Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
52/22.2PAENT.E1
Relator: LAURA GOULART MAURÍCIO
Descritores: TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A pena de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade ( art.58.º, n.º 2 do Código Penal ) e tem lugar se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, sempre que se concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ( art.58.º, n.º1 do Código Penal).
II. O pressuposto formal desta pena é a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade (art. 58.º, n.º 5 do Código Penal).
III. O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
IV. A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação ativa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Competência Genérica do Entroncamento - Juiz 2, foi o arguido AA submetido a julgamento em Processo Comum e Tribunal Singular, tendo o Tribunal, por sentença de 19 de abril de 2023, decidido:
1) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 23.º, n.ºs 1 e 2, 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do mesmo diploma legal, numa pena de 1 (um) ano de prisão;
2) Substituir esta pena de prisão pela prestação de 365 horas de trabalho a favor da comunidade.
3) Condenar o Arguido no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC - cf. artigos 513.º, n.º s 1 e 3, 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, artigos 8.º, n.º 9 e 16.º e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais
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Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:
1. Atenta a sua idade, condições de vida, confissão parcial dos factos e ainda ausência de antecedentes à data da prática dos factos pelos quais foi julgado.
2. Assim, impõe-se a aplicação ao Arguido Recorrente, de uma pena justa e proporcional, tendo em conta os factos que resultaram provados, mormente, o facto de não ter conduzido na via pública.
3. Face ao supra exposto, o Arguido ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 1 anos de prisão a qual deverá ser substituída por multa.
4. Esta medida concreta da pena que a ora Recorrente pretende que agora lhe seja aplicada por este Alto Tribunal é aquela que lhe parece mais adequada, justa e proporcional.
5. Pelo que se entende que a Douta Sentença recorrida, deve ser revogada, devendo ser substituída por outra que condene o ora Recorrente numa pena de prisão fixada em 1 ano de prisão substituída por multa.
6. Estipula o artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, que “A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (…)”.
7. É sabido que as penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
8. Assim, quando aplica uma pena de prisão não superior a um ano, esta só deverá ser executada se imposta por razões exclusivas de prevenção, sejam elas de prevenção especial de socialização, sejam de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico.
Das Normas Violadas Artigo 71º do CP; Artigo 43º da CP;
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes Desembargadores, muito doutamente suprireis, se requer seja o presente RECURSO JULGADO PROCEDENTE nos, exatos termos, supra expostos, com todas as legais consequências que daí advenham.
Vossas Excelências, porém, farão a costumada e esperada J U S T I Ç A!
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O Ministério Público respondeu ao recurso interposto nos seguintes termos:
O arguido AA veio interpor recurso da sentença proferida nos autos supra referenciados, no âmbito da qual foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 23.º, n.ºs 1 e 2, 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do mesmo diploma legal, numa pena de 1 (um) ano de prisão, substituída pela prestação de 365 horas de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do Código Penal).
Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido interpor recurso, no que respeita à medida da pena/escolha da pena substitutiva, alegando, em síntese, que lhe deveria ser aplicada uma pena não superior a 1 ano de prisão, substituída por multa.
Refere que a pena é manifestamente excessiva, mas acaba por pugnar pela aplicação de uma pena principal em medida igual àquela que lhe foi aplicada (1 ano de prisão).
Não invocou quaisquer argumentos concretos relativos à sua discordância com a pena substitutiva de 365 horas de trabalho a favor da comunidade, limitando-se a pugnar pela substituição da pena de prisão por multa, sem fundamentar cabalmente a sua pretensão.
O recorrente alega ainda circunstâncias que nada têm a ver com o caso concreto, designadamente quando refere que “impõe-se a aplicação ao Arguido Recorrente, de uma pena justa e proporcional, tendo em conta os factos que resultaram provados, mormente, o facto de não ter conduzido na via pública”; ora, da leitura dos factos dados como provados é possível concluir que não está em causa nos autos qualquer crime cometido em contexto de exercício de condução de veículo, razão pela qual não se compreende a invocação do aludido argumento.
Nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal, “Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição”.
O Tribunal aplicou uma pena de prisão principal com a duração de um ano, e o arguido recorrente declarou expressamente, em audiência, consentir na substituição da pena a aplicar por trabalho a favor da comunidade.
Foi dado como provado, com base nas declarações prestadas pelo arguido em audiência, que o mesmo é comerciante, trabalhando em mercados, sendo que aufere, da sua actividade, uma média mensal de 400,00€ por mês.
Resulta dos autos e fez-se consignar no teor da sentença que “o Arguido é jovem, tem parcos rendimentos profissionais, se mostra motivado para prestar trabalho a favor da comunidade, e que, pese embora a sua ocupação profissional, não tem ainda responsabilidades familiares acrescidas que exijam o seu tempo livre.”
Considerou assim o Tribunal que, atenta a força ressocializadora do trabalho em prol da comunidade, a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade poderia contribuir para a melhor reintegração social do Arguido, razão pela qual se optou acertadamente pela aplicação dessa pena substitutiva, que se mostra adequada às circunstâncias do caso concreto e às exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.
Pelo que a pena principal e a pena substitutiva aplicadas ao arguido se mostram perfeitamente adequadas, tendo o Tribunal decidido em conformidade com os critérios legais previstos nos artigos 40.º, 58.º, e 71.º do Código Penal, não padecendo a sentença recorrida de qualquer vício.
Face ao exposto, o recurso deverá ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, que não merece qualquer reparo.
Assim se fazendo Justiça.
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No Tribunal da Relação a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não foi apresentada resposta.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre decidir
Fundamentação
Delimitação do objeto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).
No caso sub judice a questão suscitada pelo recorrente reconduz-se a saber se deve a pena de um ano de prisão aplicada ser substituída por multa.
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Da sentença recorrida – Factos e Motivação
“II. FUNDAMENTAÇÃO
A. Factos provados
Analisada a prova produzida e expurgada a matéria conclusiva ou irrelevante para a decisão, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
A1. Factos da acusação
1. No dia 4 de fevereiro de 2022, pelas 18h50, na Rua Engenheiro Alberto Saraiva e Sousa, junto ao n.º 8, no Entroncamento, o Arguido agarrou em pedras da calçada, e arremessou pelo menos três dessas pedras na direção dos agentes da PSP BB, CC e DD.
2. Os aludidos agentes da PSP encontravam-se, à data dos factos, devidamente uniformizados e, no exercício das respetivas funções policiais, a formar um cordão de segurança para separar populares que ali compareceram, do local onde um indivíduo se encontrava a ser identificado por outros agentes da PSP.
3. O Arguido não logrou que as pedras por si arremessadas atingissem o corpo de nenhum dos agentes da PSP presentes no local.
4. O arguido quis atuar do modo descrito, com o intuito de causar ferimentos e lesões corporais em pelo menos um dos agentes da PSP acima mencionados, o que só não conseguiu por motivos alheios à sua vontade, estando ciente de que arremessava pedras na direção de agentes policiais que se encontravam no exercício das suas funções.
5. O Arguido agiu de modo deliberado, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.
A2. Factos relativos às condições pessoais do Arguido
6. O Arguido tem o 5.º ano de escolaridade.
7. É comerciante, trabalhando em mercados.
8. Aufere, da sua atividade, uma média mensal de 400,00€ por mês.
9. Vive com os pais, em casa arrendada.
10. Entrega cerca de 100,00€ por mês para apoio nas despesas domésticas.
11. Paga ainda a conta de eletricidade da casa onde vive, no valor médio mensal de 50,00€.
12. O Arguido está a pagar a pena de multa a que foi condenado no processo referido em 13 em prestações mensais de 89,00€.
13. O Arguido foi condenado, por sentença de 19-11-2022, transitada em 11-01-2023, proferida pelo Juízo de Competência Genérica, Juiz 1, no âmbito do processo n.º 547/22.8PAENT, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, num total 420,00€ pela prática, em 19-11-2022, de um crime de condução sem habilitação legal.
B. Factos não provados:
Inexistem
C. Motivação da decisão sobre a matéria de facto:
O Tribunal firmou a sua convicção acerca dos factos provados com base nas declarações do Arguido, conjugadas com os depoimentos das testemunhas BBos e DD, agentes da PSP, que depuseram de forma espontânea, objetiva e desinteressada, e ainda com o auto de notícia de fls. 4, cuja autoria e teor foi confirmada pela testemunha BB.
Assim, e mais concretamente, no que concerne à objetiva factualidade descrita nos pontos 1 a 3 dos factos provados, foi a mesma confessada pelo Arguido, que assumiu ter atirado duas ou três pedras da calçada contra agentes da autoridade que estavam no local mencionado em 1.
Todavia, na versão apresentada em audiência, AA recusou que o tivesse feito com intenção de atingir qualquer dos agentes, dizendo antes que, ao ver os polícias a correrem para si, com cassetetes na mão, se assustou e, para conseguir fugir antes que o alcançassem, atirou pedras na sua direção de forma a atrasar-lhes a marcha e, assim, ter tempo de dobrar a esquina e sair do local.
No final do julgamento, e aquando das declarações finais, o Arguido acabou por acrescentar que, embora não tivesse intenção de magoar os agentes, admitiu que podia acertar-lhes com as pedras que lhe arremessou.
Tal versão do Arguido, porém, foi contrariada pelas premissas probatórias extraídas dos depoimentos dos agentes da PSP que estiveram no local, os quais explicaram, de forma coerente e condicente entre si e com o auto de notícia de fls. 4, que a intervenção policial que ali ocorria visava outra pessoa (passageiro num automóvel acerca do qual havia informação de que teria acabado de ser usado em condução perigosa naquela artéria e cujo condutor se pusera em fuga); que, embora se tenha formado um cordão de segurança para manter os populares que se juntaram no local, longe do ponto onde o aludido passageiro da viatura suspeita era identificado, em momento algum correram na direção daqueles populares ou, mais concretamente, do Arguido, nem tão-pouco o interpelaram ou tiraram os seus bastões, só tendo começado a avançar em passo apressado na sua direção após o mesmo arremessar várias pedras da calçada (no mínimo 3) contra eles.
Ambos os agentes da autoridade não tiveram qualquer dúvida em garantir que, pela forma e da distância que o Arguido lhes arremessou as pedras, a sua intenção era claramente acertar-lhes, o que apenas não sucedeu por sorte, tendo ficado os aludidos objetos a cerca de um metro destes agentes.
Estes agentes também confirmaram que ambos estavam perto um do outro, e ainda do chefe da PSP, CC, referido em 1 dos factos provados.
Conjugada esta descrição objetiva do ocorrido com as regras de experiência comum, afigura-se por demais evidente que, ao atuar como o próprio admitiu ter atuado, não poderá o Arguido ter tido outras representação e intenção que não as de atingir os aludidos agentes com as pedras em causa, o que apenas não logrou por circunstâncias que lhe são alheias, de onde o teor dos pontos 4 e 5 dos factos provados.
Relativamente à prova dos factos relativos às condições pessoais e de vida do arguido (factos provados n.ºs 6 a 12) assentou a mesma nas declarações do próprio, que o Tribunal considerou, neste ponto, espontâneas e que não se mostram infirmadas por qualquer meio de prova.
O facto provado n.º 13 resultou da análise do certificado de registo criminal do Arguido, junto ao processo eletrónico sob a referência 9537194, de 21-03-2023.”
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Apreciando e decidindo
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ( art.70.º do C.P.), reconduzindo-se tais finalidades, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente da sociedade (prevenção especial). A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial.
De seguida, importará determinar a concreta medida da pena por que se optou, dentro dos limites definidos na lei, tendo em consideração para o efeito, a culpa do agente e as exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este ( art.71.º do C.P.).
Determinando-se uma concreta pena de prisão, haverá que verificar se ela pode ser objecto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.
Como meio de obstar, até ao limite, à aplicação de penas de prisão na chamada pequena criminalidade, e hoje mesmo já na média criminalidade, o art.43.º, n.º 1 do Código Penal estabelece, como obrigatório, que « A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. (…)».
A pena de prisão fixada em medida não superior a 1 ano, para além de poder ser substituída por multa (art.43.º, n.º1 do C.P.), pode ser suspensa na execução ( art.50.º do C.P.) e ainda ser substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.), desde que se verifiquem os respetivos pressupostos.
O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar as penas de substituição previstas no Código Penal, pois que a aplicação de tais penas de substituição não traduz um poder discricionário, mas antes um poder-dever ou um poder vinculado.
Não sendo de exigir uma menção expressa a cada uma das penas de substituição que a pena de prisão concreta encontrada poderia admitir, entendemos que deve resultar da fundamentação da sentença que elas foram, pelo menos, implicitamente ponderadas e que, sem margem para dúvidas, foi afastada a sua aplicação por não se verificarem os respectivos pressupostos.
No caso em apreciação, o Tribunal a quo considerou que o arguido, com a sua conduta descrita nos factos dados como provados, preencheu todos os elementos constitutivos de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 23.º, n.ºs 1 e 2, 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do mesmo diploma legal, tendo-o condenado na pena de 1 (um) ano de prisão, substituida pela prestação de 365 horas de trabalho a favor da comunidade.
E o Tribunal justificou assim tal decisão: “Verifica-se que no caso concreto, existem circunstâncias modificativas que importam um reajustamento da moldura penal abstrata constante do tipo de crime, na medida em que em causa está um crime na forma tentada (cf. 23.º, n.º 2, do Código Penal).
Tendo presente que o crime de ofensa à integridade física qualificada é punível com pena de prisão de 1 mês a 4 anos (cf. artigos 41.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, do Código Penal), à pena especialmente atenuada, nos termos do artigo 73.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, corresponderá uma moldura de 1 mês a 32 meses (2 anos e 8 meses).
Assim, importará determinar dentro da respetiva moldura legal a medida concreta da pena, tendo em consideração, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, as finalidades de prevenção que a infração criminal do arguido demanda – finalidades essas que, como resulta do disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, são de prevenção geral e especial, mais concretamente, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Por outro lado, e também nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa que, neste ponto, e como impressivamente refere Figueiredo Dias1, tem uma função de «incondicional proibição de excesso» ao marcar «o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas».
Seguindo de perto a denominada teoria da «moldura da prevenção2», dir-se-á que a medida concreta da pena haverá de ser encontrada numa espécie de submoldura (contida, claro está, dentro da moldura legal) que o julgador deverá obter para cada caso, de acordo com os circunstancialismos que o caracterizam. Tal espectro é definido pelos critérios de prevenção geral, conhecendo como limite máximo a pena que seria ótima para o mais profundo cumprimento da necessidade de tutela dos bens jurídicos e como limite mínimo aquele abaixo do qual a pena deixaria de cumprir a função de tutela do bem jurídico violado, frustrando as expectativas mínimas da comunidade na manutenção da norma criminal violada. O critério de prevenção especial de socialização atuará fixando, dentro da submoldura da prevenção geral, a medida concreta da pena, sendo certo que neste exercício haverá que considerar que a culpa concreta do agente é sempre limite inultrapassável da pena encontrada através do fiel da prevenção especial.
Feita esta exposição, caberá recolher nas circunstâncias do crime cometido pelo arguido os denominados fatores da medida da pena que o artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal enuncia, tendo presente o princípio da proibição da dupla valoração ínsito no proémio deste normativo.
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Vejamos:
A conduta do Arguido revela um grau de ilicitude elevado, sendo valorado negativamente o contexto de tensão em que os agentes atuavam, em face de reunião de vários populares no local, cujos ânimos o comportamento do Arguido era idóneo a acicatar, com risco para a segurança daquelas forças policiais; o caráter inopinado e absolutamente gratuito da reação do Arguido (que não era visado pela ação policial em causa); e a repetição da conduta, com arremesso de, pelo menos, três pedras.
O dolo do Arguido foi direto, sendo intensa a sua resolução criminosa.
Assim, e atento o circunstancialismo concreto da prática do crime em análise, conclui-se que a conduta é gravosa e geradora de reprovação social assinalável.
O Arguido tem apenas uma condenação averbada no seu registo criminal, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, a qual, conquanto não possa deixar de relevar na apreciação global do seu comportamento e no apuramento das exigências de prevenção especial que o caso reclama (enquanto comportamento posterior aos factos), não pode ser considerada um antecedente criminal proprio sensu, na medida em que o facto foi praticado após os factos julgados neste processo, pelo que, à data dos mesmos, o Arguido não havia ainda respondido perante um tribunal nem sido condenado numa pena por decisão transitada, não lhe tendo sido dirigida a solene advertência que, como exortação que é a uma mudança de vida, torna mais exigível a atuação futura conforme ao Direito e agrava as exigências de prevenção especial.
A favor do Arguido pesa a sua inserção familiar e profissional.
Tudo ponderado, entende-se ser adequada a aplicação ao Arguido uma pena de 1 ano de prisão, fixada perto do primeiro terço da moldura penal atenuada da tentativa.

2.2. Da substituição da pena de prisão por trabalho
O Arguido declarou, em audiência, consentir na substituição da pena a aplicar por trabalho a favor da comunidade.
Atenta a pena concreta de prisão a que o Tribunal condenará o Arguido caberá ponderar a eventual substituição da mesma por uma pena de multa (cf. artigo 45.º, n.º 1, do Código Penal), de trabalho a favor da comunidade (cf. artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal) ou por uma pena de prisão suspensa na sua execução (cf. artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal).
Nas palavras de Figueiredo Dias «desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias».
Como bem se fez notar no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21-05-2018 , «Em termos de hierarquia legal das penas de substituição, o Código Penal apenas estabelece um critério de preferência pelas penas não detentivas, por não implicarem a privação da liberdade do arguido, ao dispor, no artigo 45.º, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável. Significa isto que o tribunal deve apurar, em concreto, entre as várias penas de substituição aplicáveis ao caso, a que melhor e da forma mais adequada realiza as exigências de prevenção especial de socialização que se façam sentir, dando preferência a uma que não seja privativa da liberdade.»
Ora, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal a substituição da pena de prisão não superior a 2 anos por prestação de trabalho a favor da comunidade deve ocorrer sempre que o Tribunal concluir, «nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição».
In casu, verifica-se o pressuposto formal para a substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade, tendo o Arguido prestado o seu acordo à mesma.
Atentos os elementos carreados para os autos, entende o Tribunal que, pese embora a gravidade da conduta da Arguido, atentas as baixas exigências ao nível da prevenção especial, a mesma não é de molde a obstar a que se conclua que uma pena de trabalho é ainda suficiente para, de forma adequada, reafirmar a validade da norma violada e intimidar o Arguido à abstenção da repetição do comportamento criminoso, fazendo-se ainda um juízo de prognose positivo quanto à sua ressocialização.
Ressuma dos autos que o Arguido é jovem, tem parcos rendimentos profissionais, se mostra motivado para prestar trabalho a favor da comunidade, e que, pese embora a sua ocupação profissional, não tem ainda responsabilidades familiares acrescidas que exijam o seu tempo livre.
Por todo o exposto e atenta a força ressocializadora do trabalho em prol da comunidade, dúvidas não restam que a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade poderá contribuir para a melhor reintegração social do Arguido, finalidade elementar do direito penal.
Verificando-se os requisitos necessários à aplicação desta pena substitutiva, importa fixar as horas de trabalho a prestar pelo condenado.
O artigo 58.º, n.º 3, do Código Penal estatui que cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.
Mais se prevê no n.º 4 do mencionado preceito que «o trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável.»
Tendo em conta que o Arguido foi condenado a 1 ano de prisão, a que correspondem 365 dias, fixam-se em 365 horas o número de horas de trabalho a prestar pelo Arguido.
Para execução da pena a aplicar, será solicitado relatório à DGRSP, previsto no artigo 496.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.”
Determinada a concreta pena de prisão, passou o Tribunal a quo a verificar se ela poderia ser objeto de substituição, quer em sentido próprio, quer impróprio.
Quanto à pena de trabalho a favor da comunidade, a mesma consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade ( art.58.º, n.º 2 do Código Penal ) e tem lugar se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, sempre que se concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ( art.58.º, n.º1 do Código Penal).
Exigindo-se a adesão do arguido a esta pena, ela só pode ser aplicada com aceitação do condenado ( art.58.º, n.º 5 do Código Penal ), o que, no caso, se verificou.
O pressuposto formal desta pena é, deste modo, a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade.
O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação ativa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.
E, no caso em apreciação, entendemos verificados quer o pressuposto formal quer o pressuposto de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade.
Dai que, resultando dos autos e consignado na sentença recorrida que “o Arguido é jovem, tem parcos rendimentos profissionais, se mostra motivado para prestar trabalho a favor da comunidade, e que, pese embora a sua ocupação profissional, não tem ainda responsabilidades familiares acrescidas que exijam o seu tempo livre.” concluamos, como bem refere o Ministério Público na resposta ao recurso que “ Considerou assim o Tribunal que, atenta a força ressocializadora do trabalho em prol da comunidade, a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade poderia contribuir para a melhor reintegração social do Arguido, razão pela qual se optou acertadamente pela aplicação dessa pena substitutiva, que se mostra adequada às circunstâncias do caso concreto e às exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.
Pelo que a pena principal e a pena substitutiva aplicadas ao arguido se mostram perfeitamente adequadas, tendo o Tribunal decidido em conformidade com os critérios legais previstos nos artigos 40.º, 58.º, e 71.º do Código Penal, não padecendo a sentença recorrida de qualquer vício.”
Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso interposto.
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Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- julgar não provido o recurso interposto.
- Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
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Elaborado e revisto pela primeira signatária
Évora, 10 de outubro de 2023
Laura Goulart Maurício
Maria Clara Figueiredo
Artur Vargues