Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA CLARA FIGUEIREDO | ||
Descritores: | OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA VÍTIMAS MENORES DE IDADE JUÍZO DE ESPECIAL CENSURABILIDADE INDEMNIZAÇÃO EQUITATIVA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 02/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - O comportamento do arguido que, motivado pelo seu interesse individual e egoísta de impedir que os menores jogassem à bola nas imediações da sua casa, livre e voluntariamente decidiu avançar com o seu veículo automóvel contra o corpo de dois menores de 10 e 15 anos, tendo passado com uma das rodas por cima do pé de um deles e tendo, ato contínuo, encostado o outro à parede, o que lhes provocou lesões e sequelas físicas e psicológicas, não pode deixar de qualificar-se como absolutamente intolerável e fortemente censurável ao nível ético jurídico. II - Tendo o agente agido a coberto de um especial juízo de censurabilidade, revela-se incontornável que se constituiu como autor material de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, pois que atuou em “circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade”, por reporte aos exemplos-padrão previstos no artigo 132.º, n.º 2, alíneas c) e h) do Código Penal, ex vi do disposto no artigo 145.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. III - Considerando as desvaliosas condutas sancionadas nos autos, o contexto em que as mesmas foram perpetradas pelo arguido, as concretas lesões e sequelas sofridas pelos menores, ao nível físico e ao nível psicológico, revela-se justo e equitativo fixar os montantes indemnizatórios na quantia global de 5 000,00 €. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório. Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo de Competência Genérica de …-J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 187/19.9GALGS, foi o arguido AA, viúvo, nascido a …….1937, natural da freguesia de …, concelho de …, de nacionalidade portuguesa, filho de BB e de CC, residente no Largo …, n.º …, …, em …, condenado nos seguinte termos: - Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, nºs 1, alínea a), 2 e 132.º, n.º 2, alíneas c) e h) todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, em relação à pessoa de DD; - Pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, nºs 1, alínea a), 2 e 132.º, n.º 2, alíneas c) e h) todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, em relação à pessoa de EE; - Em cúmulo jurídico das penas referidas penas parcelares, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com subordinação da suspensão à condição de entregar à assistente, no mesmo período, a quantia de €3.000,00 (três mil euros), correspondendo esse pagamento à indemnização civil; - No pagamento à demandante da quantia de €3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal e contados desde a data da prolação da sentença, dia 27.06.2022, até efetivo e integral pagamento. * Inconformados com tal decisão, vieram o arguido e a demandante cível interpor recursos da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: Do recurso do arguido: “VII. CONCLUSÕES a) Resultando das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas DD, EE e FF fundadas dúvidas sobre o local onde ocorreram os factos – nomeadamente ser um largo se uma rua estreita, algo extremamente relevante para o apuramento da verdade material – e não tendo sido feito qualquer diligência nem no inquérito, nem em julgamento, visando aquele esclarecimento, considera o recorrente que se mostra insuficiente para a decisão a matéria de facto provada e que existe erro notório na apreciação dessa prova quando a sentença refere apenas genericamente onde os factos ocorreram; b) Assim, estão preenchidos os fundamentos das alíneas a) e c) do nº 2 do artº 410º do CPP justificando o reenvio do processo para novo julgamento, parcial ou total, nos termos do artº 426º do CPP; c) No seu depoimento, a testemunha DD, utilizou linguagem gestual não tendo o tribunal registado, verbalmente ou por escrito, os gestos por ele feitos, impedindo, assim, as corretas perceção e compreensão do depoimento impedindo o devido esclarecimento dos factos; d) Esta situação conduz igualmente ao fundamento do artº 432º nº 2 alínea a) do CPP, ou seja, o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – já que vicia a integridade do depoimento – impondo o reenvio do processo ou a renovação da prova com a reinquirição de EE perante V. Exªs nos termos do artº 430º do CPP; e) Os factos dados como provados nos pontos 11 e 12 da matéria de facto, nomeadamente quanto às putativas consequências imputadas ao arguido relativamente a EE, mostram-se contrariados pela perícia de fls. 125 e vº que concluiu pela inexistência de consequências da eventual ofensa à integridade física; f) Face ao disposto no artº 163º do CPP a perícia deve prevalecer e daí que os factos dos referidos pontos no que se refere a tais consequências não devam ser dados como provados, ficando assim aqueles pontos aqui impugnados; g) Das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas DD, EE e FF, em especial nas partes transcritas e assinaladas, bem como do já dado como assente nos pontos 5, 6 e 7 da matéria provada, resulta que o arguido ao conduzir o veículo no local onde os factos ocorreram apenas pretendia dali afugentar e afastar os referidos DD, EE e FF daquele local, visando estacionar o veículo junto a sua casa, impondo as regras da experiência comum que o facto de o veículo ter passado sobre o pé direito de DD foi meramente acidental; h) Mais resulta que o facto de EE ter sido encostado a uma parede, emergiu de facto deste, pois que em lugar de colocar as mãos sobre o capot do veículo do arguido, insistindo em que dali não saía, poderia facilmente ter-se afastado; i) Foi, pois, erradamente dado como provado tanto quanto consta dos pontos 14, 15 e 16 não podendo ser imputada ao arguido as intenções ali referidas, como também não deve ser dado como provado que ao mesmo se representou, no caso e naquelas circunstâncias, que o seu veículo revestia um meio particularmente perigoso; j) Fica consequentemente impugnada a matéria de facto dos pontos 14, 15 e 16 nos termos supra sustentados; l) Embora sendo os ofendidos menores, tal situação, no caso, não os colocava particularmente indefesos porque facilmente podiam ter-se afastado do local aquando da aproximação do arguido, deixando de jogar à bola e cessando quaisquer provocações, afastamento que, aliás, veio a ocorrer sem qualquer dificuldade por parte dos mesmos; m) Não deve, assim, considerar-se verificada a circunstância qualificativa da alínea c) do nº 2 do artº 132º do Código Penal; n) E também não o deve a qualificativa da respetiva alínea h) pois que nas circunstâncias do caso, o veículo não representava um meio particularmente perigoso; o) As alterações à matéria de facto supra sustentadas impõem a absolvição do arguido; p) E ainda que não ocorram tais alterações, o afastamento das circunstâncias qualificativas atrás referidas conduz a que a respetiva conduta apenas preencha a previsão do artº 143º do Código Penal – ofensa à integridade física simples – sendo que relativamente a EE por tal crime não foi tempestivamente exercido o direito de queixa, pelo que o procedimento criminal se deve ter como extinto; q) Ainda que não obtenha provimento nenhum dos fundamentos objeto das presentes alegações e conclusões, questiona o arguido as penas aplicadas dada a sua idade, a sua condição social e a inexistência de registo criminal; r) Não lhe deverá ser aplicada uma pena de prisão superior a 1 ano pelos crimes alegadamente cometidos nas pessoas de DD e EE a qual se impõe seja substituída por multa, nos termos do artº 45º do Código Penal, em montante suficiente para prevenir o cometimento de futuros crimes, ficando assim salvaguardadas as finalidades previstas no artº 40º do Código Penal; s) Entende-se, consequentemente, que em sede de direito a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos artºs 40º, 45º 132º nº 2 alíneas c) e h), 143º e 145º do Código Penal a interpretar e a aplicar como aqui se sustenta.” Requer-se, ao abrigo do disposto no artº 411º nº 5 do Código de Processo Penal, que se realize audiência visando debater.” Termina requerendo a realização de audiência para debate de todos os pontos objeto das conclusões do recurso, nos termos do n.º 5 do artigo 411º do C.P.P, o reenvio do processo para novo julgamento, parcial ou total, nos termos do artigo 426º do CPP ou, subsidiariamente, a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que o absolva da prática dos dois crimes de ofensas à integridade física qualificada pelos quais foi condenado ou, subsidiariamente, que o condene apenas pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (por considerar que quanto ao crime respeitante a EE o procedimento criminal deve ser declarado extinto por falta de queixa), ou, ainda subsidiariamente, que o condene numa pena de prisão não superior a 1 ano, que deverá substituída por multa. * Do recurso da demandante cível: “IV-CONCLUSÕES: 1. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o Arguido a pagar à Assistente/demandante a quantia global de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora, desde a data de 27/06/2022, até efetivo e integral pagamento. 2. A Assistente peticionou, em representação dos seus filhos menores, a condenação do Arguido na quantia global de € 30.050,00 (trinta mil e cinquenta euros), sendo que o valor de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), reportava-se aos danos do menor EE e o valor de € 17.550,00 (dezassete mil e quinhentos e cinquenta euros), reportava-se aos danos do menor DD. 3. A Recorrente/Assistente não concorda com o valor global da indemnização que lhe foi arbitrada em representação dos seus filhos menores, dado o seu valor diminuto e atendendo os danos patrimoniais gravosos causados pelo Arguido aos menores. 4. Os fatos pelos quais o Arguido vinha acusado, assim como os fatos relevantes da acusação particular e pedido de indemnização civil, foram dados como provados na íntegra. 5. Tais fatos, são de molde, primeiro, a culpabilizar o Arguido pelos mesmos, a comprovar que os menores tiveram elevados danos não patrimoniais (que ainda hoje perduram e que esses danos tiveram como causa adequada a conduta criminosa do Arguido. 6. O nº3, do artigo 566º do Código Civil, confere ao Tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não for possível, face, mormente à imprecisão dos elementos de cálculo a atender, para fixar o valor exato dos danos. 7. Aqui chegados, cumpre dirimir a questão de que os danos provocados ao menor DD, não só causaram danos no imediato, como também terão diminuído o seu rendimento futuro, pois o menor, era um talentoso e promissor guarda-redes de futebol, sendo na altura o único guarda-redes da sua equipa e tendo ganho a competição de melhor guarda-redes do …, no seu escalão etário. 8. No caso concreto, do ponto de vista da atividade profissional de DD e EE, a conduta do Arguido não implicou a perda direta de rendimentos laborais, porquanto ao tempo da ocorrência do crime, ambos eram menores e não exerciam nenhuma atividade profissional remunerada, mas o que há a considerar como dano futuro, é o dano biológico já que ficaram afetadas as suas potencialidades físicas (especialmente no que concerne ao menor DD), o que determinou uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará. 9. Os ofendidos, não obstante terem voltado a praticar desporto, ainda que não nas mesmas condições, e tentado voltar a ter uma vida igual à que tinham antes das agressões que lhe foram perpetradas pelo Arguido, as suas aptidões funcionais em termos físico, recreativo ou social, ficaram comprometidas numa percentagem impossível de calcular no imediato, através de cálculos ou formulas metódicas e matemáticas, pois as repercussões poderão manifestar-se em todo o tempo das suas vidas, e como ficou provado, ainda hoje passados vários anos, são as mesmas sentidas pelos menores. 10. Ora, perante a impossibilidade de reconstituir exatamente a situação como ela foi outrora antes das agressões, só resta a faculdade de indemnizar as vítimas na proporcionalidade dessa impossibilidade, conforme o nº 1 do artigo 566º do Código Civil. 11. Assim sendo, e com recurso à equidade – artigo 566º, nº3, do Código Civil – merece censura a indemnização fixada pelo Tribunal “a quo”, pois não é um valor que permita reparar de forma proporcional aos danos biológicos provocados no presente e no futuro destas duas crianças, assim como do restante agregado familiar composto pela mãe e pelos dois irmãos mais novos. 12. No caso que nos ocupa, o bem violado foi a integridade física dos menores, mas também a integridade psicológica, social e emocional que viram as agressões causar-lhes danos corporais de gravidade, que deixaram sequelas permanentes, quer a nível psicológico, quer a nível corporal/estético. 13. Todas as alterações provocadas na vida normal e quotidiana dos ofendidos, foram causadas por culpa exclusiva do Arguido que em consequência de uma atitude grosseira, imprudente e violenta, provocou vários tipos de danos aos ofendidos, sem se importar que os mesmos eram apenas crianças e usando contra eles um meio particularmente perigoso e de uma forma intencional. 14. Entende a Recorrente que a indemnização global de €3.000,00 (três mil euros), não se afigura equitativa, nem preenche as finalidades de prevenção geral e especial acauteladas pelas normas jurídicas incriminadoras, perante as concretas circunstâncias das agressões por parte do Arguido, e perante o valor monetário dessa indemnização. 15. Perante o valor da indemnização a que o Arguido foi condenado, perante a ausência de quaisquer encargos ou despesas extraordinárias do Arguido, perante os bens imóveis de que o mesmo é proprietário, auferindo ainda anualmente cerca de € 600,00 (seiscentos euros), pela venda de alfarroba e perante o valor mensal de €3.000,00 (três mil euros) que o Arguido aufere por conta da sua reforma, o valor da indemnização não se afigura como “um castigo”, “uma sanção” ou uma verdadeira pena para o lesante. 16. Na prática e na realidade, por este valor de indemnização, o Arguido não sofre realmente uma verdadeira pena e sanção, pois a suspensão da execução da pena, permite ao Arguido não cumprir pena efetiva de prisão, e o valor da indemnização permite ao Arguido passar por todo este processo sem “sofrer” qualquer sanção realmente punitiva, sendo até um incentivo ao mesmo à prática do mesmo tipo de ilícito contra os ofendidos. 17. A douta sentença recorrida considera a gravidade dos danos provados como elevados, não obstante todas essas considerações, a sentença recorrida, peca salvo melhor opinião, do vício a que alude o artigo 410.º, nº 2, al. b), do Código de Processo Penal, dado que consagra uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. 18. No que diz respeito ao quantum da indemnização, não podemos esquecer que o prejuízo, na sua materialidade não irá desaparecer, mas será economicamente compensado, ou, pelo menos ainda que o dinheiro não possa apagar os danos causados, neste caso concreto a duas crianças menores, poderá contrabalançar de alguma forma, os danos que os mesmos sofreram. 19. A indemnização terá sempre de ter uma ideia de reprovação ou castigo, à conduta ilícita do Arguido, que na modesta opinião da Recorrente não será conseguida face ao valor diminuto da indemnização fixada na sentença recorrida, em contraponto com as condições pessoais e essencialmente económicas do Arguido (militar graduado de carreira/aposentado). 20. Por conseguinte, as exigências de prevenção especial e geral também justificam o aumento do valor indemnizatório.” Termina pedindo que o demandado seja condenado a pagar aos ofendidos demandantes, a quantia mínima de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), no que se refere ao ofendido EE, e a quantia mínima de € 17.550,00 (dezassete mil e quinhentos e cinquenta euros), no que se refere ao ofendido DD, o que perfaz a quantia global de € 30.050,00 (trinta mil e cinquenta euros), a titulo de compensação pelos danos não patrimoniais causados, acrescido de juros de mora. * O recurso foi admitido. Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso apresentado pelo arguido e pela consequente manutenção da decisão recorrida quanto à matéria criminal, tendo apresentado as seguintes conclusões: “III. CONCLUSÕES 1. A sentença recorrida não padece de vício decisório de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto a prova testemunhal e documental analisada pelo Tribunal “a quo” permitiu-lhe extrair um núcleo de factos manifestamente consistente quanto à prática pelo recorrente de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, nem se descortina qualquer outra diligência que devesse ter sido realizada ou qualquer outra matéria de facto relevante para a decisão que devesse ter sido indagada e que, indevidamente, o tribunal recorrido não realizou ou não indagou. 2. A sentença recorrida não padece de erro notório na apreciação da prova, porquanto não resulta do texto da decisão recorrida qualquer vício de apuramento da matéria de facto, nem se antevê qualquer regra de experiência comum que, conjugada com a sentença, permita concluir no sentido da verificação do vício em questão. 3. O recorrente confunde os vícios previstos nas alíneas a) e c), do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, vícios estes que têm de decorrer exclusivamente do texto da decisão, com a valoração que o Tribunal a quo faz da prova produzida. 4. O recorrente insurge-se quanto à matéria de facto dada como provada, por, em seu entender, face à prova produzida em julgamento não poderiam ter sido dados como provados os factos sob os números 7, no que concerne ao lugar da prática dos factos, 11, 12, 14, 15 e 16 da sentença. 5. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto provada, em toda a prova produzida, enumerando os elementos probatórios que contribuíram para a formação da sua convicção, indicação as razões que os dotaram de relevância e credibilidade - à luz de critérios de normalidade e da experiência comum. 6. A sentença recorrida fez uma correta apreciação da prova produzida em audiência, não se vislumbrando qualquer erro na formação da convicção do tribunal que imponha a alteração da matéria de facto provada ou a insuficiência desta para a decisão, nem se verificando a existência de quaisquer razões objetivas para que o tribunal modifique essa prova no sentido pretendido pelo recorrente, como melhor resulta da motivação do presente recurso. 7. Resulta devidamente demonstrado os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de ofensa à integridade física qualificada e, em especial, que o recorrente actuou em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, por reporte aos exemplos-padrão previstos no artigo 132.º, n.º 2, alínea c) e h) do Código Penal, ex vi do disposto no artigo 145.º, n.º 2, do mesmo diploma legal [“c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez” e “h) (…) “utilizar meio particularmente perigoso”]. 8. A Mma. Juiz a quo aplicou escrupulosamente os critérios legais, fornecidos pelos artigos 40.º e 71.ºdo Código Penal, na escolha e determinação da pena concreta de 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de DD e de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de EE, as quais se mostram, dentro da sua moldura abstracta, justas e criteriosas, dando expressão acertada às exigências de prevenção, especial e geral, que no caso em apreço se faziam sentir. 9. A Mma. Juiz a quo ponderou adequadamente todas as circunstâncias e factos relevantes, sendo que a pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, aplicada ao recorrente se adequa ao caso sub judice, respeitando a globalidade dos parâmetros que reputamos adequados, de harmonia com o preceituado no 77.º, do Código Penal. 10. Pelo que, e ainda pelas razões expendidas na motivação acompanhamos integralmente a sentença recorrida, a qual não nos merece nenhum reparo e à qual nada se nos oferece acrescentar com utilidade. 11. Não se mostram, pois, violados, por qualquer forma, quaisquer preceitos legais ou princípios, designadamente o disposto no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 13.º, 14.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 40.º, 50.º, 71.º, 77.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.ºs 1 e 2, al. c) e h), todos do Código Penal e nos artigos 127.º e 410.º, n.º 2 alíneas a) e c), ambos do Código do Processo Penal. Face ao exposto deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se, na íntegra, a decisão judicial recorrida.” Ainda na 1ª instância, arguido respondeu ao recurso apresentado pela demandante cível, tendo pugnado pela sua total improcedência. * O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação teve vista do processo, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 416º, nº 2 do CPP. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos e tendo sido realizada a audiência, com observância dos requisitos legais previstos no artigo 423º do CPP, cumpre apreciar e decidir. * *** II – Fundamentação. II.I Delimitação do objeto do recurso. Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10.95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso. Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida. No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber: A) Determinar se a decisão recorrida enferma dos vícios consagrados nas alíneas a) e c) do no nº 2 do artigo 410º do CPP: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a)) e erro notório na apreciação da prova (al. c)). C) Determinar se existiu erro de julgamento da matéria de facto por errada valoração da prova produzida nos autos, nos termos previsto no artigo 412º do CPP; D) Determinar se existiu erro de julgamento da matéria de direito relativamente: a) À qualificação jurídica dos factos, em virtude de os factos provados não integrarem os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de ofensas à integridade física qualificada pelos quais o arguido foi condenado. b) Aos princípios e regras legalmente previstos para a determinação das medidas das penas. c) À fixação do montante indemnizatório devido à demandante. * *** II.II – A decisão recorrida. Realizada a audiência final, pelo Tribunal “a quo” foi proferida sentença que deu como provados e não provados os seguintes factos: “2.1. Factos provados: 1. O arguido AA nasceu em …1937. 2. DD nasceu no dia ….2010; 3. EE nasceu no dia … 2007; 4. No dia 12 de Junho de 2019, cerca das 19:05 horas, DD e EE, irmãos, e FF, este com 11 anos de idade, encontravam-se no Largo …, freguesia da …, a jogar futebol, junto ao local onde os dois primeiros residem; 5. O arguido dirigiu-se aos três e disse-lhes “não vos quero a jogar mais aqui à bola caralho”; 6. DD, EE e FF ignoraram e continuaram a jogar à bola, fazendo passes entre os três; 7. O arguido entrou então no seu carro, arrancou, circulou no Largo, deu a volta e direcionou o carro, sempre em movimento, para DD e EE; 8. Seguidamente, o arguido aproximou-se sempre em movimento e de forma lenta de DD e passou com uma roda do carro por cima do pé direito deste; 9. Continuou a marcha, sempre de forma lenta em direcção a EE, tendo este colocado as duas mãos em cima do capô e começado a recuar; 10. O arguido, sempre em marcha lenta, embateu com o carro nas pernas de EE, encostando-o à parede; 11. No momento em que EE foi encostado à parede, embateu com o ombro nesta, e ficou com as duas pernas esfoladas no local onde foi embatido pelo carro do arguido; 12. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, EE sofreu dores físicas, sem necessidade de receber assistência médica; 13. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, DD, além de dores físicas, sofreu edema no tornozelo mais acentuado a nível da região maleolar externa com limitação acentuada e dolorosa das respectivas mobilidades, tendo tido a necessidade de utilizar muletas para se deslocar, bem como necessitou de assistência médica, tendo tais lesões determinado 15 dias para a cura, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional; 14. O arguido agiu com o propósito concretizado de atingir DD e EE e FF no seu corpo e na sua saúde, ofendendo-os na sua integridade física, bem sabendo que os mesmos eram menores de idade; 15. O arguido sabia também que ao circular com o carro na direcção de DD e de EE passando com uma roda do carro por cima do pé direito do menor DD e empurrando o menor EE contra a parede com o referido veículo, utilizava um meio particularmente perigoso, cuja perigosidade conhecia, realidade que quis e representou; 16. Em tudo, o arguido actuou de forma livre, voluntária, e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punida por lei penal. Do Pedido de Indemnização Civil deduzido pela Assistente: 17. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o menor DD ficou impossibilitado de colocar o pé direito no chão, o que o impediu de andar normalmente durante 15 dias tendo usado, durante esse período, canadianas para se puder deslocar; 18. Durante o período de 15 dias, DD esteve impedido de brincar e jogar futebol, o que lhe causou frustração e angústia; 19. As dores físicas que o menor DD sofreu prolongaram-se durante 3 meses; 20. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o menor DD foi de imediato conduzido ao Centro Hospitalar Universitário do …, em …; 21. À data dos factos, DD era guarda-redes principal na equipa onde jogava futebol; 22. As lesões que DD sofreu, em virtude da conduta do arguido, impediram que participasse no campeonato de futebol que decorria nessa altura; 23. O descrito em 22. causou a DD transtorno, perturbação e sofrimento; 24. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o menor EE ficou com dores físicas nas suas pernas e no ombro; 25. Ambos os menores ficaram com medo e receio de voltarem a brincar e a jogar futebol no local dos factos, o que ainda sucede; 26. EE sofre de hiperatividade estando dependente de medicação para dormir; 27. Por causa dos factos praticados pelo arguido contra si e contra o seu irmão, este passou a estar mais nervoso e ansioso e com maiores dificuldades para dormir, situação essa que se mantém até aos dias de hoje; 28. Aquando da ocorrência dos factos praticados pelo arguido, os menores encontravam-se acompanhados por FF que sempre foi um dos melhores amigos de EE; 29. A conduta do arguido perturbou o equilíbrio social, psíquico e emocional dos menores FF e EE; Mais se provou: 30. O arguido é viúvo; 31. Tem um filho com 52 anos de idade; 32. Reside sozinho em casa própria sem crédito bancário acoplado; 33. Encontra-se reformado da força aérea portuguesa auferindo mensalmente a esse título a quantia aproximada de €3.000,00; 34. É proprietário de um veículo automóvel da marca … do ano de 2005; 35. É proprietário de um prédio urbano sito na praia da …, em …; 36. É proprietário de três prédios rústicos, sitos em …; 37. Aufere anualmente cerca de €600,00 proveniente da venda de alfarroba; 38. Não tem créditos bancários; 39. Não tem despesas extraordinárias; 40. Como habilitações literárias tem o curso de guerra aérea da academia militar da força aérea; 41. Do certificado do registo criminal do arguido não consta averbada qualquer condenação. * 2.2. Factos não provados: Não se provou: a. Que em consequência da conduta do arguido, os pais do menor FF nunca mais o autorizaram a ir brincar com o menor EE na sua casa ou nas imediações desta, o que o tem deixado triste por não poder confraternizar com o seu amigo. * Os restantes factos, não especificamente dados como provados ou não provados, constituem factos repetitivos, conclusivos, ou contêm factualidade irrelevante para a decisão da presente acção penal.” * II.III - Apreciação do mérito do recurso. A) Dos vícios da decisão consagrados nas alíneas a) e c) do no nº 2 do artigo 410º do CP: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a)) e erro notório na apreciação da prova (al. c). Invoca o recorrente na sua motivação e nas conclusões que da mesma extraiu, a existência de dois dos vícios consagrados no nº 2 do artigo 410º do CPP. Importa ter presente que a invocação dos vícios consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, que denominamos de impugnação restrita, não se confunde com a invocação de um erro de julgamento, ou seja, com a impugnação da matéria de facto em sentido amplo com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4. Na impugnação restrita, diferentemente do que sucede na impugnação da matéria de facto em sentido amplo, os vícios da decisão, consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP e invocados no recurso, deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida e a sua verificação pelo tribunal de recurso prescinde da análise da prova concretamente produzida e atém-se à conexão lógica do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum. Analisemos, então, os vícios da decisão recorrida invocados pelo recorrente. *** Alega o recorrente a este propósito que “(…)Analisando as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas atrás referidas não se mostram esclarecidas as condições do local onde os factos ocorreram porquanto tanto é referido que se trata de um largo (o denominado Largo de …, o qual, por mera consulta feita no google mapas, se verifica ser efetivamente um local amplo), como se refere que os factos ocorreram num local estreito no qual, inclusivamente, não poderia estacionar um carro sem prejudicar a passagem de outros. (…) Aquele esclarecimento era essencial à descoberta da verdade, para apurar, nomeadamente, até que ponto a conduta dos ofendidos contribuiu para as consequências dos factos e para apurar a intenção do arguido ao conduzir o veículo para e naquele local, e se a respetiva atuação pode preencher as qualificativas das alíneas c) e h) do artº 132º do Código Penal. Nem no inquérito, nem em julgamento, foi feita a mínima diligência no sentido de esclarecer o efetivo local dos factos, omitindo a sentença, pelo menos com a clareza exigível o que a tal se refere. Pelas razões supra expostas entende o recorrente que estão preenchidos os fundamentos das alíneas a) e c) do artº 410º nº 2 do CPP, ou seja, os da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova. Afigura-se, consequentemente, que para apuramento do preciso local onde os factos ocorreram, impondo, inclusivamente, uma reconstituição dos factos, o processo deve ser reenviado para novo julgamento ao abrigo do disposto no artº 426º do CPP. (…) Da parte que a seguir se transcreve, - e também sombreada a amarelo na transcrição anexa, - constata-se que parte do depoimento da testemunha DD é feito através de gestos sem que o tribunal tenha, verbalmente ou por escrito, registado tais gestos não permitindo, assim, a correta perceção do depoimento e que obviamente releva para a decisão da causa.(…).” Comecemos por sindicar a existência do vício da sentença previsto no artigo 410.º, nº 2.º, al. a) do CPP, ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre nas situações em que a simples leitura da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, permite concluir que a matéria de facto provada na sentença não suporta a decisão de direito, quer quanto à culpabilidade quer quanto à determinação da pena. Ou seja, dito de outro modo, tal vício verifica-se quando a conclusão a que se chega não é suportada pelas respetivas premissas, isto é, quando a matéria de facto apurada não é a suficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. E tal sucede não só quando os factos dados como provados não permitem concluir se o arguido praticou ou não um crime, mas também quando de tais factos não constam todos aqueles que foram tidos em consideração para a verificação de causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da imputabilidade do arguido ou para a graduação da medida da pena. (1) Vertendo ao caso concreto, diremos que, considerando o elenco dos factos provados e a sua subsunção ao direito, não descortinamos a existência do aludido vício, uma vez que a matéria de facto apurada se revela absolutamente suficiente para fundamentar a decisão final. Efetivamente, a decisão recorrida deu como provados todos os factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos dos dois ilícitos penais pelos quais o arguido foi condenado, nos termos infra melhor explicitados. Nem compreendemos, aliás, a alegação do recorrente acima transcrita para fundamentar o vício que agora apreciamos, pois que o local onde os factos ocorreram encontra-se estabelecido na sentença, concretamente no facto constante do ponto 4. dos factos provados, do qual consta que os acontecimentos se verificaram no Largo de …, freguesia da …, junto ao local onde os dois primeiros residem, não se verificando quanto a este aspeto qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão. A discordância do recorrente quanto a tal factualidade poderá eventualmente sustentar a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412º do CPP, que infra se apreciará, não suportando, de todo, a alegação da existência do vício previsto ao artigo 410º, nº 2, al. a) do CPP. (2) Improcede, pois, claramente o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocado pelo arguido. * Defende ainda o recorrente que na sentença recorrida se deteta “erro notório na apreciação da prova” assentando a invocação de tal vício também na alegação constante do excerto acima transcrito, da qual resulta, em suma, que, na perspetiva do recorrente, não foram feitas diligências bastantes para apuramento das condições do local onde os factos ocorreram e ainda que o tribunal não registou nem verbalmente nem por escrito a parte do depoimento da testemunha DD que foi feita através de gestos, o que, segundo o recorrente, não terá permitido obter a correta perceção do sentido de tal depoimento. Analisemos. A verificação do vício de erro notório na apreciação da prova demanda a presença dos seguintes requisitos: - A notoriedade do erro; - Que este resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Notório, significa ostensivo, patente, percetível e identificável pela generalidade das pessoas e ocorre: - Quando as provas revelem claramente um sentido contrário ao que se firmou na decisão recorrida; - Em virtude de o sentido firmado na decisão recorrida ser logicamente impossível; - Por se ter incluído ou excluído da matéria de facto provada algum facto essencial; - Ou quando determinado facto provado se mostra incompatível com outro também provado. A jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a caracterizar de forma convergente o vício em análise, no sentido que vimos de expor. Importa em primeiro lugar atentar na forma como o tribunal a quo tratou na sentença sindicada os dois pontos que sustentam a invocação do aludido vício, na certeza de que, reiteramos, o erro notório na apreciação da prova terá que resultar da própria decisão, sem recurso à análise da prova produzida. Assim, quanto ao local onde os factos ocorreram, firmou a sentença que “(…) 4. No dia 12 de Junho de 2019, cerca das 19:05 horas, DD e EE, irmãos, e FF, este com 11 anos de idade, encontravam-se no Largo de …, freguesia da …, a jogar futebol, junto ao local onde os dois primeiros residem (…)”, tendo motivado a sua convicção quanto a tal facto da seguinte forma: “(…) No que concerne aos factos consignados supra nos pontos 4 a 13, a convicção do tribunal assentou, essencialmente, no teor dos depoimentos dos menores DD, EE e FF prestados de modo credível, isenta e circunstanciada, os quais, veiculando versões fácticas dos acontecimentos globalmente coincidentes e apenas divergentes em pontos não essenciais - discrepâncias essas que, para além de assumirem foros de normalidade, tendo em conta a intensidade da situação experienciada, de ocorrência rápida, contribuiu para reforçar a credibilidade dos seus depoimentos, na medida em que afastou um cenário de concertação prévia dos mesmos -relataram, de forma pormenorizada, a sucessão de acontecimentos que se verteu na materialidade fáctica julgada demonstrada.(…)”. No que diz respeito ao depoimento da testemunha DD, conforme claramente resulta do excerto que acabámos de transcrever, o tribunal atribuiu-lhe total credibilidade, nada tendo referido acerca das particularidades atinentes à linguagem gestual a que alude o arguido no recurso. Ora, analisado o texto da decisão recorrida nos segmentos transcritos, constata-se que a conexão lógica existente entre os factos que o tribunal recorrido julgou provados e não provados, os meios de prova em que se baseou e a valoração criteriosa que fez, de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º CPP, não só não indiciam o alegado erro, como, ao invés, permitem inferir exatamente o contrário, ou seja, que os meios de prova tidos em conta sustentam logicamente a decisão. De facto, não ostentando a decisão qualquer erro manifesto na apreciação das provas aí indicadas, ou seja, não revelando estas um sentido contrário ao que se fixou na decisão recorrida, nem a decisão tendo firmado um sentido logicamente impossível, com exclusão de factos essenciais ou com consideração de factos incompatíveis, mais não haverá do que concluir não enfermar a mesma do vício invocado no recurso. Não se verifica, pois, o apontado erro notório na apreciação da prova a que se reporta o artigo 410.º, nº 2.º, alínea c) do CPP. *** B) Do erro de julgamento da matéria de facto, nos termos previsto no artigo 412º do CPP. Sabendo-se que os recursos são soluções de natureza jurídico processual, que se encontram vocacionados para verificar a existência e, sendo caso disso, para corrigir erros de julgamento – quer os que resultam da violação de normas direito processual, quer os emergentes da não aplicação ou da aplicação incorreta de normas de direito substantivo – importa ter presente que no caso dos recursos sobre a matéria de facto, ao tribunal de recurso não cabe julgar novamente, devendo respeitar a liberdade de apreciação da prova que o legislador concedeu ao “juiz a quo”. No presente recurso encontra-se impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, invocando-se, assim, a existência de um erro de julgamento. Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação encontram-se expressamente consignados no artigo 428.º do CPP, dispondo o mesmo que “As Relações conhecem de facto e de direito”. A impugnação da matéria de facto em sentido amplo, ou a invocação de um erro de julgamento – com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 – não se confunde com a invocação dos vícios consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, que denominamos de impugnação restrita. Conforme decorre do disposto no artigo 412.º, nº 3.º do CPP, o erro de julgamento ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. A este propósito, preceitua o art.º 412.º do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso que. “(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c ) As provas que devem ser renovadas. 4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Na situação dos autos, para além da alegação dos vícios previsto nas alíneas a) e c) do artigo 410º do CPP, encontramo-nos perante uma impugnação ampla da matéria de facto, realizada com respeito pelo disposto no artigo 412.º do CPP. Verificamos, pois, que para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação de mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis. Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação do recurso, que deverá ser elaborada de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso. E foi isso que o recorrente fez nos presentes autos, tendo assinalado os factos que, em concreto, considera erradamente julgados e tendo apresentado as provas em que sustenta o seu entendimento, quer transcrevendo parte dos depoimentos que entendeu relevantes, quer indicando as passagens da gravação que registam tais depoimentos. *** Em breve nota sobre o princípio da livre apreciação da prova, que encontra consagração legal no artigo 127.º CPP e cujo respeito se revela essencial para a apreciação da impugnação da matéria de facto, diremos que a prova deverá ser apreciada atendendo às regras da experiência e segundo a livre convicção da entidade competente. Tal liberdade de apreciação da prova assenta em pressupostos valorativos e obedece aos critérios da razão, da lógica, da experiência comum e dos conhecimentos científicos disponíveis, tendo por referência a pessoa média suposta pela ordem jurídica, pelo que, de forma alguma, poderá confundir-se com arbítrio. Encontra-se a referenciada liberdade orientada para a objetividade, com vista a lograr obter a verdade validamente adquirida. A formação da convicção do julgador só será válida se for fundamentada e, desse modo, se tiver a capacidade de se impor aos seus destinatários através da demonstração do processo intelectual e lógico seguido para a afirmação da verdade dos factos, para além de dúvida razoável. Como assinala Figueiredo Dias (3), a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade meramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova), e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, capaz de se impor aos outros. Deste modo, importa reter que o princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, não representa a possibilidade de uma apreciação puramente subjetiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, antes pressupõe uma cuidada valoração objetiva e crítica e, em boa medida, objetivamente motivável, de harmonia com as regras da lógica, da razão, da experiência e do conhecimento científico. Nos presentes autos, o recorrente afirma não ter sido produzida prova bastante demonstrativa da autoria dos factos atinentes aos crimes de ofensa à integridade física qualificada pelos quais foi condenado. Pretendendo impugnar a matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo, o recorrente observou as exigências legais necessárias à impugnação da matéria de facto constantes do artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP acima explicitadas, pois que: - Indicou os pontos concretos da sua discordância, concretamente os factos constantes dos pontos 11, 12, 14, 15 e 16 dos factos provados (4); - Especificou os pontos do suporte informático em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados de que se socorreu, passagens que transcreveu parcialmente na sua motivação de recurso; - E explica as razões pelas quais, no seu entendimento, tal prova levaria a decisão diversa da recorrida. Desde já se adianta que, pese embora tenhamos analisado cuidadosamente as considerações apresentadas pelo recorrente para fundamentar a sua discordância quanto ao juízo probatório exposto na sentença recorrida, cremos que não lhe assiste razão, pois que a prova produzida nos autos permite, a nosso ver, confirmar os termos da fixação factológica daquela constante. Realizemos então a análise crítica das provas sobre as quais o recurso assentou o invocado erro de julgamento, para o que se revela essencial atentar na forma como o tribunal a quo justificou a sua decisão quanto aos factos provados: “(… ) Nos termos preceituados no artigo 127.º do Código de Processo Penal, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, não estando o julgador subordinado a regras rígidas de prova tarifada. A convicção judicial mostra-se norteada por imperativos de busca da verdade material, num juízo que não poderá configurar arbitrariedade, devendo apresentar-se racional, ponderado, crítico, e, nessa decorrência, sindicável. Para a formação da sua convicção, o tribunal atendeu, no essencial, aos depoimentos das testemunhas DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e às declarações do arguido. Levou-se ainda em consideração os demais elementos de prova constantes dos autos, em concreto: - o teor do auto de notícia, de fls. 52 a 55; - o assento de nascimento, de fls. 102; - auto de declarações de nascimento, de fls. 104; - elementos clínicos, de fls. 105 a 107, 112 e 113; - escrito, de fls. 158; - teor dos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, de fls. 92 a 94, 96 a 98, 121 e 122; - teor do certificado de registo criminal do arguido, de fls. 153. O facto supra vertido no ponto 1 do elenco dos factos provados foi julgado provado com base nas declarações do arguido que o afiançou. Os factos indicados nos pontos 2 e 3 resultaram provados com base, desde logo, no teor da certidão do assento de nascimento de DD, de fls. 102 e do auto de “declarações de nascimento”, de fls. 104, informação que igualmente foi veiculada pelos menores em audiência de julgamento. No que concerne aos factos consignados supra nos pontos 4 a 13, a convicção do tribunal assentou, essencialmente, no teor dos depoimentos dos menores DD, EE e FF prestados de modo credível, isenta e circunstanciada, os quais, veiculando versões fácticas dos acontecimentos globalmente coincidentes e apenas divergentes em pontos não essenciais - discrepâncias essas que, para além de assumirem foros de normalidade, tendo em conta a intensidade da situação experienciada, de ocorrência rápida, contribuiu para reforçar a credibilidade dos seus depoimentos, na medida em que afastou um cenário de concertação prévia dos mesmos -relataram, de forma pormenorizada, a sucessão de acontecimentos que se verteu na materialidade fáctica julgada demonstrada. Além disso, as referidas testemunhas revelaram fluidez no discurso e imparcialidade ao não veicularem uma versão hiperbolizada do sucedido. Quanto às lesões concretamente infligidas pelo arguido na pessoa dos menores DD e EE, impõe-se igualmente considerar os depoimentos de II, JJ e KK. Para prova do necessário nexo causal entre as lesões constatadas no corpo dos ofendidos e a conduta do arguido, levou-se ainda em consideração os elementos clínicos, de fls. 105 a 107, 112 e 113 e o teor dos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, de fls. 92 a 94, 96 a 98, 121 e 122. Os relatos dos ofendidos postergam, como é evidente, a versão dos factos carreada para o processo pelo arguido que com um discurso parco em pormenores se limita a negar na sua generalidade a prática dos factos, o que fez com uma narrativa ligeira, inconsistente e inverosímil alvitrando que os ofendidos se encontravam a jogar à bola nas imediações da sua casa e, sem mais, arremessaram pedras na direção do seu veículo automóvel. Pelo que, numa ponderação conjunta, à luz das regras de experiência comum e de normalidade do acontecer, de todos os aludidos elementos - a saber, as declarações do arguido; os depoimentos dos ofendidos e das testemunhas FF, GG, HH, II, JJ, KK e os sobreditos elementos documentais juntos aos autos - permitem concluir que os factos ocorreram talqualmente descritos pelos ofendidos e, nesta decorrência, o Tribunal não teve qualquer dúvida em considerar provados os factos supra consignados nos pontos 4 a 13. Os elementos subjectivos das incriminações, constantes supra dos pontos 14 a 16 dos factos provados, resultam inferidos da materialidade dos factos dados como provados e da ressonância ético-jurídica da protecção da integridade física, que torna ao alcance de qualquer cidadão o conhecimento da proibição jurídico-penal daqueles actos e, ainda, dos factos concretamente imputados ao arguido, julgados provados nesta instância, o qual, com a sua conduta, não poderia deixar de estar consciente de que se encontrava a lesar a integridade física dos ofendidos, agindo intencionalmente com vista a alcançar esse desiderato, sendo certo que um veículo automóvel, pelas suas características, constituía um meio apto a provocar graves lesões no corpo dos visados, sabendo o arguido que a sua conduta era, como é, proibida e punida por lei como crime. No tocante às demais repercussões que a actuação perpetrada pelo arguido acarretou para as pessoas dos ofendidos - vd. pontos 17 a 29 dos factos provados -, atendeu-se às declarações prestadas pelos próprios menores neste segmento, os quais, com objectividade e verosimilhança, descreveram o seu estado anímico após a ocorrência dos factos - relatos corroborados, com isenção e detalhe, pelos depoimentos das testemunhas FF, II, JJ e KK. As condições pessoais, sociais e familiares do arguido, descritas supra nos pontos 30 a 40, sobrevieram das declarações do próprio em audiência de julgamento, as quais se reputaram plausíveis e, nessa medida, atendíveis, à míngua de outros elementos de prova que neste circunstancialismo factual pudessem mostrar-se relevantes. A ausência de antecedentes criminais do arguido - ponto 41 dos factos provados -decorreu do teor do certificado de registo criminal actualizado do arguido, de fls. 228. (…)” Analisada a prova produzida nos autos, constatamos que a motivação transcrita reflete, de forma fidedigna, o que foi relatado em audiência por cada um dos intervenientes processuais que aí foram ouvidos, concretamente o arguido e as testemunhas. O arguido não assumiu, em nenhum dos seus aspetos, a prática dos factos que lhe vêm imputados e que foram tidos por provados, factos que os menores DD, EE e FF confirmaram de forma consentânea e segura, em termos que reputamos absolutamente credíveis, sufragando-se a tal propósito a convicção probatória exposta na motivação da sentença recorrida. Por seu turno, as restantes testemunhas, em depoimentos espontâneos, e cuja credibilidade não foi posta em causa por nenhum dos intervenientes processuais, relataram os factos que presenciaram, tendo deposto na medida dos respetivos conhecimentos. As questões colocadas pelo recorrente reportam-se à alegada inexistência de prova suficiente para se formar convicção probatória quanto aos factos constantes dos seguintes pontos dos factos provados: - “11. No momento em que EE foi encostado à parede, embateu com o ombro nesta, e ficou com as duas pernas esfoladas no local onde foi embatido pelo carro do arguido; 12. Em consequência direta e necessária da conduta do arguido, EE sofreu dores físicas, sem necessidade de receber assistência médica; (…) 14. O arguido agiu com o propósito concretizado de atingir DD e EE e FF no seu corpo e na sua saúde, ofendendo-os na sua integridade física, bem sabendo que os mesmos eram menores de idade; 15. O arguido sabia também que ao circular com o carro na direção de DD e de EE passando com uma roda do carro por cima do pé direito do menor DD e empurrando o menor EE contra a parede com o referido veículo, utilizava um meio particularmente perigoso, cuja perigosidade conhecia, realidade que quis e representou; 16. Em tudo, o arguido atuou de forma livre, voluntária, e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punida por lei penal. (…).” O recorrente sustenta a invocação de erro de julgamento da matéria de facto na pretensa inexistência de prova demonstrativa da aludida factualidade, alegando concretamente que: - Quanto aos factos 11. e 12., o tribunal interpretou erradamente os elementos clínicos de fls. 94 e esqueceu em absoluto o relatório médico-legal de fls. 125 e vº. - Quanto aos factos 14., 15. e 16., das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas EE, DD e FF resulta apenas que o arguido pretendia “afugentá-los” do local, tendo atingido acidentalmente DD, sendo que o facto de o EE ter sido encostado à parede se deveu unicamente ao facto de este ter posto as mãos no capot do carro, tendo optado por não se afastar. Mas não tem razão. A leitura da sentença permite-nos apreender o que levou o tribunal a decidir no sentido da existência de prova bastante dos referidos factos, encontrando-se exposto o raciocínio racional e lógico dedutivo subjacente a tal decisão. Aí se encontra explicado por que razão o tribunal recorrido, por referência à lógica e por apelo racional às regras de experiência comum, entendeu que os depoimentos dos menores ofendidos se revelaram credíveis em contraponto com as declarações do arguido que reputou de “inconsistentes e inverosímeis”. Ademais, não corresponde à verdade que o tribunal recorrido tenha ignorado a prova pericial, concretamente o relatório médico-legal de fls. 125 e vº, nem que tenha interpretado erradamente os elementos clínicos de fls. 94. Efetivamente, escrutinada a prova constante dos autos, concretamente ouvidas as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas produzidos em julgamento, nenhuma censura nos merece o juízo probatório realizado no acórdão recorrido. Subscrevemos integralmente a linha argumentativa exposta na sentença, concretamente no excerto que transcrevemos – quer no que diz respeito à credibilidade dos depoimentos dos ofendidos, quer no que tange à inverosimilhança da versão do arguido, mormente atendendo às fragilidades assinaladas na decisão (5) – para formar convicção probatória segura relativamente à veracidade dos factos tidos por provados e que se encontram impugnados no recurso. Ao contrário do que refere o recorrente, não resulta do conjunto da prova produzida que aquele tenha atuado com o exclusivo intuito de afastar os menores do local nem que estes tenham sido molestados por acidente. Ficou claro, de outra sorte, que o arguido deliberadamente avançou com o seu veículo automóvel na direção dos menores, o que fez com o propósito conseguido de os atingir corporalmente. Resulta, aliás, absolutamente incompreensível a versão do sucedido trazida aos autos pelo recorrente, em especial no que tange ao menor EE, pois que, a circunstância de o menor ter a colocado as suas mãos sobre o capot do carro, de forma alguma permite transferir para ele a responsabilidade pelas consequências dos factos como parece inculcar o recorrente. Tal atitude do menor deveria, obviamente, ter levado o arguido a imobilizar, de imediato, o veículo por forma a não o atingir, à semelhança do que já havia feito relativamente a menor DD. E nem se diga, como diz o recorrente, que o mesmo agiu apenas com o propósito de afastar os menores do local, não tendo querido atingi-los, pois que, quem, como fez o arguido, avança com o seu veículo na direção dos menores até os atingir, não poderá deixar de estar consciente de que se encontra a lesar a sua integridade física. O desvalor da ação do recorrente e do respetivo resultado é, pois, manifesto, encontrando-se absolutamente sustentada a convicção probatória relativa aos factos integradores dos elementos objetivos (factos 11. e 12.) e subjetivos (factos 14., 15. e 16.) do tipo. No que diz respeito à invocada desconsideração do relatório médico-legal de fls. 125 e à alegada interpretação errada dos elementos clínicos de fls. 94, diremos, em breve nota, que tais alegações carecem em absoluto de sentido. De facto, quanto ao menor EE o tribunal apenas deu como provado que “12. Em consequência direta e necessária da conduta do arguido, EE sofreu dores físicas, sem necessidade de receber assistência médica;”. E para sustentar a sua convicção probatória relativamente a tal factualidade invocou não só os relatórios médicos a que alude o recorrente, mas também a prova testemunhal a tal respeito produzida, tendo consignado na sua motivação, concretamente, que “Quanto às lesões concretamente infligidas pelo arguido na pessoa dos menores DD e EE, impõe-se igualmente considerar os depoimentos de II, JJ e KK.” E invocou bem. Foi, aliás, precisamente pela circunstância de os relatórios clínicos não terem atestado a existência de quaisquer outras lesões ou sequelas relativamente ao menor EE, que a sentença teve apenas por provado que a conduta do arguido consubstanciada em o ter empurrado com o seu veículo automóvel contra a parede, lhe provocou dores físicas, sem necessidade de receber assistência médica, o que, não tendo sido contrariado pelos relatórios clínicos, foi amplamente confirmado pela prova testemunhal. Comungamos, pois, da convicção exposta na sentença no sentido de entender que a prova documental e testemunhal produzida nos autos se revelou idónea e suficiente para sustentar a convicção probatória relativamente a todos os factos tidos por provados, restando concluir que as circunstâncias de facto reveladas pela prova existente no processo e enunciadas na sentença recorrida permitem concluir que o arguido foi o autor da atuação ilícita ali descrita, improcedendo a tese propugnada no recurso. Deverão, pois, manter-se nos factos provados os factos impugnados pelo recorrente, nenhuma censura nos merecendo o juízo probatório realizado pelo tribunal “a quo”, nada havendo a alterar a tal respeito. C) Do erro de julgamento da matéria de direito. Quanto à qualificação jurídica dos factos, em virtude de os factos provados não integrarem os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de ofensa à integridade física qualificada pelos quais o arguido foi condenado. Propugna o recorrente que a factualidade a seu ver apurada nos autos não permite concluir pela prática de nenhum dos crimes de ofensa à integridade física qualificada pelos quais foi condenado, em virtude de não se ter demonstrado que o arguido atuou com o propósito de molestar o corpo ou a saúde dos ofendidos. Considerando que o recurso fez assentar o pedido de absolvição na impugnação da decisão quanto à matéria de facto, a improcedência de tal impugnação, nos termos sobreditos, prejudica, obviamente, o conhecimento das questões associadas a tal pedido, entre elas a da subsunção dos factos ao crime de ofensa à integridade física. Porém, subsidiariamente, o arguido sustenta que, ainda que se mantenha a factualidade provada constante da sentença recorrida, não se verificam as circunstâncias qualificativas previstas nas alíneas c) e h) do nº 2 do artigo 132º do CP, pelo que, em seu entender, a referida factualidade não integra o crime de ofensa à integridade física qualificado, mas apenas o crime de ofensa à integridade física simples. Vejamos. O crime de ofensa à integridade física qualificada pelo qual o arguido vem condenado, tem por tipo base o crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º n.º 1 do CP, que dispõe: “1 - Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”. Por seu turno os artigos 145.º, nºs 1, alínea a) e 2 e 132.º, n.º 2, alíneas c) e h) do Código Penal preceituem da seguinte forma: “Artigo 145.º Ofensa à integridade física qualificada 1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º; (…) 2 - São suscetíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.” Artigo 132.º Homicídio qualificado (…) 2 - É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…) c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; (…) h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum;(…) Façamos então uma breve incursão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) ex vi do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal. São elementos objetivos do crime de ofensa à integridade física o provocar "ofensa no corpo ou na saúde de outrem". A ofensa em causa pode traduzir-se numa alteração anatómica ou psicológica, consistindo numa perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo, ou das suas funções psíquicas. No fundo, é necessária uma alteração desvaliosa no normal funcionamento do corpo ou da saúde (no seu equilíbrio normal). Trata-se de um crime material e de dano, abrangendo um determinado resultado que, como dispõe expressamente a previsão normativa ínsita no n.º 1 do artigo 143.º do Código Penal, é a lesão do corpo ou saúde de outrem. Ou seja, estamos perante um tipo legal de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito. De notar que o tipo legal base do artigo 143.º, do Código Penal, “(…) fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados(...)” (6). A revisão do Código Penal, operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro introduziu uma alteração sistemática ao crime de ofensa à integridade física qualificada, o qual, mantendo-se intacto no seu tipo base (artigo 143.º), viu alterada a redação e ordem numérica do tipo incriminador, passando este a encontrar previsão normativa no artigo 145.º, nos termos da qual: «1 – Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º; b) Com pena de prisão de três a doze anos no caso do artigo 144.º. 2 – São suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º.» Ora, seja na redação do Código Penal anterior seja na atual, a aplicação e funcionamento da qualificação que aqui se prevê supõe, antes de mais, a verificação de uma lesão da integridade física simples, conformada nos termos previstos no artigo 143.º do Código Penal – tipo legal fundamental em matéria de crimes contra a integridade física. Ao nível do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, subjaz, pois, a integridade física da pessoa humana, considerada na conceção erigida pelo nosso legislador penal com base na construção “corporal-objetiva do delito” (7), nos termos da qual se estabelece uma clara autonomização entre crimes contra a integridade física e crimes contra a honra. Quanto ao tipo subjetivo, a norma nuclear do n.º 1 do artigo 143º do Código Penal pressupõe o dolo, em qualquer das suas modalidades, por referência aos artigos 13.º e 14.º do Código Penal, constituído pelo conhecimento dos elementos objetivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los. O n.º 2 do artigo 145º dispõe que são suscetíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, que constituem exemplos padrão, de caráter não taxativo, mas antes meramente exemplificativo e com uma função indiciadora, função esta contida na condição “ser suscetível de” (8). O legislador orienta, assim, o intérprete e aplicador do direito com tais elementos padrão que não funcionam automaticamente, que podem revelar a especial censurabilidade ou perversidade e que importam o agravamento do crime. (9). Nas palavras de Figueiredo Dias, “a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a “especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida no n.º 1; de verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no n.º 2. Elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos (não deve recear-se o uso da palavra “análogos”) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador” (10). A averiguação da existência ou não da especial censurabilidade deve ser feita através de uma avaliação que contenha dois juízos: um juízo externo que advém da análise da forma como o ato foi praticado – o ato há-de ter sido praticado de uma forma reveladora ou em circunstâncias que revelem especial censura ou perversidade do agente – e um juízo interno, revelado na motivação do agente. Assim, partindo-se, como sempre sucede em matéria de dolo, “da situação como ela foi representada pelo agente”, haverá que “perguntar se a situação, tal como foi representada, corresponde a um exemplo padrão (ou a uma situação substancialmente análoga) e, em caso afirmativo, se se comprova uma especial censurabilidade ou perversidade do agente” (11). As circunstâncias qualificativas do art.º 132, nº 2 alíneas c) e h), ex vi o art.º 145.º, nº 2, a verificar no caso subjudice respeitam à qualidade das vítimas – pessoas particularmente indefesas em razão de idade (al. c) – e ao carater especialmente perigoso do meio utilizado – o veículo automóvel (al. h). Na base destas qualificativas estão as características dos ofendidos no momento da prática do crime e, bem assim, a perigosidade do meio utilizado para a sua prática. Por conseguinte, pretende-se punir mais gravemente o agente que assume o propósito de ofender a integridade física de alguém que, pela sua idade, se apresenta mais vulnerável e também o agente que, para consumar o crime, decide lançar mão um objeto que se revela particularmente perigoso, quer pela sua própria natureza, quer pela forma como é utilizado. Escusamo-nos neste ponto do juízo decisório a analisar com maior detalhe a interpretação e integração das duas qualificativas acima enunciadas atendendo à circunstância de a sentença recorrida conter uma ampla e meritória explanação teórica sobre tal matéria, com a qual concordamos inteiramente, pelo que se revelaria redundante e fastidioso repeti-la. Passando à análise do caso concreto, verificamos que o arguido – motivado pelo seu interesse individual de impedir que os menores jogassem à bola nas imediações da sua casa – ofendeu o corpo dos jovens (12), sabendo que os mesmos, em razão da sua idade, se encontravam particularmente desprotegidos, tendo optado por fazê-lo utilizando para o efeito o seu veículo automóvel, que direcionou contra o corpo das vítimas, tendo passado com uma das rodas por cima do pé de uma delas e tendo, ato contínuo, encostado a outra à parede, o que lhes provocou lesões e sequelas. É de tal forma manifesta a desproporção do meio utilizado pelo arguido relativamente ao propósito que o mesmo visava alcançar, que não podemos deixar de qualificar o comportamento aqui censurado como absolutamente intolerável. Conforme refere a decisão sindicada, a conduta do arguido surgiu de um modo inteiramente súbito e inesperado para as vítimas, nada as levando a suspeitar que aquele fosse atuar como atuou. Tal conduta, mostrando que o agente atuou movido por sentimentos de retaliação em virtude de os menores terem continuado a jogar à bola na proximidade da sua residência, apresentou-se absolutamente inusitada e reflete qualidades especialmente desvaliosas da personalidade do arguido, tendo este manifestado ser incapaz de entender e respeitar os valores fundamentais e as regras basilares de convivência em sociedade. Da descrição da conduta do arguido, claramente reveladora de um clamoroso desrespeito pela integridade física dos jovens e, a mais, disso, induzida por motivo egoísta e perverso, resulta ostensiva a intensa censurabilidade ético jurídica que lhe está associada, do que decorre a agravação da imagem global do facto. O arguido agiu, assim, a coberto de um especial juízo de censurabilidade fundamentado na atitude desvaliosa que desenvolveu, revelando-se incontornável que se constituiu autor material de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, pois que atuou em “circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade”, por reporte aos exemplos-padrão previstos no artigo 132.º, n.º 2, alíneas c) e h) do Código Penal, ex vi do disposto no artigo 145.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. Do que vimos de expor decorre a manifesta improcedência da alegação do recorrente no sentido de que a matéria provada nos autos não integra a prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, nenhum reparo nos merecendo a sentença recorrida a tal propósito. Quanto aos princípios e regras legalmente previstos para a determinação das medidas das penas. O arguido põe em causa as medidas concretas das penas parcelares e da pena única que lhe foram aplicadas, medidas que considera exageradas, o que vale por dizer que, no seu entender, uma boa aplicação do direito ao caso determinaria a aplicação de penas mais reduzidas. Analisemos então se lhe assiste razão. Incidindo os recursos sobre a pena ou sobre a medida da pena aplicada na decisão recorrida, ao tribunal ad quem caberá verificar o respeito pelas normas e pelos princípios gerais que regulam essa matéria. Tal reapreciação não abrange «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (13). Importa, assim, ter em conta que «o tribunal ad quem não julga de novo, não determinando concretamente a pena como se inexistisse uma decisão de primeira instância. E a sindicância dessa decisão (…) não inclui ainda a compressão da margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar, sendo que a margem de liberdade do juiz de julgamento nos limites expostos, abrange todo o processo prático de decisão sobre a pena.» (14) Será ainda importante recordar os princípios basilares e orientadores da matéria que temos em análise. Assim, estabelece o artigo 40º do CP que a finalidade das penas é a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator. A medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, com respeito pelos critérios definidos pelo artigo 71.º do CP. Tendo como balizas a culpa – que constitui o limite máximo – e a prevenção geral – que coincide com o limite mínimo – a medida concreta da pena determinar-se-á de acordo com as necessidades de prevenção especial. Dentro da moldura abstrata da pena deverá encontrar-se a medida da culpa, que fixará o seu limite máximo. Após o que, entre o mínimo legal e o limite máximo dado pela medida da culpa se formará a moldura da prevenção geral de integração – em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legítimas expectativas da comunidade com vista ao restabelecimento da paz jurídica e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena sem pôr em causa a sua função de tutelar bens jurídicos – dentro da qual a medida da pena será concretizada em função das exigências de prevenção especial: prevenção positiva ou de socialização e, excecionalmente, prevenção negativa de intimidação ou de segurança individuais (15). A determinação da medida da pena deverá, pois, ser feita tendo em conta a culpa do agente, observadas as exigências de proporcionalidade entre a pena e o crime, o princípio de necessidade e dignidade penal, bem como as finalidades de prevenção especifica e geral, tutelando de forma efetiva o bem jurídico. Realizado o enquadramento normativo, analisemos então as circunstâncias do caso em apreço e, bem assim, o processo de escolha e de determinação das penas concretas realizado pelo tribunal a quo. Pela prática dos dois crimes de ofensa à integridade física qualificada a decisão recorrida optou pela aplicação ao arguido das penas das penas de 2 (dois) anos de prisão pela prática do crime praticado contra DD e 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão pela prática do crime praticado contra EE, tendo aplicado, em cúmulo jurídico das penas referidas penas parcelares, a pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com subordinação da suspensão à condição de entregar à assistente, no mesmo período, a quantia de €3.000,00 (três mil euros). * Sobre a determinação concreta das medidas das penas que agora nos ocupa, discorreu a sentença recorrida, após as considerações estritamente jurídicas, nos seguintes termos: “(…) Os crimes que se imputam ao arguido são punidos, cada um, com pena de prisão de um mês a quatro anos [cfr. artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.os 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. c) e h), todos do Código Penal]. Importa, pois, apurar a medida concreta da pena. Estatui o artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal: “na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”. No caso ajuizado, há que ponderar os seguintes factores, em desfavor do arguido: - A intensidade do dolo com que actuou, que é, relembre-se, directo, sem que se denote no arguido, face às declarações que prestou em audiência de discussão e julgamento, qualquer interiorização do mal cometido; - O grau acentuado da ilicitude da sua conduta, considerando o contexto que rodeou a agressão, demonstrando, com a prática dos factos, um código de valores que se situa nos antípodas daquele que deve reger uma sociedade ética; - Exigências de Prevenção Geral Positiva de nível elevado, considerando os bens jurídicos protegidos pela incriminação, a frequência com que estes crimes contra as pessoas têm tido lugar, a idade dos menores, havendo a necessidade de dissuadir os cidadãos de um relacionamento social disfuncional, que tornam prementes as necessidades de reafirmação contrafáctica da confiança da comunidade na validade das normas jurídicas violadas; - Exigências de Prevenção Especial Positiva de nível mediano atentas as declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento, as quais revelam que o mesmo não interiorizou o desvalor da sua conduta, percecionando-se como vítima, o que permite entrever que o mesmo não compreende a censura ético-jurídica que lhe é dirigida por via da presente decisão. - As lesões infligidas no corpo dos ofendidos mormente do menor DD revestem uma gravidade assinalável sem consequências permanentes; A favor do arguido, há a considerar a ausência de antecedentes criminais do arguido e a sua inserção familiar e social. Termos em que se julga adequado e proporcional aplicar ao arguido, pela prática dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, conjugado com os artigos 143.º, n.º 1, 132.º, n.º 1 e 2, al. l), 23.º, n.º 2 e 73.º, todos do Código Penal, na pessoa de DD, a pena de 2 (dois) anos de prisão e na pessoa de EE, a pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão. * * Do cúmulo jurídico: Aplicadas penas parcelares da mesma espécie, cabe agora determinar a pena única adveniente do cúmulo jurídico a operar nos termos do artigo 77.º do Código Penal. Preceitua o n.º 1 da norma referida: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. A este respeito, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão proferido a 10.09.2014, relatado pelo Juiz Conselheiro PIRES DA GRAÇA, “Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. (…). Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” - vd. Processo n.º 267/06.0GAFZZ-B.S1, disponível em www.dgsi.pt. No caso dos autos, a pena do concurso tem como limite máximo três anos e quatro meses e como limite mínimo dois anos - vd. artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal. O que dizer da personalidade do agente e da gravidade dos factos, no seu conjunto? No caso ajuizado, afigura-se que os factos, na sua globalidade, assumem uma elevada gravidade, em face do concreto modo de atuação do arguido, o qual, agiu de forma absolutamente inesperada e inopinada. Quanto à personalidade do agente atentas as declarações do arguido conclui-se que o mesmo não demonstra interiorização do mal cometido. Porém, importa ter presente a avançada idade do arguido (84 anos de idade) e a circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais averbados no seu registo criminal, pelo que, se conclui que se tratou de um acto isolado e irrefletido. Tudo visto e ponderado, julga-se adequada uma pena única de dois anos e seis meses. * * Das penas de substituição: Aplicada uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, importa ponderar sobre uma eventual aplicação de uma pena de substituição. Dentro das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, aplicáveis ao caso em apreço, apenas se encontra, in casu, a de suspensão de execução da pena de prisão - vd. artigo 50.º do Código Penal. Para além desta pena de substituição, há ainda que ponderar, sendo disso caso, a forma especial de cumprimento da pena de prisão, consubstanciada no regime de permanência na habitação - vd. artigo 44.º do Código Penal. Subjacente ao sistema punitivo do nosso Código Penal encontra-se a concepção de que a pena privativa da liberdade constitui a ultima ratio da política criminal. Consequência do privilégio concedido ao sentido pedagógico e ressocializador das penas, eis que surgem as denominadas penas de substituição (no que ora releva, de suspensão de execução da pena de prisão), cuja aplicação o julgador apenas deve negar quando a pena de prisão se revele, do ponto de vista da prevenção, geral e especial, indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização das expectativas comunitárias. Apreciando: Prescreve o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim, temos, desde logo, um requisito formal, a saber, que a pena de prisão aplicada seja em medida não superior a cinco anos. Exige-se, ainda, de um ponto de vista material, que o tribunal formule um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido. Ao arguido foi aplicada uma pena de dois anos e seis meses de prisão, mostrando-se, portanto, verificado o requisito formal para aplicação da pena de substituição que se vislumbra. De um ponto de vista material, dir-se-á, primeiramente, que o arguido não tem antecedentes criminais sendo este à vista dos autos o primeiro contacto com as instâncias formais de controlo. Por outro lado, verifica-se que após a ocorrência dos factos não se verificou qualquer aproximação do arguido aos ofendidos. Nesse circunstancialismo, colocar o arguido em reclusão acarretaria, para si, uma perda em termos de inclusão social dificilmente recuperável, com um impacto negativo na sua vida, que importa evitar, se tal se afigurar possível sem comprometer a realização das finalidades da punição e, não menos relevante, procurando obviar os factores que têm vindo a desencadear a sua conduta antijurídica. Nesta medida, sem esquecer os factos por si praticados, ainda se mostra possível concluir que a censura do facto e a ameaça com a pena de prisão ainda realizam de uma forma socialmente responsável as finalidades da punição, razão pela qual se decide suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, por igual período de dois anos e seis meses, sob a condição de, nesse período, pagar à assistente a indemnização civil que infra se determinará, a comprovar nos autos..” * Para a fixação do quantum da pena correspondente a cada um dos crimes praticados, no que se refere à culpa, que estabelece o limite máximo de pena a aplicar, ressaltam as circunstâncias atinentes às condutas ilícitas, nomeadamente as circunstâncias concretas que envolveram a prática dos crimes. Não podemos aqui deixar de considerar que em ambos os crimes o arguido decidiu ofender corporalmente dois menores desprotegidos, que se encontravam na rua a jogar à bola, avançando com o seu veículo automóvel contra o corpo dos mesmos, o que fez, com foros de manifesto e desproporcionado egoísmo, com vista a salvaguardar o seu interesse individual de os manter afastados da proximidade da sua residência, circunstâncias que não poderão deixar de agravar a sua culpa. Em ambas as situações o arguido agiu com desconsideração pelos valores mais básicos que regem a vida em sociedade, nos quais se inclui o respeito pela integridade física de terceiros, mormente de jovens especialmente indefesos. No que concerne às exigências de prevenção geral, relativas à estabilização das expectativas comunitárias, das quais decorre um patamar mínimo, na situação em análise são elevadas as necessidades de prevenção geral positiva, dada a forte incidência que este tipo de crime apresenta na sociedade, exigindo as mesmas tutela acrescida. Relativamente às necessidades de prevenção especial, ou de integração, importa considerar que o arguido, pese embora tenha 84 anos e não tenha averbada no seu registo criminal a prática de qualquer crime, revela uma personalidade disfuncional, incapaz de entender e respeitar os valores fundamentais e as regras basilares de convivência em sociedade, não tendo evidenciado qualquer tipo de arrependimento ou de consciência crítica relativamente aos seus atos até ao final da audiência de julgamento. Não revelou, ademais, qualquer empatia no que respeita à interiorização dos danos causados às vítimas, assumindo, aliás, na sua defesa, uma atitude desculpabilizante e auto vitimizadora. Neste contexto, as medidas das penas parcelares aplicadas pelo tribunal “a quo” – 2 anos e 1 ano e 4 meses de prisão – sendo ajustadas à culpa do arguido, às exigências de prevenção geral e às necessidades de prevenção especial – prisão de 2 a 8 anos – de forma alguma poderão considerar-se excessivas, pelo que se manterão. * Do cúmulo Jurídico. Atento o disposto no artigo 77º, n.º 1 do Código Penal “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única.” O pressuposto essencial para a efetuação do cúmulo jurídico de penas parcelares é a prática de diversas infrações pelo mesmo arguido antes de transitar em julgado a condenação por qualquer delas. Ou seja, para se proceder ao cúmulo jurídico é necessário que se verifiquem requisitos de ordem processual e material, nomeadamente: - Que se trate de penas relativas a crimes praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles; - Que se trate de crimes cometidos pelo mesmo arguido; - Que se trate de penas parcelares da mesma espécie. Ora, é precisamente esta situação que se verifica nos presentes autos quanto ao concurso efetivo e real de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, pelo que importa apurar se a pena única fixada na sentença se revela adequada. Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material “é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.” (16) Assim, considerando que o legislador penal não adotou o sistema de acumulação – que consistiria na soma das penas com mera limitação do limite máximo – cumpre realizar um juízo que não se limite a um mero cúmulo material. Tudo deverá passar-se “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências especiais de socialização).” (17) Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. (18) A fixação da moldura penal do concurso efetivo e real, de acordo com as regras doutrinarias e jurisprudências, no caso subjudice encontra-se possibilitada pela igual natureza das penas a considerar no concurso – duas penas parcelares de prisão – devendo ter como limite mínimo a pena parcelar mais grave – 2 anos – e como limite máximo a soma aritmética das penas parcelares – 3 anos e 4 meses. Os crimes em concurso real e efetivo de ofensa à integridade física qualificada preenchem o mesmo tipo objetivo e afetam o mesmo bem jurídico. Foram cometidos na mesma ocasião e lugar, portanto, em evidente conexão temporal. O modus operandi é comum, o meio de execução dos dois crimes revela ostensivas similitudes, subsistindo uma resolução criminosa reiterada. Assim, atendendo à gravidade e às circunstâncias atinentes à globalidade dos factos praticados, à natureza dos crimes e à personalidade refletida nos mesmos e no mais que evidencia o percurso de vida do arguido, consideramos adequada a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada na sentença recorrida, revelando-se igualmente adequada a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução de tal pena, por igual período e com sujeição à condição de pagamento da quantia de 3 000,00 €, nos precisos termos e com a fundamentação constante da decisão sob recurso. *** Do quantum indemnizatório Não se tendo conformado com a parte sentença recorrida que julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado, solicita a demandante no seu recurso a alteração da decisão nessa parte e a sua substituição por outra que julgue totalmente procedente o referido pedido e fixe os montantes indemnizatórios em € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), no que se refere ao ofendido EE, e em € 17.550,00 (dezassete mil e quinhentos e cinquenta euros), no que se refere ao ofendido DD, reputando insuficiente o montante fixado pelo tribunal recorrido a titulo de compensação pelos danos não patrimoniais causados pelas condutas do arguido sancionadas nos autos. Cremos que lhe assiste parcialmente razão. Começando por verificar a existência dos pressupostos da responsabilidade civil – não se nos afigurando necessário a tal respeito alongarmo-nos em ulteriores considerações, face à ampla explanação teórica realizada na sentença recorrida, com a qual concordamos, e que não vem posta em causa pela recorrente – diremos apenas que, provadas que estão as condutas criminosas (ofensas no corpo dos menores provocados com a utilização do veículo do arguido), os danos da mesma resultantes (lesões e sequelas sofridas pelos menores) e o nexo de causalidade entre tais condutas e os referidos danos (relação de causa e efeito entre as ofensas e os danos), se encontram verificados os mencionados pressupostos, a saber: o facto voluntário do lesante; a ilicitude de tal facto; a imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 129º do C.P e 483º, nº 1, 502º, nº 1, 563º, 493º, nº 1 e 496º, nº 1, todos do Código Civil . Quanto aos montantes indemnizatórios, devendo os mesmo ser fixados por recurso à equidade, tendo como base os critérios explanados nos artigos 496.º, n.º 4 e 494.º do CC, atendendo à dimensão dos danos, ao grau de culpa do demandado e às possibilidades deste, afigura-se-nos insuficiente o montante encontrado pelo Tribunal a “quo” para ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial resultantes para os menores da prática dos crimes. A este propósito, concordamos com as considerações expendidas na sentença recorrida que passamos a reproduzir “(…) A assistente, em representação dos filhos menores, peticionou a condenação do arguido no pagamento da quantia global de €30.050,00 a título de danos não patrimoniais, na sequência e como decorrência dos factos cometidos pelo arguido/demandado. Como tivemos oportunidade de referir, quanto aos danos não patrimoniais a regra é a de que deve atender-se apenas àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A este propósito, referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA: “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos” - cfr. Código Civil Anotado, 4.ª Edição, Reimpressão, 2011, p. 499. Por outro lado, estabelece o artigo 496.º, n.º 4, 1.ª parte do Código Civil, que “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”. Para o efeito, deverá atender-se, inter alia, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à dos lesados e do titular da indemnização e à gravidade dos danos - neste sentido, Pires de Lima/ Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4.ª Edição, Reimpressão, 2011, p. 501. In casu, ficou demonstrado, entre o mais, que em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o menor DD ficou impossibilitado de colocar o pé direito no chão, o que o impediu de andar normalmente durante 15 dias tendo usado, durante esse período, canadianas; durante o período de 15 dias, DD esteve impedido de brincar e de jogar futebol, o que lhe causou frustração e angústia; as dores físicas que o menor DD sofreu prolongaram-se durante 3 meses; as lesões que DD sofreu, em virtude da conduta do arguido, impediram que participasse no campeonato de futebol que decorria nessa altura, o que lhe causou transtorno, perturbação e sofrimento. Para lá desta factualidade julgou-se outrossim provado que em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o menor EE ficou com dores físicas nas suas pernas e no ombro; além disso, ambos os menores ficaram com medo e receio de voltarem a brincar e a jogar futebol no local dos factos, o que ainda sucede; o menor EE passou a estar mais nervoso e ansioso e com maiores dificuldades para dormir, situação essa que se mantém até aos dias de hoje e julgou-se demonstrado que a conduta do arguido perturbou o equilíbrio social, psíquico e emocional dos menores FF e EE - vd. pontos 17 a 29 dos factos provados. Nesta medida, conclui-se que o arguido assumiu voluntariamente uma conduta, ilícita porquanto atentatória dos direitos de personalidade, de uma perspetiva física e moral, dos filhos da assistente [artigo 25.º da CRP e artigo 70.º, n.º 1 do Código Civil: tanto mais que com a sua conduta incorreu na prática dos crimes pelos quais vai nesta instância condenado], e culposa, provocando, com a sua conduta, danos na esfera jurídica dos referidos menores, de ordem não patrimonial, que cumpre compensar, mediante a fixação do adequado quantum indemnizatório.(…)” Entendemos, porém, que, considerando as desvaliosas condutas sancionadas nos autos, o contexto em que as mesmas foram perpetradas pelo arguido, as concretas lesões e sequelas sofridas pelos menores, ao nível físico (19) e ao nível psicológico (20), se revela justo e equitativo fixar os montantes indemnizatórios um pouco acima do valor encontrado pelo tribunal recorrido, mas ainda assim, aquém dos montantes peticionados no recurso. Registamos que a alegação da recorrente no sentido de que a sentença enferma do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão previsto artigo 410.º, nº 2, al. b), do Código de Processo Penal – consignada na conclusão nº 17 – se nos afigura absolutamente destituída de razoabilidade, pois que o tribunal recorrido mais não fez do que expor o seu juízo assente na equidade, que claramente explicitou. Nesta conformidade, e sempre com o subjetivismo inerente à realização do juízo equitativo aqui reclamado, afigura-se-nos mais conforme aos critérios norteadores do cálculo em causa, fixar os montantes indemnizatórios em 3 000,00 € para ressarcimento dos danos causados ao menor DD e em 2 000,00 € para ressarcimento dos danos causados ao menor EE, perfazendo a quantia global de 5 000,00 €. A tal quantia acrescerão juros de mora, calculados nos termos fixados na sentença recorrida. (21) * Pelo exposto, impõe-se julgar o recurso apresentado pela demandante parcialmente procedente, alterando-se o valor das indemnizações nos termos sobreditos, e julgar o recurso apresentado pelo arguido totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a sentença quanto à matéria criminal. *** III- Dispositivo. Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: - Negar provimento ao recurso apresentado pelo arguido e, consequentemente, em confirmar integralmente a sentença recorrida quanto à parte criminal; - Conceder provimento parcial ao recurso apresentado pela demandante e consequentemente, alterar a sentença recorrida nessa parte, condenando o demandado a pagar à demandante as quantias de 3 000,00 € (três mil euros) para ressarcimento dos danos causados ao menor DD e de 2 000,00 € (dois mil euros) para ressarcimento dos danos causados ao menor EE, perfazendo a quantia global de 5 000,00 € (cinco mil euros), acrescendo a esta quantia juros de mora, calculados à taxa legal e contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento. * Custas a cargo do arguido relativamente ao recurso pelo mesmo apresentado, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 513.º, n.º 1 e 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais). Custas a cargo da demandante e do demandado nas proporções dos respetivos decaimentos relativamente ao recurso interposto pela demandante (artigo 523º do CPP). (Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelas signatárias) Évora, 07 de fevereiro de 2023 Maria Clara Figueiredo Fernanda Palma Maria Margarida Bacelar
--------------------------------------------------------------------------------------- 1 Neste sentido decidiram, entre muitos outros, o acórdão da Relação de Lisboa, de 29.01.2020, proferido no proc. nº 5824/18.0T9LSB-3, o acórdão da Relação do Porto, de 09.01.2020, proferido no proc. nº 1204/19.8T8OAZ.P1 e o acórdão da Relação de Évora, de 07.05.2019, prolatado no proc. nº 112/14.3TAVNO.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 2 Revela-se, aliás, totalmente despropositado e incongruente a transcrição de partes de declarações e depoimentos para sustentar os invocados vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP, quando é sabido que tais vícios deverão resultar exclusivamente da própria decisão sem recurso à análise da prova. 3 Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 204 e ss. 4 Pese embora na invocação dos vícios da insuficiência da matéria de facto para a decisão e do erro notório na apreciação da prova, que acima conhecemos, se tenha reportado ao local onde os factos ocorreram – que, como vimos, se encontra consignado no ponto 4. do elenco dos factos provados – não incluiu o recorrente tal facto na impugnação realizada nos termos do artigo 412º do CPP, que agora constitui o objeto da nossa análise. Assim, não se encontrando o facto constante do ponto 4º especificamente impugnado, sobre o mesmo não nos pronunciaremos nesta sede. 5 Fragilidades manifestadas num relato genérico e aligeirado dos factos, apresentado em julgamento através de declarações prestadas de forma inconsistente e pouco segura, nas quais o arguido se limitou a negar a prática dos factos, invocando que os menores se encontravam a jogar à bola nas imediações da sua casa e que, sem mais, arremessaram pedras na direção do seu veículo automóvel, o que foi convincentemente negado por aqueles. 6 Paula Ribeiro de Faria in Comentário Conimbricence ao Código Penal, Coimbra, I Volume, pág. 218 e 219. 7 Paula Ribeiro de Faria, ob. cit, pag 218. 8 Figueiredo Dias – “Atas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal”, Parte Especial, Lisboa, 1979, MJ, pág. 24 e seguintes. 9 Neste sentido tem entendido, na jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça desde os Acórdãos de 08 de fevereiro de 1984, BMJ, 334, pág. 258, e de 20 de março de 1985, BMJ, 345, pág. 248. 10 A. cit., “Comentário Conimbricense do Código Penal”, T. I, pág. 26 11 A. cit., ob. cit., T. I, pág. 43 12 Com 10 e 12 anos de idade. 13 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 197, Aequitas – Editorial Notícias, 1993. 14 Decisão Sumária de 20.02.2019, proferida nesta Relação pela Desembargadora Ana Brito, no proc. 1862/17.8PAPTM.E1. 15 Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 3.ª ed., pp. 96 e Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, 2ª Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 114 e segs. 16 Ac. STJ de 18 de Novembro de 2009, proc. nº 702/08.3GDGDM.P1.S. 17 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 291. 19 Realçamos, ao nível físico, as graves sequelas sofridas pelo menor DD, consignadas nos pontos 13. (“Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, DD, além de dores físicas, sofreu edema no tornozelo mais acentuado a nível da região maleolar externa com limitação acentuada e dolorosa das respectivas mobilidades, tendo tido a necessidade de utilizar muletas para se deslocar, bem como necessitou de assistência médica, tendo tais lesões determinado 15 dias para a cura, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional”), 17. (“Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o menor DD ficou impossibilitado de colocar o pé direito no chão, o que o impediu de andar normalmente durante 15 dias tendo usado, durante esse período, canadianas para se puder deslocar”) e 19. (“19. As dores físicas que o menor DD sofreu prolongaram-se durante 3 meses”). 20 Ao nível psicológico assumem especial intensidade as sequelas sofridas por ambos os menores, consignadas nos pontos 18. (“Durante o período de 15 dias, DD esteve impedido de brincar e jogar futebol, o que lhe causou frustração e angústia”) e 21. a 29. (“21. À data dos factos, DD era guarda-redes principal na equipa onde jogava futebol;22. As lesões que DD sofreu, em virtude da conduta do arguido, impediram que participasse no campeonato de futebol que decorria nessa altura; 23. O descrito em 22. causou a DD transtorno, perturbação e sofrimento; 24. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o menor EE ficou com dores físicas nas suas pernas e no ombro; 25. Ambos os menores ficaram com medo e receio de voltarem a brincar e a jogar futebol no local dos factos, o que ainda sucede; 26. EE sofre de hiperatividade estando dependente de medicação para dormir; 27. Por causa dos factos praticados pelo arguido contra si e contra o seu irmão, este passou a estar mais nervoso e ansioso e com maiores dificuldades para dormir, situação essa que se mantém até aos dias de hoje; 28. Aquando da ocorrência dos factos praticados pelo arguido, os menores encontravam-se acompanhados por FF que sempre foi um dos melhores amigos de EE;29. A conduta do arguido perturbou o equilíbrio social, psíquico e emocional dos menores FF e EE”) 21 “(…) nos termos calculados à taxa legal e contados desde a presente data até efetivo e integral pagamento - vd. artigos 559.º, 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil; cfr. Portaria n.º 291/03, de 08.04; cfr. AUJ n.º 4/2002, de 9.05.2002, publicado em Diário da República, I-S, de 27.06.2002, que fixou a seguinte urisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do artigo 566.º, n.º 2 do CC, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806.º, n.º 1 do CC, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.” |