Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
440/10.7T2SNS.E1
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: RETRIBUIÇÃO
CÁLCULO
ACIDENTE DE TRABALHO
Data do Acordão: 12/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: - Não permitindo a matéria de facto provada determinar uma retribuição mensal ou anual ilíquida que o trabalhador normalmente recebesse ao serviço sua entidade empregadora, e que, como tal, se devesse levar em consideração para efeitos de cálculo, quer das indemnizações por incapacidades temporárias, quer da pensão por incapacidade permanente de que aquele tenha ficado afectado em consequência de acidente de trabalho que sofreu, não se pode deixar de lançar mão do disposto no n.º 5, segunda parte ex vi do n.º 9, do art. 26º da LAT, cabendo ao juiz, segundo o seu prudente arbítrio e atendendo à natureza dos serviços em causa, à categoria profissional do sinistrado e aos usos, determinar qual a retribuição mensal e anual, base de cálculo das indemnizações e pensões que a este sejam devidas, sem, contudo, deixar de ter presente o disposto no n.º 8 do aludido preceito legal.
- Tendo-se demonstrado que o autor foi contratado pela 2ª ré como “tirador de cortiça”, mediante uma remuneração diária de € 65,00, a qual incluía o pagamento de subsídios de férias e de Natal, atendendo à época do ano em que se verificou o sinistro – Agosto de 2009 –, à especialização que aquela actividade agrícola exigirá, ao curto período de tempo em que a mesma deveria ser desempenhada, ao normal esforço que a mesma exige dos trabalhadores que a executam, não impressiona que o valor de € 65,00 diários acordado entre o autor e a 2ª ré em termos de retribuição daquele trabalho, seja um valor normal ou adequado ao desempenho de uma tal actividade, devendo, por isso, ser levado em linha de conta como base de cálculo dos mencionados direitos.
Decisão Texto Integral:




PROC. N.º 440/10.7T2SNS.E1
REC. APELAÇÃO – 1ª

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial que inicialmente correu termos na comarca do Alentejo Litoral – Sines – Juízo de Trabalho e Família e Menores mas que, a requerimento do sinistrado A.........................., residente na …………………..Cabrela, passou a correr termos pelo Tribunal do Trabalho de Évora, frustrada a tentativa de conciliação realizada no final da fase conciliatória do processo entre o sinistrado e as entidades responsáveis ZURICH INSURANCE Plc – Sucursal em Portugal, sita na Rua Barata Salgueiro n.º 41 em Lisboa e B......................... – Serviços Agrícolas e Silvícolas Unipessoal, Ldª, com sede na Cova do Vai Tu, apartado 39, Alcácer do Sal, o sinistrado, na qualidade de autor, deduziu petição contra as referidas responsáveis, na qualidade de rés, alegando, em resumo e com interesse, que no dia 1 de Agosto de 2009, pelas 08.00 horas, quando se encontrava a trabalhar ao serviço da 2ª ré exercendo as funções de “tirador de cortiça”, mediante a retribuição base de € 65,00 x 360 dias, ou seja, num total anual de € 23.400,00, o cabo da machada soltou-se e bateu-lhe no dedo grande do pé direito, sofrendo, em consequência directa e necessária, fractura exposta das falanges do 1º dedo do pé direito, ficando com limitação dolorosa do hallux pos-traumática e alterações tróficas da perna direita que o obrigam ao uso de meia de contenção elástica, tendo ficado afectado de uma Incapacidade Permanente de 13,6% desde 21/03/2011.
Até esta última data, num total de 482 dias, foi-lhe igualmente atribuída uma Incapacidade Temporária, tendo-lhe a 1ª ré pago o montante de € 3.774,23, a título dessa incapacidade temporária.
À data do acidente, a 2ª ré tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, em relação ao autor, transferida para a 1ª ré, mediante contrato titulado pela apólice n.º 005048338, pelo montante salarial de € 390,00 x 14 meses, na totalidade anual de € 5.460,00.
Teve despesas de deslocação ao tribunal por virtude dos presentes autos, as quais importam em € 50,00.
Na aludida tentativa de conciliação, as partes aceitaram que o acidente sofrido pelo autor é acidente de trabalho e a 2ª ré aceitou que o autor auferia a retribuição diária de € 65,00 x 360 dias, no valor anual de € 23.000,00.
A 1ª ré não aceitou a IPP de 13,6% atribuída pelo perito médico na fase conciliatória do processo.
Concluiu pedindo que a acção seja julgada procedente e que as rés sejam condenadas a pagarem-lhe, na proporção das suas responsabilidades:
- A quantia de € 17.365,07, correspondente a indemnização por incapacidade temporária;
- O capital de remição calculado com base na pensão anual no montante de € 2.227,68 com início em 22 de Março de 2011, dia imediato ao da alta;
- A quantia de € 50,00 por despesas de deslocação a tribunal;
- Juros de mora sobre as referidas quantias à taxa legal desde o respectivo vencimento e até integral pagamento.
Requereu ainda que fosse submetido a exame médico por junta médica, formulando quesitos para esse efeito.
Citadas as rés para contestarem a aludida acção, contestou a 1ª ré alegando, com interesse, que a retribuição anual do sinistrado não era no montante alegado pelo mesmo.
O autor foi admitido ao serviço da 2ª ré para exercer a actividade sazonal de tirador de cortiça pelo prazo de 6 dias com início em 27/07/2009 e termo em 01/08/2009 inclusive, mediante o vencimento diário ilíquido de € 65,00/dia, estando englobados nesta retribuição os respectivos complementos de férias e de subsídios de férias e de Natal.
Em virtude deste contrato de trabalho a 2ª ré celebrou com a contestante um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º 005048338, por força da qual transferiu os riscos decorrentes de acidentes ocorridos na actividade de extracção de cortiça aos trabalhadores identificados na relação anexa à proposta de seguro, contrato que foi celebrado pelo referido prazo de contrato de trabalho, transferindo para a contestante e no que toca ao sinistrado, a responsabilidade pelo salário diário de € 65,00, no qual foi declarado estarem incluídos os 13º e 14º meses, pelo que, em bom rigor, a responsabilidade da contestante está limitada ao salário total de € 390,00 e não, como por lapso se declarou na fase conciliatória, ao salário anual de € 5.460,00.
Contudo, dado que na fase conciliatória aceitou responsabilizar-se por este salário anual, por ele continua a responsabilizar-se.
No que respeita às indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial, as mesmas só serão calculadas com base na retribuição diária auferida à data do acidente quando esta represente a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado (art. 26.º n.º 1 da LAT).
De igual modo que as pensões serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado (n.º 2 do mesmo preceito).
O salário de € 65,00 por dia, não era o salário normalmente recebido pelo autor e não é verdade que tenha ganho entre 1 de Agosto de 2008 e 31 de Julho de 2009 a remuneração anual de € 23.400,00.
Naquela actividade específica e sazonal, o autor ganharia em seis dias a remuneração de € 390,00, mas essa remuneração não representa a remuneração normal do sinistrado e daí que se deva apurar a média tomada com base nos dias de trabalho e correspondentes retribuições auferidas por aquele no período de um ano anterior ao acidente.
Mesmo que o autor tivesse auferido uma retribuição diária de € 65,00 nos doze meses anteriores ao do acidente, a verdade é que a responsabilidade da ré seguradora estaria e está sempre balizada pelo salário declarado no contrato de seguro. E esse era o salário único de € 390,00, sem qualquer extrapolação para o salário mensal ou anual.
Por lapso dos seus serviços administrativos, já pagou ao autor, a título de indemnizações e pensões decorrentes do acidente, bem mais do que a medida das suas responsabilidades.
Alega, finalmente, que o autor é portador de uma IPP de 6,9% e teve as incapacidades temporárias nos períodos e nos coeficientes referidos no exame pericial de fls. 160 e 161.
Concluiu que a presente acção deve ser julgada de acordo com a prova a produzir.
Contestou, também a 2ª ré, alegando, em síntese que, entre outros trabalhos agrícolas, executa empreitadas de extracção de cortiça, tendo iniciado essa actividade sazonal em 16 de Junho de 2009.
Nesse mesmo dia solicitou ao seu mediador de seguros a celebração de um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a 1ª ré para todo o pessoal que, ao seu serviço, iria executar o serviço de extracção, carregamento e empilhamento de cortiça.
Esse pedido foi acompanhado de uma listagem contendo o nome, a categoria profissional e o salário diário auferido por cada um dos trabalhadores, entre eles o autor.
Tendo em consideração que o número de trabalhadores e a sua identidade é susceptível de alteração ao longo da época, solicitou à seguradora que o seguro apenas abrangesse o período de 16 a 26 de Junho de 2009.
A ré seguradora aceitou celebrar o referido contrato de seguro.
Em 30/06/2009, na sequência de nova empreitada para extracção de cortiça, solicitou à 1ª ré a realização de novo contrato de seguro de acidentes de trabalho até ao dia 04/07/2009 e o mesmo se verificou em relação aos períodos que mediaram entre 08/07/2009 e 11/07/2009; entre 13/07/2009 e 18/07/2009; entre 20/07/2009 e 25/07/2009 e entre 27/07/2009 e 01/08/2009, todos eles integrando o ora autor.
Sempre pagou pontualmente os prémios e demais encargos devidos resultantes dos vários contratos celebrados com a 1ª ré, sendo que os prémios sempre foram calculados tendo em consideração o número de trabalhadores e o salário que cada um deles auferia, sendo que este, no caso do autor, era de € 65,00 por dia, com base no qual transferiu a sua responsabilidade por acidentes de trabalho.
Concluiu que, no que a si diz respeito, a presente acção deve ser considerada totalmente improcedente.
Foi proferido despacho saneador tabelar, foi fixada a matéria de facto assente e foi organizada a base instrutória (fls. 245 a 248).
Foi determinada a abertura de apenso para verificação da incapacidade do sinistrado e aqui autor.
A 1ª ré deduziu reclamação contra a matéria de facto considerada como assente, reclamação que foi considerada procedente por despacho de fls. 260.
No mencionado apenso, após a realização de exame por junta médica ao sinistrado, foi proferida decisão fixando que o mesmo, em consequência do acidente dos autos, ficou portador de uma incapacidade permanente parcial (IPP) com um coeficiente de desvalorização de 10%, desde o dia 21.3.2011 (fls. 10 desse apenso).
Instruído o processo, foi realizada a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida a decisão de fls. 288 sobre as respostas aos quesitos constantes da base instrutória.
Não houve reclamações.
Seguidamente foi proferida a sentença de fls. 291 a 297, que culminou com a seguinte:
DECISÃO.
Pelo exposto julgo a acção procedente por provada em consequência:
a) absolvo a Ré B......................... - SERV. AGRIC. SILV., LDA do pedido contra ela formulado.
b) condeno a Ré seguradora ZURICH INSURANCE PIC. – SUCURSAL EM PORTUGAL a pagar ao autor ANTÓNIO JOSÉ MIRANE MARTINS a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível no montante de € 27,30 (vinte e sete euros e trinta cêntimos), com início no dia 22 de Março de 2011, e a quantia de
50,00 (cinquenta euros) de deslocações a tribunal;
c) custas pela Ré seguradora.
Inconformado com esta sentença, dela veio o autor interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
A. De acordo com a sentença recorrida o Tribunal a quo decidiu absolver a Ré entidade patronal do pedido contra ela formulado.
B. Decidiu igualmente o Tribunal a quo condenar a Ré seguradora a pagar ao autor/apelante a pensão anual e vitalícia obrigatoriamente remível no montante de € 27,30 com início no dia 22 de Março de 2011.
C. Considerou o Tribunal a quo provados os seguintes factos:
- No dia 1 de Agosto de 2009, pelas 8h em Évora, o A. quando se encontrava no exercício das suas funções de tirador de cortiça por conta da 2ª Ré, ao tirar cortiça do sobreiro o cabo da machada saltou batendo-lhe no dedo grande do pé direito.
- em consequência directa e necessária de tal evento sofreu o A. fractura exposta das falanges do 1º dedo do pé direito.
- O A. auferia o salário diário de € 65,00.
- O A. teve alta clínica em 21.03.2011.
- O A. nasceu em 1.12.1968.
- Em deslocações ao tribunal o A. despendeu a quantia de € 50,00.
- A 2ª Ré tinha transferido para a 1ª Ré a responsabilidade civil emergente de acidentes laborais dos trabalhadores pelo menos até ao montante de € 5.460,00 titulado pela apólice n.º 0050448338.
- O A. recebeu da seguradora pelo menos a quantia de € 3.774,23 a título de indemnizações devidas por incapacidade temporária.
D. Acontece porém, que no dia 4 de Outubro de 2011 foi realizada tentativa de conciliação, e da mesma a posição jurídica de ambas as RR – Seguradora e Entidade Patronal – foi a seguinte:
- A Seguradora obriga-se a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 519,79, devida desde o dia imediato ao da cura clínica, obrigatoriamente remível; e ainda
- a quantia de €50,00, por despesas com transportes.
A entidade Patronal obriga-se a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 1.707,89 devida desde o dia imediato ao da cura clínica, obrigatoriamente remível; e ainda
- A quantia de € 17.365,07 a título de indemnizações relativas ao período de incapacidade temporária.
E. Da supra mencionada tentativa de conciliação, ficou confessado que o sinistrado aceitava todos os pressupostos, ao invés, a Seguradora aceitava todos os pressupostos com excepção da IPP atribuída ao sinistrado, ao passo que a Entidade Patronal aceitou todos os pressupostos com excepção da responsabilidade pelo sinistro se encontrar transferida na sua totalidade para a Ré Seguradora.
F. Com a realização da tentativa de conciliação visa-se sobretudo uma questão de economia processual, já que se não se obter um acordo global, então deve-se aproveitar para reduzir o litígio às questões sobre as quais não foi possível obter um acordo das partes.
G. In casu, e salvo melhor entendimento, com a respectiva tentativa de conciliação deveriam ter ficado excluídas de qualquer discussão processual os pressupostos em que as partes estiveram de acordo, o que não ocorreu na sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo.
H. Na verdade, a posição assumida, ora pela Seguradora, ora pela Entidade Patronal traduz-se numa confissão judicial espontânea dos factos.
I – Atento o auto de conciliação, e salvo douto entendimento, o Tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 112º nº do CPT e os artigos 352º, 355º nº 1 e 2 e 358º do Código Civil, ao omitir os factos assentes na tentativa de conciliação realizada no dia 4 de Outubro de 2011.
J. A declaração quer da Seguradora, quer da Entidade Patronal, na tentativa de conciliação, realizada perante o Digno Magistrado do Ministério Público na fase conciliatória dos presentes autos – processo emergente de acidente de trabalho – constitui um reconhecimento de factos que lhes eram desfavoráveis e favorecem a parte contrária, in casu – o Autor/Apelante.
L. O reconhecimento por parte da Seguradora e da Entidade Patronal corresponde a uma confissão judicial espontânea dos factos e por consequência, da extensão da responsabilidade da Seguradora e da Entidade patronal.
M. Ora, salvo melhor entendimento, os factos integrantes da tentativa de conciliação em que as partes estiveram de acordo, não podiam voltar a ser objecto de discussão, por serem considerados assentes.
Nestes termos, deve ser provimento ao presente recurso de Apelação, devendo a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere como factos assentes pelas partes o constante na tentativa de conciliação realizada no dia 4 de Outubro de 2011.
PARA QUE SE FAÇA JUSTIÇA.
Contra-alegaram a 1ª e a 2ª RR., concluindo em síntese, que a sentença recorrida não merece qualquer reparo devendo ser mantida.
Admitido o recurso na espécie própria, a 1ª ré requereu a rectificação de lapso da sentença recorrida através do requerimento que formulou a fls. 329 e 330, o que foi deferido por despacho de fls. 332.
Subindo ao autos a este Tribunal da Relação e determinando-se o cumprimento do disposto no art. 87.º n.º 3 do C.P.T., a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 339 a 347, no sentido de ser alterada a sentença recorrida.
Este parecer não teve qualquer resposta.
Colhidos os vistos, cabe, agora, apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO
Tendo em consideração as conclusões do recurso que acabámos de enunciar e que, como se sabe, delimitam o seu objecto [art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.º 1 do C.P.C., aqui aplicáveis por força do art. 87º, n.º 1 do C.P.T.], sem prejuízo da análise de questões de natureza oficiosa, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação a questão de saber se na tentativa de conciliação efectuada na fase conciliatória do processo as responsáveis confessaram factos que lhes eram desfavoráveis e se, nessa medida, os mesmos não podiam ser objecto de discussão processual e deveriam ter sido levados em consideração pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
Oficiosamente – atendendo à indisponibilidade dos direitos em causa – coloca-se ainda a questão de saber qual a remuneração auferida pelo sinistrado que deve ser levada em consideração no cálculo das indemnizações e pensões a que o mesmo tem direito.

Na sentença recorrida o Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
(Mencionamos os factos com referência a alíneas por maior facilidade na identificação dos mesmos e na sua utilização na apreciação do objecto do recurso).
a) No dia 1 de Agosto de 2009, pelas 8horas em Évora o A., quando se encontrava no exercício das suas funções de tirador de cortiça por conta da 2ª Ré, ao tirar cortiça do sobreiro o cabo da machada saltou batendo-lhe no dedo grande do pé direito, (alínea a) da matéria de facto assente).
b) Em consequência directa e necessária de tal evento sofreu o Autor fractura exposta das falanges do 1º dedo do pé direito, (alínea b) da matéria de facto assente).
c) O A. auferia o salário diário de € 65,00, (alínea c) da matéria de facto assente).
d) O A. teve alta clínica em 21. 3. 2011, (alínea d) da matéria de facto assente).
e) O A. nasceu em 1. 12. 1968, (alínea e) da matéria de facto assente).
f) Em deslocações a tribunal o A. despendeu a quantia de € 50,00, (alínea f) da matéria de facto assente).
g) A 2ª Ré tinha transferido para a 1ª Ré a responsabilidade civil emergente de acidentes laborais dos trabalhadores pelo menos até ao montante de € 5.460,00 titulado pela apólice nº 005048338 (alínea g) da matéria de facto assente)[1].
h) O A. recebeu da seguradora pelo menos a quantia de € 3.774,23 a título de indemnizações devidas por incapacidade temporária, (alínea h) da matéria de facto assente).
i) O contrato da alínea g) da especificação foi celebrado pelo período de 6 dias com início em 27 de Julho e termo em 1 de Agosto de 2009, (resposta ao artº. 2º da base instrutória).
j) No montante diário da retribuição do A. estavam incluídos os subsídios de férias e de Natal, (resposta ao artº. 3º da base instrutória).
k) A 1ª Ré já pagou ao A. a título de indemnizações a quantia de €15.834,00, (resposta ao artº. 5º da base instrutória).
l) O A. encontra-se com 10% de incapacidade parcial permanente desde o dia 21. 3. 2011 (data da alta) em consequência do acidente dos autos.
m) [2]
Antes de se iniciar a apreciação das suscitadas questões de recurso, dir-se-á, desde já, que a matéria de facto contida na supra referida alínea g), não corresponde integralmente à que foi consignada na alínea g) da matéria de facto considerada como assente aquando da prolação do despacho saneador, na sequência de reclamação deduzida pela ré seguradora (cfr. fls. 257 e 258) e que foi deferida por despacho de fls. 260.
Importa, pois, respeitar a matéria efectivamente consignada como assente na referida al. g), alterando-se, desse modo, a redacção dada à também alínea g) dos factos tidos como provados pelo Tribunal a quo na sentença sob recurso, a qual passa a ser a seguinte:
g) A 2ª ré tinha transferido para a 1ª ré a responsabilidade civil emergente de acidentes laborais dos seus trabalhadores por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 005048338, celebrado na modalidade de prémio fixo, pelo período temporário de seis dias, com início em 27/07/2009 e termo em 01/08/2009, com indicação na apólice dos trabalhadores seguros e respectivos salários e, no que toca ao autor, a responsabilidade encontrava-se transferida pelo salário diário de € 65,00.
Por outro lado, têm de se considerar como assentes, por acordo das partes resultante do que estas alegaram nos respectivos articulados, os períodos de incapacidade temporária sofridos pelo sinistrado e ora autor entre o dia do acidente e o dia da alta clínica. Com efeito, em relação a esses períodos de incapacidade temporária, embora a 1ª ré impugne a matéria de facto alegada pelo autor no artigo 9º da sua petição, fá-lo apenas na pressuposição de que o autor aí se reportava apenas a dias de incapacidade temporária absoluta o que não corresponde à realidade.
Na verdade no art. 9º da petição o autor refere apenas que “[f]oi igualmente atribuído ao A. uma Incapacidade Temporária desde o dia seguinte ao acidente (02/08/2009) até à data da alta (21/03/2011), num total de 482 dias (cfr. fls. 160 e 161)”. Não refere, contudo, que este período de 482 dias de incapacidade temporária se reporte, todo ele, a um período de incapacidade temporária absoluta e, por outro lado, fazendo, como faz, referência expressa ao exame médico que lhe foi efectuado na fase conciliatória do processo pelo senhor perito médico de clínica medico-legal e que consta de fls. 158 a 161 dos autos, verifica-se que o autor pretendeu reportar-se aos períodos de incapacidade temporária absoluta e de incapacidade temporária parcial, com os coeficientes ali especificados.
Ora, tendo a 2ª ré aceite a matéria alegada pelo autor no mencionado art. 9º da petição e tendo a 1ª ré alegado nos artigos 34º e 35º da sua contestação que «[s]endo certo que no período compreendido entre a data do acidente e a data da alta o A. não esteve sempre em situação de ITA», «[m]as sim em situação de ITA e ITP nos períodos e pelos coeficientes indicados, quer pela ora Ré, quer no exame pericial a fls. 160 e 161», não podemos deixar de considerar haver acordo entre as partes quanto aos períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial sofridos pelo autor entre o dia seguinte ao do acidente e o dia da alta clínica e que são os referidos por aquele senhor perito médico a fls. 160 e 161 dos presentes autos.
Assim deveria o Sr. Juiz do Tribunal a quo ter consignado como provada, por acordo das partes, a seguinte matéria de facto que se adita à anteriormente enunciada:
m) O A., em consequência do acidente referido em a), sofreu um período de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) entre 2 de Agosto de 2009 e 10 de Outubro de 2010; um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 30% entre 11 de Outubro de 2010 e 9 de Janeiro de 2011, um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 25% entre 10 de Janeiro e 10 de Fevereiro de 2011; um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 20% entre 11 de Fevereiro e 10 de Março de 2011 e um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 10% entre 11 de Março e 21 de Março de 2011.
No mais, mantém-se a matéria de facto consignada como assente pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, já que não foi objecto de impugnação nem se vê razões para ser alterada.

Passando-se, agora, à apreciação da suscitada questão de recurso, refere, em síntese, o autor apelante que na tentativa de conciliação efectuada na fase conciliatória do processo, as responsáveis seguradora e patronal, confessaram factos que lhes são desfavoráveis e o favorecem, pelo que, nessa medida, não podiam ser objecto de discussão processual e deveriam ter sido levados em consideração na sentença recorrida.
Concretizando, refere, em particular nas alíneas D) e E) das suas conclusões de recurso, que:
«D) Acontece porém, que no dia 4 de Outubro de 2011 foi realizada tentativa de conciliação, e da mesma a posição jurídica de ambas as RR – Seguradora e Entidade Patronal – foi a seguinte:
- A Seguradora obriga-se a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 519,79, devida desde o dia imediato ao da cura clínica, obrigatoriamente remível; e ainda
- a quantia de €50,00, por despesas com transportes.
A Entidade Patronal obriga-se a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 1.707,89 devida desde o dia imediato ao da cura clínica, obrigatoriamente remível; e ainda
- A quantia de € 17.365,07 a título de indemnizações relativas ao período de incapacidade temporária.
E. Da supra mencionada tentativa de conciliação, ficou confessado que o sinistrado aceitava todos os pressupostos, ao invés, a Seguradora aceitava todos os pressupostos com excepção da IPP atribuída ao sinistrado, ao passo que a Entidade Patronal aceitou todos os pressupostos com excepção da responsabilidade pelo sinistro se encontrar transferida na sua totalidade para a Ré Seguradora.».
Pretende, pois, o autor, através destas e das demais conclusões de recurso, que se dê por confessado e, desse modo, por assente, que a seguradora, na aludida tentativa de conciliação, se obrigara a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de € 519,79 e que a entidade patronal se obrigara a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia de € 1.707,89 e a quantia de € 17.365,07 e que, por tal, essa matéria já não poderia ter sido objecto de discussão.
Acontece que, conforme, claramente, resulta do auto de tentativa de conciliação de fls. 169 a 172 dos autos, as mencionadas “obrigações de pagamento” mais não são do que aspectos da proposta de acordo apresentada pelo M.º P.º às partes nessa mesma tentativa (fls. 171), com base nos pressupostos fáctico-jurídicos que antes elencara (fls.170), pressupostos que as responsáveis seguradora e patronal, de um modo ou de outro apenas em parte aceitaram.
Na verdade, conforme se pode verificar do auto da mencionada tentativa de conciliação – auto que consta de fls. 169 a 172 – aí o M.ºP.º, depois de se certificar da identidade e da legitimidade dos intervenientes, elencou a fls. 170 diversos pressupostos resultantes dos autos nos seguintes termos:
«1º FACTOS, DATA E LOCAL:
No dia 01/08/2009, pelas 08:00 horas, em Évora o sinistrado foi vítima de um acidente que consistiu no seguinte: Quando tirava cortiça do sobreiro, o cabo da machada saltou batendo-lhe no dedo grande do pé direito.
2º FUNÇÕES E ENTIDADE PATRONAL:
O acidente ocorreu quando o sinistrado trabalhava como tirador de cortiça, para a entidade patronal B........................., Serv. Agric. Sil., Ldª, com sede na Cova do Vai Tu, Apartado 39, 7580-909 Alcácer do Sal.
3º Salário
À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição de (€65x360 dias), ou seja, a remuneração anual de € 23.400.
4º SEGURO:
A entidade patronal celebrou com a seguradora um contrato de seguro, titulado pela apólice nº 005048338, para transferência da responsabilidade civil emergente de acidentes laborais dos trabalhadores até ao valor de € 5.460.
5º CAUSA DAS LESÕES:
Como consequência do acidente, resultaram para o sinistrado as lesões descritas no exame médico.
6º INCAPACIDADE E DATA DA “ALTA”:
No exame, foi atribuída ao sinistrado, a partir de 21/03/2011 data da “alta”, a IPP de 13,6%
7º NATUREZA DOS FACTOS:
Os factos evidenciam a natureza de um acidente de trabalho.
8º INDEMNIZAÇÕES POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA:
O sinistrado está pago das indemnizações devidas apenas no montante de € 3.774,23, que lhe foram pagos pela seguradora, tendo ainda a haver € 17.365,07, da responsabilidade da entidade patronal.
9º OUTRAS INDEMNIZAÇÕES:
O sinistrado despendeu com a(s) vinda(s) à(s) diligência(s) obrigatória(s) para que foi convocado a importância global de € 50,00»
Seguidamente, no ponto 10º o M.º P.º propôs ás partes o seguinte acordo:
«A seguradora obriga-se a pagar ao sinistrado a:
1. pensão anual e vitalícia de € 519,79, devida desde o dia imediato ao da cura clínica, obrigatoriamente remível;
2. quantia de € 50,00, por despesas de transporte.
A entidade patronal obriga-se a pagar ao sinistrado a:
1. pensão anual e vitalícia de € 1.707,89 devida desde o dia imediato ao da cura clínica, obrigatoriamente remível;
2. quantia de € 17.365,07 a título de indemnizações relativas ao período de incapacidade temporária.
Seguidamente o M.º P.º instou as partes a pronunciarem-se pontualmente sobre os aludidos pressupostos e sobre os termos do acordo proposto, tendo referido:
«O sinistrado: que aceitava os pressupostos referidos nos artigos antecedentes.
A seguradora: que aceitava os pressupostos referidos nos artigos antecedentes, excepto o 6º, por entender que o sinistrado está afectado de IPP inferior.
A entidade patronal: que aceitava os pressupostos referidos nos artigos antecedentes, excepto o 4º, por entender que tem transferida a totalidade da responsabilidade infortunística».
Ora, perante esta posição assumida pelas rés seguradora e patronal, de forma alguma se pode concluir haverem as mesmas aceite os termos do acordo que lhes fora proposto pelo M.º P.º em sede de tentativa de conciliação e as obrigações que, para cada uma delas, do mesmo resultavam. Daí que o M.ºP.º, no final da diligência, tenha considerado as partes como não conciliadas.
Nessa medida e contrariamente ao pretendido pelo autor, não se poderia, nem pode, dar como assente – confessado como afirma – que a seguradora se obrigara a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de € 519,79 e que a sua entidade patronal se obrigara a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de € 1.707,89, bem como a quantia de € 17.365,07 a título de indemnizações por períodos de incapacidade temporária, improcedendo, desse modo, as conclusões extraídas pelo autor no recurso por ele interposto.

Posto isto e não obstante o que acabamos de afirmar, uma vez que estamos no âmbito de direitos indisponíveis, pois como resulta do disposto no art. 34º da Lei n.º 100/97 de 13-09[3] os direitos e garantias previstos nesta Lei constituem o limiar mínimo indisponível abaixo do qual se não pode descer, coloca-se-nos, em termos oficiosos, a questão de saber qual a remuneração que deve ser levada em consideração no cálculo das indemnizações e pensões a que o autor reclama ter direito em consequência do acidente que sofreu e que constitui o objecto dos presentes autos, para, a partir daí, se poder concluir se estão ou não correctamente definidas as responsabilidades das rés face ao decidido na sentença sob recurso.
Vem isto a propósito de se haver consignado como provado que, aquando da ocorrência do acidente dos autos, o sinistrado e ora autor estava a desempenhar funções de “tirador de cortiça” no âmbito de um contrato celebrado entre ele e a 2ª ré e mediante o qual auferia um salário diário de € 65,00 no qual se incluíam os subsídios de férias e de Natal, tendo, por sua vez, a 2ª ré celebrado com a 1ª ré um contrato de seguro de acidentes de trabalho, para cobertura de acidentes sofridos por diversos trabalhadores ao seu serviço entre eles o autor, pelo período de seis dias, cujo início se verificara em 27 de Julho de 2009 e cujo termo ocorreu precisamente em 1 de Agosto de 2009.
Não se discute nos presentes autos que o referido acidente, nas circunstâncias em que se verificou e com as consequências que teve para o sinistrado e ora autor – provou-se que este sofreu um acidente em 1 de Agosto de 2009 quando se encontrava no exercício das suas funções de “tirador de cortiça” a trabalhar por conta da 2ª ré e foi atingido pelo cabo de uma machada que se soltou e lhe bateu no 1º dedo (dedo grande) do pé direito [al. a)], provocando-lhe fractura exposta das falanges desse dedo [al. b)], em consequência do que sofreu os períodos de incapacidade temporária mencionados em m) e, posteriormente, ficou portador da incapacidade parcial permanente referida em l) dos factos provados – constitui um típico acidente de trabalho à luz do art.º 6º, nº 1 da aludida LAT, assistindo, portanto, ao autor o direito à reparação dos danos dele emergentes nos termos previstos, designadamente, nos art.ºs 10º b), 15º n.º 1 e 17º n.º 1 alíneas d), e) e f) da mesma LAT.
É notório e, nessa medida, do senso comum que as funções de “tirador de cortiça” desempenhadas pelo autor ao serviço da 2ª ré e mediante o percebimento da referida remuneração diária são funções de natureza sazonal executadas, geralmente, no Verão e em curto período de tempo.
Como se referiu, provou-se que o autor auferia o salário diário de € 65,00 no âmbito do contrato celebrado com a 2ª ré e que esta tinha transferido para a 1ª ré a responsabilidade civil emergente de acidentes laborais dos seus trabalhadores por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 005048338, celebrado na modalidade de prémio fixo, pelo período temporário de seis dias, com início em 27/07/2009 e termo em 01/08/2009, com indicação na apólice dos trabalhadores seguros e respectivos salários e que, no que toca ao autor, a responsabilidade encontrava-se transferida pelo salário diário de € 65,00 [cfr. as als. a), c) e g) dos factos provados].
Ora, sobre a retribuição a considerar para efeitos de cálculo das indemnizações e pensões devidas aos sinistrados no trabalho, estipula-se no art. 26º da mencionada LAT que:
«1. As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária ou na 30ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta representar a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado.
2. As pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado.
3. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
4. Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
5. Se a retribuição correspondente ao dia do acidente não representar a retribuição normal, será esta calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondente a retribuições auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente. Na falta destes elementos, o cálculo far-se-á segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
(…)
8. Em nenhum caso a retribuição poderá ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
9. O disposto no n.º 5 deste artigo é aplicável ao trabalho não regular e aos trabalhadores a tempo parcial vinculados a mais de uma entidade empregadora.».
Ainda recentemente, foi este Tribunal da Relação chamado a pronunciar-se sobre a questão do valor da remuneração a levar em linha de conta para efeitos de cálculo de pensões e indemnizações decorrentes de acidente de trabalho, em que também estavam em causa, trabalhadores que desempenhavam funções com a categoria de “tirador de cortiça”, desenvolvidas, portanto, em período sazonal.
Estamos a reportar-nos aos acórdãos proferidos, respectivamente, em 02/10/2012 e em 08/11/2012, o primeiro no processo n.º 349/10.4T2SNS.E1 – que teve por Relator o, aqui, 1º Adjunto – e o segundo no processo n.º 466/10.0T2SNS.E1 – relatado pelo também ora Relator – e daí que, no caso em apreço, se siga a posição aí adoptada sobre essa questão, muito embora o último já tivesse sido proferido ao abrigo da nova LAT introduzida pela Lei n.º 98/2009 de 04-09 mas que contém preceito bastante idêntico ao acima transcrito.
Assim, tendo em consideração o disposto no mencionado normativo legal, bem como a aludida matéria de facto provada, não há dúvida que, temos de enquadrar as funções desempenhadas pelo autor ao serviço da 2ª ré, aquando da ocorrência do sinistro, no âmbito de uma prestação de trabalho não regular, já que de trabalho sazonal de extracção de cortiça se tratava.
Por outro lado, também temos de concluir que a mesma matéria de facto provada, aliada a esta circunstância (prestação de trabalho não regular em período sazonal), não permite determinar uma retribuição mensal ou anual ilíquida que o autor normalmente recebesse ao serviço da 2ª ré e que, como tal, se devesse considerar, no caso vertente, para efeitos de cálculo, quer das indemnizações por incapacidades temporárias, quer da pensão por incapacidade permanente de que aquele ficou afectado em consequência do acidente dos autos, razão pela qual se não pode deixar de lançar mão do disposto no n.º 5, segunda parte ex vi do n.º 9, do referido preceito legal, cabendo ao juiz, segundo o seu prudente arbítrio e atendendo à natureza dos serviços em causa, à categoria profissional do sinistrado e aos usos, determinar qual a retribuição mensal e anual, base de cálculo das indemnizações e pensões que a este sejam devidas, sem, contudo, deixar de ter presente o disposto no n.º 8 do aludido preceito legal.
Importa, no entanto, referir que, como se escreveu no primeiro dos mencionados acórdãos, «ao aludir a retribuição anual ilíquida, a lei não pretende significar que se deva atender à retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado durante um ano: basta atentar que o trabalhador pode ser vítima de um acidente de trabalho logo num dos primeiros dias em que inicia a actividade para uma determinada entidade empregadora e nem por isso no cálculo da pensão a que o mesmo tenha direito deixará de se ter em conta a retribuição que normalmente ele auferiria nesse ano; o que a lei pretende ao estatuir que se atenda à retribuição anual ilíquida é, por um lado, determinar o cálculo da retribuição tendo por base um determinado período temporal e, por outro, precisar que essa retribuição a atender é ilíquida e não líquida», acrescentando-se, logo de seguida, que «[é] nesta linha de entendimento que o número 4 do artigo 26.º manda atender, para efeitos de cálculo da retribuição anual não à retribuição concreta, mas ao “produto” (valor abstracto) que resulta da multiplicação por 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de férias e de Natal e outras remunerações anuais que revistam carácter de regularidade».
Em face destas considerações, não faz sentido que o Sr. Juiz do Tribunal a quo tenha levado em linha de conta no cálculo da pensão devida ao sinistrado e ora autor – sem nada referir quanto ás indemnizações reclamadas pelo autor na sua petição e que decorriam das incapacidades temporárias por ele sofridas – apenas um salário de € 390,00 (€65,00 x 6 dias), alheando-se, por completo, da indisponibilidade dos direitos em causa já que a esta não faz a mínima referência na sentença recorrida. Com efeito e ao invés, devia o Sr. Juiz ter determinado, no seu prudente arbítrio e ao abrigo do mencionado dispositivo legal, qual o valor a retribuição anual do autor a considerar para efeitos do cálculo das indemnizações e pensão que lhe eram devidas no âmbito da reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho pelo mesmo sofrido em 1 de Agosto de 2009.
Ora, não o tendo feito, cabe-nos a nós suprir essa omissão ao abrigo da aludida indisponibilidade de direitos.
Assim, tendo-se demonstrado que o autor foi contratado pela 2ª ré como “tirador de cortiça”, mediante uma remuneração diária de € 65,00, a qual incluía o pagamento de subsídios de férias e de Natal, atendendo à época do ano em que se verificou o sinistro – Agosto de 2009 –, à especialização que aquela actividade agrícola exigirá, ao curto período de tempo em que a mesma deveria ser desempenhada, ao normal esforço que a mesma exige dos trabalhadores que a executam, não impressiona que o valor de € 65,00 diários acordado entre o autor e a 2ª ré em termos de retribuição daquele trabalho, seja um valor normal ou adequado ao desempenho de uma tal actividade e que, nessa medida, deva entender-se como praticável nos 22 dias úteis do mês e daí que também se entenda equilibrado considerar-se, para efeitos de cálculo das indemnizações e pensão devidas ao aqui autor, uma retribuição mensal ilíquida de € 1.430,00 (€ 65,00 x 22 dias) e uma retribuição anual ilíquida de € 17.160,00 [€ 1.430,00 x 12 meses, (já que a aludida retribuição de € 65.00 incluía subsídio de férias e de Natal)].
Deste modo, tendo-se provado que o autor, em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima em 1 de Agosto de 2009, sofreu um período de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) entre 2 de Agosto de 2009 e 10 de Outubro de 2010 (411 dias); um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 30% entre 11 de Outubro de 2010 e 9 de Janeiro de 2011 (91 dias), um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 25% entre 10 de Janeiro e 10 de Fevereiro de 2011 (32 dias); um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 20% entre 11 de Fevereiro e 10 de Março de 2011 (28 dias) e um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 10% entre 11 de Março e 21 de Março de 2011 (11 dias) e que, a partir deste dia ficou afectado de uma Incapacidade Parcial Permanente (IPP), com o coeficiente de desvalorização de 10%, verificamos que, ao abrigo do disposto no art. 17º alíneas d), e) e f) da LAT, ao autor eram devidas as seguintes prestações:
Ø € 13.526,00 (€ 17.160,00 : 365 dias = € 47,00 x 70% = € 32,91 x 411 dias) a título de ITA;
Ø € 898,17 (€ 47,00 x 70% = € 32,91 x 30% = € 9,87 x 91 dias), a título de ITP de 30%.
Ø € 263,36 (€ 47,00 x 70% = € 32,91 x 25% = € 8,23 x 32 dias), a título de ITP de 25%.
Ø € 184,24 (€ 47,00 x 70% = € 32,91 x 20% = € 6,58 x 28 dias), a título de ITP de 20%.
Ø € 36,19 (€ 47,00 x 70% = € 32,91 x 10% = € 3,29 x 11 dias), a título de ITP de 10%.
Ou seja, assistia ao autor o direito um montante global de € 14.907,96 em termos de indemnizações por Incapacidades Temporárias.
Para além disso, é devida ao autor uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, no valor de € 1.201,20 (€ 17.160,00 x 70% = € 12.012,00 x 10%), com efeitos a partir do dia seguinte ao da alta.
Em face à matéria de facto provada que consta da al. g) não há dúvida que a 2ª ré transferiu para a 1ª ré toda a sua responsabilidade infortunística por acidentes sofridos pelo autor no desempenho da sua actividade laboral, pelo que nenhuma responsabilidade podia ser assacada à 2ª ré pela ocorrência do acidente de trabalho dos autos, devendo, essa responsabilidade, ser assumida integralmente pela 1ª ré, devendo ser esta a suportar o pagamento das referidas indemnizações e pensão, bem como as reclamadas despesas de transporte de € 50,00 em deslocações obrigatórias a tribunal por parte do autor.
Ora, tendo-se provado que a 1ª ré já pagou ao autor a quantia total de € 15.834,00 a título de indemnizações [al. k)], temos de considerar que este se encontra já ressarcido das indemnizações que lhe eram devidas a título de incapacidades temporárias sofridas entre 2 de Agosto de 2009 e 21 de Março de 2011.
Sobre os direitos ainda em dívida ao autor – pensão anual e despesas de transporte – acrescem juros de mora (art. 135º do C.P.T.), à taxa legal e a calcular desde a data da tentativa de conciliação efectuada na fase conciliatória do processo no que respeita às despesas de transporte e desde a data da decisão que fixou a natureza e grau de incapacidade de que o autor ficou portador, no que respeita à pensão anual e vitalícia.
Em face do exposto e não obstante não acolhermos as razões invocadas pelo autor/apelante no recurso interposto sobre a sentença recorrida, não podemos deixar de a alterar, proferindo a seguinte:

III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, embora por razões bem diversas das aduzidas pelo autor/apelante, alterando-se, como consequência, a sentença recorrida nos seguintes termos:
- Condena-se a ré seguradora ZURICH INSURANCE Plc – Sucursal em Portugal a pagar ao autor A.......................... uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, no montante de € 1.201,20 (mil duzentos e um euros e vinte cêntimos), com início em 22 de Março de 2011;
- Mantém-se a sentença recorrida na parte em que condenou a mesma seguradora a pagar ao autor a importância de € 50,00 (cinquenta euros) a título de despesas de transporte;
- Condena-se a ré seguradora a pagar juros de mora, á taxa legal, a calcular desde a data da tentativa de conciliação efectuada na fase conciliatória do processo no que respeita ao aludido montante devido a título de despesas de transporte e desde a data da decisão que fixou a natureza e grau de incapacidade de que o autor ficou portador, no que respeita à pensão anual e vitalícia que ao autor é devida;
- Mantém-se a sentença recorrida ao ter absolvido a ré B......................... - Serviços Agrícolas e Silvícolas Unipessoal, Ldª do pedido formulado pelo autor.
Custas a cargo do autor e da ré seguradora, em ambas as instâncias, na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
Évora, 07/12/12

(José António Santos Feteira)
(João Luís Nunes)
(Paula Maria Videira do Paço)


Sumário (art. 713º n.º 7 do C.P.C.)
- Não permitindo a matéria de facto provada determinar uma retribuição mensal ou anual ilíquida que o trabalhador normalmente recebesse ao serviço sua entidade empregadora, e que, como tal, se devesse levar em consideração para efeitos de cálculo, quer das indemnizações por incapacidades temporárias, quer da pensão por incapacidade permanente de que aquele tenha ficado afectado em consequência de acidente de trabalho que sofreu, não se pode deixar de lançar mão do disposto no n.º 5, segunda parte ex vi do n.º 9, do art. 26º da LAT, cabendo ao juiz, segundo o seu prudente arbítrio e atendendo à natureza dos serviços em causa, à categoria profissional do sinistrado e aos usos, determinar qual a retribuição mensal e anual, base de cálculo das indemnizações e pensões que a este sejam devidas, sem, contudo, deixar de ter presente o disposto no n.º 8 do aludido preceito legal.
- Tendo-se demonstrado que o autor foi contratado pela 2ª ré como “tirador de cortiça”, mediante uma remuneração diária de € 65,00, a qual incluía o pagamento de subsídios de férias e de Natal, atendendo à época do ano em que se verificou o sinistro – Agosto de 2009 –, à especialização que aquela actividade agrícola exigirá, ao curto período de tempo em que a mesma deveria ser desempenhada, ao normal esforço que a mesma exige dos trabalhadores que a executam, não impressiona que o valor de € 65,00 diários acordado entre o autor e a 2ª ré em termos de retribuição daquele trabalho, seja um valor normal ou adequado ao desempenho de uma tal actividade, devendo, por isso, ser levado em linha de conta como base de cálculo dos mencionados direitos.
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[1] ) Redacção alterada de acordo com decisão assumida infra.
[2] ) Por decisão assumida infra, aditou-se uma alínea m) do seguinte teor: «O A., em consequência do acidente referido em a), sofreu um período de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) entre 2 de Agosto de 2009 e 10 de Outubro de 2010; um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 30% entre 11 de Outubro de 2010 e 9 de Janeiro de 2011, um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 25% entre 10 de Janeiro e 10 de Fevereiro de 2011; um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 20% entre 11 de Fevereiro e 10 de Março de 2011 e um período de Incapacidade Temporária Parcial (ITP) com o coeficiente de desvalorização de 10% entre 11 de Março e 21 de Março de 2011».

[3] ) Diploma que, regulando os direitos dos trabalhadores ou seus familiares em matéria de reparação por danos emergentes de acidentes de trabalho, é aplicável ao acidente dos presentes autos