Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARIA CLARA FIGUEIREDO | ||
| Descritores: | ADMOESTAÇÃO ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA REGIME ESPECIAL RGIT | ||
| Data do Acordão: | 11/22/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I - A admoestação, prevista no artigo 60º do CP é a pena mais leve que o nosso ordenamento jurídico criminal comporta, encontrando o seu campo de aplicação apenas nas denominadas de bagatelas penais, nas quais a ilicitude e ou a culpa são reduzidas, quer pelos factos em si mesmos, quer pelo comportamento anterior e posterior do agente, subsistindo, pois, apenas como pena de substituição de multas aplicadas pela prática de crimes de muito pequena gravidade. II - Contrariamente ao regime geral regulado no artigo 72º do CP, o artigo 22º, nº 2 do RGIT não demanda nem consente a formulação de juízos de valor acerca da diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena como pressuposto da sua aplicação, impondo-se, de outra sorte, proceder à atenuação desde que verificados os requisitos no mesmo enunciados, a saber, ter o agente reposto a verdade fiscal – tendo pago a prestação tributária e demais acréscimos legais – e ter o pagamento ocorrido até à decisão final ou no prazo nela fixado. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório. Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo Local Criminal de…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 113/17.0T9ELV foram os arguidos AA. Ldª, com o NIPC …, matriculada na Conservatória de Registo Comercial de …, com morada … e BB, nascido a …-…-1979, filho de CC de DD, natural da freguesia de …, concelho da …, titular do CC n.º …, divorciado, empresário, residente …, condenados da seguinte forma: - O arguido BB pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p.p. pelos artigos 107.º, 105.º n.º 1, 2, 4 alíneas a) e b) e n.º 7, do RGIT na pena de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o total de 300,00 € (trezentos euros). - A arguida AA,LDA. pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p.p. pelos artigos 7.º 107.º, 105.º n.º 1, 2, 4 alíneas a) e b) e n.º 7, do RGIT na pena de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o montante total de 300,00 € (trezentos euros). * Inconformado com tal decisão, veio o arguido BB interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “CONCLUSÕES: 1ª- Na sequência dos factos provados constantes da decisão recorrida, nomeadamente nos pontos 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 16., 17., 18., 26., 27., 28. e 29. e da própria fundamentação daquela, resulta que, sem margem para dúvidas que: o Recorrente não foi condenado em qualquer pena nos três anos anteriores à prática do crime em apreço (Maio a Novembro de 2014); que o dano ocasionado com a conduta descrita mostra-se, totalmente, reparado, pois, toda a dívida a que se referem os presentes autos foi paga pelo próprio Recorrente antes da audiência de discussão e julgamento; e que a ilicitude e a culpa do Recorrente são reduzidas, quer pelo facto em si quer pelo comportamento posterior que este assumiu reparando o dano provocado ao Estado, liquidando, todas as quantias que lhe eram devidas, juros moratórios e todos os encargos associados ao incumprimento da obrigação. 2ª- Sendo por isso, e desde logo, desajustado e desproporcional a aplicação ao Recorrente de uma pena de multa efetiva e na medida determinada pois, atendendo à matéria de facto adquirida no processo e à decisão proferida, estão reunidos os pressupostos necessários para impor ao mesmo uma simples admoestação penal, ou, pelo menos, atenuar de forma especial a pena de multa. 3ª- A medida da pena de multa aplicada pelo Tribunal a quo ao Recorrente situa-se nos 60 (sessenta) dias de multa e, portanto, inferior ao limite máximo estabelecido no artigo 60º do Código Penal para a aplicação da pena substitutiva da admoestação (240 dias). 4ª- Multa, esta, que, quer na sua medida e quer no seu quantitativo, consubstancia, inegavelmente, um valor reduzido e de pequena gravidade, pois é equivalente a € 300,00 (trezentos euros), montante, este, inferior a metade do salário mínimo nacional. 5ª- Pelo que, deverá a pena de multa aplicada ao Recorrente ser substituída pela aplicação de uma pena de admoestação penal porquanto, no caso concreto, se mostram verificados todos os pressupostos legalmente exigidos. 6ª- Sem prescindir, e caso assim não se entenda, sempre a pena de multa aplicada ao Recorrente deverá ser especialmente atenuada. 7ª- Nesta parte, entendeu o Tribunal a quo que “ainda que os valores tenham sido integralmente repostos antes da prolação da decisão final, o certo é que as exigências de prevenção especial desaconselham firmemente a aplicação do instituto da atenuação especial da pena, porquanto será a terceira vez que o arguido será condenado pela prática do mesmo crime, o que evidencia uma conduta tendencialmente contrária ao Direito, plasmada até posteriormente pela prática de crime de falsificação de documento, ao abrigo do entendimento que perfilhou, no sentido de que a aplicação do instituto de atenuação especial da pena apenas poderá ter lugar em casos extraordinários, que impliquem uma diminuição da ilicitude, culpa e exigências de prevenção (necessidade da pena), 8ª- Numa clara interpretação unitária do disposto no artigo 72º do Código Penal. 9ª- No entanto, e na senda do decidido no douto aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15-02-2018, consultável em www.dgsi.pt, não só “o art. 72.º do Cód. Penal refere-se às circunstâncias comuns de especial valor atenuativo (que modificam a moldura penal abstracta), não expressamente previstas na lei,” 10ª - Como é inegável que, a norma constante do artigo 22º do R.G.I.T., determina um tratamento privilegiado, enquanto lei especial, na medida em que a atenuação especial da pena surge, nesse contexto, em termos mais amplos do que no âmbito do Código Penal. 11ª- Exigindo-se apenas para o accionamento do instituto da atenuação especial da pena constante do artigo 22º do RGIT, o reconhecimento da responsabilidade por parte do infractor e a regularização da situação tributária até à decisão do processo, 12ª- Pressupostos esses que, como se viu, se mostram cumpridos no caso dos autos, 13ª- E que justificavam, como justificam, por si só, a atenuação especial da pena aplicada ao Recorrente. 14ª- Razão pela qual, ao decidir como decidiu, a sentença de que ora se recorre violou e fez uma errada interpretação das disposições legais constantes dos artigos 40º, n.º 1 e 2, 60º, 71º e 72º todos do Código Penal e dos artigos 12º, n.º 1, 13º e 22º do R.G.I.T. 15ª- Devendo por isso, ser revogada, determinando-se, em consequência, que a pena de multa aplicada ao Recorrente pelo Tribunal a quo seja substituída pela aplicação de uma pena de admoestação penal ao abrigo do disposto no artigo 60º do Código Penal, ou, pelo menos, que se proceda à atenuação especial da pena de multa aplicada, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 22º do RGIT. Termina pedindo a substituição da pena de multa pela pena de admoestação ou, subsidiariamente, a atenuação especial da pena de multa. * O recurso foi admitido. Na 1.ª instância, o Ministério Público, devidamente notificado para o efeito, não apresentou resposta ao recurso. * Tendo tido vista do processo, a Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da procedência parcial do recurso, defendendo que deverá proceder-se à aplicação da atenuação especial da pena prevista no n.º 2º do artigo 22º do RGIT, reformulando-se a pena de multa em que o arguido foi condenado. * Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta pelo arguido. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. *** II – Fundamentação. II.I Delimitação do objeto do recurso. Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10.95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso. Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida. No presente recurso, atendendo às conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação e considerando as questões de conhecimento oficioso, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir: Determinar se os critérios e os parâmetros utilizados pelo tribunal “a quo” para proceder à escolha da pena aplicada ao arguido se revelam legalmente fundados, ou se, ao invés, os critérios legais, aplicados à situação do arguido, imporiam a aplicação ao recorrente da pena de admoestação, ou, subsidiariamente, de uma pena de multa especialmente atenuada. *** II.II - A sentença recorrida. Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados e não provados os seguintes factos: “Factos provados: 1. A sociedade arguida AA, Ld.ª, com o NIPC …, matriculada na Conservatória de Registo Comercial de … e com sede na …, em …, dedicou-se, durante o período infra indicado, à atividade de agência de viagens de turismo e outras atividades de apoio turístico, prestação de serviços a operadores turísticos, transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, aluguer de veículos automóveis e prestação de serviços na área das telecomunicações e serviço de mudanças. 2. Desde 05-02-2014 até ao presente a gerência de tal sociedade esteve a cargo do arguido BB, sendo o responsável por todas as decisões relativas à gestão da referida sociedade, assinando contratos com trabalhadores, estabelecendo contactos com clientes e fornecedores, com entidades bancárias e entidades públicas como Serviços de Finanças e Segurança Social, e procedendo a pagamentos aos credores da sociedade arguida. 3. No âmbito de tais funções e no período de tempo mencionado em 2., cabia ao arguido BB a tarefa de efetuar os pagamentos dos vencimentos aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais da sociedade arguida, efetuar as deduções em tais remunerações das quotizações devidas à Segurança Social, bem como proceder à sua entrega àquela entidade. 4. No decurso da sua atividade e no período compreendido entre Abril e Outubro de 2014 a sociedade arguida manteve ao seu serviço cerca de cinco trabalhadores. 5. A sociedade arguida, por intermédio do arguido BB, estava obrigada a entregar na Segurança Social as folhas de remunerações pagas aos respetivos corpos sociais e trabalhadores no mês anterior, com indicação dos tempos de trabalho prestado e remunerações processadas, devendo proceder ao desconto prévio das percentagens infra indicadas da remuneração devida aos trabalhadores e aos membros de órgãos estatutários. 6. No período compreendido entre Abril e Outubro de 2014, o arguido BB, agindo na qualidade de gerente da sociedade arguida, pagou aos seus trabalhadores as remunerações mensais que lhes eram devidas, retendo, segundo o regime geral de trabalhadores por conta de outrem e a título de quotizações devidas à Segurança Social, percentagem dos referidos salários efetivamente pagos, calculada de acordo com a aplicação de taxa de 11% às remunerações base de incidência efetivamente pagas aos trabalhadores, nos termos infra discriminados. 7. O mesmo arguido, na qualidade de gerente da sociedade arguida, procedeu à entrega das declarações de remunerações relativas àqueles trabalhadores por referência aos referidos períodos. 8. Por decisão tomada pelo arguido BB, nem a sociedade Arguida, nem o próprio, procedeu à entrega ao Instituto de Segurança Social dos valores retidos e liquidados a título de quotizações das remunerações dos trabalhadores no prazo legalmente estipulado, ou seja, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam. 9. Nem o fizeram nos 90 dias subsequentes ao termo daquele prazo. 10. Antes, retiveram tais valores, integrando-os no património da empresa, bem sabendo ambos que tais montantes não lhes pertenciam e que na qualidade de gerente da sociedade arguida estava obrigado a entregá-los à Segurança Social. 11. Ao abrigo deste regime foi retido e não entregue à Segurança Social, IP, o montante global de 900,42 € (novecentos euros e quarenta e dois cêntimos), assim discriminados: Ano Mês referência Cotizações Regime Geral (11%) não pagas Totais 2014 Abril 52,16 € 52,16 € Maio 160,05 € 160,05 € Junho 160,05 € 160,05 € Julho 160,05 € 160,05 € Agosto 160,05 € 160,05 € Setembro 160,05 € 160,05 € Outubro 48,01 € 48,01 € Total 900,42€ 900,42€ 12. Notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º n.º 4 al. b) do RGIT aplicável ex vi art.º 107.º n.º 2 do mesmo diploma legal, quer o arguido BB em nome próprio, quer a sociedade arguida através do seu legal representante, não procederam ao pagamento do montante em dívida. 13. O arguido BB, enquanto sócio e gerente, de facto e de direito, da sociedade arguida sabia que estava obrigado em nome da sociedade arguida a entregar à Segurança Social, IP os montantes das quotizações mensais retidas aos seus trabalhadores, bem como sabia que os referidos montantes pertenciam à Segurança Social, contrariando o que lhe era legalmente imposto. 14. Não obstante, o arguido BB decidiu não entregar à Segurança Social esses montantes liquidados nas remunerações e por si retidos, mas antes usá-los em benefício da sociedade arguida. 15. Agiu ainda o arguido BB, durante o referido período temporal, reiterando sucessivamente os mesmos propósitos, praticando de forma homogénea os repetidos atos, favorecido pela mesma circunstância exterior de tais condutas não terem sido prontamente detetadas pelos Serviços da Segurança Social, servindo-se dos mesmos métodos que sucessiva e repetidamente se foram revelando aptos para atingir os seus fins. 16. O arguido BB agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei como ilícito criminal. Resultou também provado que: 17. Os arguidos confessaram integralmente e sem reservas, os factos constantes da acusação. 18. O arguido na data da prática dos factos assumiu ter dificuldades em cumprir com as obrigações à Segurança Social. 19. O arguido trabalha como comercial numa empresa de energias, auferindo cerca de 900,00€ por mês. 20. Tem dois filhos menores, a quem paga pensão de alimentos no valor de 100,00€ por mês a cada um. 21. Reside em casa arrendada com a sua companheira, os quais pagam conjuntamente a título de renda da casa o valor de 500,00€. 22. Paga também em conjunto com a sua companheira a título de despesas domésticas cerca de 200,00€ mensais. 23. O arguido foi já declarado insolvente, faltando um ano para terminar o período de cessão ao fiduciário, do rendimento disponível que aufira. 24. O arguido tem o nono ano de escolaridade. 25. A sociedade arguida não possui antecedentes criminais. 26. O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 28-01-2015, no âmbito do processo 1154/12.9TALRA, que correu termos no Juízo Local Criminal de … (J…), pela prática em 2009, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5,00€, pena já declarada extinta. 27. O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 06-07-2016, no âmbito do processo n.º 11/13.6TAGLG, que correu termo no Juízo de Competência Genérica do …, Juiz …, pela prática em 2007 de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na pena de 130 dias de multa à taxa diária de 7,00€, pena já declarada extinta. 28. O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 18-01-2021, no âmbito do processo n.º 514/15.8PBLRS, que correu termos no Juízo Local Criminal de … (J…), pela prática em 2015, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de 6,00€. 29. O arguido procedeu ao pagamento dos montantes em dívida à Segurança Social (1.257,21€). Factos não provados: Inexistem.(…)” * II.III - Apreciação do mérito do recurso. O recorrente questiona a escolha da pena de multa efetuada pelo tribunal “a quo”, pretendendo ver-lhe aplicada uma pena de admoestação, ou, subsidiariamente uma pena de multa especialmente atenuada. Cremos que lhe assiste razão, mas apenas no que tange ao que que subsidiariamente peticiona. Com respeito pelo critério estabelecido pelo artigo 70.º CP, o tribunal optou pela pena de multa e pela não aplicação da atenuação especial da pena, tendo justificado a sua opção da seguinte forma: “Das consequências jurídicas do crime: No regime introduzido pelo RGIT e positivado nos arts. 105.º, n.º 1, e 107.º, o crime é punido no caso de pessoas singulares com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias (de 10 a 360 dias mercê do disposto no artigo 47.º do Código Penal) sendo os limites mínimos e máximos da taxa diária de tal pena de multa os constantes do art. 15.º do mesmo diploma e no caso das pessoas colectivas pena de multa de 20 a 720 dias e com limites de taxa diária entre os €5,00 e os €5000,00 (art. 105.º n.º1, 12.º n.º3, 15.º todos do RGIT). Da eventual atenuação especial da pena: Invoca a defesa em sede de alegações que a pena que vier a ser aplicada deverá ser especialmente atenuada, de acordo com o comando legal previsto no art. 22.º, n.º2, do RGIT. Ora, dispõe o art. 22.º, n.º 2, do RGIT que “a pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado”. Por sua vez, dispõe o art. 72.º, n.º1, do Código Penal: “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”. Vista este instituto acautelar aquelas situações em que a imagem global do facto (ilicitude, culpa e necessidade de pena) se apresente como especialmente diminuída relativamente ao complexo normal de casos que o legislador teve presente quando fixou a moldura penal respectiva. Como é referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 222/08.6SAGRD.C2, tal instituto apenas poderá ter lugar em casos extraordinários, ou seja, quando for de concluir que a adequação à culpa às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura geral abstracta escolhida pelo legislador para a moldura respectiva. Implicará uma diminuição da ilicitude, culpa ou nas exigências de prevenção (necessidade de pena), que radicará a autêntica ratio da atenuação especial da pena. Retomando o nosso caso, efectivamente, resulta dos factos provados que o arguido repôs (em 2021) totalmente as quantias “não entregues”, para efeitos do disposto no art. 22.º, do RGIT. Quantias estas que eram devidas, como o arguido bem tinha consciência, desde 2014 (quase sete anos). Para a imagem global do facto, importará também atentar no valor das prestações não entregues (o qual ascende no total a 900,42€). No entanto, o tribunal não poderá olvidar que o arguido foi já condenado por duas vezes pela prática de idêntico ilícito. Com efeito, o arguido foi já condenado por duas vezes pela prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, muito embora por factos datados de 2007 e 2009, e até em 2015, data da prática dos factos sub judice, foi condenado por crime de falsificação de documento. Ainda que os valores tenham sido intregalmente repostos antes da prolação da decisão final, o certo é que as exigências de prevenção especial desaconselham firmemente a aplicação do instituto da atenuação especial da pena, porquanto será a terceira vez que o arguido será condenado pela prática do mesmo crime, o que evidencia uma conduta tendencialmente contrária ao Direito, plasmada até posteriormente pela prática de crime de falsificação de documento. Entendemos, por isso, que as circunstâncias anteriores (a entrega das prestações pertencentes à segurança social) não diminuem de forma acentuada a necessidade de pena. Pelo exposto, a presente situação não reúne os pressupostos para a aplicação da atenuação especial da pena, devendo, antes, tal circunstância ser tida em consideração aquando do doseamento da medida concreta da pena. A aplicação de qualquer pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa, devendo o juiz na operação de determinação da medida da pena conduzir-se por duas ideias fundamentais: a culpa e a prevenção, quer geral quer especial (art. 40.º e 71.º do actual Código Penal). Retomando: nos termos do disposto no art. 70.º do Código Penal sempre que um crime seja punido com pena de multa e pena de prisão o tribunal deve dar prevalência à multa desde que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tendo o direito penal uma função exclusiva de preservação de bens jurídicos, as finalidades das penas serão sempre de carácter preventivo. Assim, a opção por uma pena de multa em detrimento de uma pena de prisão deve ser feita em função das exigências de prevenção geral e especial que a situação concreta oferece, quando estas se bastam com a aplicação da primeira. No caso vertente, constata-se que as exigências de prevenção geral se revelam elevadas, uma vez que os impostos são um meio prioritário na prossecução dos fins do Estado e uma obrigação para todos os cidadãos, aliada à circunstância de as cifras de incumprimento serem assustadoras, com inerentes prejuízos para todos nós, já que o incumprimento fiscal constitui uma flagrante violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade contributivas. Impõe-se, por isso, que tal fenómeno seja combatido de forma eficaz, verificando-se uma necessidade acrescida de dissuadir a prática desses factos pela generalidade das pessoas, de incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e, assim, impedir que a lei se transforme em letra morta e que se crie nos contribuintes uma sensação de impunidade que um Estado de Direito jamais pode permitir. No que às exigências de prevenção especial as mesmas são já expressivas atenta a existência de averbamentos nos Certificados de Registo Criminal do arguido, não obstante analisar-se que a prática dos factos pelos quais o arguido foi já condenado (2007 e 2009). Por outro lado, haverá que ter em consideração o hiato temporal entretanto decorrido. Assim, considera-se, ainda, adequada a aplicação ao arguido de pena de multa em harmonia com o disposto no art. 70.º do Código Penal sendo que tal opção não se coloca relativamente à sociedade arguida uma vez que a mesma é apenas punível com pena de multa. No que se refere à responsabilidade da sociedade arguida o arguido agiu em nome e no interesse da mesma no exercício das suas funções de representante legal e sócio gerente pelo que se verifica a chamada conexão de causalidade fundamentando-se a responsabilidade criminal daquela no disposto no art.º 7.º n.º 1, do RGIT. Refira-se que a responsabilidade da pessoa colectiva pelos actos praticados pelos seus representantes não exclui a responsabilidade individual do agente/pessoa física pelos mesmos factos, sem que ocorra violação do princípio “non bis in idem”, visto não existir um duplo julgamento da mesma pessoa pelo mesmo facto – cf. art.º 7.º, n.º 1, do RGIT. Como escreveu o Cons. LOPES ROCHA, Direito Penal Económico, CEJ, 1985, pág. 167: “Se se tornar claro que uma pessoa singular é responsável, é a seu respeito que importa agir em primeiro lugar (...) Aliás, não seria aconselhável que a possibilidade de atingir a pessoa colectiva tivesse como efeito negligenciar a descoberta da pessoa singular responsável, que assim poderia beneficiar de uma imunidade de facto inadmissível, a qual não deixaria de favorecer a diminuição do seu sentimento de responsabilidade”. Nos termos do disposto no art. 71.º do Código Penal, na determinação da pena o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o agente, considerando, designadamente, as enunciadas do nº2 do mencionado preceito. No caso vertente milita contra o arguido a existência de dolo directo, sendo já mediano o grau de ilicitude do facto plasmado na entrega das quantias pertencentes à Segurança Social e o valor em causa (900,42€). Também a favor do arguido é a confissão integral dos factos, o motivo subjacente à sua actuação (o pagamento de importâncias devidas aos trabalhadores) e a sua inserção social. Considerando tais factores, entende-se que o ponto óptimo da medida concreta da pena deverá situar-se dentro do primeiro terço da moldura abstracta da pena, proporcionada também à culpa do arguido e às exigências de prevenção que o caso reclama e uma vez que a pena que lhe é aplicável tem como limite mínimo dez dias e máximo duzentos e quarenta, uma pena de 60 (sessenta) dias de multa. Em relação ao quantitativo diário da mencionada pena de multa, dispõe o art. 47.º n.º 2 do Código Penal que os mesmos devem ser fixados em função da situação económica e financeira dos arguidos e dos seus encargos pessoais. Assim, considerando, por um lado, os parcos rendimentos auferidos pelo arguido (sendo que o mesmo foi declarado insolvente) julga-se como proporcionado o quantitativo diário de €5,00 (cinco euros). Relativamente à sociedade arguida revertendo as mesmas considerações quanto à pessoa singular, considera-se adequada uma pena de 60 dias (sessenta dias) de multa. No que se refere ao quantitativo diário de tal pena de multa considerando que a mesma já não tem atividade julga-se adequada uma taxa diária de €5,00 (cinco euros).” * A) Da não aplicação da pena de admoestação Nos presentes autos foi o arguido, ora recorrente, condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p.p. pelos artigos 107.º, 105.º n.º 1, 2, 4 alíneas a) e b) e n.º 7, do RGIT na pena de 60 (sessenta) dias de multa à razão diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o total de 300,00 € (trezentos euros). O que o recorrente pede a título principal é a substituição da pena de multa que lhe foi aplicada pelo tribunal recorrido por uma pena de admoestação. A admoestação encontra-se prevista como pena de substituição da pena de multa no artigo 60º do Código Penal (1) que dispõe nos seguintes termos: “Artigo 60º Admoestação 1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação. 2 - A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 3 - Em regra, a admoestação não é aplicada se o agente, nos três anos anteriores ao facto, tiver sido condenado em qualquer pena, incluída a de admoestação. 4 - A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal.” Da análise do preceito transcrito, resulta que os pressupostos estabelecidos para a aplicação de tal pena de substituição são os seguintes: - A aplicação de uma pena concreta de multa não superior a 240 dias (pressuposto formal); - A existência de prévia reparação do dano causado pela prática do crime; - A adequação e suficiência da pena de amoestação para a realização das finalidades punitivas (pressuposto material); - Inexistência, em regra, de anterior condenação em qualquer pena nos três anos anteriores ao facto. Verificamos, pois, que a aplicabilidade da pena de admoestação não se basta com a verificação do pressuposto de natureza formal previsto no n.º 1, antes exigindo, concomitantemente, a realização de um juízo de prognose positivo sobre a sua adequação e suficiência no que diz respeito às finalidades da punição. Dito de outro modo, a aplicação da admoestação dependerá da verificação concreta da sua eficácia, quer para prosseguir os fins de ressocialização do agente, quer para garantir que não serão postos em causa“(…) os limiares mínimos das expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico (…)” (2), sem esquecer que a mesma só deve ser cominada para censura de factos de escassa gravidade, aferindo-se tal gravidade em função do bem jurídico tutelado e da intensidade da sua violação. A pretendida admoestação, com o recorte legal acima traçado, configura, nas palavras de Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (3) “(…) uma sanção quase-penal: declarando-se a culpabilidade, determina-se a pena e desaprova-se publicamente o crime cometido, mas não se impõe a pena (…)”, o que, no caso que constitui objeto da nossa análise, se não vê justificado, atendendo às elevadas necessidades de prevenção geral e especial, às quais a decisão recorrida faz correto apelo. Defendendo a pouca serventia da admoestação para o Direito Penal, atendendo precisamente à baixa eficácia preventiva geral e especial que a mesma proporciona, se pronunciou André Lamas Leite (4), em termos que subscrevemos e que, passamos a transcrever: “(…) Acresce que estamos em face de crimes bagatelares, em relação aos quais se admite que qualquer das medidas concretas da pena de multa abrangidas pela sanção substitutiva se ache em conformidade, do prisma da proporcionalidade, com o conteúdo ínsito à pena. (…) Mesmo não se achando ferida de inconstitucionalidade, tudo aponta, enfim, tendo presentes as coordenadas político-criminais hodiernas, e de iure condendo, no sentido da sua eliminação do catálogo das sanções. A admoestação converteu-se em uma marca típica de um Direito Penal simbólico – atente-se na própria redação que se mantém inalterada, neste particular, desde 1982: «pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação[81]», o que parece apontar, logo do prisma literal, para um minus –, em que a eficácia preventiva geral e especial caem a níveis tão baixos que não asseguram, na generalidade das hipóteses, o respetivo conteúdo útil.(…)” Na verdade, e tal como já preconizava Figueiredo Dias (5), a admoestação é a pena mais leve que o nosso ordenamento jurídico criminal comporta, encontrando o seu campo de aplicação apenas nas denominadas de bagatelas penais, nas quais a ilicitude e ou a culpa são reduzidas, quer pelos factos em si mesmos, quer pelo comportamento anterior e posterior do agente, subsistindo, pois, apenas como pena de substituição de multas aplicadas pela prática de crimes de muito pequena gravidade. (6) Volvendo ao caso dos autos, mostra-se incontroverso que a concreta pena de multa aplicada ao arguido é inferior 240 dias – tendo sido fixada em 60 dias – bem como que o arguido não foi condenado em qualquer pena nos três anos anteriores à prática do crime em apreço, este relativo a factos ocorridos no período que decorreu entre Maio a Novembro de 2014, e ainda que o dano ocasionado com a conduta sancionada nestes autos se mostra totalmente reparado, uma vez que toda a dívida foi paga pelo recorrente antes da audiência de discussão e julgamento. Porém, conforme se assinala na sentença recorrida – nas considerações expendidas a propósito da ponderação efetuada sobre a aplicação do instituto da atenuação especial da pena, mas que quanto à aplicabilidade da pena de admoestação revelam total acuidade – “(…) o tribunal não poderá olvidar que o arguido foi já condenado por duas vezes pela prática de idêntico ilícito. Com efeito, o arguido foi já condenado por duas vezes pela prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social, muito embora por factos datados de 2007 e 2009, e até em 2015, data da prática dos factos sub judice, foi condenado por crime de falsificação de documento.(…)”. Entendemos, pois, que, ainda que os valores em dívida à Segurança Social tenham sido integralmente repostos antes da prolação da decisão final, tendo o arguido procedido à reparação do dano e confessado os factos em julgamento, as exigências de prevenção especial se revelam muito elevadas. Igualmente elevadas se revelam as necessidades de prevenção geral no tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado. Com o ilícito em apreço pretendeu-se criar uma consciencialização coletiva relativamente às questões fiscais e afins. Inserindo-se nesta linha de progresso e procurando combater – com a eficiência reclamada pela modernização das técnicas de evasão fiscal ou equiparável – a sensação de impunidade que lentamente se foi instalando entre os empregadores, o legislador passou a punir mais severamente este tipo de condutas, procurando atingir um certo tipo de pessoas que, manipulando os usos/regras da vida económica e revelando uma intolerável indiferença pelos objetivos da justiça retributiva, para os quais se encontra vocacionado todo o sistema fiscal e da Segurança Social, praticam condutas altamente lesivas dos interesses coletivos. A respeito da importância do bem jurídico protegido e da preponderância dos deveres violados nos crimes de natureza tributária, nos quais se inclui o dos presentes autos, pedimos de empréstimo as palavras de Augusto Silva Dias, que, pertinentemente refere “(…) O bem jurídico protegido pela incriminação é constituído pelas receitas fiscais no seu conjunto e a base normativa, cuja violação integra o desvalor da ação, é constituída pelos deveres de colaboração que municiam tecnicamente o dever geral de pagar o imposto; ou a contribuição à Segurança Social, dever fundamental de cidadania que, relacionando a conduta típica com as receitas fiscais e as respetivas finalidades, lhe confere ressonância e desvalor ético-social. O sistema fiscal é visto como meio privilegiado de realização da justiça distributiva (a repartição justa dos rendimentos e da riqueza, artigo 103°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa). Esta justificação confere ao dever de pagar o imposto a natureza de dever de cidadania. É dever fundamental de todo o cidadão contribuir para a formação de um património público que torne possível a realização das políticas distributivas, corretoras de desigualdades e assimetrias sociais, tendo em vista a constituição de uma sociedade mais justa e mais ordenada.(…)” (7) São, pois, manifestamente elevadas as necessidades de prevenção geral associadas ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social pelo qual o recorrente foi condenado nos presentes autos, não podendo o mesmo incluir-se na categoria das chamadas bagatelas penais às quais se adequará a pena de admoestação. Assim, sendo o critério de aplicação da pena de admoestação exclusivamente preventivo, tendo-se concluído que tal pena não se revela adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial e que as exigências de prevenção geral são elevadíssimas, mostra-se afastada a possibilidade da sua aplicação, pelo que se decidirá não proceder à substituição peticionada pelo recorrente improcedendo o recurso nesta parte (8). * B) Da atenuação especial da pena Subsidiariamente, formula o recorrente o pedido de alteração da sentença recorrida, defendendo que, nos termos do disposto no artigo 22º, nº 2 do RGIT, a sua pena deverá ser especialmente atenuada. E, cremos que, quanto a este pedido, lhe assiste razão. A respeito da dispensa e da atenuação especial da pena dispõe o artigo 22º do RGIT, nos seguintes termos: “Artigo 22.º Dispensa e atenuação especial da pena 1 - Se o agente repuser a verdade sobre a situação tributária e o crime for punível com pena de prisão igual ou inferior a 2 anos, a pena pode ser dispensada se: a) A ilicitude do facto e a culpa do agente não forem muito graves; b) A prestação tributária e demais acréscimos legais tiverem sido pagos, ou tiverem sido restituídos os benefícios injustificadamente obtidos, até à dedução da acusação; c) À dispensa da pena se não opuserem razões de prevenção. 2 - A pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado.” Tendo presente que o RGIT assume a natureza de lei especial relativamente ao Código Penal, importa assentar na prevalência do seu artigo 22º relativamente ao artigo 72º do CP, no qual encontramos a previsão do instituto da atenuação especial da pena com caráter geral. Da redação da norma transcrita, resulta, a nosso ver, com meridiana clareza, que a mesma, diferentemente da lei geral, consagra a opção do legislador de conferir caráter de obrigatoriedade à atenuação especial da pena nos crimes fiscais, fazendo-a operar ope legis, desde que se encontrem verificados os pressupostos nela estabelecidos, a saber: - Ter o agente reposto a verdade fiscal, tendo pago a prestação tributária e demais acréscimos legais; - Ter o pagamento ocorrido até à decisão final ou no prazo nela fixado. Na lei especial aplicável aos crimes tributários, levando em conta a natureza pública do bem jurídico protegido pela incriminação e as especiais razões de prevenção associadas a tais ilícitos, o legislador quis regular o instituto da atenuação especial da pena de modo diverso do previsto no Código Penal. Verificamos, pois, que, contrariamente ao regime geral regulado no artigo 72º do CP, o artigo 22º, nº 2 do RGIT não demanda nem consente a formulação de juízos de valor acerca da diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena como pressuposto da sua aplicação, impondo-se, de outra sorte, proceder à atenuação desde que verificados os requisitos no mesmo enunciados. (9) Clarifica-se ademais que a atenuação especial prevista no nº 2 do artigo 22º do RGIT não está condicionada aos limites impostos pelo nº1 do mesmo preceito legal para a dispensa de pena, pelo que deverá aplicar-se independentemente da moldura penal que ao crime couber. Ora, subsumindo o caso que agora nos ocupa ao citado artigo 22º, nº 2 do RGIT, dúvidas não podem restar de que se encontram verificados os requisitos para que o recorrente possa beneficiar da atenuação especial da pena aí prevista, conclusão a que, aliás, teria também chegado o tribunal recorrido, não fora a circunstância de ter decidido proceder à formulação de juízos de valor acerca da diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, nos termos do artigo 72º do CP, preterindo dessa forma, indevidamente, a aplicação do regime especial estabelecido para os crimes de natureza tributária. Assim, tendo resultado provado que o recorrente procedeu ao pagamento dos montantes em dívida à Segurança Social, no valor de 1 257,21 € (facto 29.dos factos provados), não pode deixar de concluir-se que repôs a verdade fiscal, o que fez até à decisão final, inexistindo, pois qualquer fundamento para afastar a aplicação do instituto da atenuação especial da pena nos termos previstos no artigo 22º, nº 2 do RGIT, pelo que se decidirá pela alteração da sentença recorrida nesta parte. No que diz respeito aos termos da atenuação, face à ausência de norma especial no RGIT, por força do artigo 3º de tal diploma, aplicar-se-á subsidiariamente o preceito da lei geral regulador de tal matéria, concretamente o artigo 73º do C.P. Assim, em conformidade com o disposto no artigo 73º, nº1, alínea c), do CP, o limite máximo da moldura da pena de multa aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social de acordo com a estatuição do artigo 105º, nº1 do RGIT (360 dias) será reduzido para 240 dias, mantendo-se o limite mínimo de 10 dias. Aqui chegados, atenuada especialmente a pena nos termos acima explicitados, resta proceder à reformulação da concreta pena de multa aplicada ao arguido, o que faremos dando por reproduzidas as considerações tecidas pelo tribunal recorrido a respeito dos critérios a ter em conta na determinação da medida concreta da pena. Nesta conformidade, ponderando-se a atuação do agente com dolo direto, o grau mediano da ilicitude dos factos associado ao valor devido à Segurança Social (900,42 €), a confissão integral e sem reservas, a inserção social do agente, a sua culpa, os seus antecedentes criminais e as exigências de prevenção que o caso reclama, entendemos que, tendo em conta a moldura abstrata especialmente atenuada – pena de multa de 10 a 240 dias – a medida concreta da pena deverá fixar-se em 50 dias de multa, a qual corresponderá ao montante de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros), tendo em conta a taxa diária fixada na sentença recorrida (5,00 €), que se manterá, por se entender adequada e proporcional à situação económica do arguido. *** III- Dispositivo. Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso, decidindo, consequentemente, alterar a sentença recorrida, reduzindo-se a pena de multa aplicada ao recorrente para 50 dias, a qual corresponderá ao montante de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros), tendo em conta a taxa diária de 5,00 € fixada na sentença recorrida, que se mantém. Sem custas. *** (Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelas signatárias) Évora, 22 de novembro de 2022 Maria Clara Figueiredo Fernanda Palma Maria Margarida Bacelar
1 Por força do artigo 3º, alínea a) do RGIT, são aplicáveis subsidiariamente quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal. 2 Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas-1993, pág. 387, §605, parte final. 3 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código Penal Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Rei dos Livros, 2014, pág. 858. 4 André Lamas Leite, in Revista do Ministério Público 159: julho : setembro 2019, páginas 148/149. 5 Ob cit, pág. 385, §602. 6 O mesmo entendimento acerca da natureza e da reduzida aplicabilidade da pena de admoestação resulta do próprio preâmbulo do Código Penal, desde logo do seguinte excerto “(…)“trata-se de uma censura solene, feita em audiência pelo tribunal, aplicável a indivíduos culpados de factos de escassa gravidade e relativamente aos quais se entende (ou por serem delinquentes primários ou por neles ser mais vivo um sentimento da própria dignidade, por exemplo), não haver, de um ponto de vista preventivo, a necessidade de serem utilizadas outras medidas penas que importem a imposição de uma sanção substancial(…)”. 7 Augusto Silva Dias, “Os crimes de fraude fiscal e de abuso de confiança fiscal: alguns aspetos dogmáticos e político-criminais”, 1999, pág. 49. 8 Pronunciando-se no mesmo sentido, no que diz respeito à dimensão e aplicabilidade da pena de admoestação, podemos ver, entre outros, os acórdãos da Relação de Évora, de 12.04.2016, relatado pelo Desembargador Clemente Lima e o acórdão da Relação de Guimarães de 13.07.2021, relatado pela Desembargadora Cândida Martinho, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 9 No mesmo sentido decidiu o acórdão da Relação de Guimarães de 13.07.2021, acima referido (nota 8) e também citado pelo recorrente nas suas alegações de recurso e pela Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal. |