Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
872/23.0T8STB.E1
Relator: JOÃO LUÍS NUNES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
OBSCURIDADE
AMBIGUIDADE
ERRO DE JULGAMENTO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
Data do Acordão: 10/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença se esta contiver obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação substancial (n.º 1, alínea b) do artigo 380.º do Código de Processo Penal).
II – A sentença é obscura ou ambígua quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, cujo sentido exato não pode alcançar-se, ao fim e ao resto quando não se sabe o que o juiz quis dizer.
III – Tal não se verifica quando se extrai da própria motivação de recurso que a recorrente compreendeu perfeitamente o sentido exato da decisão recorrida, maxime da matéria de facto, e apenas não concordou com a mesma, situação que se inscreve no erro de julgamento.
IV – Estando em causa trabalhos em quadros elétricos, o empregador deve dar instruções claras e inequívocas ao trabalhador sobre como proceder em condições de segurança, designadamente se deve realizar o trabalho com o quadro fora de tensão.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 872/23.0T8STB.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I. Relatório
A arguida Navigator Pulp Figueira, S.A., impugnou judicialmente a decisão de 02-12-2022 da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho (Unidade Local 1) que lhe aplicou uma coima de 90 UC, pela prática de uma contraordenação muito grave, prevista no artigo 15.º, n.ºs 1 e 2, a), b), c), d) e l) e 14.º, da Lei n.º 102/2009, de 10/09, e ainda a sanção acessória de publicitação da decisão.
Foi ainda condenado AA, como responsável solidário pelo pagamento da coima.

Por sentença de 02-10-2023, do Juízo do Trabalho de Setúbal – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca 1..., foi negado provimento à impugnação judicial e confirmada a decisão recorrida.

Inconformada com o assim decidido, a arguida interpôs recurso para este tribunal, tendo na motivação de recurso apresentado as seguintes conclusões:
«A. No âmbito dos presentes autos, foi proferida Sentença julgando improcedente a Impugnação da Decisão Administrativa, interposta pela Recorrente, no âmbito da contra-ordenação n.º 22220029.
B. Ora, a Recorrente não se pode conformar com decisão proferida pelo que vem pugnar pela revogação da sentença e por maioria de razão, da decisão administrativa condenatória.
C. Foi a ora Recorrente autuada, por alegada violação do disposto no artigo 15.º, n.º 1 e 2, alíneas a), b), c), d) e l), do Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho (RJPSST), aprovado pela Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, alterada pela Lei n.º 3/2014, de 28 de Janeiro.
D. O que consubstancia a prática de uma contra-ordenação muito grave.
E. Antes de mais, importa referir que a decisão recorrida padece de erro ou vício da sentença, por ambiguidade ou obscuridade, que torna a decisão ininteligível.
F. Não se compreende como é que são dados como provado os factos vertidos nos pontos 7, 8 e 9 e, em simultâneo, o facto 16.
G. É evidente que os factos acima descritos estão em completa oposição.
H. Por tudo isto, a sentença deve ser corrigida nos termos do artigo 380º, n.º 1, alínea b) do Código do Processo Penal (CPP).
I. Caso não seja possível corrigir a mesma, deve o Tribunal ad quem determinar a repetição da prova na parte que esteja viciada, nos termos do artigo 426º, n.º 1 do CPP.
J. A Recorrente cumpre o seu dever principal de zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, nos termos das alíneas a), b), c) e d), artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro.
K. Efectivamente, a Recorrente possui dois elementos específicos que definem as condições e as acções preventivas necessárias para garantir a operação em segurança de todos os trabalhadores que intervêm em instalações eléctricas,
L. São eles o PG – 125 – Riscos Eléctricos e o PG 118 – Procedimento de Consignação/Desconsignação.
M. O PG – 125 remete, múltiplas vezes, para o PG – 118, cujo objecto é definir um conjunto de acções e responsabilidades que permitam que uma instalação, equipamento ou órgão seja colocado fora de serviço, protegido e não operacional, de modo a assegurar a protecção das pessoas, das instalações e do meio ambiente durante um intervalo de tempo, consoante a duração de uma intervenção (manutenção, reparação, ensaios, limpeza e outros).
N. No que diz respeito ao uso de equipamentos de protecção individual, a Recorrente detém um procedimento denominado PG 26 – Equipamentos de Protecção Individual.
O. O ponto 3.3.12. Controlo do uso de EPI – do citado procedimento comtempla a informação sobre os EPI´s que são de uso obrigatório em função do local onde o trabalhador se encontrar.
P. Inexiste, por conseguinte, a prática de qualquer infracção pela ora Recorrente no que a esta matéria concerne.
Q. O Trabalhador sinistrado, como qualquer outro, nas mesmas circunstâncias, disponha de uma equipa de assistência fabril, a quem poderia recorrer para o auxiliar na tomada de decisão, conforme ficou demonstrado.
R. Em consequência, a Recorrente não violou qualquer norma que consagre direitos ou imponha deveres.
S. Face ao exposto, em caso algum, pode a ora Recorrente ser condenada a pagar quaisquer coimas, devendo antes ser integralmente absolvida da prática das alegadas infracções.
Termos em que se requer a V. Exa. o seguinte:
a) Deve ser a ora Recorrente integralmente absolvida da prática da alegada infracção e ser absolvida do pagamento de qualquer coima, devendo a sentença sub judice ser integralmente substituída, fazendo-se assim a acostumada JUSTIÇA!».

O recurso foi admitido na 1.ª instância – com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo, atenta a caução prestada –, após o que o Ministério Público respondeu ao mesmo, a pugnar pela sua improcedência, tendo para tanto apresentado as seguintes conclusões:
«1) Os factos 9. e 16. dos factos dados como provados não estão em contradição, pois, uma coisa é o trabalhador sinistrado ter conhecimento e formação para realizar a tarefa, outra coisa bem diferente, é a arguida não ter previstas medidas inequívocas, adequadas e efetivas de prevenção dos riscos advenientes da tarefa executada, nomeadamente, reparação de quadro elétrico em tensão.
2) Os PGs existentes na empresa não determinam o modo de atuação do trabalhador na situação em análise.
3) Mesmo na sinalética, não ficou demonstrado que havia um desenho esquemático alusivo à intervenção naquele quadro elétrico que impusesse em todo e qualquer caso, ou em casos como o presente, o corte total de energia.
4) Bastava uma das normas dos PGs determinar que as reparações de todos os quadros elétricos que não permitem a compartimentação estanque da alimentação de energia têm de ser precedidas de corte total de alimentação de energia elétrica, para inexistirem duvidas de qual o procedimento a adotar pelo trabalhador.
5) Quanto aos equipamentos de proteção individual, o sinistrado não utilizava viseira nem luvas, no entanto, a recorrente justificou, dizendo que: as intervenções em quadros eléctricos normalmente não acarretam este risco, porque a tipologia da maioria dos quadros garante as condições de segurança para este tipo de trabalhos e a utilização de luvas dificultava a atividade técnica, porque a tarefa exigia precisão e a posição do compartimento era junto ao chão provocando uma postura difícil, pelo que, também por esta via não poderá afastar a sua responsabilidade.
6) Assim, a sentença recorrida não violou, o disposto nos artigos 380.º, n.º 1, alínea b) e 426.º, n.º 1, ambos do Código do Processo Penal».

Ainda na 1.ª instância, o exmo. julgador a quo pronunciou-se sobre a invocada (pela arguida/recorrente) ininteligibilidade da sentença, a negar a mesma.

Subidos os autos a este tribunal, neles a exma. procuradora-geral adjunta emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.

Elaborado projeto de acórdão e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
Sabido como é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, no caso colocam-se à apreciação deste tribunal duas questões:
- saber se a decisão recorrida padece de ambiguidade ou obscuridade, que a torna ininteligível, havendo, por isso, que proceder à sua correção, nos termos previsto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal;
- saber se a recorrente cometeu a contraordenação em referência nos autos.

III. Factos
A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. A 10/04/2023, sábado, pelas 19:00 h, BB sofreu um choque elétrico quando se encontrava no tempo e no local de trabalho, executando uma reparação no quadro elétrico de média tensão.
2. O evento descrito em 1) ocorreu em virtude de uma paragem na linha 1 do parque de madeiras da Fábrica de pasta de papel da N... Local 1, devida a um determinado componente: o motor do parafuso sem-fim de alimentação de pares de clivagem da linha 1, parou.
3. Por esse motivo, foi chamado o técnico de controlo e potência, CC, que se encontrava de turno (8h - 16h), que identificou o problema e passou a informação ao TCP de turno seguinte (16h - 24h), BB.
4. A avaria detetada, no quadro elétrico do serviço de baixa tensão do parque de madeiras, estava relacionada com um contactor que estava atracado, ou seja, não desligava.
5. O TCP referido (BB) estava a trabalhar sozinho na resolução do problema (avaria), tendo retirado o contactor avariado, com o quadro em carga, com o objetivo de evitar desligar todo o serviço de baixa tensão do parque de madeiras.
6. Ao fixar um novo contactor, o pedaço de cartão - colocado pelo próprio para isolar a zona de tensão (entrada da carga) e a zona de trabalho, que distava 2 ou 3 cm -, caiu e deu-se um curto circuito, que provocou uma exploração (arco elétrico) que causou lesões (queimaduras) na face e membros superiores do DD.
7. A empresa possui avaliação de riscos aplicavam a tarefa em execução e de acordo com esse documento nos trabalhos em tensão estão previstos, em resultado do perigo de energia elétrica, os riscos de eletrocussão/ eletrização, com consequências de queimaduras e estabelecendo as medidas preventivas previstas para controlo destes riscos.
8. Os documentos/ procedimentos associados a estes riscos são PG 125 - riscos elétricos; PG 118 - consignação/ desconsignação de equipamentos e PG 26 - Equipamentos de proteção individual (EPI), que definem os riscos inerentes à atividade, modo de atuação, uso e utilização de equipamento de proteção necessário para a atividade específica.
9. BB tinha conhecimento, formação e informação para realizar o trabalho em curso naquela altura.
10. A consignação que foi efetuada, consistiu na remoção dos fusíveis do quadro/ compartimento de intervenção; com esta operação deixou de existir carga no contactor, mas sempre se manteve carga (energia/ tensão) na entrada do quadro durante a intervenção.
11. A decisão de realizar o trabalho com o quadro em tensão, foi tomada autonomamente pelo próprio TCP.
12. Para reduzir o risco de contacto direto ou indireto com a parte em tensão no quadro, foi usado um pedaço de cartão para separar a zona de trabalho (onde estava a ser colocado o novo contactor) e a zona de entrada de corrente elétrica no quadro.
13. A intervenção em curso, aquando daquele evento. poderia ter sido realizada com o quadro fora de tensão, evitando assim o risco.
14. A solução encontrada e usada para evitar o risco de contacto (direto ou indireto) com a corrente elétrica, dado que existia tensão na entrada no quadro em intervenção, de um pedaço de cartão é precária, não cumprindo eficazmente o fim pretendido.
15. No momento do evento, o DD não se encontrava a usar viseira de proteção nem luvas isolantes.
16. Para as tarefas que estavam em curso aquando do evento, não estavam previstas medidas adequadas efetivas de prevenção, não possuindo o trabalhador regras claras e inequívocas sobre os riscos (tolerável ou não tolerável) e das medidas de controlo adequadas para realizar trabalhos em tensão como o que estava a ser realizado por si.
17. Com tal conduta omissiva, a recorrente não agiu com cuidado a que estava obrigada enquanto entidade empregadora, já que não acautelou, antes de confiar aquela tarefa, que o trabalhador em causa, apesar da formação e da experiência tivesse os conhecimentos necessários ou adequados para uma autonomia de decisão de realização de trabalhos em tensão, com recurso a medidas de controlo de risco de modo a efetuar aqueles procedimentos em segurança, permitindo, deste modo, que o trabalhador executasse o trabalho nos precisos termos em que o executou, facilitando a prática de atos inseguros.
18. A recorrente não procedeu com todo o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz, acreditando que tudo iria correr com a normalidade de outros serviços, quando está em causa a realização de trabalho em tensão, em resultado da energia elétrica, com consequência grave para a segurança e saúde do trabalhador que no caso sofreu queimaduras nos membros superiores e na face.
19. A recorrente não agiu com a diligência com que podia e devia ter agido não cumprindo assertivamente com os seus deveres de entidade empregadora, nomeadamente ao expor o seu trabalhador é um risco, por não ter transmitido e sensibilizado o trabalhador sobre a utilização adequada dos equipamentos e dos riscos que estava sujeito ao executar a tarefa, sem adotar as medidas da proteção necessárias a prevenir os riscos inerentes da mesma.
20. A recorrente tem uma atividade principal de fabricação de pasta de papel (CAE17110).
21. A recorrente declarou no relatório único referente ao ano de 2020, o volume de negócios de 469.188.257,00 €.
22. O DD, como qualquer outro, nas mesmas circunstâncias, dispunha de uma equipa de assistência fabril, a quem podia recorrer para o auxiliar na tomada de decisão.

B) A 1.º instância deu como não provados os seguintes factos:
A. A recorrente assegurou ao trabalhador todas as condições de segurança e saúde em todos os aspetos daquele trabalho em particular, de modo a evitar o ocorrido nesse dia.
B. O trabalhador tenha, antes do início dos trabalhos, tomado as providências necessárias de modo a consignar o equipamento a intervenção e garantir a segurança na realização dos trabalhos.
C. Por TCP possuía informação suficiente, nomeadamente com instruções claras sobre os riscos (toleráveis ou não toleráveis) e das medidas de controlo adequadas para uma tomada de decisão (autónoma) para realizar aquele trabalho com o equipamento ainda em tensão.
D. A solução usada (pedaço de cartão) para controlar os riscos de contacto (direto ou indireto) com a corrente elétrica (tensão existente na entrada do quadro a intervenção), era adequada e eficaz para aquele fim.
E. Na realização dos trabalhos em curso aquando do acidente o TCP estava a usar o equipamento de proteção individual necessário e adequado para aquele tipo de tarefa.

IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II., as questões essenciais a decidir, é agora o momento de analisar, de per se, cada uma delas.

1. Quanto à (alegada) ambiguidade ou obscuridade da decisão recorrida, que a torna ininteligível
Sustenta a recorrente que a decisão recorrida é obscura ou ambígua, o que a torna ininteligível, pelo que deve proceder-se à sua correção, nos termos previsto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
Isto porquanto, afirma, os factos dados como provados sob os n.ºs 7, 8 e 9 se encontram em contradição com o facto (provado) n.º 16.
Não se anui a esse entendimento.
Expliquemos porquê.

É incontroverso que o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença se esta contiver obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação substancial (n.º 1, alínea b) do artigo 380.º do Código de Processo Penal).
A sentença é obscura ou ambígua quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, cujo sentido exato não pode alcançar-se, ao fim e ao resto quando não se sabe o que o juiz quis dizer.
Manifestamente que não é essa a situação dos autos.
Com efeito, atente-se nos factos provados n.ºs 7, 8 e 9:
«7. A empresa possui avaliação de riscos aplicavam a tarefa em execução e de acordo com esse documento nos trabalhos em tensão estão previstos, em resultado do perigo de energia elétrica, os riscos de eletrocussão/ eletrização, com consequências de queimaduras e estabelecendo as medidas preventivas previstas para controlo destes riscos.
8. Os documentos/ procedimentos associados a estes riscos são PG 125 - riscos elétricos; PG 118 - consignação/ desconsignação de equipamentos e PG 26 - Equipamentos de proteção individual (EPI), que definem os riscos inerentes à atividade, modo de atuação, uso e utilização de equipamento de proteção necessário para a atividade específica.
9. BB tinha conhecimento, formação e informação para realizar o trabalho em curso naquela altura».
Destes factos resulta que a aqui recorrente possuía avaliação de riscos em trabalhos de tensão, estabelecendo medidas preventivas para o controlo desses riscos e que o trabalhador em causa tinha conhecimentos e formação para realizar o trabalho em causa.
Está, pois, em causa uma avaliação geral dos riscos e o estabelecimento de medidas para controlar esses riscos.
E o que diz o n.º 16 dos factos provados?
Que «[p]ara as tarefas que estavam em curso aquando do evento, não estavam previstas medidas adequadas efetivas de prevenção, não possuindo o trabalhador regras claras e inequívocas sobre os riscos (tolerável ou não tolerável) e das medidas de controlo adequadas para realizar trabalhos em tensão como o que estava a ser realizado por si».
Isto significa que não obstante a existência de uma avaliação para os riscos em geral dos trabalhos em tensão, e o estabelecimento de medidas preventivas para o controlo desses riscos, o caso em apreço não tinha aí enquadramento, não estava previsto naquela avaliação e prevenção de riscos.
Dito de forma direta: de acordo com a matéria de facto existia uma avaliação e prevenção dos riscos, mas que não abrangia a situação (o trabalho em concreto) que nos ocupa.
Aliás, esta conclusão resulta bem patente da motivação da resposta à matéria de facto, onde se referem as ações preventivas em matéria de riscos elétricos, constantes do PG -125, os procedimentos de consignação (operação destinada a colocar uma instalação, equipamento ou órgão fora de serviço, temporariamente, de modo a permitir a realização de trabalho em condições de segurança) ou desconsignação (operação destinada a recolocar uma instalação equipamento ou órgão em serviço, após terem sido concluídos os trabalhos), constantes do PG 118, bem como de equipamentos de proteção individual, para se concluir que não se encontrava aí prevista a concreta situação dos autos.
Assim, não existe qualquer contradição entre, por um lado, uma previsão teórica de situações a acautelar aquando da realização de trabalhos em tensão num quadro elétrico, e, por outro lado, a situação fáctica ocorrida no caso.
Admite-se, no limite, a existência de uma contradição meramente aparente, mas que uma leitura atenta da factualidade, bem como da respetiva motivação, logo dissipa.
De resto, extrai-se da própria motivação de recurso que a recorrente compreendeu perfeitamente o sentido exato da decisão recorrida, maxime da matéria de facto; o que se constata é que não concorda com a decisão: mas essa é uma matéria que se prende com o erro de julgamento, nada tendo a ver com a ininteligibilidade da decisão.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões da motivação de recurso.

2. Da prática ou não pela arguida/recorrente da contraordenação
A 1.ª instância respondeu afirmativamente a tal questão.
Para a compreensão da decisão é fundamental atender ao que consta da resposta à motivação da matéria de facto, maxime tendo em conta a conclusão (fáctica) inscrita no n.º 16 dos factos provados, ou seja, que «[p]ara as tarefas que estavam em curso aquando do evento, não estavam previstas medidas adequadas efetivas de prevenção, não possuindo o trabalhador regras claras e inequívocas sobre os riscos (tolerável ou não tolerável) e das medidas de controlo adequadas para realizar trabalhos em tensão como o que estava a ser realizado por si».
A este propósito, escreveu-se na referida motivação de facto:
«EE, Inspector da ACT, procedeu à visita inspectiva na sequência do acidente grave que vitimou BB.
Esclareceu que aquela visita foi realizada na companhia que FF, responsável da segurança.
O BB foi ouvido em momento posterior, pois naquela altura estava ausente por força do acidente.
EE foi bastante claro na descrição que fez da tipologia do quadro eléctrico em causa, mais antigo que outros que ali existem. Este é um quadro geral com secções, que não permite cortes parciais de tensão. Assim, o TCP ao intervencionar aquele equipamento, retirou os fusíveis e com isso conseguiu apenas que a corrente eléctrica deixasse de circular naquela secção. Porém, todo o demais quadro estava ligado à corrente e com tensão. As entradas para a secção intervencionada continuavam a ser alimentadas com aquela electricdade. Como forma de conseguir separar a parte sem tensão eléctrica em circulação devido à retirada dos fusíveis, da parte onde aquela corrente eléctrica continuava presente, o TCP colocou um pedaço de cartão. Porém, ao executar a substituição do contactor, aquele pedaço caiu levando ao contacto daquele elemento com a tensão eléctrica existente nas saídas desta secção.
Isso levou à formação do arco eléctrico que atingiu o corpo do TCP. Este, na altura, executava aqueles trabalhos sozinho e sem fazer uso de luvas de protecção ou de viseira.
Segundo declarou, o sinistrado deu-lhe conta que era habitual realizar aquele tipo de reparações em carga.
De igual modo, era habitual não se desligar todo o quadro pois isso importava a paralisação da linha de produção.
GG, Inspector da ACT, acompanhou EE naquela inspecção, reiterando o declarado pelo colega.
HH, funcionário da Recorrente, com responsabilidade na área de segurança no trabalho, atestou a formação do trabalhador em causa, sua larga experiência e conhecimentos.
Perante uma versão que nos pareceu elogiosa dos atributos de BB, e porque se nos afigurou que a testemunha dava pouca importância ao facto de aquele quadro não permitir o corte de tensão de uma secção para a outra, pois só permitia desligar ou ligar o quadro no seu todo, perguntámos à testemunha o que havia aquele trabalhador feito de errado.
Note-se que HH chegou ao cúmulo de referir que BB tinha utilizado aquele pedaço de cartão como meio adicional de protecção. O que nos levou a perguntar como pode ver naquele pedaço de cartão um meio adicional de protecção quando seria suposto o quadro eléctrico estar desligado. Se não houver corrente eléctrica não há que adoptar medidas adicionais de protecção (…).
Perante esta pergunta, HH, em rectas contas, limitou-se a referir, então sim, que o que o BB fez mal foi não ter desligado o quadro eléctrico antes de iniciar a sua intervenção, conforme lhe impunham os Procedimentos PG 125 e PG 118.
E reitera que aqueles procedimentos são claros, ao contrário do alegado pela ACT.
E, de facto, não conseguimos perceber que o sejam.
Efectivamente, o PG 125, na sua fls. 2, refere que “as instalações e equipamentos eléctricos consideram-se, para efeitos de segurança, como equipamentos permanentemente em tensão. O isolamento desses equipamentos, da fonte de energia, necessita de autorização. As intervenções em equipamentos eléctricos devem ser executadas de acordo com o procedimento descrito no PG 118 “Consignação/Desconsignação”.
Ora, lido aquele procedimento 3.2 resulta que só o isolamento do equipamento da fonte de energia necessita de autorização. Mas e se, como no caso em análise (bem ou mal), não se isolar o equipamento da sua fonte de alimentação (note-se que se entendeu que bastava cortar a alimentação à secção a intervencionar retirando os fusíveis)? É necessária essa autorização? Parece que não.
A fls. 3, aquele procedimento refere que o isolamento eléctrico do quadro deve fazer-se cumprindo todas as regras de segurança definidas no PG 118. E acrescenta que o responsável pelo isolamento eléctrico deve dar particular atenção à ligação à terra dos circuitos com tensão superior a 240 v.
O responsável deve confirmar a ausência de energia eléctrica no equipamento e resguardar as partes vizinhas que permanecem com energia eléctrica.
Antes do início do trabalho, deve tomar as providências necessárias de modo a consignar o equipamento, para que ninguém possa colocar esse circuito em carga.
Lido o PG 118 verificamos que dele constam um conjunto de acções que permitem que uma instalação, equipamento ou órgão seja colocado fora de serviço, protegido e não operacional.
E acrescenta que existem dois processos de consignação/desconsignação, a utilização de cadeados e/ou etiquetas, sendo que a utilização de cadeados e/ou etiquetas, sendo que a decisão de aplicação de cada um depende das condições reunidas pela instalação/equipamento ou órgão em causam cabendo esta responsabilidade ao director fabril.
A consignação é uma operação ou conjunto de operações destinadas a colocar uma instalação, equipamento ou órgão fora de serviço, temporariamente, permitindo a realização de trabalho em completas condições de segurança para os intervenientes nos trabalhos.
Lido o PG 118, consta do procedimento 3.5.1 “Intervenção em Equipamentos”:
“Sempre que uma instalação, equipamento ou órgão que está em operação normal necessita de uma intervenção do tipo (…) reparação (…) e que tenha que ser colocada(o) fora de serviço deve, sempre que possível, proceder-se à sua imobilização total de modo a assegurar que não pode funcionar, voltar ao seu estado de laboração normal, quer no modo automático, quer no modo manual, nem receber qualquer fluido, gás de outra instalação durante o intervalo de tempo de duração da intervenção.”
Ora, lido este PG ressalta, numa primeira vista, que o mesmo tem em consideração instalações, equipamentos ou órgão mecânicos cujo funcionamento assenta num movimento mecânico.
Por isso o método de consignação assenta, em princípio, na colocação de um cadeado de consignação (tem preferência sobre as etiquetas de consignação): que é um dispositivo mecânico com chave, destinado a tornar inoperacional um equipamento ou órgão.
Tal não é o caso de um quadro eléctrico.
No caso do quadro eléctrico ou se desliga o quadro (da sua ligação à fonte de electricidade) ou se mantém o quadro ligado (àquela fonte).
Mas, quando é que, segundo aquela PG 118 se deve desligar o quadro eléctrico? O procedimento em causa responde sempre que uma instalação, equipamento ou órgão em operação normal necessita de uma intervenção de reparação e que tenha de ser colocada(o) fora de serviço deve, sempre que possível, proceder-se à sua imobilização.
Temos aqui uma pescadinha de rabo na boca: o quadro eléctrico deve ser desligado sempre que deva ser colocado fora de serviço. Mas quando é que tem que ser colocado fora de serviço?
Ora, importa assim saber quando é que num equipamento em operação normal que tem se der reparado é necessário que o mesmo seja colocado fora de serviço?
Num equipamento, como seja um quadro eléctrico, em que a reparação deve ter lugar numa sua secção autónoma das demais secções, é necessário que todo o quadro eléctrico seja colocado fora de serviço, ou basta que se coloque fora de serviço apenas aquela secção, como fez o trabalhador, retirando os fusíveis? O procedimento não esclarece.
II menciona que em caso de imobilização do equipamento incumbia a um órgão colegial tomar aquela decisão, certo sendo que o trabalhador nunca a solicitou.
Mas se bem lemos o segundo parágrafo de fls. 13 do PG 118, o que ali consta é que “no caso de total impossibilidade de imobilização do equipamento, o trabalho só pode ser realizado por decisão da Direcção por proposta do Responsável da Manutenção, da Produção e do Coordenador de Segurança (…)”.
Ora, não era esse o caso. Não estávamos perante uma total impossibilidade de imobilização do equipamento. Era possível imobilizar o equipamento. Bastava desligar o quadro da sua fonte de alimentação. Este parágrafo prevê aquelas situações em que por impossibilidade de imobilização do equipamento a intervenção tem que ser feita com o equipamento a funcionar. Neste caso, importa proceder a uma ponderação dos riscos acrescidos que é feita pela Direcção, sob proposta daquelas três entidades.
Note-se que impossibilidade de imobilização nada tem que ver com o prejuízo para a empresa de se imobilizar um equipamento para proceder a uma intervenção.
O ponto 3.5.3 acrescenta “Depois do equipamento/máquina ter sido consignado, o responsável autorizado para realizar o trabalho e o operador confirmam que a instalação, equipamento ou órgão está totalmente imobilizado, despressurizado e isolado.
Ora, no caso em análise, o trabalhador estava sozinho a executar aquela tarefa de reparação. A Recorrente não diligenciou por garantir a presença de um outro funcionário que permitisse cumprir este procedimento.
Mais à frente, a fls. 19, daquele PG 118, é referido “a pessoa competente e o responsável autorizado para realizar o trabalho testam a impossibilidade de funcionamento do equipamento (…)”.
E mais à frente o ponto 3.5.7 remata “Para cada necessidade de consignação/desconsignação deverá existir um procedimento de área “Consignação/Desconsignação” onde estejam identificados de forma esquemática os dispositivos a consignar, e definidos os passos para a consignação/desconsignação.”
Ora, salvo o devido respeito, quele procedimento afigura-se-nos, como se disse, feito tendo por referência instalações, equipamentos e órgãos “de maquinaria”, e não tem em consideração as particularidades de um quadro eléctrico.
Esta falta de precisão do procedimento é tão mais gritante quanto é certo que na empresa existiam quadros eléctricos modernos que permitiam a compartimentação estanque da alimentação de energia, que coabitavam com quadros eléctricos mais antigos, como aquele que estava a ser intervencionado, em que se ligava ou desligava todo o quadro, para cortar a alimentação de energia às suas secções.
Efectivamente, aqueles procedimentos são pouco esclarecedores quanto ao modo de intervir na situação em análise. E tal resultado é possível verificar não só na actuação do trabalhador em causa, como na avaliação da sua conduta por parte da empresa no relatório que juntaram a solicitação da ACT, e que está a fls. 11 e ss.
Lido o resultado da avaliação de fls. 12, coloca-se a enfase na existência de um elemento em tensão sem protecção contra contactos; porque a tipologia do quadro não garante a ausência de tensão no compartimento sem a desenergização total do quadro, porque não são compartimentos extraíveis e porque o porta fusíveis não está protegido contra contactos, sendo o ano de fabrico do quadro de 1989.
Ou seja, naqueles “porquês” em momento algum se assinala como “porquê do acidente” o facto de o trabalhador não ter desligado o quadro eléctrico (da fonte de alimentação), conforme devia – diz a recorrente agora, face aos ditos PG 125 e 118.
E essa falta de referência não deixa de ser [s]ignificativa.
Quanto ao uso do EPI’s fica também a dúvida quanto ao carácter mandatório da utilização da viseira e das luvas de protecção, pois a própria R., naquela avaliação ,corrobora a versão apresentada (os círculos significam Sim):
Ali é referido:
Porque não utilizava viseira de protecção – Porque não considerou necessário – Porque as intervenções em quadros eléctricos normalmente não acarretam este risco – porque a tipologia da maioria dos quadros garante as condições de segurança para este tipo de trabalhos.
Porque não utilizava luvas de protecção? – Porque a sua utilização dificultava a actividade técnica – Porque a tarefa exigia precisão e Porque a posição do compartimento era junto ao chão provocando uma postura difícil. Tudo isto também está confirmado pela recorrente com o (O).
Se virmos as acções que vêm previstas no quadro de fls. 12 v., as mesmas pressupõem a manutenção do quadro eléctrico em carga. Quando bastava dizer, sem mais, e mantendo-se aquele quadro eléctrico: desligar sempre o quadro eléctrico antes de realizar aquele tipo de operação.
Se a orientação inequívoca for no sentido de desligar o quadro da fonte de alimentação, não interessa se o porta-fusíveis protege contra contactos.
E de facto isso mesmo acaba por reconhecer a recorrente quando refere nas acções a adoptar “Procedimentar que, para efectuar algumas tarefas em quadros desta tipologia, é necessário desenergizar totalmente o quadro.
Se assim é, resulta para nós demonstrado que: se é preciso criar o procedimento é porque o procedimento não existe; e mesmo que ele exista, pelos vistos, não se podem tratar todas as tarefas de igual modo, pelo que é necessário precisar, para que dúvidas não existam e para que não fique na discricionariedade do trabalhador quais aquelas que determinam o corte total de corrente.
Finalmente, e no que tange aos equipamentos, cumpre referir que para além do que se disse, consta do PG 26 – Equipamentos de Protecção Individual – que a utilização de EPI’s é regra cardinal, obrigatória para todos. Essa obrigatoriedade traz consigo a necessidade de controlo e a responsabilidade associada e que pertence aos directores/chefias directas/técnicos de segurança, sob pena de procedimento disciplinar.
Ora, perguntado a II se o trabalhador foi alvo de procedimento disciplinar, o mesmo julga que não, estranhando até a pergunta. É certo que a Ilustre Mandatária da recorrente logo acrescentou que a testemunha não tem domínio deste facto para sobre ele prestar depoimento. Porém, não deixa de ser estranho que sendo a testemunha um funcionário com responsabilidade na área de segurança e saúde no trabalho, não tenha feito uma participação disciplinar contra o trabalhador… tão relapso que foi (agora se diz).
Tudo visto, fica-nos a convicção de que tudo se fazia sem um juízo crítico e de censura da recorrente, até porque a própria recorrente não está segura quanto às conclusões a retirar no que tange aos procedimentos previstos nos PG 125 e 118 e sua aplicação ao caso em análise.
E essa incerteza e indefinição (revelada pela sua apreciação desta mesma situação) acabam por ter reflexo na própria imprecisão daqueles procedimentos quanto à forma de agir perante quadros eléctricos desta natureza.
Veja-se que mesmo na sinalética não ficou demonstrado que havia um desenho esquemático quanto à intervenção naquele quadro eléctrico que impusesse em todo e qualquer caso, ou em casos como aquele que nos ocup[]am, o corte de energia total».
E na subsunção jurídica dos factos, escreveu-se na decisão recorrida que se verificou imprevidência e falta de cuidado da empregadora/recorrente, por inexistência de definição de procedimentos, e de controle de atuação em relação ao trabalhador, de modo a prevenir situações como a que ocorreu, pelo que não poderá deixar de se concluir que aquela atuou com culpa.

A arguida discorda de tal conclusão, argumentando, em suma, que agiu sempre de forma diligente e assegurou que todas as medidas de segurança estivessem reunidas, seja através da definição das condições e ações preventivas necessárias para a realização da operação pelos trabalhadores que intervêm em instalações elétricas, constantes do PG – 125, seja através do procedimento de consignação/desconsignação, constante do PG 118, seja através do procedimento de utilização de equipamentos de proteção individual, constante do PG 26.
Vejamos.

Estipula o artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro – diploma legal que, recorde-se, estabelece o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social –, que os Tribunais da Relação apenas conhecem da matéria de direito, salvo as questões de conhecimento oficioso que decorrem do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Dispõe, por seu turno, o artigo 410.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Penal:
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só e conjugada com as regras da experiência comum:
(…)
c) erro notório na apreciação da prova».
Verifica-se este vício quando se dá como provado algo que não podia ter acontecido, sendo o erro detetável por qualquer pessoa minimamente atenta: ou, como escrevem Simas Santos e Leal Henriques (Recursos em Processo Penal, 7.ª Edição, Rei dos Livros, pág. 77) «(…) há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá consta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis».

Pois bem: no caso que nos ocupa, da transcrição da motivação da resposta à matéria de facto, resulta – de forma que se entende perfeitamente compreensível a um cidadão médio, e perante os procedimentos de segurança da recorrente, constantes dos PGs – o porquê de se ter dado como provada a conclusão (fáctica) que consta do n.º 16.
E não se alcança que tal conclusão seja ilógica, irrazoável, tendo em conta o critério de um cidadão comum, colocado perante aqueles PGs.
Daí que inexistindo erro notório em relação à apreciação do facto pelo tribunal a quo, e conhecendo este tribunal apenas da matéria de direito, face ao facto n. 16 se apresente incontroverso que a recorrente cometeu a contraordenação por que foi condenada.
Com efeito, o que resulta do facto é que a empregadora/recorrente não assegurou ao trabalhador o exercício das funções em causa em condições de segurança, na medida em que não houve planificação adequada – com identificação dos riscos previsíveis, elaboração e divulgação de instruções claras e objetivas para aquele tipo de quadro elétrico, já antigo – com fabrico de 1989 – de forma a evitar e combater os riscos de acidentes como aquele que ocorreu.
Mas ainda que se considere que o vertido no n.º 16 da matéria de facto configura matéria de direito, sempre se acrescenta que idêntica será a conclusão, quanto à prática da contraordenação pela arguida.
Remete-se para a tanto, e para evitarmos ser tautológicos, para a supra transcrita bem desenvolvida motivação da matéria de facto da decisão recorrida, sendo de enfatizar, apenas alguns aspetos.
Desde logo, lidos e relidos os procedimentos (os referidos PGs) não resulta claro como deveria o trabalhador proceder na situação em análise para trabalhar em segurança.
Estava em causa um equipamento (quadro elétrico) antigo (com fabrico de 1989) em relação à maioria dos restantes equipamentos: enquanto estes permitem compartimentos estanques de alimentação de energia, sem que isso afete o normal funcionamento da produção, já o mesmo não ocorria em relação àquele.
Em termos práticos, o que sucedia é que com a remoção dos fusíveis do compartimento em intervenção, embora deixasse de existir carga no contactor, ela mantinha-se na entrada do quadro durante a intervenção, o que denota o elevado risco associado a esta.
Por isso a intervenção em causa deveria ter sido realizada com o quadro fora de tensão.
E, como parece legítimo extrair-se da matéria de facto, seria do conhecimento da aqui recorrente que tarefas como a que desenvolvia o trabalhador/sinistrado eram feitas sem desenergizar totalmente o quadro…
A este propósito é impressivo o relatório de análise do acidente elaborado pela recorrente e das eventuais medidas preventivas a tomar de modo a evitar os riscos, quando nele se afirma «[p]rocedimentar que, para efetuar algumas tarefas em quadros desta tipologia, é necessário desenergizar totalmente o quadro»: isto significa que é a própria recorrente que reconhece a necessidade de “procedimentar” a necessidade de em tais situações, e em quadros com as características em causa, desenergizar totalmente o quadro, o mesmo é dizer colocar o quadro fora de tensão.
E isso, volta-se a sublinhar, não resulta claramente dos PGs.
Quanto à adoção de medidas de proteção individuais por parte do trabalhador – como a utilização de viseira de proteção ou de luvas próprias – é também a própria recorrente que afirma que aquelas não eram necessárias para o trabalho em causa, e quanto a estas dificultavam a atividade técnica, que exigia precisão e a posição do compartimento era junto ao solo, provocando uma postura difícil.
Ora, como escreveu o Ministério Público na 1.ª instância, em resposta ao recurso, «[o] corte de corrente não poderá ficar à discricionariedade do trabalhador, muito menos numa empresa como a da recorrente, pois como todos sabemos, uma hora de não laboração representa um elevado prejuízo. Tendo em conta isto, o trabalhador, não tendo uma ordem expressa, escrita ou verbal, acerca do corte total de energia elétrica, não decidirá, nunca, por esta via, optando por outras maneiras de resolução do problema que não prejudiquem o processo produtivo».
Nesta sequência, volta-se a reafirmar, a recorrente ao não transmitir ao trabalhador – seja por via dos PGs, seja até por outra via – regras claras e precisas a adotar em situações como a dos autos, violou o disposto no artigo 15.º, n.º 1 e 2, alíneas a), b), c), d), e) e l), da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, pelo que cometeu a contraordenação por que foi condenação.
Aqui chegados, sem desdouro pela argumentação da recorrente, o recurso não pode proceder, sendo, pois, de manter a decisão recorrida.

3. Vencida no recurso, a (arguida) recorrente deverá suportar o pagamento das custas respetivas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (artigo 59.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e artigo 8.º, n.ºs 7 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e respetiva tabela III anexa).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

(Documento elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 25 de outubro de 2024
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntas: (1) Paula do Paço, (2) Emília Ramos Costa.