Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO M. RIBEIRO CARDOSO | ||
Descritores: | ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA PRESCRIÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
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Data do Acordão: | 03/17/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | 1 - O regime de responsabilidade do administrador da insolvência e respectivo prazo de prescrição consagrados no art. 59º do CIRE, apenas são aplicáveis aos processos de insolvência iniciados após a entrada em vigor do CIRE, não se aplicando às acções de indemnização por responsabilidade aquiliana por actos do liquidatário praticados no exercício das suas funções, em processos anteriormente instaurados, mesmo que os actos tenham ocorrido e a acção de indemnização tenha sido instaurada depois do início daquela vigência. 2 – O disposto no art. 59º do CIRE apenas é aplicável nos casos em que o lesado é o insolvente, ou um credor da insolvência ou da massa insolvente. Sendo qualquer outro o lesado, mesmo que por actos do administrador no exercício das suas funções, aplica-se o regime geral estabelecido nos arts. 483º e segs. do CC. (sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | T… e M… intentaram a presente acção com processo ordinário contra L…, pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 41.513,88 acrescida dos juros de mora, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. Como fundamento alegaram que exerceram o seu direito de preferência na venda do imóvel de que são arrendatários, levada a cabo no processo de insolvência em que o Réu exerceu as funções de liquidatário judicial, tendo comprado o imóvel e celebrado a respectiva escritura pública, para o que despenderam variadas verbas, para além de terem, após a escritura, executado diversas obras no imóvel. Todavia a venda acabou por ser anulada por deficiente cumprimento pelo R. dos seus deveres funcionais já que não notificou, com a devida antecedência a remidora, a qual acabou por adquirir o imóvel em detrimento dos AA. Citado, o R. contestou invocando a sua ilegitimidade e a caducidade (assim impropriamente qualificada, já que se trata de prescrição) do direito dos AA., bem como impugnou parcialmente a factualidade por eles invocada. No saneador foi a invocada excepção da ilegitimidade julgada improcedente, mas procedente a excepção da prescrição, com a consequente absolvição do R. do pedido. Inconformados com esta decisão, interpuseram os AA. o presente recurso de apelação. Não foram apresentadas contra-alegações. Atenta a simplicidade do objecto do recurso, com a anuência dos M.mos Juízes Adjuntos, foram, nos termos do art. 707º, nº 4 do Código de Processo Civil, dispensados os vistos. Formularam os AA/apelantes, nas alegações de recurso, as seguintes conclusões: “A) A responsabilidade civil dos liquidatários judiciais/administradores de insolvência é regulada por dois regimes diversos. B) O Artigo 59° do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas apenas é aplicável às situações em que esteja em causa a responsabilidade funcional do liquidatário judicial/administrador de insolvência. C) A situação sub júdice não se enquadra no âmbito da responsabilidade funcional do Réu. D) Os Autores não são credores nem devedores da massa falida, mas sim proponentes na aquisição de um dos imóveis daquela massa. E) Considerando o disposto no Artigo 12.º do Decreto Lei n.º 53/2004, de 18 de Março que aprova o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas e o espírito do Artigo 59º do referido Código (que segundo a melhor Doutrina apenas é de aplicar à responsabilidade funcional, perante credores e devedores da insolvência e da massa insolvente) a responsabilidade civil do Réu, enquanto mandatário representativo. é disciplinada pelo regime geral consagrado no art. 483.º e seguintes do Código Civil. F) Em conformidade com o disposto no art. 498º do Código Civil, a prescrição do regime geral da responsabilidade civil, ocorre no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. G) Em 13 de Fevereiro de 2007, os Autores tomaram conhecimento do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 08 de Fevereiro de 2007 (onde se conclui: "pois que tudo não deixa de ter origem na sua conduta negligente" (conduta do Réu), H) Pelo que, na data de propositura da acção (20 de Outubro de 2009), ainda não havida decorrido o referido prazo de três anos. I) Em conformidade, naquela data - 20 de Outubro de 2009, o direito dos Autores não se encontrava prescrito. QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões formuladas, a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se ao caso é aplicável o prazo de prescrição de 2 anos estabelecido no art. 59º, nº 4 do CIRE. O tribunal “a quo”, para efeitos do conhecimento da invocada excepção, julgou provados os seguintes factos: “1. Os autores fundamentam a presente acção nos danos causados em consequência do desempenho de funções do réu, enquanto Liquidatário/ Administrador, no âmbito de processo de insolvência, actos que culminaram com a anulação da venda de imóvel aos autores, decidida por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08/02/2007, notificado aos (ora) autores em 13/02/2007. 2. Os autores intentaram a presente acção em 26/1 0/2009 (cfr. fls. 159), tendo o réu sido citado após tal data.” Vejamos, então, a referida questão que constitui o objecto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas [1] bem como, nos termos dos arts. 660º, n.º 2 e 713º n.º 2 do Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Embora não conste do elenco dos factos provados, resulta dos articulados e documentação junta aos autos, que o processo de insolvência visado nestes autos e no qual foram praticados os actos, alegadamente, violadores do direito dos AA., foi instaurado em 2003, ou seja, antes da entrada em vigor, em Setembro de 2004, do DL. 53/2004 de 18/03 que aprovou o CIRE, motivo pelo qual este não é aplicável aos presentes autos, “ex vi” do art. 12º do referido Decreto-Lei. Entendeu-se, todavia, na douta decisão recorrida, ser aplicável o estabelecido no art. 59º, nº 4 do CIRE, no qual se determina que “a responsabilidade do administrador da insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete…”, por força do disposto no art. 297º do CC. Determina o art. 297º do CC que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso…” Daqui resulta, que o novo prazo mais curto só é aplicável se na lei anterior estiver fixado um prazo mais dilatado. Ora, o CPEREF aprovado pelo DL 132/93 de 23/04 e aplicável ao processo de falência em que o R. exerceu as funções de liquidatário e cujos actos, na tese dos AA, são passíveis de responsabilidade aquiliana pelos danos que lhes causaram, não consagrava nem a responsabilidade dos liquidatários nem, como é óbvio, qualquer prazo de prescrição dessa omissa responsabilidade. Assim, inexistindo prazo na lei anterior, é inaplicável o disposto no art. 297º do CC e, por consequência, o estabelecido no art. 59º, nº 4 do CIRE. Mas, ainda que assim se não entendesse, a solução seria a mesma. O art. 59º do CIRE, na própria economia do preceito, aplica-se, tão só aos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente (“1 – O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem…”), e não a quaisquer eventuais lesados pelos actos do administrador da insolvência no exercício das suas funções. Os danos causados a estes regulam-se pelas disposições dos arts. 483º e segs. do CC. “Para o regime… fixado [no art. 59º do CIRE] ser aplicável, é necessário que o prejudicado seja o próprio devedor ou um credor. Em qualquer outro caso, seguir-se-á estritamente o regime geral” [2]. Concluímos assim, que o estabelecido no art. 59º do CIRE não é aplicável ao caso sub judice, quer quanto à responsabilidade em si, quer quanto ao prazo de prescrição, regendo-se antes pelo estabelecido nos arts. 483º e segs. do CC. Nos termos do art. 498º, nº 1 do CC, o direito de indemnização decorrente de responsabilidade civil extra-contratual prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. Ora, fundamentando os AA. a presente acção nos danos causados em consequência do desempenho de funções do réu, enquanto Liquidatário/Administrador, no âmbito de processo de insolvência, actos que culminaram com a anulação da venda de imóvel aos autores, decidida por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08/02/2007, notificado aos (ora) autores em 13/02/2007 e tendo eles intentado a presente acção em 26/1 0/2009 (cfr. fls. 159), concluímos que o fizeram antes de decorrido o prazo prescricional de três anos estabelecido no art. 498º do CC, não se encontrando, por isso, prescrito o direito de que se arrogam e que aqui pretendem fazer valer. O recurso merece, por conseguinte, provimento, devendo a decisão recorrida ser revogada. Em conclusão (art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil): 1 - O regime de responsabilidade do administrador da insolvência e respectivo prazo de prescrição consagrados no art. 59º do CIRE, apenas são aplicáveis aos processos de insolvência iniciados após a entrada em vigor do CIRE, não se aplicando às acções de indemnização por responsabilidade aquiliana por actos do liquidatário praticados no exercício das suas funções, em processos anteriormente instaurados, mesmo que os actos tenham ocorrido e a acção de indemnização tenha sido instaurada depois do início daquela vigência. 2 – O disposto no art. 59º do CIRE apenas é aplicável nos casos em que o lesado é o insolvente, ou um credor da insolvência ou da massa insolvente. Sendo qualquer outro o lesado, mesmo que por actos do administrador no exercício das suas funções, aplica-se o regime geral estabelecido nos arts. 483º e segs. do CC. DECISÃO Termos em que se acorda, em conferência, nesta Relação: 1. Em conceder provimento ao recurso; 2. Em revogar a decisão recorrida na parte objecto do recurso; 3. Em julgar improcedente a invocada excepção da prescrição deduzida pelo R.; 4. Em condenar nas custas, nesta instância, a parte que, a final, for vencida. Évora, 17.03.11 (António Manuel Ribeiro Cardoso) __________________________________________________(Acácio Luís Jesus Neves) (José Manuel Bernardo Domingos) [1] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 713º, n.º 2 e 660º, n. 2 do CPC. [2] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO, reimpressão, 2009, pág. 271, em anotação ao art. 59º. |