais, prescreve que consideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas.
O Prof. Alberto dos Reis[2], definia incidente como “uma forma processual secundária que apresenta, em relação ao processo da ação, o caráter de episódio ou acidente”; (…) o que carateriza o incidente é a sua intercorrência“.
Na sapiente lição de Salvador da Costa[3], são “pressupostos dos incidentes anómalos a extraneidade ao desenvolvimento normal da lide, isto é, que seja suscitada uma questão descabida no quadro da sua dinâmica, com um mínimo de autonomia processual em relação ao processado da causa”.
A arguição de nulidade relativa a ato processual não constitui uma questão descabida no quadro da dinâmica do processo quando arguida no momento próprio. No caso de ocorrer uma nulidade, a parte afetada pode reagir de imediato até o ato terminar, se estiver presente, ou após ter conhecimento do ato, se não estiver presente, requerendo ao tribunal que seja reparada.
Este é o quadro legal normal.
A lei exige que o processado seja estranho ao desenvolvimento da lide de acordo com a sequência normal de atos prevista na lei ou do exercício dos direitos dos intervenientes no processo e deve assumir autonomia e relevância em face do processado normal.
A nulidade invocada pelo autor foi suscitada de forma extemporânea, conforme já decidimos supra. A anormalidade da arguição resulta de ter sido efetuada fora de prazo. O exercício do direito de arguição de uma nulidade no prazo previsto na lei constitui um remédio para sarar o processo inquinado pelo vício cometido. A arguição depois do prazo previsto na lei constitui um mal a acrescentar ao mal decorrente da eventual existência da nulidade invocada e não tem qualquer efeito útil, pois não pode ser conhecida pelo tribunal.
A arguição da nulidade fora do prazo legal constitui então a prática de um ato inútil, que a lei não permite (art.º 130.º do CPC).
Nesta hipótese não está em causa a tributação em custas da arguição da nulidade em si, mas sim a sua arguição fora do prazo. Ao arguir a nulidade depois do prazo previsto na lei para o efeito, o autor criou um incidente estranho ao normal exercício dos direitos processuais e deve por isso ser responsabilizado tributariamente pela atividade a que deu causa sem justificação.
Nestes termos, julga-se a apelação totalmente improcedente e confirma-se o despacho recorrido.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 14 de janeiro de 2021.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
______________________________________
[1] Neste sentido, Ac. RE, de 12.09.2018, processo n.º 2195/17.5T8STR-A.E1, www.dgsi.pt/jtre, em que o aqui relator e a segunda adjunta intervieram como adjuntos.
[2] Reis, Alberto, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 1946, p. 563.
[3] Costa, Salvador, Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, Coimbra, Almedina, 2012, p. 257.