Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1279/19.0T8STB-A.E2
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: LOTEAMENTO CLANDESTINO
DESPESAS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) estando em causa a reconversão urbanística de área urbana de génese ilegal, incumbe aos proprietários ou comproprietários, titulares dos prédios, o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados na Lei n.º 91/95, de 02/09. .
ii) compete à comissão de administração elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações.
iii) compete à assembleia aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações, tendo força executiva a fotocópia certificada da ata que contenha a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão.
iv) trata-se de título executivo da espécie documento particular a que é atribuída força executiva por disposição especial, documento pelo qual cabe determinar o fim e os limites da ação executiva.
v) se a quantia exequenda reclamada diz respeito às quotizações de despesas de reconversão que oneram a parcela de terreno da qual o executado/embargante é titular, não a violação de quaisquer normas legais geradoras de incerteza, inexigibilidade e iliquidez das comparticipações firmadas, designadamente de regras relativas à fixação destas.
vi) a necessidade de recurso a elementos exteriores ao título executivo (tais como mapas que foram apreciados e analisados em assembleia geral, com a listagem dos custos de reconversão de cada lote/proprietário), para efeitos de concretização da obrigação exequenda, não põe em causa a força executiva da ata contendo a deliberação da assembleia, nem importa se conclua pela respetiva insuficiência. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
H… deduziu oposição à execução, mediante embargos, que lhes move Administração Conjunta da A…”, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo de Execução de Setúbal – Juiz 2), invocando em síntese, que a Ata dada à execução não contempla a existência ou quantificação de qualquer dívida ou obrigação, bem como pagou todas as quantias que lhe foram exigidas pela exequente nada lhe devendo, pelo que concluindo pede que se jugue extinta instância executiva.
A embargada veio contestar impugnando especificadamente a matéria de facto alegada pelos opoentes/executados, defendendo que a execução deve prosseguir seus termos.
Foi proferido saneador sentença em que se julgou improcedente a oposição e se determinou o prosseguimento da execução.
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Irresignado com a sentença, veio o embargante interpor o presente recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando pela formulação das seguintes conclusões, que se transcrevem:
I. - A Exequente dá à execução uma ata, lavrada em Assembleia Geral Ordinária de 28/02/2016;
II. - Para poder constituir título executivo, a ata dada à execução deveria fixar o montante das contribuições devidas ao Exequente, por cada proprietário, bem como estabelecer prazo para os pagamentos e fixar a quota-parte de cada proprietário. Ora,
III. - Como é bom de ver pela ata junta como título executivo, apesar de estabelecer prazo para pagamento, não refere qual o valor total das contribuições devidas, nem a quota-parte de cada proprietário, muito menos do aqui Executado/Embargante, ora Apelante.
IV. - O alegado título executivo, apenas faz alusão a um “mapa de comparticipações”, que o ora Embargante não sabe se é ou não o mesmo mapa que a Exequente junta sob Doc. n.º 4; uma vez que,
V. - A ata não refere que o mesmo faz parte integrante, tanto assim é que foi junto aos presentes autos sob número de documento diverso e o mesmo não se encontra assinado pelos presentes.
VI. - Ademais, o Executado/Embargante, nunca recebeu na sua morada, qualquer mapa de comparticipações ou qualquer outro documento, como se faz referência na ata.
VII. - Significa isto que, poderia ser aprovado um qualquer mapa de comparticipações e ser apresentado à execução, qualquer outro mapa; visto que,
VIII. - A ata não especifica ou faz referência a qualquer valor e o mapa apresentado, como que fazendo crer tratar-se do mesmo que foi aprovado na ata dada à execução, não se encontra assinado/rubricado pelos presentes.
IX. - Nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 5 do CPC (art.º 45.º, n.º 1, do CPC na pregressa redação): “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
X. - O título executivo, é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade de realização coerciva da correspondente pretensão através de uma ação executiva;
XI. - Significa isto que, os títulos executivos são, sem possibilidade de quaisquer exceções criadas “ex voluntate”, aqueles que são indicados como tal pela lei e que, por isso, a sua enumeração legal está submetida a uma regra de tipicidade.
XII. - À semelhança das restantes espécies de títulos executivos, a ata da assembleia da administração conjunta da AUGI deve ter determinado conteúdo, não basta a forma.
XIII. - O citado artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95, descreve esse conteúdo como uma “deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão”.
XIV. - A questão que se coloca é a do grau de concretização dessa determinação.
XV. - Que não basta uma deliberação genérica no sentido de que os proprietários ou comproprietários das áreas abrangidas pela A… deverão comparticipar nas despesas de reconversão, é óbvio.
XVI. - Esse dever decorre da lei, mais precisamente do artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 91/95.
XVII. - Para a ata ter o valor de título executivo é exigível, salvo melhor opinião em contrário, que tal deliberação discrimine o concreto montante a pagar por cada proprietário ou comproprietário, por referência aos lotes abrangidos pela A… (neste sentido, veja-se Ac. TRE, de 02.05.2019, Proc. n.º 1078/18.6T8STB-A.E1, relatado por ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO e o Ac. TRE de 24/10/2019, Proc. n.º 3484/18.7T8STB-A.E1, relatado por VÍTOR SEQUINHO).
XVIII. - A Jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora, é a orientação que se mostra mais consentânea com as exigências de determinação do conteúdo da obrigação constante do título executivo.
XIX. - No caso sub judice, conforme resulta da ata cuja cópia foi junta como título executivo, a mesma documenta uma reunião da assembleia de proprietários e comproprietários de áreas abrangidas pela A…, que teve lugar em 28/02/2016., que não discrimina o concreto montante definitivo a pagar por cada proprietário ou comproprietário, por referência aos lotes abrangidos pela A….
XX. - Consequentemente, não pode ser reconhecido o valor de título executivo à ata como tal junta ao requerimento executivo.
XXI. - Repetimos, esse valor apenas pode ser reconhecido à ata de uma reunião da assembleia em que se delibere aprovar a concreta comparticipação de cada proprietário ou comproprietário nas despesas de reconversão, com referência a cada um dos lotes.
XXII. - Apenas nesta última hipótese estaremos perante uma ata que “contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão” para o efeito previsto no artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95
XXIII. - Tem, pois, de se concluir que, da ata da assembleia de 28/02/2016, junta aos autos como consubstanciando o título executivo, sob doc. n.º 3, não emerge que a obrigação exequenda seja certa, já que do título executivo não decorre a identificação do respetivo objeto e sujeitos, ou líquida, porquanto não se acham determinados os respetivos quantitativos; pelo que,
XXIV. - A referida ata não tem força executiva, jamais podendo ser julgado como título executivo idóneo e válido para a prossecução da presente execução, devendo ser liminarmente indeferido o requerimento executivo, por manifesta insuficiência de título executivo.
XXV. - A realização da interpelação não se prova mediante a junção ao processo de uma cópia da carta que, para esse efeito, a Apelada alega ter dirigido à Apelante, sem mais.
XXVI. - Apesar dessa junção, fica por provar o essencial.
XXVII. - Em primeiro lugar, desconhece o Apelante, porque não tem obrigação de conhecer, se o registo junto sob doc. 7 ao requerimento executivo, é o registo da carta junta sob doc. 6 ao mesmo requerimento, porquanto a carta junta sob doc. 6 não faz qualquer alusão ao número de registo. Ou seja,
XXVIII. - O Apelante desconhece se foi o conteúdo junto sob doc. 6, que seguiu registado, sob o registo ínsito no doc. 7.
XXIX. - Em segundo lugar, fica por provar a receção da missiva pelo Apelante.
XXX. - Dessa receção, não existe qualquer prova no processo.
XXXI. - Logo, o conteúdo do ponto 5 não podia ter sido julgado provado, tendo-se verificado erro de julgamento.
XXXII. - Refira-se, a propósito, que, na fundamentação da decisão de facto, o Tribunal a quo não cumpriu o disposto no n.º 4, do art.º 607.º do CPC, que estabelece, na parte que agora nos interessa, que, na fundamentação da sentença, o juiz deve analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
XXXIII. - A análise critica da prova não se faz, seguramente, consignando apenas que “Com base nos elementos documentais essenciais existentes nos autos, considerando ainda a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados (…)”, como se fez no saneador-sentença recorrido.
XXXIV. - Analisar criticamente a prova requer, além do mais, identificar, na fundamentação, o meio ou meios de prova em que o Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada facto ou conjunto de factos entre si conexionados e as razões que o levaram a considerar credíveis esses meios de prova, em detrimento de outros.
XXXV. - No caso sub judice, a leitura da fundamentação da decisão de facto, não permite conhecer as razões que determinaram a convicção do tribunal a quo a julgar provados os factos como tal enunciados, nomeadamente aqueles que constam dos pontos 4. e 5.
XXXVI. - A consequência jurídico-processual do apontado erro de julgamento não poderá ser a pura e simples alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo no sentido de julgar não provado o conteúdo dos pontos 4. e 5..
A recorrida apresentou alegações defendendo a manutenção do julgado.
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Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2 todos do CPC).
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, as questões em apreciação são as seguintes:
1ª - Do erro de julgamento no que respeita à matéria de facto;
3ª - Da insuficiência do título executivo.

Na decisão impugnada para apreciação das questões teve-se em conta, “com base nos elementos documentais essenciais existentes nos autos, considerando ainda a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados”, o seguinte quadro factual:
1. O executado é proprietário do lote de terreno para construção urbana com a área de 430 m2 designado por lote 93 omisso na matriz descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o º … do prédio integrado na A… da freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela;
2. A exequente tem como objetivo a prática dos atos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas na A…;
3. A assembleia geral de comproprietários da A… realizada em 05.04.2009 fez aprovar o projeto de divisão de coisa comum (ata nº 12);
4. Da ata nº 13 aprovada na assembleia geral de comproprietários da A… realizada em 28.02.2016 consta assinaladamente o seguinte:
Passou-se de seguida à discussão do sétimo e oitavo pontos da ordem de trabalhos no âmbito do qual foram analisados os mapas das comparticipações das despesas com a execução das obras de infraestruturas e taxas camarárias e de funcionamento da administração conjunta; bem como a proposta do plano de pagamentos a efetuar pelos proprietários.
Foram dados esclarecimentos solicitados pelos proprietários presentes e acordado que a forma de pagamento é faseado em 24 prestações, iguais e sucessivas, com início em 1 de maio de 2016 e termo em 8 de maio de 2018.
O pagamento de cada uma das prestações poderá ser concretizado até ao dia 8 de cada mês, mediante depósito ou transferência bancária para o IBAN da A… que oportunamente será efetuada.
Mais ficou definido que com a falta de pagamento de uma das mensalidades, não se vencem as restantes mas o proprietário faltoso incorre no pagamento de juros moratórios à taxa legal em vigor, a calcular sobre cada uma das prestações em dívida e pelo tempo da mora.
Mais ficou estabelecido que, cada um dos proprietários receberia em casa um mapa das comparticipações, com uma ficha para atualização de elementos de identificação.
Posta à votação o sétimo ponto da ordem de trabalhos, da mesma resultou a aprovação da proposta de pagamento dos custos de reconversão já aprovadas por 64,11% (sessenta e quatro vírgula onze por cento) de votos favoráveis, com 3,51% (três vírgula cinquenta e um por cento) de votos contra e 23,76% (vinte e três vírgula setenta e seis por cento) de abstenções e 3,00% (três por cento) de votos nulos.”. (ata nº 13 e doc. nº 4 junto com o RE cujo teor dou por reproduzido);
5. Por carta registada datada de 08.01.2018 enviada ao executado, a exequente interpelou-o para o pagamento do valor da comparticipação em divida de € 9.477,73 euros até 30 de Novembro de 2018 (docs. nº 6 e 7 juntos com o RE cujo teor dou por reproduzido).

Conhecendo da 1 ª questão
O recorrente põe em causa o julgado de facto referente aos pontos 4 e 5 dos factos provados salientando que o Julgador não motivou a resposta desconhecendo-se a prova que esteve subjacente à convicção do tribunal para decidir no sentido em que decidiu.
Em face do conteúdo factual em causa e ao facto de se ter consignado que os factos foram dados como assentes, também, “com base nos elementos documentais existentes nos autos” bem como a referência expressa no fim da descrição de cada facto ao respetivo documento, não restam dúvidas que os factos em causa tiveram como suporte probatório os documentos a que se faz alusão, ou seja, a Ata da Assembleia Geral de 28/02/2016, o Mapa anexo à aludida Ata (doc. n.º 3 e 4 juntos com a petição executiva para prova do ponto 4 dos factos provados), bem como o teor da carta e respetivo registo (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com a petição executiva para prova do ponto 5 dos factos provados), documentos que estão sujeitos à livre apreciação do julgador, segundo a sua prudente convicção, conforme previsão do disposto no artº 607º n.º 5 do CPC.
Diz o recorrente que não foi feita prova da receção da carta a que se alude no ponto 5 dos factos provados, pelo que tal ponto não pode ser dado como provado.
Do aludido ponto não consta qualquer referência à receção mas apenas ao envio, pelo que o seu conteúdo está em conformidade com os elementos documentais que constam no processo.
Não há assim que censurar o julgado de facto que se mantém imutável.

Conhecendo da 2ª questão
O caso presente diz respeito a um processo de reconversão de área urbana de génese ilegal (AUGI), cujo regime se encontra estabelecido pela Lei n.º 91/95, de 02-09 (com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Leis n.ºs 165/99, de 14-09, 64/2003, de 23/08, 10/2008, de 20/02, 79/2003, de 26/12, e 70/2015, de 16-07).
Dispõe o artigo 3.º da referida lei, no seu n.º 1, que a reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI constituem dever dos respetivos proprietários ou comproprietários, o qual inclui, nos termos dos n.ºs 2 e 3, o dever de conformar os prédios que integram a A… com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela câmara municipal, bem como o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados na presente lei; esclarece o n.º 4 do preceito que são responsáveis pelos encargos com a operação de reconversão os titulares dos prédios abrangidos pela A…, sem prejuízo do disposto no número seguinte e do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa; o n.º 5 acrescenta que o dever de reconversão compete, ainda, aos donos das construções erigidas na área da A…, devidamente participadas na respetiva matriz, bem como aos promitentes-compradores de parcelas, desde que tenha havido tradição, os quais respondem solidariamente pelo pagamento das comparticipações devidas.
Definindo o regime da administração do prédio ou prédios integrados na mesma A…, dispõe o artigo 8.º daquela lei que ficam sujeitos a administração conjunta, assegurada pelos respetivos proprietários ou comproprietários, sendo os órgãos da administração conjunta os seguintes: a assembleia de proprietários ou comproprietários, a comissão de administração e a comissão de fiscalização.
O artigo 10.º da indicada lei estabelece as competências da assembleia, competindo-lhe, nos termos do n.º 1, acompanhar o processo de reconversão e fiscalizar os atos da comissão de administração, sem prejuízo das competências atribuídas à comissão de fiscalização, bem como, nos termos do n.º 2, o seguinte: deliberar promover a reconversão da A…; eleger e destituir a comissão de administração; eleger e destituir os representantes dos proprietários e comproprietários que integram a comissão de fiscalização; aprovar o projeto de reconversão a apresentar à câmara municipal, na modalidade de pedido de loteamento; avaliar a solução urbanística preconizada, na modalidade de reconversão por iniciativa municipal; aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º; aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, os orçamentos apresentados pela comissão de administração para a execução das obras de urbanização; aprovar o projeto de acordo de divisão da coisa comum; aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, as contas anuais e intercalares, da administração conjunta; aprovar, após parecer da comissão de fiscalização, as contas finais da administração conjunta.
O n.º 5 do citado artigo 10.º atribui força executiva à fotocópia certificada da ata que contenha a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão.
Está em causa, na execução que constitui o processo principal, o cumprimento pelo embargante do dever de comparticipar nas despesas de reconversão, com a cobrança coerciva de parte da comparticipação considerada devida conforme deliberação da assembleia realizada no dia 28/02/2016, na qual foram, além do mais, analisados os mapas das comparticipações das despesas com a execução das obras de infraestruturas e taxas camarárias e de funcionamento da administração conjunta, bem como a proposta do plano de pagamentos a efetuar pelos proprietários e acordado que a forma de pagamento é faseado em 24 prestações, iguais e sucessivas, com início em 1 de maio de 2016 e termo em 8 de maio de 2018.
A exequente intentou a execução invocando o seguinte no requerimento executivo:
“1º A Exequente é uma entidade regulamentada pelo disposto na lei 165/99 de 14 de Setembro com as alterações introduzidas pela lei 64/2003 de 23 de Agosto, cujo objetivo é praticar os atos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas em A….
2º Os atos executórios da referida A… são praticados pela Comissão de Administração, eleita em assembleia geral de proprietários datada de 26/01/1997, conforme documento n.º 1 que se junta.
3º Em sede de assembleia geral de proprietários datada de 5/04/2009 foi aprovado o projeto de divisão da coisa comum, conforme documento n.º 2 que se junta.
4º No exercício das atividades de administração conjunta cabe a efetivação das comparticipações a que os proprietários estão obrigados, de acordo com o disposto no número 3 do artigo 3.º da referida lei;
5.º Comparticipações essas, que foram validamente aprovadas em Assembleia geral ordinária em 28 de Fevereiro de 2016, de acordo com o disposto na alínea f) do número 2 do artigo 10.º da lei 64/2003 de 23 de Agosto, conforme a ata da assembleia geral que de junta como documento número 3;
6º Bem como o respetivo mapa anexo à mencionada ata o qual foi também ele aprovado aquando da deliberação do ponto 7 da ordem de trabalhos, conforme documento número 4.
7º Da análise do mencionado documento número 4 resulta que ao Executado cabe a quantia de 8.535,76€ (oito mil, quinhentos e trinta e cinco euros e setenta e seis cêntimos).
8º Do qual até à presente data nada foi pago.
9º Na referida assembleia geral foi aprovado um possível acordo de pagamento que tinha como data limite de pagamento o dia 8 de Maio de 2018, do qual não foi cumprida qualquer das prestações por parte do Executado.
10º Não obstante ter tido conhecimento da ata da assembleia geral publicada em 11/04/2016 no jornal “Correio da Manhã”, conforme documento número 5;
11º Ainda assim em 8/11/2018 foi interpelado pela Exequente, conforme documentos números 6 e 7 que junta.
12º O executado não efetuou o pagamento a que se encontra obrigado.
13º É legitimo proprietário do prédio integrado na A…, com a inscrição 7318, conforme documento número 8.
14º Assim, e porque o pagamento das despesas de reconversão urbanísticas validamente estipuladas é título executivo, nos termos do número 5 do artigo 10º da supra mencionada lei, pretende a Exequente haver do Executado a quantia de 8.535,76€ (oito mil, quinhentos e trinta e cinco euros e setenta e seis cêntimos).
15º Até agora sobre os valores em dívida venceram-se a título de juros o montante de 941,97€ (novecentos e quarenta e um euros e noventa e sete cêntimos), contabilizados de acordo com o disposto no número 2 do artigo 16º C da lei 64/2003 de 23/08 e da portaria número 291/03 de 8/047, isto é 30 dias após a publicação da deliberação da Assembleia Geral.
16º O que totaliza a quantia de 9.477,73€ (nove mil quatrocentos e setenta e sete euros e setenta e três cêntimos) e que desde já se requer o pagamento.
17º Mais se requer o pagamento dos juros vincendos e demais encargos com o processo até integral pagamento.”
Analisada a alegação do apelante, este defende que o título dado à execução – Ata de assembleia geral – não tem força executiva por nele não se descriminar em concreto o montante definitivo a pagar a cada proprietário ou comproprietário, por referência aos lotes abrangidos pelo A….
Estando em causa a reconversão urbanística de área urbana de génese ilegal, incumbe aos proprietários ou comproprietários, titulares dos prédios abrangidos pela A…, o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados na Lei n.º 91/95, de 02/09, conforme supra se expôs.
Dispõe o artigo 15.º, n.º 1, al. c), da citada lei, que compete à comissão de administração elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações; por outro lado, estabelece o artigo 10.º da indicada lei, na alínea f) do n.º 2, que compete à assembleia aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos naquela alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º, atribuindo o n.º 5 do preceito força executiva à fotocópia certificada da ata que contenha a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão.
Regulando o funcionamento da assembleia, dispõe o artigo 12.º da mesma lei, no seu n.º 1, que a assembleia delibera nos termos previstos no Código Civil para a assembleia de condóminos dos prédios em propriedade horizontal, com as especificidades previstas nos demais números do preceito, designadamente relativas à publicidade das deliberações, conforme decorre dos n.ºs 6 e 7; estabelece o n.º 8 do preceito que as deliberações da assembleia podem ser judicialmente impugnadas por qualquer interessado que as não tenha aprovado, no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia ou da publicação referida no n.º 6 do presente artigo, consoante aquele haja ou não estado presente na reunião.
Atribuindo o artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95, de 02/09, força executiva à fotocópia certificada da ata que contenha a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, trata-se de título executivo da espécie prevista no artigo 703.º, n.º 1, al. d), do CPC, isto é, um documento particular a que é atribuída força executiva por disposição especial, documento pelo qual cabe determinar o fim e os limites da ação executiva, conforme dispõe o artigo 10.º, n.º 5, do CPC.
Do regime exposto decorre que as deliberações da assembleia que determinem o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão vinculam os proprietários ou comproprietários, titulares dos prédios abrangidos pela A…, aos quais incumbe o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, sendo admitida a impugnação judicial por parte daqueles que as não tenham aprovado, nos termos e prazos fixados no citado artigo 12.º daquela lei.
Como se referiu, vem posta em causa pelo apelante a suficiência do título executivo para determinação dos concretos montantes devidos a título de comparticipação nas despesas da reconversão.
O executado foi demandado na qualidade de proprietário da parcela de terreno integrada em A…, para pagamento de comparticipações vencidas e não pagas.
Foi dada à execução a Ata da reunião da assembleia de proprietários e comproprietários do prédio abrangido pela A….
Nessa Ata, relativa à reunião de 28/02/2016, na qual foram, além do mais, analisados os mapas das comparticipações das despesas com a execução das obras de infraestruturas e taxas camarárias e de funcionamento da administração conjunta, bem como a proposta do plano de pagamentos a efetuar pelos proprietários e acordado que a forma de pagamento é faseado em 24 prestações, iguais e sucessivas, com início em 1 de maio de 2016 e termo em 8 de maio de 2018, tendo sido aprovada a proposta de pagamento dos custos de reconversão em consonância o consignado os mapas anexos à referida ata (doc. n.º 4 junto com a petição executiva).
A titularidade da parcela de terreno (lote 93 com área de 450 m2) donde emerge a comparticipação coercivamente exigida não é posta em causa pelo executado/embargante.
A quantia exequenda reclamada diz respeito às quotizações de despesas de reconversão que oneram a parcela de terreno da qual o executado/embargante é titular.
Nestes termos, não se vislumbra que tenha ocorrido a violação de quaisquer normas legais geradoras de incerteza, inexigibilidade e iliquidez das comparticipações firmadas, designadamente de regras relativas à fixação destas.
As deliberações da assembleia presumem-se válidas e eficazes uma vez não foram judicialmente impugnadas a coberto do disposto no artº 12º n.º 8 da lei 91/95 de 02/09 ou de qualquer outra legislação.
Por isso, a Ata referente à deliberação que aprovou os mapas das comparticipações das despesas com a execução das obras de infraestruturas e taxas camarárias e de funcionamento da administração conjunta, respeitantes a cada proprietário bem como a proposta do plano de pagamentos a efetuar constitui título executivo bastante, documentando a existência de obrigações pecuniárias certas, exigíveis e líquidas, não relevando o facto dos mapas não estarem assinados pelos proprietários presentes na assembleia, nem de não constar na ata a listagem dos mesmos, atendendo a que a lei não o impõe,[1] bastando que na Ata se faça referência, como efetivamente se fez, à “lista de presenças anexa à presente Ata e que dela faz parte integrante” e ao respetivo quórum, não carecendo, assim, a Ata para valer como título executivo de mencionar a identificação dos participante e votantes na respetiva reunião, nem de conter as suas assinaturas.[2]
Pois, a necessidade de recurso a elementos exteriores ao título executivo (tais como mapas que foram apreciados e analisados em assembleia geral, com a listagem dos custos de reconversão de cada lote/proprietário), para efeitos de concretização da obrigação exequenda, não põe em causa a força executiva da ata contendo a deliberação da assembleia, nem importa se conclua pela respetiva insuficiência.
Efetivamente, dispondo o artigo 724.º, n.º 1, al. e), do CPC que o exequente, no requerimento executivo, expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, daqui decorre que é de admitir o recurso a elementos exteriores ao título para efeitos de determinação da obrigação exequenda.[3]
No mesmo sentido, sobre a exequibilidade do título - fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determina o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão – acompanhada de mapas nela apreciados e aprovados, como da exigibilidade da obrigação, cuja cobrança coerciva se pretende efetuar, vide, também os acórdãos desta Relação de 12/09/2019 no processo 7755/17.1T8STB-A.E1, e de 07/11/2019 no processo de apelação n.º 4785/18.0T8STB-A.E1 (este, relatado pelo ora relator em que também teve intervenção o ora 2º adjunto).
Por último, há que dizer que embora o recorrente afirme que não recebeu a carta a que se alude no ponto 5 dos factos provados, tal não põe em causa a validade e eficácia do título executivo, pois tal interpelação tinha, apenas, como finalidade a sensibilização do ora recorrente para proceder ao pagamento das quantias, a fim de evitar a cobrança coerciva, como veio acontecer.
Em suma, irrelevam, as conclusões dos apelantes, sendo de julgar improcedente a apelação e de confirmar a sentença recorrida.
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DECISÂO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas de parte pelo apelante (cfr. disposições combinadas dos artºs 663º n.º 2, 607º n.º 6, 527º n.º 1 e 2, 529º n.º 4 e 533º n.º 1 e 2, todos do CPC).

Évora, 08 de outubro de 2020

Mata Ribeiro
Maria da Graça Araújo
(Não assina por não estar fisicamente presente, mas tem voto de conformidade por comunicação à distância, de acordo com o disposto no art. 15-A do Dec. Lei 10-A/2020 de 13/03)
Manuel Bargado
(Não assina por não estar fisicamente presente, mas tem voto de conformidade por comunicação à distância, de acordo com o disposto no art. 15-A do Dec. Lei 10-A/2020 de 13/03)
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[1] - Só relativamente às matérias de aprovação do projeto de divisão de coisa comum e aprovação das contas finais da administração conjunta é que o legislador exige formalismos mais apertados – v. artº 12º n.ºs 2 e 5 da Lei 91/95 de 02/9
[2] - v. entre outros Acs. do TRL de 21/10/2004 no processo 7680/2004-6e de 08/02/2018 no processo 15101/15.2T8LRS-A-2, bem como do TRE de 09/10/2008 no processo 1783/08-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] - Neste sentido, cf. o acórdão da Relação de Lisboa de 29-04-2019 proferido no processo n.º 7334/16.0T8LRS-A.L1-2 disponível em www.dgsi.pt.