Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | RENATA WHYTTON DA TERRA | ||
| Descritores: | VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INDEMNIZAÇÃO CIVIL ARBITRAMENTO OFICIOSO DA INDEMNIZAÇÃO RECORRIBILIDADE REJEIÇÃO DO RECURSO | ||
| Data do Acordão: | 02/25/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I - Não obstante a natureza da indemnização arbitrada ao abrigo do disposto nos artigos 82º-A do C. P. Penal e 21º da Lei nº 112/2009, de 16/09, valem as regras impostas pelo nº 2 do artigo 400º do C. P. Penal. II - Quer se trate de um pedido de indemnização civil, quer se trate da atribuição oficiosa de indemnização, consubstanciada no arbitramento de uma indemnização de natureza cível com origem em facto ilícito criminal, a realidade e a natureza da indemnização é a mesma nos dois casos, pelo que se impõe aplicar da mesma forma a norma relativa à recorribilidade constante do artigo 400º, nº 2, do C. P. Penal. III - Isto porque o regime de definição de admissibilidade do recurso assenta na natureza do objeto de recurso (obrigação de indemnização quantificável) e não na característica processual, necessariamente secundária, da forma de arbitramento, baseada no dispositivo das partes ou oficiosa. IV - Não tendo sido formulado qualquer pedido, e por se tratar de arbitramento oficioso de indemnização pelo crime de violência doméstica, a admissibilidade do recurso quanto a tal matéria terá que se reger apenas pelo valor da sucumbência (por não haver um pedido). V - O Ministério Público, no seu recurso, conclui pedindo que a sentença recorrida seja revogada nessa parte e o arguido condenado no pagamento de uma indemnização à ofendida de, pelo menos, € 1.500 (mil e quinhentos euros). VI - Esse montante de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) corresponde ao valor em que a decisão recorrida “foi” desfavorável à vítima, na medida em que, segundo o entendimento vertido no recurso, o tribunal a quo deixou de arbitrar tal valor à ofendida. VII - Dispõe o artigo 44º, nº 1, da LOSJ, que o valor da alçada a atender é de 5.000,00 €, pelo que, in casu, a decisão é irrecorrível, por se tratar de uma sucumbência de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), ou seja, inferior a metade da alçada dos tribunais de primeira instância. VIII - Assim, é de rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público (artigo 414º, nºs 2 e 3, do C. P. Penal). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório: No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular n.º 615/23.9PBEVR a correr termos no Juízo Local Criminal de Évora- Juiz 2, foi julgado e condenado o arguido A pela prática, em autoria material na forma consumada de: - de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e c), nº 2 alínea a) e nºs 4 e 5, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, a monitorizar pela DGRSP. “O regime de prova passará ainda pela despistagem de eventual problema de saúde mental, ficando o arguido obrigado, caso os médicos o determinem, a fazer o acompanhamento terapêutico e medicamentoso julgado necessário, pelo tempo clinicamente necessário, até alta clínica ou até ao fim da pena.” Foi ainda decidido: - Condenar o arguido na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, a monitorizar pela DGRSP. - Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos e afastamento da vítima, durante os primeiros 10 meses de suspensão da pena, contudo fiscalizado por meios de vigilância electrónica apenas pelo período de 6 meses. *** Desta decisão veio o arguido A interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões: “1 No que tange à prova produzida nas sessões de julgamento são de reapreciar as declarações prestadas pelo arguido na sessão de 17 de Setembro de 2024, segmentos 11:20H. a 11:18H., a qual por mero erro de escrita, assim foi plasmado na acta de tal sessão. 2 São de reapreciar as declarações prestadas pela queixosa, E, na sessão de julgamento de 17 de Setembro de 2024, segmentos, 10:12H. e as 11:18H. 3 Pelas quais se extrai a contradição entre as declarações da queixosa e as que o arguido prestou. 4 O arguido nas suas parcas declarações, menciona que a queixosa o agredia verbalmente com frequência. 5 Tudo aponta para que na sequência de discussões verbais entre ambos, existiram agressões recíprocas. 6 É das regras da experiência comum que tais discussões têm tendência a se tornarem cada vez mais agrestes. 7 Da reapreciação da prova produzida, deve resultar que os factos dados como provados na douta sentença recorrida em, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 12, passem a ser dados como não provados, com as legais consequências. 8 Deve ser concluído que a prova não sustenta à evidência que o arguido exerceu domínio sobre a queixosa, subjugando-a, colocando em crise a sua honra e liberdade. 9 A gravação da sessão de julgamento de 17 de Setembro de 2024, demonstra nomeadamente que o Tribunal a quo teceu considerações que impediram o arguido de prestar declarações livres e exercer cabalmente a sua defesa, o que contraria o previsto nos Artigos 343º/2 do Código de Processo Penal, bem como o previsto no Artigo 32º/1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, com as legais consequências. 10 O Tribunal a quo ao proceder de tal forma, ausentou-se de alcançar a verdade material, sem atingir a realização da costumada Justiça. 11 Na douta sentença recorrida, se consagra objectivamente o pensamento dominante, segundo o qual, o homem é agressor, sendo que, todos os males suportados pela mulher têm a sua origem no homem. 12 Nesta se avalia de forma injusta a acção do arguido, pelo que não alcança a costumada Justiça. 13 Descura que a realidade típica inerente ao crime de violência doméstica, inclui, para além da agressão física (mais ou menos violenta, reiterada ou não), a agressão verbal, a agressão emocional (p. ex., coagindo a vítima a praticar atos contra a sua vontade), a agressão sexual, a agressão económica (p. ex., impedindo-a de gerir os seus proventos) e a agressão às liberdades (de decisão, de ação, de movimentação, etc.), as quais, analisadas no contexto específico em que são produzidas e face ao tipo de relacionamento concreto estabelecido entre o agressor e a vítima, indiciam uma situação de maus tratos, ou seja, um tratamento cruel, degradante ou desumano da vítima. O que importa saber é se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é suscetível de ser classificada como “maus tratos”. 14 A conduta do arguido A pode ser considerada penalmente relevante, mas ela decorre no contexto de uma relação que apenas esporádica e negativamente se manifestava, não espelhando uma situação de maus tratos da qual resulte ou seja suscetível de resultar sérios riscos para a integridade física e psíquica da vítima. 15 Nestes autos crime, ponderada globalmente de forma isenta a prova que incidiu sobre a factualidade, a prova produzida não é suficiente para estribar a existência de uma configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de prevalência de dominação sobre esta, devendo ser concluído que o arguido, ora recorrente, agiu em função de discussões ocasionais recíprocas, sem que tal preencha os requisitos essenciais para a existência do crime de violência doméstica. 16 A prova existente nos autos, conjugada com a produzida em julgamento, permite concluir que a relação conjugal se tornou impossível para ambos, sem que o arguido e a queixosa hajam conseguido resolver as divergências que se foram avolumando. 17 Tais discussões decorrem da vivência humana, aliás no Alentejo, com frequência se diz: “casa que não é ralhada, não é casa governada” 18 O arguido pretendeu esclarecer os factos, o que aconteceu com a contestação que requereu, e, durante o julgamento prestou algumas declarações sobre os factos, mas o Tribunal, interferindo nas suas declarações, impediu o mesmo de concretizar a sua defesa. 19 O Tribunal a quo impediu o arguido de prestar declarações, violando o Tribunal o previsto, nomeadamente no Artigo 343º/1 e 2, do Código de Processo Penal. 20 Durante as declarações do arguido, estas foram interrompidas pelo Tribunal, com o argumento de que, caso sentisse necessidade de apresentar participação criminal contra a queixosa, o devia fazer, e não estar em julgamento, a contraditar as declarações prestadas por esta. 21 Violando o Tribunal o previsto no Artigo 343º/2 do Código de Processo Penal, bem como o previsto no Artigo 32º/1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa. 22 Impedindo o direito de o arguido de prestar declarações nos termos legais e de exercer o contraditório a que tem direito, com as legais consequências. 23 O que torna a douta decisão recorrida injusta, mormente porque não consegue alcançar a verdade material a que o Tribunal se encontra vinculado legalmente. 24 Em face da contestação da acusação requerida pelo arguido, das declarações por este proferidas em julgamento, da restante prova produzida, não se mostra possível solidificar a convicção de que o arguido praticou os factos tal como estes se encontram plasmados na douta sentença recorrida. 25 A douta decisão recorrida estriba-se essencialmente, na apreciação fragmentada da prova produzida, relevando em especial a que é prejudicial para o arguido. 26 O que contraria o fim essencial de alcançar a verdade material a que o Tribunal se encontra legalmente vinculado. 27 Na douta sentença recorrida é violado o princípio da objectividade, e os princípios comuns da lógica e da razão. 28 Igualmente a culpa do arguido está aferida de forma imprecisa, desrespeitando mormente o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2012. 29 Neste, no Processo n.º 85/09.4BPST.L.1.S1, 3ª Secção, além do mais, acessível em www.dgsi.pt, mormente se decide: III - ... a culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente uma finalidade da mesma. IV - Uma das principais ideias presente no princípio da proporcionalidade é justamente, invadir o menos possível a esfera de liberdade do indivíduo, isto é, invadir na medida do estritamente necessário à finalidade da pena que se aplica, porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido. 30 A conduta do arguido A não está na sua real extensão avaliada na douta decisão recorrida, havendo o Tribunal seguido a visão da acusação, menosprezando a do arguido, com prejuízo para este, nomeadamente no que tange à determinação da sua culpa. 31 Não é de concluir que o arguido A, ao responder em diversas ocasiões, durante discussões entre o casal, de forma pouco cuidada, configure a existência de matéria factual, susceptível de ser classificável como maus tratos. 32 É entendimento do arguido que os autos crime não demonstram a existência de lesões graves, intoleráveis, brutais, pesadas, pelo que deve ser concluído pela inexistência de elementos típicos indispensáveis ao preenchimento do ilícito criminal tipificado no crime de violência doméstica. 33 Realidade que, em parte, está inserido na douta sentença recorrida. 34 Mormente através do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02-11- 2015, pode ser concluído que o tipo legal do Artigo 152º do Código Penal, previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e actue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou sobre a sua honra ou sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, se tensão, de subjugação. 35 Realidade que estes autos crime não demonstram, existindo realmente discussões e agressões verbais recíprocas. 36 A douta decisão recorrida demonstra a existência de contradição, ao fixar a pena, da qual se retira a existência de culpa reduzida ao arguido, porém, fixa obrigações a este de forma totalmente errada. 37 Das variadíssimas abordagens ao tema da violência doméstica, o qual é actualmente avaliado de forma muito intensa, porém, regra geral, na completa ausência de debate sobre as suas inúmeras e variadas causas. 38 Em regra, é ignorado que o homem por muitos séculos foi o caçador, e a mulher foi a cuidadora do lar, realidade que num piscar de olhos se quer alterar, com as denominadas sociedades modernas. 39 O arguido não tem nenhum antecedente criminal. 40 A avaliação de risco efectuada pela Polícia de Segurança Pública plasmada nos autos, não permite concluir que este represente qualquer perigo para a queixosa. 41 A queixosa reside em Évora e o arguido reside em São vicente do Pigeiro, localidade a cerca de vinte e cinco quilómetros de Évora. 42 O arguido reside com o Pai, encontra-se familiar e socialmente integrado. 43 Desempregado, mas com projecto de trabalho com o irmão na área da assistência mecânica. Atento ao supra alegado, nos demais termos de direito aplicáveis, com o douto suprimento de VV. EXAS., respeitosamente requer o arguido: 1 – Seja decidido que o Tribunal impediu o arguido de prestar declarações, em violação pelo previsto nos Artigos 343º do Código de Processo Penal e, pelo previsto no Artigo 32º/1,2 e 5 da Constituição da República Portuguesa, com as legais consequências. 2 – Se entenda que o conjunto de prova produzida não permite concluir pela condenação do arguido, no que tange à prática do crime de violência doméstica. 3 – Se for decidido que estão preenchidos os requisitos de facto e de direito que permitem fundamentar a manutenção da condenação do arguido pela prática de crime de violência doméstica, seja alterada a douta sentença recorrida, no sentido de o afastamento deste em relação à queixosa não fique dependente de monitorização por vigilância electrónica, porque o arguido não reside nas proximidades desta e o risco avaliado ser médio. Termos em que VV. EXAS. farão a costumada JUSTIÇA.” *** O Mº Pº na sua resposta ao recurso interposto pelo arguido não apresentou conclusões e concluiu afirmando: “Nestes termos, deve negar-se provimento ao recurso, e manter-se a Douta Decisão proferida nestes autos nos seus precisos termos, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!” *** Veio também o MºPº interpor recurso da parte da decisão que não atribuiu uma indemnização à ofendida, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões: “1.ª - Não pode o Ministério Público, ora recorrente, conformar-se com a douta sentença condenatória proferida nos autos pelo Tribunal a quo, no que respeita à não atribuição de uma indemnização à vítima, uma vez que o arguido A foi condenado pela prática, na pessoa de E, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneaa a) e c), nº 2 alínea a) e nºs 4 e 5, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, a monitorizar pela DGRSP, passando este pela despistagem de eventual problema de saúde mental, não existiu oposição da vítima, nem foi deduzido pedido de indemnização cível e existiram danos físicos e psicológicos provocados pela conduta do arguido na vítima E, que inclusive pensou por termo à sua vida e encontra-se a ter apoio psicológico na Associação “Ser Mulher”. 2.ª - Foi ainda condenado o arguido nas penas acessórias de obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica e na pena acessória de proibição de contactos e afastamento da vítima, durante os primeiros 10 meses de suspensão da pena, contudo fiscalizado por meios de vigilância eletrónica apenas pelo período de 6 meses. 3.ª – Salvo devido respeito, não é fundamento para a sua não atribuição a relevância dos danos provocados pelas condutas do arguido na vítima, mas antes a não condenação do arguido na prática do crime de violência doméstica, a oposição da vítima e a inexistem de danos físicos e psicológicos provocados pelas condutas do arguido na vítima, o que não se verificou no presente caso. 4.ª – De acordo com o artigo 21.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, o Tribunal a quo tinha, obrigatoriamente, de condenar o arguido A no pagamento de uma indemnização à ofendia E. 5.ª – Atualmente a doutrina - Paulo Pinto de Albuquerque- e maioritariamente a jurisprudência - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4.06.2024, processo n.º 90/22.5GBRDD.E1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-05-2016, processo n.º 94/12.6GAACB.C2, de 27-09-2021, processo n.º 1153/18.7PBVIS.C1, e 27-09-2023, processo n.º 18/23.5GCGRD.C1, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.05.2018, processo n.º156/16.0PALSB.L1.S1 e de 13.03.2024, processo n.º 145/21.3GAALJ.G1.S1.- entendem que, nos termos do artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, é obrigatória a fixação de indemnização à vítima por parte do Tribunal que condene o arguido na prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º do Código Penal, desde que não haja oposição da vítima ou pedido de indemnização cível, uma vez que danos existiram sempre face à violação do bem jurídico protegido pelo crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º do Código Penal – Proteção da pessoa individual e da sua dignidade humana. 6.ª – Assim, tal indemnização tem carácter automático e tem sempre de ser fixada, o que se impunha ao Tribunal a quo. 7.ª – Ora, face aos factos dados como provados na sentença recorrida e à motivação de facto e direito, que determinaram a condenação do arguido A na prática de um crime de violência doméstica, punido e previsto no artigo 152.º, n.º 1, alínea a), nº 2 alínea a) e nºs 4 e 5, do Código Penal, contra E, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido pelo não arbitrar indemnização a favor da vítima. 8.ª - Tendo-o feito o Tribunal a quo violou a referida norma estabelecida no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro e despoletou a contradição entre a fundamentação e a sua decisão quanto à indemnização à vítima, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Penal. 9.ª - Terá, assim, a sentença recorrida ser anulada neste aspeto e ser arbitrada indemnização a favor da vítima, por verificados todos os pressupostos formais – o arguido foi condenado na prática de um crime de violência doméstica, punido e previsto no artigo 152.º, n.º 1, alínea a), nº 2 alínea a) e nºs 4 e 5, do Código Penal, contra E e esta não se opôs ao seu arbitramento. 10.ª - Mais, a sentença condenatória quanto a esta parte deverá também ser declarada nula por falta de fundamentação da decisão, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º1, al. a), do Código de Processo Penal, uma vez que ficasse sem perceber porque o Tribunal a quo considerou que os danos, inclusive os emocionais no presente caso, não são de relevo, uma vez que se limita a enunciar a matéria de direito. 11.ª – Quanto à fixação da indemnização teremos que atender à equidade, levando em conta os danos não patrimoniais causados e a situação da vítima, bem como, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, ponderados conjuntamente à luz dos critérios dos artigos 494º e 496º do Código Civil (CC) e das alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 71º do CP. (veja-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, suprarreferidos, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, suprarreferido). 12.ª - Ora, para a fixação da indemnização, face à matéria de facto dada como provada, termos que atender aos seguintes fatores: - A culpa: o arguido agiu com dolo direto, praticando os factos de forma reiterada num longo período de tempo contra o seu cônjuge – desde 2017 a 2023. - Danos: a) Dos factos provados resulta que das condutas do arguido, E sentiu dores, foi molestada na sua saúde física e psicológica, foi humilhada na sua honra e considerarão, sentiu-se perseguida e temeu pela sua vida e integridade física. b) Neste caso concreto, com as condutas do arguido a ofendida E sentiu-se, ainda, “num fundo de um poço”, donde ainda está a sair e chegou a pensar pôr termo à sua vida, por se sentir um “farrapo”, tendo necessitado de acompanhamento psicológico, que faz até hoje, na Associação “Ser Mulher”. c) Situação económica do arguido: Encontra-se desempregado, recebe € 564,00 de subsídio de desemprego, que receberá até outubro de 2025. Pretende, em breve, criar uma empresa com o seu irmão, em Aldeias de Montoito, para desenvolver a atividade de oficina / mecânica automóvel. d) A vítima encontra-se a trabalhar num restaurante aos fins de semana. 13.ª - Assim, em consequência da anulação e da nulidade da sentença condenatória, nos termos referidos, considerando a culpa do arguido, o grau de violação do dever de respeito que lhe impunha para com o seu cônjuge, a intensidade dos danos físicos e psíquicos sofridos pela mesma e a situação económica de ambos, entendemos que deverá ser o arguido condenado a pagar à ofendida E, a título de indemnização, um valor de, pelo menos, em € 1 500. 14.ª – Só assim, farão Vossas Excelências, a habitual Justiça.” *** Respondeu o arguido apresentando as seguintes conclusões: “1 As alegações de recurso requeridas pelo recorrente, demonstram no essencial a sua discordância pelo facto de o Tribunal recorrido na sua decisão não haver fixado indemnização civil a favor da queixosa, vítima. 2 Contudo, de tal discordância, não resulta com evidência a existência de erros que afectem de forma notória a Douta decisão recorrida. 3 A Douta decisão recorrida pondera a atribuição de indemnização civil, sem que, tudo ponderado, haja decidido, em nosso entendimento correctamente, pela condenação do arguido nesta matéria. 4 A decisão recorrida, tem suporte legal, quer na letra e, no espírito da legislação aplicável. 5 Sem olvidar jurisprudência de Tribunais Superiores, pela qual se pode concluir que a indemnização não é automática, como o defende o recorrente, mas, dependente de ponderação casuística. 6 Essa ponderação, está efectuada de forma clara, na Douta decisão do Tribunal recorrido. 7 Atente-se, ao decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. 878/16.6PELSB.L1 3ª Secção, sendo Desembargadores: Ana Paula Grandvaux, Conceição Gomes, de 14-03-2018, acessível nomeadamente em www.dgsi.pt/TRL, para cujo texto integral se remete, e, no qual, de forma sumariada se decide: I. Na fixação de montante indemnizatório a arbitrar às vítimas de crimes de violência doméstica, o julgador deve ponderar caso a caso, para além da gravidade da conduta do agressor e das consequências sentidas pela vítima, também as concretas situações de vida por ambos vividas e ainda deverá ter presente um juízo de equidade, antes de decidir no sentido da condenação do agente do crime de violência doméstica, no pagamento de uma indemnização cível nos termos do artº 21°, nº 1 e 2, da Lei n° 112/2009 e artº 82º-A, do Código Processo Penal - e tudo isso pressupõe uma avaliação casuística. II. Assim sendo, e sem prejuízo de aceitarmos que os crimes de violência os doméstica em termos gerais se enquadra num tipo de ilícito onde se colocam particulares exigências de protecçao da vítima, pode em concreto o julgador em função da gravidade de cada caso em apreciação, chegar à conclusão que a conduta do agressor que ficou apurada e as concretas lesões provocadas na vitima, não justificam a fixação de um montante cível para reparação dessas lesões, ao abrigo dos referidos preceitos, como sucedeu no caso sub Júdice. III. O legislador foi claro ao exprimir o seu pensamento porquanto, na letra do art° 82°- A do C. Processo Penal, não ficou escrito “deve arbitrar” mas sim “pode arbitrar”, o que que claramente evidencia quanto a nós que se trata de uma faculdade a analisar caso a caso, nos termos supra expostos e não um obrigação ou imposição legal. 8 Na Douta Decisão recorrida, podem ser verificadas na perfeição, as razões que determinaram o Tribunal a decidir no sentido de não fixar qualquer montante de indemnização civil. 9 Sobre a matéria indemnizatória, pronuncia-se nomeadamente o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo N.º 156/16.0PALSB.L1.S1, de 02-05-2018, acessível nomeadamente em www.dgsi.pt/STJ, para cujo texto integral se remete, e, no qual, sumariado, se decide: 1. Na categorização das consequências jurídicas do crime devem distinguir-se as consequências de natureza civil, que geram o dever de indemnizar pela prática de facto ilícito, nos termos das disposições aplicáveis do Código Civil e do artigo 129.º do Código Penal, dependente de pedido do lesado, e as consequências de natureza penal, em que se inclui o arbitramento oficioso de reparação à vítima, como efeito penal da condenação, nos termos do artigo 82.º-A do CPP. 2. A “reparação” da vítima prevista neste preceito, convocando conceitos e elementos da lei civil, requer que tenham sido causados prejuízos que mereçam ser compensados mediante uma soma em dinheiro cujo quantitativo não tem que corresponder ao montante desses prejuízos, como resulta do n.º 3 do art.º 82.º-A do CPP, segundo o qual a quantia arbitrada é levada em conta na indemnização. 3. Participando na realização das finalidades das penas (artigo 40.º do Código Penal), em particular pelo seu efeito socializador, que obriga o autor a enfrentar as consequências do crime e a reconhecer os interesses da vítima, através da compensação desta pelos danos causados, a “reparação” terá de considerar as “particulares exigências de protecção” da vítima do crime, tendo em conta os danos patrimoniais e não patrimoniais que esta sofreu em resultado do concreto facto típico e os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade que presidem à determinação das reacções criminais. É neste quadro, que deve entender-se o estatuído no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, havendo que distinguir as situações do n.º 1 e do n.º 2 deste preceito, na incompletude das suas normas. 4. A “reparação” prevista no artigo 82.º-A do CPP foi aditada pela Lei n.º 58/98, com carácter de novidade, em coerência com as opções de política criminal estruturantes do sistema, em resposta à necessidade de conferir atenção à posição da vítima, domínio em que se verificaram posteriormente significativos desenvolvimentos que conduziram, no seu estádio mais recente, à atribuição do estatuto de sujeito processual (Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que adita o artigo 67.º-A do CPP e aprova o Estatuto da Vítima, transpondo a Directiva 2012/29/UE de 25.10.2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade e substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI, que inspirou a Lei n.º 112/2009). 5. É neste contexto, tendo em conta a natureza e o conteúdo da “reparação” prevista no artigo 82.º-A, bem como a definição de “vítima” constante da alínea a) do artigo 2.º da Lei n.º 112/2009, que há que definir o sentido da remissão operada pelo artigo 21.º deste diploma, segundo o qual “há sempre lugar à aplicação o artigo 82.º-A do Código de Processo Penal”. 6. O artigo 82.º-A do CPP obriga, pela sua imperatividade normativa, a que o tribunal, nessas circunstâncias, averigúe, sempre que seja caso disso, acerca das “exigências de protecção”. 7. Tendo em conta os elementos de interpretação a considerar, o sentido útil da remissão do artigo 21.º da Lei n.º 112/2009 impõe que o tribunal condene sempre na “reparação pelos prejuízos causados”, como efeito penal da condenação (da aplicação da pena) pela prática de crime de violência doméstica da previsão do artigo 152.º do Código Penal. Isto desde que, verificados os respectivos pressupostos formais – não dedução de pedido de indemnização e não oposição à reparação –, a pessoa ofendida pelo crime tenha sofrido “um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou uma perda material, directamente causada por acção ou omissão” que constitua esse crime, ou seja, desde que essa pessoa seja uma “vítima” do crime na acepção da alínea a) do artigo 2.º da Lei n.º 112/2009. 10 A Douta decisão recorrida plasma de forma clara e perceptível, os motivos que orientaram o processo de formulação do juízo lógico que levaram à decisão proferida de não fixação de indemnização a favor da queixosa, vítima. 11 Acrescendo, facto que o Tribunal de recurso não pode ignorar, não haver na Douta Decisão recorrida qualquer alusão ao facto de a queixosa, vítima, se haver pronunciado sobre a matéria respeitante à indemnização civil. 12 O Tribunal ad quem deve decidir pela improcedência do recurso formulado pelo Ministério Público. 13 Em especial porque a Douta Decisão recorrida, demonstra na perfeição, a razão que determinou o Tribunal a decidir em certo sentido e não noutro, embora também possível. Em face das alegações de resposta ora requeridas pelo arguido, nos demais termos de direito, com o Douto suprimento de VV. EXAS., tudo ponderado, a Douta decisão recorrida mostra-se de manter, ou, retornar ao Tribunal recorrido, tendo em vista que seja aferida a posição da queixosa, vítima, no que tange a apurar-se se prescinde da indemnização civil, termos em que VV. EXAS. farão a costumada JUSTIÇA.” *** A Digna Procuradora-Geral Adjunta defendeu a improcedência do recurso do arguido e a procedência do recurso interposto pelo MºPº. Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do CPPenal, o arguido respondeu dando-se aqui por reproduzida a sua peça processual e concluindo que deverão ser atendidas as suas pretensões. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II- Fundamentação: Fundamentação de facto São os seguintes os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal de 1.ª Instância e ainda a respectiva motivação: “1. Em Outubro de 2011, A iniciou um relacionamento amoroso com E, com quem, em data não concretamente apurada, começou a viver em comunhão de leito, mesa e habitação e com quem, em 24 de Outubro de 2013, casou. 2. Fruto desse relacionamento, A e E tiveram dois filhos, I, nascido a dia (……..), e G, nascido a (………..). 3. O arguido e a ofendida divorciaram-se em 17/11/2023. 4. No dia 29 de Janeiro de 2017, pelas 21H45, no interior da residência onde coabitavam, sita na (…….), em Évora, na sequência de uma discussão verbal, A disse a E “és uma puta, ordinária, porca”. 5. Posteriormente, A e E fixaram residência na Rua (….), em Évora. 6. Em Setembro ou Outubro de 2023, no interior da residência onde coabitavam, A pôs as mãos na cara de E. 7. Em datas não apuradas, mas em Junho, Julho e Agosto de 2023, em várias ocasiões, no interior da residência onde coabitavam, A disse a E “vaca”, “porca”, “és um monte de merda”, “és nojenta”, “és ordinária”, “tens vários amantes”. 8. No dia 20 de Agosto de 2023, no interior da residência onde coabitavam, A retirou o telemóvel das mãos de E e pediu-lhe que o desbloqueasse. 9. Perante a recusa, A arremessou o telemóvel ao chão. 10. Após, A disse a E “não vales nada”, “só sabes estar com o cu na cama”. 11. De seguida, A pôs as mãos no corpo de E e, exercendo força muscular, empurrou-a, fazendo-a cair sobre a cama, com um joelho no chão. 12. Acto contínuo, na presença dos filhos de ambos, A disse a E “vaca”, “porca”, “és um monte de merda”, “és nojenta”, “és ordinária”, “tens vários amantes”. 13. Decorrido algum tempo, com intenção de a impedir de sair de casa, A desferiu um pontapé no braço de E. 14. Então, E terminou o relacionamento amoroso com A. 15. Entre Setembro e Novembro de 2023, inconformado com o fim do relacionamento, por sentir ciúmes, através do telemóvel com o número (……), A remeteu diversas mensagens escritas a E, utilizadora do telemóvel com o número (…..), procurando reatar a relação. 16. Ao agir da forma descrita, o arguido A sabia que molestava a saúde física de E, que a ofendia na sua honra e consideração, que a acossava, que fazia com que ela receasse pela sua integridade física e vida, que abalava a sua segurança pessoal, o seu amor-próprio e a sua dignidade, ou seja, sabia que lhe provocava grande sofrimento físico e psíquico, o que pretendeu e fez de forma reiterada. 17. O arguido A actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas. 18. Da ficha de avaliação de registo efectuada pela PSP em 09/07/2024 resulta um risco classificado como Médio. 19. O arguido encontra-se desempregado há cerca de 5 meses. 20. Antes trabalhou na (…..), no armazém, cerca de 18 meses, através de empresa de trabalho temporário. 21. Recebe € 564,00 de subsidio de desemprego, subsidio que receberá até Outubro de 2025. 22. Pretende, em breve, criar uma empresa com o seu irmão, em Aldeias de Montoito, para desenvolver a actividade de oficina / mecânica automóvel. 23. Vive com o pai. 24. A mãe faleceu em 2021. 25. Os dois filhos residem com a mãe em Évora. 26. Desde que a ofendida começou a trabalhar num restaurante aos fins de semana, os filhos passam o dia com o pai, regressando a casa da mãe para pernoitar. 27. Não paga pensão de Alimentos porque entende que a mãe não deve usufruir desse valor. 28. Tem o 12º ano de escolaridade que obteve através de curso de equivalência do 9º ao 12º ano que frequentou na Escola Prática de Engenharia do Exército, em Mafra. 29. Desde o falecimento da mãe em 2021 reconhece que é ainda mais ansioso, de “explosão mais rápida”, sente angústia e revolta. 30. Durante um curto período de tempo fez acompanhamento psicológico na “Associação Ser Mulher” e psiquiátrico no Departamento de Psiquiatria da ULSAC, que abandonou voluntariamente. 31. Não tem antecedentes criminais. 32. Os factos supra descritos deixaram a ofendida “num fundo de um poço de onde tem custado a sair”. 33. Chegou a pensar por termo à vida, que decorria em sobressalto, sentia-se um “farrapo”, e teve necessidade de acompanhamento psicológico, que faz até hoje, na Associação “Ser Mulher”. * II.II Factos não provados: Não se provou: a) Por referência a 1, ... finais de 2010 e início de 2011 (foi possível concretizar a data). b) Em data não apurada, mas entre 2020 e 2021, no interior da residência onde E que não iria acordar porque lhe ia dar com um “pau” na cabeça. c) Por referência a 6, ... , que se encontrava deitada no chão, e, fazendo força, empurrou-lha na direcção do chão. d) Por referência a 15, ... saber onde e com quem a mesma estava (foi possível concretizar os factos nos termos provados). * III. Fundamentação da matéria de facto Para a formação da sua convicção, na indicação dos factos provados e não provados, o Tribunal analisou de forma livre, crítica e conjugada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento de acordo com o artigo 127º do Cód. Proc. Penal, respeitando o disposto no artigo 355º do mesmo Código e os critérios da experiência comum e da lógica, e ainda: Auto de notícia – cfr. fls. 4 a 9; Aditamento – cfr. fls. 32; Certidões de assentos de nascimento – cfr. fls. 47, 48, 75 a 78; Impressões de mensagens escritas – cfr. fls. 59 a 72, 126 a 132; Auto de transcrição de mensagens escritas – cfr. fls. 153 a 162; CD com mensagens – cfr. fls. 203 e 204; Relatório de perícia médico-legal – cfr. fls. 168 a 171; Avaliação de risco (PSP); Relatório social para eventual determinação de sanção; Certificado de registo criminal; E ainda, O arguido não prestou declarações sobre os factos, mas apenas sobre as suas condições pessoais que nos pareceram genericamente credíveis, não foram contraditadas e encontram-se suportadas pelo teor do relatório social. Desde já notar que, O facto provado em 3 resulta do depoimento da ofendida (confirmado pelo arguido); E o provado em 11 resulta igualmente do depoimento da ofendida, e foi possível concretizar melhor a forma como os factos ocorreram, tal como provado. Os factos não provados em, b) e c), são factos sobre os quais não foi produzida prova porque a ofendida a eles não se referiu; a) e d), referem-se a concretizações de datas. De dizer ainda que o depoimento de R, de 21 anos, e filho apenas da ofendida, foi algo imaturo e genérico. Sem embargo, no essencial, serviu - na medida daquilo que presenciou ou ouviu em casa - para atestar as discussões frequentes, a agressividade do arguido, as suas desconfianças de traições, e as ofensas como “porca e puta”. Dito isto, Sabendo-se que na violência doméstica os crimes são, em regra, praticados “entre quatro paredes”, que ocorrem sobretudo no seio do agregado familiar, escapando em larga medida ao conhecimento público, e estando em causa crimes cuja prática é menos visível ou até rodeada de um certo secretismo ou reserva, os depoimentos dos ofendidos devem merecer especial relevo probatório. Tal não significa, porém, que se deva ter como certo que o acusado mente e a(o) ofendida(o) conta sempre a verdade, mas sim que o tribunal deve estar particularmente atento às declarações e à atitude de um e de outro, pois são eles, especialmente a(o) ofendida(o) quem forma as bases em que vai assentar a convicção do julgador. Mas na verdade, tais declarações do(a) ofendido(a) só por si, podem ser suficientes, para criar no julgador a convicção de que determinados factos aconteceram e que deles foi o arguido o seu autor, mesmo que o arguido se tenha remetido ao silêncio, desde que, na decisão resultem evidenciadas as razões pelas quais o julgador assim procedeu, e porque entendeu credível o seu testemunho. Veja-se a título de exemplo, o perfeitamente actual acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/12/2005, em que é relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Fernando Ribeiro Cardoso, No tipo de criminalidade dita de «violência doméstica», as declarações das vítimas não podem deixar de merecer ponderada valorização, pois que, reconhecidamente, os maus-tratos físicos ou psíquicos infligidos ocorrem, por via de regra, dentro do domicílio conjugal, no recato da impunidade não presenciada, preservado da observação alheia, garantido até pelo generalizado pudor que os mais próximos têm de se imiscuir na vida privada do casal. A vítima acaba por guardar muitas vezes para si o sofrimento e passados anos, é que acaba por reagir. É que este tipo de crimes ainda provoca nas suas vítimas a vergonha pela situação e muitas vezes levam a casos psicológicos em que estas se sentem como culpadas e não vítimas, como o são na realidade, o que lhes tira a coragem para denunciar a situação. Na mesma Relação e no mesmo sentido, o acórdão de 03/02/2015, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Alberto Borges, ressaltando-se o sumário do acórdão de 05/12/2023, relatado pela Exma. Sra. Juiz Desembargadora Maria Clara Figueiredo, Nada impõe que o depoimento da vítima tenha que ser corroborado por outros depoimentos para que lhe seja atribuída valência probatória bastante, nem que o mesmo não possa ser feito prevalecer relativamente às declarações do arguido, bastando para tanto que àquele seja conferida maior credibilidade do que a estas. Assim, resta dizer, que o depoimento da ofendida nos pareceu credível porque lógico, sentido e verosímil. Aliás, o descrito em 33 é em grande parte transcrição do dito pela ofendida, absolutamente compatível com os danos emocionais causados por este tipo de crime. Por outro lado, foi corroborado pelo filho R que assistiu a alguns dos factos, tal como já se referiu. Relativamente ao silêncio do arguido, se é certo que não pode ser valorado a seu desfavor, também é certo que não deve ser valorado em seu favor. Se existiam situações a explicar, caberia ao arguido tê-las explicado, o que não fez. Nada impede, pois, que os factos sejam provados (e não provados) tal como constam supra porque nos convencemos da veracidade do que foi dito pela ofendida.” *** Fundamentos do recurso: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso. Questões que cumpre apreciar: Do recurso do arguido A: - Se o arguido foi impedido de prestar declarações livres e exercer a sua cabal defesa, ao arrepio do previsto nos arts. 343º, n.º 2 do CPP e 32, n.º 1, 2 e 5 da CRP - conclusões 9, 10, 18 a 23. - erro na valoração da prova (erro de julgamento) com impugnação da matéria de facto no que respeita aos pontos 4, 6, 7, 8, 9, 10, 12 - conclusões 1 a 8, 11 a 17, 24 a 38; - necessidade de manutenção da monotorização por vigilância electrónica do afastamento do arguido relativamente à ofendida- conclusões 39 a 43.
Do recurso do MºPº - atribuição de uma indemnização à ofendida no valor de pelo menos 1500 €, nos termos do previsto no art. 21º, n.º 1 e 2 da Lei 112/2009, de 16.9 - conclusões 1 a 13.
Vejamos. - Se o arguido foi impedido de prestar declarações livres e exercer a sua cabal defesa, ao arrepio do previsto nos arts. 343º, n.º 2 do CPP e 32, n.º 1, 2 e 5 da CRP - conclusões 9,10, 18 a 23. Dispõe o art. 343, n.º 1 e 2 do CPP: “1.O presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo. 2.Se o arguido se dispuser a prestar declarações, o tribunal ouve-o em tudo quanto disser, nos limites assinalados no número anterior, sem manifestar qualquer opinião ou tecer quaisquer comentários donde possa inferir-se um juízo sobre a culpabilidade.” Da leitura da acta da audiência de julgamento, datada de 17.9.2024, retira-se que o arguido declarou “não pretender prestar declarações sobre os factos”. Prestou declarações relativamente à sua situação socioeconómica. Consta também que o arguido saiu da sala quando a ofendida prestou o seu depoimento e quando regressou foi-lhe comunicado sumariamente o que se passara na sua ausência, “tendo o mesmo dito não pretender prestar declarações, prestando apenas um breve esclarecimento.” No final da audiência e reproduzindo o que consta da acta, “findas as alegações, foi pela M.ma Juiz o arguido questionado acerca de uma informação prestada no relatório social- processos pendentes- tendo o mesmo dito não querer prestar declarações. Após, foi dada a oportunidade ao arguido de dizer algo que ainda não tivesse dito e entendesse ser útil para a sua defesa e o arguido nada disse.” Em acta consignou-se que o arguido não quis prestar declarações, nada requereu, nem produziu qualquer prova, pelo que se designou data para a leitura da sentença. O arguido, na pessoa do seu defensor, vem agora, em alegações de recurso, dizer que foi impedido de prestar declarações pelo Tribunal e que as suas declarações foram interrompidas. Não esclarece, no entanto, o que é que alegadamente se passou e como é que reagiu. O que consta da acta, que o arguido não impugnou, nem suscitou o incidente de falsidade, é que o arguido nada fez, pelo que sibi imputet. Não pode agora o recorrente pretender imputar a terceiros a responsabilidade pela sua ausência de actuação. Assim, temos que concluir, pois quod non est in actis non est in mundo, que o arguido não prestou declarações porque não quis e apenas prestou um breve esclarecimento quando regressou à sala de audiências, após a ofendida ter prestado o seu depoimento e o arguido ter sido informado do mesmo através de súmula realizada pela Juíza a quo. Quanto ao que alegadamente terá sido aconselhado a fazer, nomeadamente apresentar participação criminal contra a queixosa, tal não consta da acta, o que significa que não foi feito e ditado qualquer despacho a este propósito, pelo que manifestamente nada cumpre conhecer. Compulsados os autos verifica-se que o arguido nada requereu em prazo. Não pode agora vir insurgir-se contra o Tribunal porque não o deixou falar quando o que resulta do processo é que o arguido não prestou declarações porque não quis. Dos autos resulta que foi assegurado o exercício do contraditório. Para o Tribunal Constitucional o sentido essencial do principio do contraditório está em que “nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo só interlocutória) deve ai ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dado ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra a qual é dirigida, de a discutir, de a contestar e de a valorar” (acórdão do TC n° 171/92, BMJ 427, p. 57; e Parecer n° 18/81 da Comissão Constitucional, em Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 16°, p. 147). Alega ainda o recorrente que foi violado o disposto no art. 32º, n.º 2 da CRP. Com assento no art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República, o princípio da presunção de inocência surge articulado com o princípio in dubio pro reo, na medida em que, quando aplicado à apreciação da matéria de facto, impõe a absolvição, quando haja dúvida acerca da culpabilidade do arguido (esta culpabilidade, na acepção de facto criminalmente punível, abrangendo, pois, todos os elementos constitutivos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime, circunstâncias agravantes e excludentes da ilicitude e da culpa). Donde, o aludido princípio, previsto no artigo 32.º, n.° 2, da CRP, tem o significado de que o juiz quando não tiver a certeza sobre a ocorrência de factos relevantes que prejudiquem o arguido, e subsistir a dúvida, deverá decidir em favor do arguido. Porém, nesse caso, terá de tratar-se de uma dúvida razoável, inultrapassável, que impeça a convicção do tribunal. O princípio in dubio pro reo constituí, deste modo, um limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do CPP, na medida em que a dúvida que lhe subjaz, sendo insuperável, impõe-se com carácter vinculativo. Sucede que no caso dos autos a invocação por parte do recorrente do princípio in dubio pro reo carece totalmente de sentido. Nem a fundamentação da sentença demonstra que o Juiz a quo se encontrou numa situação de dúvida inultrapassável, antes que formou a sua convicção da forma que explicitou, nem é caso em que possa concluir-se que o Tribunal recorrido considerou como provados factos relevantes desfavoráveis ao arguido relativamente aos quais, numa análise racional, objetiva e criteriosa da prova, se impunha que tivesse dúvidas inultrapassáveis. Concluindo, o Tribunal a quo deu ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório e este não o fez, pelo menos nesta parte. Não se verifica, pois, qualquer nulidade, tendo sido garantido o efectivo exercício do contraditório. Improcede, pois, o pedido do recorrente nesta parte.
- erro na valoração da prova (erro de julgamento) com impugnação da matéria de facto no que respeita aos pontos 4,6,7,8,9,10,12 - conclusões 1 a 8, 11 a 17, 24 a 38; Funda o recorrente a sua discordância relativa à sentença proferida nos autos na alegação de erro de julgamento e de que os factos provados padecem de insuficiente respaldo na prova produzida. Para tanto, alega o recorrente que apenas a ofendida depôs quanto a esses factos e que as suas declarações não são claras e esclarecedoras e estão em contradição com as declarações que o arguido prestou. Não deixa de ser surpreendente esta afirmação, tendo em conta que o arguido apenas prestou declarações relativamente à sua situação socioeconómica e prestou um breve esclarecimento após o depoimento da ofendida. Sucede que, conforme há muito entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, o recurso em matéria de facto previsto no nosso sistema processual, não se destina à obtenção de um segundo julgamento sobre tal matéria, mas antes está concebido, tão só, como um remédio jurídico destinado a corrigir eventual ilegalidade cometida. Alega o recorrente que: “1-No que tange à prova produzida nas sessões de julgamento são de reapreciar as declarações prestadas pelo arguido na sessão de 17 de Setembro de 2024, segmentos 11:20H. a 11:18H., a qual por mero erro de escrita, assim foi plasmado na acta de tal sessão.2-São de reapreciar as declarações prestadas pela queixosa, E, na sessão de julgamento de 17 de Setembro de 2024, segmentos, 10:12H. e as 11:18H.3-Pelas quais se extrai a contradição entre as declarações da queixosa e as que o arguido prestou.4-O arguido nas suas parcas declarações, menciona que a queixosa o agredia verbalmente com frequência.5-Tudo aponta para que na sequência de discussões verbais entre ambos, existiram agressões recíprocas.6-É das regras da experiência comum que tais discussões têm tendência a se tornarem cada vez mais agrestes.7-Da reapreciação da prova produzida, deve resultar que os factos dados como provados na douta sentença recorrida em, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 12, passem a ser dados como não provados, com as legais consequências. 11-Na douta sentença recorrida, se consagra objectivamente o pensamento dominante, segundo o qual, o homem é agressor, sendo que, todos os males suportados pela mulher têm a sua origem no homem.12-Nesta se avalia de forma injusta a acção do arguido, pelo que não alcança a costumada Justiça.13-Descura que a realidade típica inerente ao crime de violência doméstica, inclui, para além da agressão física (mais ou menos violenta, reiterada ou não), a agressão verbal, a agressão emocional (p. ex., coagindo a vítima a praticar atos contra a sua vontade), a agressão sexual, a agressão económica (p. ex., impedindo-a de gerir os seus proventos) e a agressão às liberdades (de decisão, de ação, de movimentação, etc.), as quais, analisadas no contexto específico em que são produzidas e face ao tipo de relacionamento concreto estabelecido entre o agressor e a vítima, indiciam uma situação de maus tratos, ou seja, um tratamento cruel, degradante ou desumano da vítima. O que importa saber é se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é suscetível de ser classificada como “maus tratos”.14-A conduta do arguido A, pode ser considerada penalmente relevante, mas ela decorre no contexto de uma relação que apenas esporádica e negativamente se manifestava, não espelhando uma situação de maus tratos da qual resulte ou seja suscetível de resultar sérios riscos para a integridade física e psíquica da vítima.15-Nestes autos crime, ponderada globalmente de forma isenta a prova que incidiu sobre a factualidade, a prova produzida não é suficiente para estribar a existência de uma configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de prevalência de dominação sobre esta, devendo ser concluído que o arguido, ora recorrente, agiu em função de discussões ocasionais recíprocas, sem que tal preencha os requisitos essenciais para a existência do crime de violência doméstica.16-A prova existente nos autos, conjugada com a produzida em julgamento, permite concluir que a relação conjugal se tornou impossível para ambos, sem que o arguido e a queixosa hajam conseguido resolver as divergências que se foram avolumando.17-Tais discussões decorrem da vivência humana, aliás no Alentejo, com frequência se diz: “casa que não é ralhada, não é casa governada”. 24-Em face da contestação da acusação requerida pelo arguido, das declarações por este proferidas em julgamento, da restante prova produzida, não se mostra possível solidificar a convicção de que o arguido praticou os factos tal como estes se encontram plasmados na douta sentença recorrida.25-A douta decisão recorrida estriba-se essencialmente, na apreciação fragmentada da prova produzida, relevando em especial a que é prejudicial para o arguido.26-O que contraria o fim essencial de alcançar a verdade material a que o Tribunal se encontra legalmente vinculado.27-Na douta sentença recorrida é violado o princípio da objectividade, e os princípios comuns da lógica e da razão.28-Igualmente a culpa do arguido está aferida de forma imprecisa, desrespeitando mormente o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2012.29-Neste, no Processo n.º 85/09.4BPST.L.1.S1, 3ª Secção, além do mais, acessível em www.dgsi.pt, mormente se decide: III - ... a culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente uma finalidade da mesma. IV - Uma das principais ideias presente no princípio da proporcionalidade é justamente, invadir o menos possível a esfera de liberdade do indivíduo, isto é, invadir na medida do estritamente necessário à finalidade da pena que se aplica, porquanto se trata de um direito fundamental que será atingido.30-A conduta do arguido Aurélio Mendes, não está na sua real extensão avaliada na douta decisão recorrida, havendo o Tribunal seguido a visão da acusação, menosprezando a do arguido, com prejuízo para este, nomeadamente no que tange à determinação da sua culpa.31-Não é de concluir que o arguido A, ao responder em diversas ocasiões, durante discussões entre o casal, de forma pouco cuidada, configure a existência de matéria factual, susceptível de ser classificável como maus tratos.32-É entendimento do arguido que os autos crime não demonstram a existência de lesões graves, intoleráveis, brutais, pesadas, pelo que deve ser concluído pela inexistência de elementos típicos indispensáveis ao preenchimento do ilícito criminal tipificado no crime de violência doméstica.33-Realidade que, em parte, está inserido na douta sentença recorrida.34-Mormente através do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02-11- 2015, pode ser concluído que o tipo legal do Artigo 152º do Código Penal, previne e pune condutas perpetradas por quem afirme e actue, dos mais diversos modos, um domínio, uma subjugação, sobre a pessoa da vítima, sobre a sua vida ou sobre a sua honra ou sobre a sua liberdade e que a reconduz a uma vivência de medo, se tensão, de subjugação.35-Realidade que estes autos crime não demonstram, existindo realmente discussões e agressões verbais recíprocas.36-A douta decisão recorrida demonstra a existência de contradição, ao fixar a pena, da qual se retira a existência de culpa reduzida ao arguido, porém, fixa obrigações a este de forma totalmente errada.37-Das variadíssimas abordagens ao tema da violência doméstica, o qual é actualmente avaliado de forma muito intensa, porém, regra geral, na completa ausência de debate sobre as suas inúmeras e variadas causas.38-Em regra, é ignorado que o homem por muitos séculos foi o caçador, e a mulher foi a cuidadora do lar, realidade que num piscar de olhos se quer alterar, com as denominadas sociedades modernas.” E é tudo o que alega a este respeito, o que convenhamos, embora extenso, é muito escasso. Uma boa parte das conclusões consiste em enunciar generalidades relativamente às relações homem/mulher, o que em nada constitui contributo para a posição que pretende defender. E depois pretende que o Tribunal ad quem proceda à reapreciação (é a terminologia utilizada) das declarações do arguido e da ofendida. Dissemos já que não cabe a este Tribunal reapreciar a totalidade dos depoimentos, mas apenas apreciar as partes do depoimento que segundo o recorrente impõem uma decisão diferente da que foi tomada. O recorrente não o fez, não cumprindo o estabelecido no n.º 3 al. b) e n.º 4 do art. 412º do CPP, não cumprindo o ónus de impugnação especificada. Considerou o Tribunal a quo o depoimento da ofendida como credível. E justificou a razão de ter dado credibilidade a tais declarações, atenta a coerência do relato que a ofendida fez e a respectiva componente afectiva. Alega o recorrente, que “tudo aponta para que na sequência de discussões verbais entre ambos, existiram agressões recíprocas”. Não é manifestamente o que resulta da matéria de facto provada. Cumpre ainda recordar que o Tribunal recorrido deu como provados os factos apurados na sequência do que foi relatado pela ofendida e por R, como resulta do seguinte excerto, que se transcreve: «De dizer ainda que o depoimento de R, de 21 anos, e filho apenas da ofendida, foi algo imaturo e genérico. Sem embargo, no essencial, serviu - na medida daquilo que presenciou ou ouviu em casa - para atestar as discussões frequentes, a agressividade do arguido, as suas desconfianças de traições, e as ofensas como “porca e puta”». Verifica-se que em relação aos factos, a decisão do tribunal recorrido, que beneficiou da imediação, não merece qualquer censura, sendo de assinalar, como decidido na jurisprudência dos tribunais superiores que “quando da atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação ou oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras de experiência comum”. Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002, in CJ, ano XXVII, Tomo II, pág. 44. Assim, “ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório (…) verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. Assim, só em caso de existência de provas, para se decidir em determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas incluindo as regras da experiência comum ou da lógica) cometida na respectiva valoração feita na decisão de primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do art.º 431º do CPP”, cfr. Ac. do TRL, de 22.11.2005, no processo nº 3717/05.5. No caso concreto ora em apreciação, não se vislumbra, que o tribunal haja violado as regras de experiência comum ou da lógica, em que se funda a livre apreciação da prova, nem que haja violado qualquer das normas do direito probatório, o que recorrente também não invoca. O arguido limitou a sua impugnação da matéria assente, na sua pessoalíssima e diversa interpretação da prova, unicamente na negação dos factos assentes por indiciados na decisão recorrida, pelo que a interpretação da prova efectuada pelo recorrente, nos termos expostos, não tem sequer a virtualidade de abalar o julgamento da matéria de facto efectuada em primeira instância, como declarado pelo Tribunal Constitucional, no processo nº 198/04, publicado in DR II Série, de 2 de Junho de 2004, onde se afirma que: “A impugnação da decisão em matéria de facto terá de assentar na violação dos factos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma seria a inversão dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela de quem espera a decisão”. Também no mesmo sentido, e como corolário dos entendimentos jurisprudenciais referidos, se afirmou no Acórdão de 15.5.2005, do TRE, in www.dgsi.pt, que: “A impugnação da matéria de facto não se basta com a pretensão de se dar como provada a versão pretendida pelo recorrente, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre. A impugnação da matéria de facto, além de se dever estruturar nos termos definidos pelo art.º 412º nºs 3 e 4 do CPP, terá de ser equacionada com a livre convicção do tribunal a quo, face ao princípio da livre apreciação da prova. De outra forma, ficaria prejudicada a livre apreciação da prova pelo julgador que proferiu a sentença recorrida e prejudicada ficava a função da motivação da sua convicção e, por conseguinte, a natureza do recurso como remédio jurídico e a independência do tribunal a quo na sua livre convicção”. Improcede, pois, o pedido do recorrente nesta parte.
- necessidade de manutenção da monotorização por vigilância electrónica do afastamento do arguido relativamente à ofendida- conclusões 39 a 43. Alega o recorrente que o seu afastamento em relação à ofendida/queixosa não deve ficar dependente de monitorização por vigilância electrónica porque não reside nas proximidades desta e o risco avaliado é médio. Resulta claro que o recorrente não põe em causa a aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a vítimas, mas apenas que essa proibição seja fiscalizada por vigilância eletrónica. A este propósito dispõe o n.º 5 do art. 152º do Cpenal que a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. Deve pois ser fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância a pena acessória de proibição de contactos. É certo que o art. 35º da Lei 112/2009, de 16.9, na redacção que lhe foi dada pela lei 19/2013, de 21.2 dispõe: 1 - O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. E o art. 36º, n.º 7 da mesma Lei: 7 - Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima. In casu foi dispensado o consentimento do arguido. Resulta dos autos que os contactos entretanto havidos entre arguido e ofendida por causa dos filhos em comum têm sido difíceis e envolvem conflitos. O arguido é impulsivo e revela instabilidade emocional. Como bem refere o Tribunal a quo, face a estas características do arguido a sua condenação por factos que integram a prática do crime de violência doméstica contra a sua ex-mulher pode exacerbar ainda mais o ânimo do arguido e fazê-lo exercer represálias ou querer retaliar contra a ofendida. Só a vigilância/fiscalização confere à ofendida um razoável grau de protecção. Como diz o Tribunal a quo: “Uma vez que a sentença ora proferida poderá servir, como se disse, de mais um argumento de represália contra a vítima, considera-se imprescindível o cumprimento da pena com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância durante o período de 6 meses. Ademais, sejamos realistas: uma sentença que determine uma pena suspensa, sem que seja decretado o afastamento (monitorizado) da vítima, pouco ou nenhum efeito punitivo ou pedagógico terá, até porque ao arguido parecer-lhe-á que nada aconteceu, perdurando em si os sentimentos de impunidade. Em virtude das necessidades de protecção da vítima, dispensa-se o consentimento do arguido para a aplicação da vigilância electrónica.” Nada do alegado pelo recorrente, nomeadamente não ter antecedentes criminais, a avaliação de risco da PSP, o facto de residir a cerca de 25 Km da ofendida e residir com o seu pai, infirma a decisão do Tribunal recorrido que entendemos correcta e, consequentemente, confirmamos.
Do recurso do MºPº - atribuição de uma indemnização à ofendida no valor de pelo menos 1500 €, nos termos do previsto no art. 21º, n.º 1 e 2 da Lei 112/2009, de 16.9 Na acusação que deduziu contra o arguido imputando-lhe a prática do crime de violência doméstica, o Ministério Público, curiosamente, não requereu o arbitramento de indemnização à vítima nos termos do 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro. Na sentença recorrida, o tribunal a quo decidiu não arbitrar à vítima uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, por considerar que não há particulares exigências de protecção da vítima, decisão que fundamentou do seguinte modo: “De acordo com o artigo 21º da Lei 112/2009, de 16/09, devidamente actualizada, “1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. (…)”. Ora, de acordo com o artigo 82º A do CPP, “1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham. 2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. 3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”. Relativamente à fixação de indemnização, socorremo-nos necessariamente ainda do disposto no artigo 129.º do Código Penal, que determina que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime seja regulada pela lei civil, valendo neste domínio o princípio consignado no artigo 483º, do Código Civil, de harmonia com o qual, podemos isolar como pressupostos da responsabilidade civil subjectiva extracontratual ou aquiliana, o facto, a ilicitude, o nexo de imputação subjectiva do facto ao lesante, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano sofrido pela vítima. O dano patrimonial traduz um prejuízo susceptível de expressão pecuniária que, tendo por objecto um interesse privado patrimonial, pode ser reparado ou indemnizado atendendo à diferença entre a situação real actual do lesado e a situação hipotética em que este estaria se não fosse o facto lesivo (artigo 562º do Cód. Civil), directamente (mediante a restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior do lesado, que existiria se não fosse a lesão), ou indirectamente (por equivalente ou indemnização pecuniária, tendo em conta a diferença entre a situação patrimonial real do lesado, na data mais recente, e a situação hipotética que ele teria se não fosse a lesão - artigo 566º nºs 1 e 2, ou, se tal for impossível, por recurso à equidade - art. 566º nº 3 do CC). O dano não patrimonial é o dano insusceptível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. É o prejuízo que não atinge em si o património e que apenas pode ser compensado com a obrigação pecuniária. Sendo os danos não patrimoniais, pela sua específica natureza, insusceptíveis de medida certa e absoluta, o artigo 496.º, n.º 3, do CC manda fixar o quantitativo da indemnização que lhes corresponde segundo critérios de equidade, devendo atender-se, para tanto, às circunstâncias enunciadas no artigo 494.º, n.º 3, e, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, às respetivas situações económicas de cada um, a sua proporcionalidade em relação à gravidade do dano, tomando ainda em conta todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto, por forma a que, a essa luz, sejam condignamente compensados. Feito o enquadramento jurídico, In casu, e apesar de não se minorarem os danos emocionais sentidos, entendemos que os mesmos não apresentam relevo bastante que demande a fixação de reparação à vitima nem a mesma apresenta particulares exigências de protecção.” No seu recurso o Ministério Público veio sustentar que a fixação da indemnização por parte do tribunal da condenação é obrigatória, desde que a vítima a tal não se oponha e requereu que o arguido fosse condenado a pagar à ofendida E a título de indemnização, um valor de pelo menos € 1500. Cumpre considerar, em nosso entender, que não estamos perante um caso de nulidade por falta de pronúncia, pois o Tribunal a quo pronunciou-se relativamente à atribuição de uma indemnização à ofendida ao abrigo do art. 21º da Lei 112/2009, de 16.9 e concluiu que não é de arbitrar a referida indemnização. Não há, pois, omissão de pronuncia, caso em que teríamos de considerar que a decisão era nula nesta parte. O Tribunal a quo pronunciou-se e fundamentou a sua decisão, ainda que de forma sucinta, pelo que também não se verifica a falta de fundamentação. Mas antes de continuarmos na análise do recurso interposto pelo MºPº cumpre analisar da própria admissibilidade do mesmo. Primeiro cumpre afirmar que quer se trate de um pedido de indemnização civil, quer se trate da atribuição oficiosa de indemnização, consubstanciada no arbitramento de uma indemnização de natureza cível com origem em facto ilícito criminal, a realidade e a natureza da indemnização é a mesma nos dois casos, pelo que se impõe aplicar da mesma forma a norma relativa à recorribilidade constante do artigo 400.º, n.º 2 do CPP. Como muito claramente esclarece o Acórdão da Relação de Coimbra de 29.6.2023 (processo n.º 26/22.3PBCLD)- in www.dgsi.pt- : “Isto porque o regime de definição de admissibilidade do recurso assenta na natureza do objecto de recurso – obrigação de indemnização quantificável – e não na característica processual, necessariamente secundária, da forma de arbitramento, baseada no dispositivo das partes ou oficiosa, consoante os casos, argumento que, de resto, sai reforçado pela própria norma do artigo 82.º-A, ao prever no seu n.º 3 que a quantia arbitrada a título de reparação seja tida em conta na acção que venha a conhecer do pedido civil de indemnização.” Neste sentido, entre outros, Acórdão da Relação de Évora de 8.10.2019, processo n.º 4406/15.2T9STB.E1. Conforme dispõe o artigo 400.º, n.º 2 do CPP, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível se o valor do pedido for superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada for desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada. É, assim, necessário que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a sucumbência do recorrente seja superior a metade do valor dessa alçada. No caso de recurso de indemnização arbitrada oficiosamente ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A do CPP e artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, o primeiro critério constante do artigo 400.º, n.º 2 do CPP não é aplicável, pois não há pedido cível formulado, sendo que no caso concreto o Ministério Público não fez qualquer indicação quanto ao valor da indemnização a fixar, nem sequer requereu o seu arbitramento na acusação. Assim, por se tratar de arbitramento oficioso de indemnização pelo crime de violência doméstica, a admissibilidade do recurso quanto a esta matéria terá que se reger apenas pelo valor da sucumbência por não haver um pedido. Neste sentido, entre outros, Acórdãos da Relação de Lisboa de 16.03.2023 (processo n.º 743/21.5SXLSB.L1-9) e da Relação de Coimbra de 21.06.2023 (processo n.º 235/21.2GBCLD.C2) in www.dgsi.pt. O Ministério Público no seu recurso conclui pedindo que a sentença recorrida seja revogada nessa parte e o arguido condenado no pagamento de uma indemnização à ofendida de, pelo menos, € 1500 (mil e quinhentos euros). Tendo em conta o critério previsto no artigo 12.º, n.º 2 do RCP, estabelecido para a fixação do valor tributário dos recursos, concluímos que o montante de 1 500,00 € (mil e quinhentos euros) corresponde ao valor em que a decisão recorrida “foi” desfavorável à vítima, na medida em que, segundo o entendimento vertido no recurso, o tribunal a quo deixou de arbitrar tal valor à ofendida. Dispõe o artigo 44.º, n.º 1 da LOSJ que o valor da alçada a atender é de 5 000,00 €, pelo que, in casu, a decisão é irrecorrível por se tratar de uma sucumbência de 1500,00 € (mil e quinhentos euros), ou seja, inferior a metade da alçada dos tribunais de primeira instância. Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso do MºPº - art. 414º, n. 2 e 3 do CPP.
III. Decisão: Acordam os juízes da 2ª Subsecção desta Relação em: - julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A, confirmando a decisão recorrida. - rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público, relativamente à parte da sentença recorrida que versou sobre o arbitramento de indemnização à vítima, nos termos do disposto no artigo 82.º-A do CPP. Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça - arts. 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, e arts. 1.º, 2.º, 3.º e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este diploma legal). Sem custas relativamente ao recurso do MºPº.
Évora, 25 de fevereiro de 2025 Renata Whytton da Terra Fernando Pina Fátima Bernardes (com VOTO DE VENCIDA, nos termos que seguem) Voto vencida relativamente ao decidido no acórdão quanto ao recurso interposto pelo Ministério Público, por entender, diversamente da posição que fez vencimento, ser admissível recurso da decisão de não arbitramento de compensação à vítima de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º do Código Penal, nos termos das disposições conjugadas dos artigo 82.º-A do CPP e 21º n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro (diploma que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das vítimas destes crimes). Com efeito, perfilhamos o entendimento de que os requisitos de admissibilidade do recurso da sentença, na parte respeitante à atribuição (ou não) de compensação à vítima ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A do CPP, não são os previstos no n.º 2 do artigo 400º do CPP, para o recurso da sentença na parte relativa à indemnização civil, mas antes as regras de admissibilidade do recurso penal (neste sentido, cf., entre outros, Acórdãos do STJ de 07/10/2021, proc. n.º 39/18.0JAPTM.E1.S1 e de 13/03/2024, proc. n.º 145/21.3GAALJ.G1.S1, in www.dgsi.pt.). Por conseguinte, tendo-se concluído pela admissibilidade do recurso interposto pelo arguido, tendo por objeto a matéria penal, não poderia, em nosso entender, deixar de se admitir o recurso interposto pelo Ministério Público que impugna a parte da sentença que decidiu não atribuir compensação à vítima, do crime de violência doméstica, por cuja prática o arguido foi condenado, nos termos do disposto nos artigos 82º-A do CPP e 21º n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro. Mas mesmo que assim não se entendesse e se considerasse terem aplicação, neste âmbito, os requisitos estabelecidos no n.º 2 do artigo 400º do CPP, referentes à admissibilidade do recurso da sentença na parte relativa à indemnização civil, salvo o devido respeito pela posição que fez vencimento no acórdão, entendemos que os mesmos nunca poderiam ser aplicáveis, in casu, porquanto, como é referido no acórdão, não existe pedido formulado e, em nosso entender, não tendo sido arbitrada qualquer compensação à vítima, não se pode falar em «valor da sucumbência». Deste modo, tal como já referimos, decidiríamos pela admissibilidade do recurso interposto pelo Ministério Público. No referente ao conhecimento do mérito desse recurso, sendo suscitada a questão da existência de contradição insanável entre a fundamentação expendida na sentença recorrida sobre os pressupostos da reparação oficiosa à vitima de crime de violência doméstica, ao abrigo do disposto nos artigos 82º-A do CPP e 21º n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro e a decisão de não atribuição, no caso concreto, de qualquer compensação à vítima, decidíramos pela respetiva procedência. Relativamente ao sofrimento emocional da vítima E, em consequência dos factos que integram o crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alíneas a) e c), n.º 2 alínea a) e n.ºs 4 e 5, do Código Penal, por cuja prática o arguido foi condenado, foi dado como provado na sentença recorrida, nos pontos 32. e 33., que «Os factos supra descritos deixaram a ofendida “num fundo de um poço de onde tem custado a sair”» e que «Chegou a pensar por termo à vida, que decorria em sobressalto, sentia-se um “farrapo”, e teve necessidade de acompanhamento psicológico, que faz até hoje, na Associação “Ser Mulher”.» (nosso sublinhado). Contudo, decidiu o Tribunal a quo não arbitrar qualquer compensação à vítima, com fundamento em que, «apesar de não se minorarem os danos emocionais sentidos, entendemos que os mesmos não apresentam relevo bastante que demande a fixação de reparação à vitima nem a mesma apresenta particulares exigências de protecção» (nosso sublinhado). Estamos, sem dúvida alguma, perante uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, prevista no artigo 410º, n.º 1, al. b), do CPP. Como se refere no Acórdão deste TRE de 22/11/2022 – proferido no proc. n.º 43/20.8GAPRL.E1, in www.dgsi.pt –: «I – A inclusão na sentença da afirmação de uma realidade e do seu contrário – por um lado, o facto de as condutas do arguido terem molestado a vítima de forma intensa e reiterada, tendo-lhe causando sofrimento psicológico assinalável e, por outro, a falta de demonstração da existência de danos de especial relevo – como se ambos pudessem coexistir na mesma decisão, encerra em si mesma uma contradição lógica da fundamentação, uma vez que evidencia a valoração de premissas antagónicas e, portanto, inconciliáveis, redundando, incontornavelmente, no vício de contradição insanável da fundamentação da sentença previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea b) do CPP. II – As particulares exigências de proteção da vítima do crime de violência doméstica encontram-se pressupostas pelo artigo 21.º, n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16.09, pelo que, em caso de condenação por tal crime, o tribunal está vinculado a ponderar a atribuição da reparação a que alude o artigo 82º-A do CPP, não podendo negá-la com o argumento de que no caso concreto se não verificam as mencionadas exigências de proteção da vítima.» De harmonia com o disposto no artigo 21º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que remete para a aplicação do artigo 82º-A do CPP, é incontroverso quem em caso de condenação por crime de violência doméstica, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil, há que arbitrar uma indemnização à vítima, exceto se esta se opuser, expressamente, ao seu arbitramento. A atribuição oficiosa de compensação à vítima de crime de violência doméstica, nos termos previstos no artigo 82.º-A, n.º 1, do CPP é imposta ao tribunal, em caso de condenação do arguido pela prática de tal crime e desde que se mostrem preenchidos os pressupostos exigíveis na mencionada disposição legal. Como se refere no Acórdão do STJ de 02/05/2018 – proferido no proc. n.º 156/16.0PALSB.L1.S1, in www.dgsi.pt – «Tendo em conta os elementos de interpretação a considerar, o sentido útil da remissão do art. 21.º, da Lei 112/2009 impõe que o tribunal condene sempre na “reparação pelos prejuízos causados”, como efeito penal da condenação (da aplicação da pena) pela prática de crime de violência doméstica da previsão do art. 152.º, do CP. Isto desde que, verificados os respectivos pressupostos formais - não dedução de pedido de indemnização e não oposição à reparação -, a pessoa ofendida pelo crime tenha sofrido “um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou uma perda material, directamente causada por acção ou omissão” que constitua esse crime, ou seja, desde que essa pessoa seja uma “vítima” do crime na acepção da al. a) do art. 2.º da Lei 112/2009.» Neste quadro, no caso vertente, verificados que se mostram os enunciados pressupostos formais e tendo-se provado que a vítima sofreu danos não patrimoniais, que, pela sua gravidade (a ponto de a vítima ter pensado em pôr termo á sua vida), não podem deixar de ser merecedores da tutela do direito e, por isso, indemnizáveis (cf. artigo 496º, n.º 1, do CPP), pelo que, não podia o Tribunal a quo deixar de arbitrar à vitima compensação para a reparação dos danos sofridos, nos termos sobreditos. Previamente, contudo, impunha-se que fosse assegurado ao arguido o direito ao contraditório, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 82º-A do CPP. Pelo exposto, decidiria pela admissibilidade do recurso interposto pelo Ministério Público e conhecendo do respetivo mérito, julgaria verificado, na sentença recorrida, o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de não arbitramento de qualquer compensação à vítima, ao abrigo do disposto no artigo 82º-A do CPP, vício esse previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b), do CPP. Em consequência, determinaria o reenvio do processo, para novo julgamento, restrito à enunciada questão (cf. artigo 426º, n.º 1, do CPP), para que, após prévia observância do contraditório (cf. artigo 82º-A, n.º 2, do CPP), fosse proferida nova sentença na qual se decidisse arbitrar à vítima compensação, em montante a fixar de harmonia com os critérios legais. Fátima Bernardes |