Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
988/18.5T8EVR.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ACTO MÉDICO
ERRO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTO MÉDICO
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não tem aplicação o regime consagrado no artigo 800.º, n.º 1, do Código Civil se estamos perante dois atos médicos distintos, levados a cabo por entidades distintas no âmbito da atividade médica que cada uma delas desenvolve de forma autónoma e sem possibilidade de interferência por parte da outra.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Ré: (…) – Clínica de (…), SA
Recorrida / Autora: (…)
Ré: “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, cuja extinção implicou passassem a intervir na ação os sócios (…) e (…)

Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual a Autora peticionou a condenação das Rés (…) – Clínica de (…), SA e “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” a pagar-lhe a quantia de € 29.830,00 acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.
Para tanto, invoca o seguinte:
- dirigiu-se às instalações da 1.ª Ré para realizar exames de diagnóstico para realizar mamoplastia de aumento, submetendo-se a mamografia e ecografia mamária e, bem assim, biópsia cuja amostra foi remetida para a 2.ª Ré;
- no dia 4 de maio de 2015, recebeu o resultado enviado pela 2.ª Ré do qual consta que os fragmentos observados correspondem a carcinoma ductal invasivo, grau 1 de malignidade, ocupando 30% da amostra;
- a Autora ficou desesperada e sentiu dor;
- a 5 de maio submeteu-se a consulta no Hospital CUF Descobertas;
- a 7 de maio submeteu-se a cintigrafia óssea de corpo inteiro, a ecotomografia abdominal e a consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva;
- nesse dia regressou a Évora e contou às filhas o que se passava, o que as fez chorar compulsivamente;
- a 9 de maio regressa a Lisboa para se submeter a ressonância magnética mamária;
- a 13 de maio fez consulta de anestesiologia e de senologia;
- nesse mesmo dia é feita a recolha de amostras na instalações da 2.ª Ré, em Setúbal;
- nesse mesmo dia submeteu-se a biópsia mamária no CUF Descobertas para exame histológico;
- a Autora sentia-se destroçada, desolada, desalentada e entristecida, perda de apetite, fraqueza física e pressão psicológica;
- a 18 de maio são rececionados no CUF Descobertas os resultados do exame realizado pela 2.ª Ré e pelo CUF Descobertas com menção de fibroadenoma benigno;
- a vida passou a sorrir-lhe e tudo o que passara tinha menos importância mas não pode deixar de se sentir violada na sua integridade física e psíquica por as RR lhe terem diagnosticado um cancro que não existia;
- às Rés foi solicitado a prestação de serviços médicos, incorrendo estas em erro médico na realização da análise e na elaboração do relatório, apontando resultado desconforme com o real estado de saúde da Autora;
- à 1.ª Ré coube a recolha da amostra e à 2.ª Ré coube analisar a amostra;
- as Rés trocaram a amostra recolhida na pessoa da Autora;
- o resultado transmitido apenas se deve a erro na análise;
- a violação do contrato pelas Rés causou danos de natureza não patrimonial cujo ressarcimento implica na verba de € 29.000,00 e acarretou despesas no montante de € 830,00.
A Ré (…) apresentou-se a contestar a ação impugnando a factualidade invocada pela Autora e salientando, designadamente, que a análise laboratorial foi realizada pela 2.ª Ré, que remeteu diretamente os resultados para a Autora e faturou o serviço, não tendo ocorrido qualquer troca de amostras. Sendo alheia aos demais factos alegados, de que não lhe foi dado conhecimento, declarou impugná-los, compreendendo os efeitos que os resultados da análise laboratorial realizados pela 2.ª Ré lhe terão causado. Considera exorbitante o montante reclamado para indemnização dos danos de natureza não patrimonial e que os documentos juntos relativos a despesas não permitem aferir se se reportam à situação em apreço.
Mais invoca que foram praticados 2 atos médicos, a biópsia e a análise laboratorial, sendo que da realização da biópsia por si nenhum dano adveio para a Autora. Inexiste relação contratual entre as Rés, sendo autónomos os serviços prestados por uma e por outra. A Autora estabeleceu 2 relações contratuais autónomas e distintas com cada uma das Rés.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, condenando a Ré (…) – Clínica de (…), S.A. a pagar à Autora indemnização no valor global de € 10.830,00 (dez mil oitocentos e trinta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a sua citação, até integral pagamento, absolvendo os Réus () e (…) dos pedidos formulados pela Autora.

Inconformada, a Ré (…) – Clínica de (…), S.A. apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que a absolva do pedido ou, assim não se entendendo, que fixe indemnização em valor inferior ao que resulta da decisão recorrida. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«A. A Recorrente discorda da factualidade dada como provada no provada nos pontos 9, 15, 16, 21, 22, 23, 25, 27, 30, 31, 32 e 34.
B. Resulta da Douta Sentença recorrida que foi dado como provado que: ’ 9) A Autora pagou diretamente à 1.ª Ré o serviço que foi prestado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”. Porém, a Recorrente entende que o tribunal a quo não considerou de forma correta a factualidade que resultou provada em sede de audiência de julgamento quanto (i) aos procedimentos administrativos que são, e que foram, adotados com a Autora, (ii) ao facto de a Autora nunca mais ter contactado a Recorrente depois de 23 de abril de 2015 e ter contactado diretamente a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” (iii) o facto de a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” ter procedido à emissão da fatura referente ao serviço de anatomia patológica, e (iv) a possibilidade de o utente levar consigo amostra ou indicar outro laboratório de confiança (vide depoimento da testemunha …, minutos 00:05:04 a 00:08:42, declarações de parte da Autora, minutos 00:07:14 a 00:07:26, depoimento da testemunha …, minutos 00:10:02 a 00:10:15 e minutos 00:23:13 a 00:23:29, depoimento da testemunha Dr. …, minutos 00:13:07 e minutos 00:13:32 a 00:13:42 e minuto 13’’45 a 13’’49, depoimento do Dr. …, minutos 00:18:30 a 00:18:46).
C. Pelo que o tribunal deveria ter considerado como provado que:
D. ‘’9) A 1.ª Ré não exerce a atividade de anatomia patológica.
9A) A 1.ª Ré facultava a opção aos clientes de levarem a amostra recolhida consigo para um laboratório da sua escolha.
9B) A Autora conhecia que a 1.ª Ré não procedia à realização de análises laboratoriais de anatomia patológica.
9C) A 1.ª Ré explicou à Autora quais os procedimentos internos que a 1.ª Ré cumpria com o laboratório “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
9D) A 1.ª Ré explicou à Autora que, caso a Autora pretendesse, poderiam as amostras recolhidas ficar na sua clínica para posterior recolha pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
9E) A Autora aceitou que análise das lamelas fosse efetuada pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, tanto que consentiu no envio das amostras e no envio dos seus dados pessoais para a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
9F) A Autora entregou diretamente à 1.ª Ré o valor referente ao serviço que foi prestado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
E. Resulta provado do facto 15) que ‘’Quando recebeu a notícia de que padecia de cancro, sentiu-se desesperada, com medo de morrer’’. O Tribunal a quo entendeu que este facto foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas (…) e (…).
F. A Recorrente entende que o tribunal a quo andou mal ao decidir este facto como provado, porquanto não resulta provado que a Autora tenha recebido um diagnóstico clínico de cancro. O que resultou provado de forma inequívoca é que a Autora recebeu um relatório de anatomia patológica elaborado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, não percebeu o seu real significado, tendo sido a sua irmã (…), que, após contacto telefónico com um alegado médico que não analisou o relatório em questão, a informou que teria cancro (vide depoimento da testemunha …, minutos 00:03:16 a 00:03:24, minuto 00:03:48, minuto 00:03:57, minuto 00:05:22, minutos 00:08:46 a 00:08:53, minutos 00:18:12 a 00:18:19 e minutos 00:17:44 a 00:18:02).
G. Deveria assim o Tribunal a quo ter considerado como provado que:
“15) A Autora não compreendeu o significado do relatório da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” quando o recebeu.
15A) A irmã da Autora, sem acesso ao relatório emitido pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, contactou um amigo médico para obter informação sobre o que quereria dizer o relatório.
15B) A irmã da Autora foi informada, pelo amigo médico, que deveria agendar uma consulta com uma especialista da unidade da mama da CUF Descobertas em Lisboa (local onde trabalhava), nomeadamente com a Dra. (…).
15C) A consulta com a Dra. (…) ficou logo agendada, no dia 04 de maio de 2015, para o dia 05 de maio de 2015, a ter lugar na CUF Descobertas em Lisboa.
15D) A irmã da Autora disse à Autora que o relatório queria dizer que tinha cancro.
15E) A Autora começou a chorar quando a irmã lhe disse que tinha cancro.”
H. De referir ainda que, tendo por base o referido pela mesma em sede de declarações de parte, a Autora não teve qualquer receio pela sua vida, teve sim receio de não conseguir concretizar o seu sonho de realizar a mamoplastia de aumento (vide declarações de parte minuto 00:07:50 e minuto 00:11:49). Não fazendo aqui qualquer juízo de valor acerca do real receio da Autora, o mesmo terá que ser relevante para efeitos de determinação do quantum indemnizatório (danos não patrimoniais).
I. Resulta da sentença que foi dado como provado que: ‘’16) ’Nesse dia 19, as filhas da Autora foram dormir à casa da tia para que não vissem a mãe a chorar’’, porém, conforme resulta do depoimento da testemunha … (vide minuto 00:04:48) as filhas da Autora ficaram a dormir na casa da tia, porque esta tinha a consulta no dia seguinte em Lisboa, pelo que deveria ter sido considerado como não provado.
J. Quantos aos factos 21) e 22) determina a sentença que: ’A Autora não conseguia dormir nem parar de chorar, devido à incerteza do seu futuro e da perspetiva das suas filhas sem ela’’ e que “Desde o dia 05/05/2015 até ao dia 07/05/2015 que a Autora ficou a pernoitar em Lisboa por forma a não ter de encarar as suas filhas.’’, indicando que foram dados como provados do teor das declarações de parte da Autora.
K. Porém, veja-se que não resultou provado, quer das declarações de parte, quer do depoimento das testemunhas da Autora, que os factos acima indicados possam ter sido dados como provados (vide depoimento da testemunha …, minuto 00:06:01, minuto 00:24:43, minuto 00:24:50, 00:30:55 e, bem assim, como minutos 00:12:35 a 00:12:44, minutos 00:33:18 a 00:33:26 e 00:33:37 e as declarações de parte da Autora minuto 00:23:41).
L. Ou seja, não resultando qualquer prova referente aos factos 21) e 22) deveria resultar da douta sentença recorrida que os mesmos eram considerados como não provados.
M. Mais, quanto ao facto 23), “Em 7 de maio a Autora contou às suas filhas o diagnóstico que lhe deram e ficou ainda mais desolada com o sofrimento e choro compulsivo com que aquelas receberam a notícia’’, não se entende assim como é ignorado pelo Tribunal a quo quem deu causa a esse alegado sofrimento das duas crianças. Isto porque, no dia 7 de maio de 2015, a Autora já tinha falado e sido analisada por uma médica especialista, que lhe referiu expressamente que o nódulo não tem características de malignidade e que, por isso, iriam fazer novos exames para perceber o real diagnóstico.
N. Será assim, no mínimo, questionável, o porquê de ter sido transmitido o diagnóstico que a Autora entendeu como se tratando de cancro junto de duas crianças, quando esse mesmo diagnóstico já tinha sido posto em causa por um médico especialista.
O. Ainda que se admitisse ser relevante o facto em questão, deveria o tribunal ter considerado como provado apenas e somente: ‘’23) Em 07/05/2015 a Autora contou às suas filhas que padeceria de cancro, sabendo que existiam dúvidas sobre o diagnóstico, tendo omitido tal facto das suas filhas’’.
P. Por outro lado, o Tribunal a quo deveria ter analisado de forma crítica o momento em que é relatado este diagnóstico, e desvalorizado este sofrimento (das filhas e da Autora) aquando da fixação de danos não patrimoniais da responsabilidade da Recorrente.
Q. Determinou, ainda, o tribunal a quo como provado que: ‘25) Desde a data do diagnóstico, recebido em 04/05/2015, que a Autora não voltou a trabalhar, passando os dias a pesquisar na internet sobre a doença de que padecia e a pedir à irmã que cuidasse das suas filhas, caso o pior acontecesse”.
R. Porém, não resulta provado quer das declarações de parte, quer dos depoimentos das testemunhas que tal tenha ocorrido dessa forma (vide declarações de parte 00:09:31 e minutos 00:25:03 a 00:25:31, e o depoimento da testemunha …, minutos 00:11:12 e da testemunha …, minuto 00:11:54).
S. Saliente-se, ainda, que ao contrário do que resulta da sentença, a Autora não tinha um qualquer diagnóstico médico, o que a Autora tinha era o resultado de um relatório de anatomia patológica (para que tivesse um diagnóstico era necessário que existisse concordância entre exames – vide depoimento da Dra. …, minutos 00:46:43 a 00:47:01).
T. Pelo que deveria o tribunal ter considerado este facto como não provado.
U. Quanto ao facto dado como provado 27), o tribunal entendeu alocar o termo “para comparação”, quando na verdade resulta claro e inequívoco do depoimento da testemunha … (vide minuto 00:06:29) que foi uma opção da Autora realizar nova biópsia mamária.
V. Pelo que o tribunal tinha que ter considerado como provado apenas que: “26) No mesmo dia, 13/05/2015, é sujeita a nova biópsia mamária, nas instalações da CUF Descobertas, a qual foi realizada por opção da Autora.’’
W. Do facto dado como provado 30): ‘’Em 16/05/2021 a Autora teve conhecimento dos resultados da revisão histológica das amostras levantadas nas instalações da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, bem como do resultado da nova biópsia realizada na CUF Descobertas tendo ambos o mesmo diagnóstico: “Fibroadenoma Benigno”, não pode a Recorrente deixar de entender que, pese embora tenha o tribunal entendido alterar a data que a Autora indicou na sua Petição Inicial como sendo a data em que teve conhecimento, o tribunal deveria ter determinado que o conhecimento da Autora ocorreu em data anterior.
X. Desde logo, a Autora teve uma consulta com a Dra. (…) a 05/05/2015, a qual, após analisar os exames e efetuar a apalpação da mama, a tranquilizou, dizendo que o nódulo não aparentava ter características de malignidade (vide depoimento da testemunha Dra. …, minutos 00:33:56, 00:35:39, 00:37:20, 00:39:10 e 00:50:45).
Y. Tal foi inclusivamente corroborado com o depoimento que foi prestado pela testemunha … (marido da Autora, que esteve presente na consulta) – vide minuto 00:06:49).
Z. Quanto ao diagnóstico final de fibroadenoma, o mesmo foi comunicado, não na consulta com o médico da área de cirurgia plástica e reconstrutiva, que ocorreu a 16 de maio de 2015 pelas 08h58 da manhã, mas sim em momento anterior, por comunicação da Dra. … (que confirmou em juízo ter sido ela a informar o diagnóstico, antes de se avançar para a consulta prévia à mamoplastia de aumento), logo, entre os dias 14 e 15 de maio de 2015.
AA. Pelo que mal andou o tribunal ao determinar que a Autora teve conhecimento de que o relatório da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” com a indicação de carcinoma não estava correto no dia 16 de maio de 2015 (data em que a Autora teve apenas uma consulta de cirurgia plástica), quando deveria ter considerado que a Autora teve conhecimento, no limite, a 15 de maio de 2015.
BB. Assim deveria o tribunal ter considerado como provado que:
‘’30) Em 05 de maio de 2015 a Autora teve consulta com a Dra. (…), tendo a mesma transmitido que, face às imagens e apalpação, o nódulo mamário não tinha características de malignidade.
30A) Seguiram-se duas outras consultas, em 7 e 13 de maio, com a Dra. (…), em que não obstante se aguardarem ainda resultados finais de exames, tudo indiciava que o nódulo não era maligno, tendo essa informação sido prestada à Autora.
30B) Entre 14 e 15 de maio de 2015, a Autora foi informada pela Dra. (…) do diagnóstico final de fibroadenoma. ’’Quanto ao facto 31) dado como provado entendeu o tribunal a quo declarar como provado que: ‘’A actual especialização técnica dos exames laboratoriais não permitiria confundir um fribroadenoma benigno com um carcinoma ductal invasivo se tivesse existido observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte, por parte da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”’.
CC. Porém, tendo fundamentado o referido facto com o depoimento da Dra. (…), não pode a Recorrente concordar com o mesmo, em virtude de a testemunha ter indicado de forma clara e objetiva que existem erros, ainda que as amostras recolhidas não sofram quaisquer alterações (vide depoimento da testemunha Dra. …, minutos 00:21:47 a 00:21:54, minuto 00:31:54, minuto 00:33:39 a 00:36:36 e minuto 00:36:56).
DD. Mais de salientar que a Dra. (…) indicou, também que podem existir casos em que os fibroadenomas deixam dúvidas (vide depoimento da testemunha minuto 00:49:58).
EE. Pelo que deveria o tribunal ter considerado este facto como não provado.
FF. Quanto aos factos 32) e 34) entendeu o tribunal considerar que todas as consultas que foram realizadas pela Autora e, bem assim como, as deslocações a Lisboa, foram devidas ao erro de diagnóstico, ou seja, ao resultado do relatório elaborado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
GG. Porém, não restam quaisquer dúvidas que tal não resultou provado, porquanto do depoimento da Dra. (…) resulta inequivocamente que, mesmo que constasse do relatório da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” inicialmente a menção a fibroadenoma, e também por conta da cirurgia de mamoplastia de aumento, o procedimento clínico teria sido idêntico, com exceção das consultas de cintigrafia óssea e ecografia abdominal (vide minutos 17:28:00 a 18:50 do depoimento da testemunha).
HH. Assim, o tribunal deveria ter considerado como provado apenas que:
’32) Por força do referido no ponto 31), a Autora despendeu os seguintes valores:
c. Ecografia Abdominal CUF Descobertas, 07/05/2015, no valor de € 12,50.
d. Cintigrafia óssea, CUF Descobertas, 07/05/2015, no valor de € 9,30.”
II. E deveria, ainda, ter considerado como não provado o facto 34).
JJ. Mais veja-se que o tribunal não considerou diversos factos que resultam provados da prova documental junta aos presentes autos e, bem assim como, da prova testemunhal que foi produzida em sede de audiência de julgamento, como é o caso do teor dos relatórios emitidos pelo Dr. (…) a 15 e 23 de abril de 2015 (vide documentos 1 e 2 juntos com a Contestação da Recorrente).
KK. Para além do supra exposto, a sentença proferida incorre em erro de julgamento (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 5024/12.2TTLSB.L1.S1., de 02/07/2015), porquanto:
a. O Tribunal a quo desconsiderou diversos factos que foram alegados pela Ré na sua contestação e que resultaram como provados em sede de audiência de julgamento;
b. A sentença recorrida entende adotar a designação de “diagnóstico’’ o mero resultado da anatomia patológica elaborado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”; tal como explicado em momento anterior, para que existisse um diagnóstico era necessário que existisse uma concordância entre exames e análise da paciente – vide depoimento da Dra. …, minutos 00:46:43 a 00:47:01).
c. Mais, considerou provados diversos factos que não resultam da prova documental, dos depoimentos das testemunhas nem das declarações de parte. Destaca-se o facto de ter considerado como provado que foi a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” que procedeu à realização da anatomia patológica, mas em nome e por conta de um serviço contratado junto da Recorrente – e daí ter concluído pela responsabilidade exclusiva da Recorrente pelo ato médico praticado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
d. Ou seja, não obstante ter entendido que todos os factos posteriores a 23 de abril de 2015 foram da autoria exclusiva da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, com base numa teoria de “médico auxiliar”, concluiu o Tribunal a quo que o serviço contratado junto da … (biópsia) deveria incluir, não só a biópsia, como a respetiva análise laboratorial e posterior comunicação do resultado junto da utente (Autora).
e. Impugna-se assim a conclusão do Tribunal a quo, já que:
– Antes de mais, assume a existência de um ato de negligência médica, unicamente com base num resultado que se veio mais tarde a demonstrar não ser certo, ainda que sem que tenha sido produzida qualquer prova de onde resulte uma conduta culposa do profissional que elaborou o relatório em questão. Para além disso, e com base nos testemunhos dos profissionais de saúde apresentados em juízo, ainda que tenham indicado a existência de uma evolução na ciência médica que diminuiu a probabilidade da existência de resultados errados, foram unânimes ao indicar que os erros existem e que, grande parte das vezes, em nada se relacionam com uma negligência do médico mas, antes, estão relacionado com o facto de ainda estarmos perante análises que são efetuadas pelo olho médico (leia-se a este respeito o depoimento transcrito da Dra. … no ponto 15 das alegações);
- Por outro lado, a responsabilidade atribuída à ora Recorrente baseia-se numa teoria de que o contrato celebrado com a Recorrente é único e indivisível, i.e, que a biópsia deve integrar, igualmente, a análise anatomopatológica. Tal vai em sentido contrário do explicado pelos diferentes profissionais de saúde ouvidos em julgamento – tratam-se de dois atos médicos distintos: a biópsia ecoguiada tem por objetivo ser retirado parte de tecido para posterior análise e é concluída com a emissão do relatório do radiologista – este ato foi realizado pela Recorrente; e a anatomia patológica baseia-se no tecido recolhido durante a biopsia, sendo concluída com a emissão do relatório do anatomopatologista – este ato foi realizado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”. Ainda que se tratem de atos clínicos interligados (como existem aliás, muitos outros), tratam-se de atos médicos individualizados, que visam resultados específicos e independentes, praticados por profissionais de especialidade distinta.
- Para além disso, o Tribunal a quo ainda vai mais além quando conclui que incumbiria à entidade que realiza a biópsia, comunicar o resultado da anatomia patológica ao utente – mais uma vez, errado. A quem incumbe, quer a análise do relatório pelo radiologista, quer do relatório emitido pelo anatomopatologista é ao médico assistente da utente.
- Por último, desconsiderou por completo toda e qualquer explicação que foi facultada pelas testemunhas (…) e Dr. (…) referente, quer aos procedimentos administrativos, quer aos procedimentos clínicos para diferenciar os atos médicos de biópsia e de análise patológica, em especial ao facto de a (…) ter informado a utente que não prestava o serviço de anatomia patológica (por ter que ser prestado por um laboratório com essa especialidade), tendo-se limitado a sugerir o laboratório “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, visto tratar-se (à data) do único laboratório na zona de (…) que realizava este tipo de análises. Em todo o caso, a utente poderia optar por remeter a amostra para outro laboratório. No caso, a utente anuiu na sugestão da Recorrente, tendo aceite que o serviço de anatomia patológica fosse realizado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”. Daí que o valor pago referente à anatomia patológica ter sido faturado, não pela Recorrente, mas sim pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
- Tendo, igualmente, ignorado o facto de a Autora ter tido cabal conhecimento que a anatomia patológica seria realizada pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”. Tanto assim foi que, quando necessitou das lamelas para realização de nova análise patológica (a pedido da médica da CUF) se dirigiu diretamente à “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” e não à … (com quem, leia-se, não teve qualquer contacto posterior após a data da realização da biópsia).
f) Em suma, e face à prova carreada aos autos, deveria o Tribunal a quo ter concluído que a Recorrente foi contratada unicamente para realização de uma biópsia, serviço que não incluía o serviço de anatomia patológica do tecido extraído na biópsia e, muito menos, o dever de comunicação de um diagnóstico à Autora – isso incumbiria ao seu médico assistente.
LL. A factualidade que foi apresentada em juízo e que resultou provada, quer da prova documental quer da prova testemunhal, não permite assim concluir pela existência de um contrato entre a Recorrente e a Autora para a realização da anatomia patológica;
MM. E, bem assim como, também não permite de todo concluir pela existência de um contrato entre a Autora e a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, do qual resultaria uma “subcontratação” do serviço nesta última.
NN. Analisados os requisitos que permitiriam concluir pela existência de responsabilidade da Recorrente (por força da existência de um contrato total, no qual a Autora teria contratado a Recorrente para obter o resultado final: a anatomia patológica) – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/05/2011 – não existem quaisquer indícios ou, no caso em apreço, provas de que tal tenha ocorrido.
OO. Veja-se que decorre de forma expressa dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/02/2020, e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/02/2009 que os índices que têm que estar preenchidos e que têm que ser verificados pelo tribunal não estão preenchidos. Na verdade, os índices que se verificaram provados nos presentes autos, indicam precisamente o contrário!
PP. Ou seja, não se verifica da prova que foi produzida que tenha existido um qualquer contrato celebrado entre a Recorrente e a Autora no qual tenha sido convencionado que a Recorrente, ainda que por meios auxiliares, fosse prestar serviços de análise patológica; não se verifica, ainda, que tenha existido uma qualquer relação tripartida entre Recorrente, Autora e “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
QQ. O que se verifica é, antes, a existência de duas relações contratuais distintas: o contrato de prestação de serviços médicos para a realização da biópsia celebrado entre a Autora e a Recorrente, o qual terminou com a emissão do relatório por parte do radiologista e entrega do tecido para análise laboratorial; e o contrato de prestação de serviços médicos para a realização da análise patológica celebrado entre a Autora e a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, que termina com a emissão e comunicação do respetivo relatório por parte do anatomopatologista.
RR. Motivo pelo qual não poderia o tribunal a quo ter concluído pela responsabilidade da Autora, por um ato de negligência médica (que aqui apenas se assume por cautela de patrocínio) inerente a um ato clínico ao qual a Recorrente é totalmente alheia!
SS. Já no que respeita aos danos arbitrados, começando pelos danos patrimoniais, os mesmos apenas poderão corresponder aos custos que a Autora suportou exclusivamente correlacionados com o relatório da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” de carcinoma ductal invasivo, nomeadamente a cintigrafia óssea (no valor de € 9,30) e a Ecografia abdominal (no valor de € 12,50), num total de € 21,80.
TT. Já quanto aos danos não patrimoniais, os mesmos são claramente excessivos, quer face ao período que mediou entre a data do conhecimento do resultado da análise patológica elaborada pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” (4.05.2015) e a data do diagnóstico final de fibroadenoma (15.05.2015) – 11 (onze) dias, que face ao desgosto e sofrimento que gerou a situação em apreço, relevando a este nível, não só o facto de, desde o dia 05.05.2015 a Autora ter sido informada de um diagnóstico mais favorável, bem como os factos que, não obstante terem sido alegados, se devem considerar como não provados referentes ao sofrimento alegado pela Autora.
UU. A sentença incorre em omissão de pronúncia, porquanto, não analisa a questão da prescrição do direito da Autora alegada pela Recorrente em sede de alegações (uma vez que apenas na última sessão de julgamento foi possível aferir a data da comunicação à Autora do diagnóstico de fibroadenoma, ao invés de um carcinoma). No caso, a prescrição ocorreu a 15 de maio de 2018, pelo que, tendo a Recorrente sido citada a 16 de maio de 2018, o direito da Autora estaria já prescrito;
VV. Pelo que deveria o tribunal ter sopesado a questão referente à prescrição do direito da Autora, em virtude inexistir uma qualquer situação de responsabilidade civil contratual, mas, antes, a existir apenas será responsabilidade civil extracontratual.
WW. Quanto à data para início de contagem de juros de mora sobre a indemnização arbitrada, não existe qualquer menção na douta sentença no sentido do afastamento do artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que mal andou sentença a determinar que os juros deveriam ser calculados desde a data citação da Recorrente, antes, a indemnização deve ter-se por reportada à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal – a da sentença (ou seja, a do trânsito em julgado da sentença).
XX. A douta decisão de fls. violou o artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil e o douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de maio.»
Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre conhecer das seguintes questões, salvo prejudicialidade decorrente do anteriormente apreciado[1]:
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da omissão de pronúncia;
- da falta de fundamento para condenação da Recorrente;
- dos montantes indemnizatórios e da contagem dos juros de mora.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1) A (…) – Clínica de (…), S.A. é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços na área de diagnóstico médico.
2) A “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” tinha por objeto social “laboratório patológico e diagnósticos patológicos”.
3) A Autora pretendia realizar uma mamoplastia de aumento.
4) Em 15/04/2015 dirigiu-se às instalações da 1.ª Ré, sitas em (…), e realizou uma mamografia, com quatro incidências (duas de cada lado) e uma ecografia mamária (abrangendo os dois lados).
5) Dos exames referidos em 4) resultou a existência de um “caroço” na mama direita da Autora.
6) Tendo em conta a existência de um nódulo que, face a anteriores exames realizados pela Autora, apontavam para um crescimento anormal, foi sugerido à Autora, pelo Dr. (…), que se realizasse uma biópsia.
7) Em 23/04/2015 foi realizada pela 1.ª Ré uma biópsia à mama direita da Autora e o material recolhido por funcionários da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, nas instalações da 1.ª Ré, para ser analisado em laboratório de anatomia patológica (da “… – Diagnósticos …, Lda.”).
8) A 1.ª Ré entregou à “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, com autorização da Autora, os dados pessoais desta.
9) A Autora pagou diretamente à 1.ª Ré o serviço que foi prestado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
10) A “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” emitiu a fatura do serviço prestado e enviou para casa da Autora os resultados da análise.
11) A “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” enviou, também, os resultados da análise ao médico da 1.ª Ré que efetuou a biópsia, Dr. (…).
12) No dia 04/05/2015 a Autora rececionou, na sua casa, o resultado da biópsia, enviado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
13) Do resultado da biópsia constava do relatório histopatológico o seguinte: “MACRO 3 fragmentos, com dimensões entre 5 e 15 mm. MICRO: Ao exame microscópio, os aspetos observados correspondem a carcinoma ductal invasivo, grau 1 de malignidade, ocupando cerca de 30% da amostra”.
14) À data, a Autora tinha 42 anos de idade, era casada e com duas filhas menores.
15) Quando recebeu a notícia de que padecia de cancro, sentiu-se desesperada, com medo de morrer.
16) Nesse dia, as filhas da Autora foram dormir à casa da tia, para que não vissem a mãe chorar.
17) No dia 05/05/2015 a Autora foi à consulta, na CUF Descobertas, em Lisboa, especialidade ginecologia obstetrícia (unidade da mama).
18) Nessa consulta, e após exame de apalpação, a médica referiu à Autora que, pela sua experiência, não lhe parecia ser um carcinoma, mas algo benigno.
19) No dia 07/05/2015 a Autora submeteu-se a uma cintigrafia óssea em 3 (corpo inteiro), a uma ecografia abdominal e foi a consulta da especialidade de cirurgia plástica e reconstrutiva (“consulta subsequente”).
20) No dia 07/05/2015 foi agendada a cirurgia para remoção do carcinoma e da sua envolvente.
21) A Autora não conseguia dormir nem parar de chorar, devido à incerteza do seu futuro e da perspetiva das suas filhas sem ela.
22) Desde o dia 05/05/2015, até dia 07/05/2015, que a Autora ficou a pernoitar em Lisboa, por forma a não ter de encarar as suas filhas.
23) Em 07/05/2015 a Autora contou às suas filhas o diagnóstico que lhe deram, e ficou ainda mais desolada com o sofrimento e choro compulsivo com que aquelas receberam a notícia.
24) No dia 09/05/2015 a Autora regressou a Lisboa e fez uma ressonância magnética mamária.
25) Desde a data do diagnóstico, recebido em 04/05/2015, que a Autora não voltou a trabalhar, passando os dias a pesquisar na internet sobre a doença de que padecia e a pedir à irmã que cuidasse das suas filhas, caso o pior acontecesse.
26) No dia 13/05/2015, a Autora foi a duas consultas da unidade da mama, uma de anestesiologia.
27) No mesmo dia, 13/05/2015, é sujeita a nova biópsia mamária, nas instalações da CUF Descobertas, para comparação.
28) Também no dia 13/05/2015, foi às instalações da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, em (…), recolher as amostras (lâminas) da sua biópsia para serem submetidas a revisão histológica.
29) A Autora sempre foi uma pessoa cheia de vida e bem-disposta, mas desde o diagnóstico referido em 13) que se sentia desanimada, sem forças e sem apetite.
30) Em 16/05/2021 a Autora teve conhecimento dos resultados da revisão histológica das amostras levantadas nas instalações da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, bem como do resultado da nova biópsia realizada na CUF Descobertas tendo ambos o mesmo diagnóstico: “Fibroadenoma Benigno”.
31) A atual especialização técnica dos exames laboratoriais não permitiria confundir um fribroadenoma benigno com um carcinoma ductal invasivo se tivesse existido observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte, por parte da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
32) Por força do erro referido no ponto 31), a Autora despendeu os seguintes valores:
a. Consulta CUF Descobertas, 05/05/2015, no valor de € 15,00.
b. Consulta CUF Descobertas, 07/05/2015, no valor de € 15,00.
c. Ecografia Abdominal CUF Descobertas, 07/05/2015, no valor de € 12,50.
d. Cintigrafia óssea, CUF Descobertas, 07/05/2015, no valor de € 9,30.
e. Consulta cirurgia plástica e reconstrutiva, CUF Descobertas, 07/05/2015, no valor de € 15,00.
f. Consulta senologia, CUF Descobertas, 13/05/2015, no valor de € 15,00.
g. Consulta de anestesiologista, CUF Descobertas, 13/05/2015, no valor de € 15,00.
h. Imagiologia mamária, CUF Descobertas, 09/05/2015, no valor de € 65,00.
i. Revisão do exame histológico, anatomia patológica, CUF Descobertas, no dia 14/05/2015, no valor de € 65,00.
j. Imagiologia mamária, microbiopsia orientada pela imagem, CUF Descobertas, 13/05/2015, no valor de € 200,00.
33) O valor respeitante à alínea j) do ponto 32) foi comparticipado, na totalidade, pelo seguro de saúde da Autora.
34) Por força do erro referido no ponto 31) a Autora teve de percorrer, em veículo próprio, os 140 km que separam Évora e Lisboa, por oito vezes, tendo despendido € 0,36 por quilómetro.

B - O Direito
Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
A decisão proferida em 1.ª Instância relativamente à matéria de facto pode ser alterada em conformidade com o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC ou seja, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Sobre o Recorrente que impugne tal decisão recaem os ónus a que alude o art.º 640.º do CPC, cabendo-lhe obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nestes termos, a reapreciação do julgamento realizado em 1.ª Instância no que tange à matéria de facto visa apurar se os factos concretos submetidos à instrução foram incorretamente julgados, impondo-se decisão diversa – artigos 640.º e 662.º, n.º 1, do CPC.
Atento o disposto no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, os fundamentos da sentença devem incluir o rol dos factos que são julgados provados e o dos que são julgados não provados. Os factos a enunciar como provados hão de ser colhidos entre os factos essenciais que as partes alegaram[2], conforme determinado pelo artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC. São esses os factos de que é lícito ao juiz conhecer (artigo 411.º do CPC), e é sobre esses que se impõe profira juízo de provado ou de não provado. O juiz atenderá ainda à prova tabelada produzida nos autos, atento o disposto na 2.ª parte do n.º 4 do artigo 607.º do CPC, podendo lançar mão de algum facto demonstrado por documento que repute relevante para a matéria em discussão – sendo certo, porém, que a junção de documento não é apta a suprir a lacuna de alegação do facto.
Para além desses, cabe ao juiz conhecer de factos que não dependem de alegação pelas partes: são os factos que não carecem de alegação ou de prova, conforme estatui o artigo 412.º do CPC, e ainda aqueles que não carecem de alegação por via do artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil.
Na verdade, por via do Princípio do Dispositivo consagrado no artigo 5.º do CPC, só há que atender aos factos alegados pelas partes, a quem cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, sem prejuízo dos factos enunciados no n.º 2 de tal normativo (factos instrumentais que resultem da instrução da causa e factos complementares ou concretizadores de factos essenciais alegados que resultem da instrução da causa desde que sobre eles as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar, factos notórios ou aqueles de que o tribunal tenha conhecimento por virtude das suas funções). O Princípio do Contraditório, por sua vez, determina que não é lícito decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem – cfr. artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
O que determina que factos essenciais não alegados não possam ser incluídos no rol dos factos julgados provados, sob pena de excesso de pronúncia; tais factos não podem ser considerados, implicando, nessa parte, na nulidade da decisão[3] – artigos 195.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Por outro lado, por via do regime decorrente do artigo 640.º do C.P.C., no recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. Ora, se se trata de facto não alegado nos articulados apresentados pelas partes, não há como concretizar qual o facto que foi incorretamente julgado, pois nem sequer estava sujeito a instrução e julgamento.
A Recorrente, aludindo ao teor da motivação da decisão atinente à matéria de facto e a depoimentos testemunhais, pretende se adite ao rol dos factos provados os seguintes itens:
- A 1.ª Ré não exerce a atividade de anatomia patológica;
- A 1.ª Ré facultava a opção aos clientes de levarem a amostra recolhida consigo para um laboratório da sua escolha;
- A Autora conhecia que a 1.ª Ré não procedia à realização de análises laboratoriais de anatomia patológica;
- A 1.ª Ré explicou à Autora quais os procedimentos internos que a 1.ª Ré cumpria com o laboratório “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”;
- A 1.ª Ré explicou à Autora que, caso a Autora pretendesse, poderiam as amostras recolhidas ficar na sua clínica para posterior recolha pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”;
- A Autora aceitou que análise das lamelas fosse efetuada pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, tanto que consentiu no envio das amostras e no envio dos seus dados pessoais para a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”;
- A Autora não compreendeu o significado do relatório da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” quando o recebeu;
- A irmã da Autora, sem acesso ao relatório emitido pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, contactou um amigo médico para obter informação sobre o que quereria dizer o relatório;
- A irmã da Autora foi informada, pelo amigo médico, que deveria agendar uma consulta com uma especialista da unidade da mama da CUF Descobertas em Lisboa (local onde trabalhava), nomeadamente com a Dra. (…);
- A consulta com a Dra. (…) ficou logo agendada, no dia 04 de maio de 2015, para o dia 05 de maio de 2015, a ter lugar na CUF Descobertas em Lisboa;
- A irmã da Autora disse à Autora que o relatório queria dizer que tinha cancro;
- A Autora começou a chorar quando a irmã lhe disse que tinha cancro.
Constata-se não ter sido tal factualidade alegada em qualquer um dos articulados que compõem os autos. Tratando-se de factualidade não alegada e, assim, não submetida a instrução, não se verifica incorreto julgamento por parte do Tribunal a quo quanto àquela concreta matéria, pelo que a não inclusão, pelo tribunal a quo, de tais factos no rol dos factos provados não merece reparo.
Relativamente ao n.º 15, a Recorrente sustenta que o Tribunal a quo não podia ter dado como provado que a Autora recebeu a notícia de que tinha cancro, pois nenhum profissional de medicina disso a informou, nem que a Autora teve medo de morrer, porquanto o que resultou provado foi que receou não poder realizar a mamoplastia de aumento, concretizar esse sonho.
Compulsados os meios de prova assinalados pela Recorrente, afigura-se não resultar abalada a convicção de que a Autora, na sequência do relatório que recebeu da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” e cujo teor partilhou com pessoas da sua confiança, assumiu padecer de cancro, sentiu-se desesperada e com medo. Do relatório consta que os fragmentos analisados ao microscópio correspondem a carcinoma ductal invasivo, de grau 1 de malignidade, ocupando cerca de 30% da amostra; por se tratar de doença que atualmente afeta a população de forma significativa, afigura-se ser até do conhecimento generalizado do homem médio que carcinoma significa uma neoplasia maligna.
Acompanha-se, contudo, a pretensão da Recorrente no sentido de que a Autora tenha sentido medo de morrer (nem isso foi alegado). Termos em que se determina que o n.º 15 passe a constar com a seguinte redação:
15) Quando recebeu a notícia de que padecia de cancro, sentiu-se desesperada, com medo.
A Recorrente invoca que o n.º 16 deve dar-se como não provado, já que o que foi afirmado foi que as meninas foram dormir a casa da tia para que a mãe fosse à consulta no dia seguinte a Lisboa, e não para que não vissem a mãe chorar. Analisados os meios de prova assinalados na motivação atinente à decisão da matéria de facto e apontados pela Recorrente, resulta assistir razão a esta quanto ao motivo que levou as meninas a pernoitar em casa da tia. Assim, o n.º 16 passa a ter a seguinte redação:
16) Nesse dia, as filhas da Autora foram dormir à casa da tia.
Relativamente ao n.º 21, a Recorrente sustenta que deve ser dado como não provado, já que nunca a Autora, nas declarações prestadas, afirmou o que ali consta, sendo que se colhe do depoimento do marido da Autora que, na consulta do dia 5, logo a Dr.ª (…) adiantou parecer não estar correto o relatório, marcando cirurgia para remoção quer fosse maligno quer fosse benigno.
Acolhem-se os argumentos da Recorrente. Se bem que tenha resultado provada a perturbação e desalento sentidos pela Autora perante o relatório obtido, certo é que diligenciou por ser avaliada logo no dia seguinte, aí tendo sido logo colocado em causa o teor do resultado da biópsia. De facto, não foi afirmado ter a Autora ficado privada de sono, ter permanecido chorosa, receando pelo seu futuro e pelo futuro das filhas sem ela. Resulta, assim, não provado o teor do n.º 21, pelo que vai o mesmo excluído do rol dos factos provados.
Relativamente ao n.º 22, a Recorrente sustenta inexistir fundamento para afirmar que a Autora pernoitou em Lisboa por forma a não ter de encarar as filhas.
Assiste razão à Recorrente. Perscrutada a prova produzida, não resulta afirmado que o motivo pelo qual a Autora pernoitou em Lisboa entre 5 e 7 de maio tenho sido o de evitar encarar as filhas. Assim, do n.º 22 vai excluído o referido segmento.
Relativamente ao n.º 23, a Recorrente insurge-se contra o facto de a Autora ter contado às filhas o que contou, invocando que não havia fundamento para isso, que devia ter referido outra coisa e que, mesmo assim, o facto tem de ser desvalorizado em sede de quantificação da indemnização. O que, manifestamente, não constitui fundamento para impugnação da decisão relativa à matéria de facto (cfr. artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil).
A Recorrente, porém, considera que devia antes ter resultado provado que em 07/05/2015 a Autora contou às filhas que padeceria de cancro, sabendo que existiam dúvidas sobre o diagnóstico, tendo omitido tal facto das suas filhas. Invoca a Recorrente que o resultado de uma anatomia patológica não equivale a diagnóstico clínico – apreciação médica decorrente da análise de vários fatores, entre os quais os resultados de exames médicos.
Na verdade, é certo que o resultado de um exame médico não consubstancia um diagnóstico clínico, em termos técnicos. É certo também que não foi alegado que a Autora tenha transmitido às filhas o diagnóstico que lhe deram; o que foi alegado foi que a Autora transmitiu às filhas o que se passava (cfr. artigo 28.º da p. i.), e o que se passava era o que anteriormente é relatado nos factos provados.
Assim, o n.º 23 passa a contemplar a seguinte redação:
23) Em 07/05/2015 a Autora contou às filhas o que se passava, ficando desolada com o choro compulsivo das filhas.
No que respeita ao n.º 25, assiste razão à Recorrente. Inexiste prova consiste e bastante para dar como provado o que tinha sido alegado nos artigos 33.º e 34.º da p.i., pelo que o respetivo teor resulta não provado.
A Recorrente sustenta que o n.º 27 deve passar a ter a seguinte redação:
27) No mesmo dia, 13/05/2015, é sujeita a nova biópsia mamária, nas instalações da CUF Descobertas, a qual foi realizada por opção da Autora.
Não obstante a intervenção tenha sido realizada por opção da A, com indicação médica para tanto, certo é que foi realizada para comprovação / despiste do resultado anteriormente obtido. A afirmação de que foi realizada para comparação está de acordo com o que tinha sido alegado (cfr. artigo 39.º da p. i.) e reporta-se a realidade que resultou provada, inexistindo fundamento para alteração da decisão proferida.
A Recorrente insurge-se contra o n.º 30, que contempla a seguinte redação: Em 16/05/2021 a Autora teve conhecimento dos resultados da revisão histológica das amostras levantadas nas instalações da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, bem como do resultado da nova biópsia realizada na CUF Descobertas tendo ambos o mesmo diagnóstico: “Fibroadenoma Benigno”. Invoca a Recorrente que deverá antes dar-se como provado o seguinte:
30) Em 05 de maio de 2015 a Autora teve consulta com a Dra. (…), tendo a mesma transmitido que, face às imagens e apalpação, o nódulo mamário não tinha características de malignidade.
30A) Seguiram-se duas outras consultas, em 7 e 13 de maio, com a Dra. (…), em que, não obstante se aguardarem ainda resultados finais de exames, tudo indiciava que o nódulo não era maligno, tendo essa informação sido prestada à Autora.
30B) Entre 14 e 15 de maio de 2015, a Autora foi informada pela Dra. (…) do diagnóstico final de fibroadenoma.’’
Ora, as menções que aqui a Recorrente pretende incluir vão muito para além da decisão que ao Tribunal incumbia tomar em apreciação do que está alegado no artigo 43.º da p.i. Mais uma vez, a Recorrente divaga sobre o objeto da discussão em sede de audiência final sem atentar nos concretos factos alegados nos articulados apresentados. Por outro lado, nenhuma prova consistente e segura foi produzida no sentido de que a Autora tenha tomado conhecimento entre 14 e 15 de maio, através da Sra. Dra. (…), de que se tratava efetivamente de fidroadenoma. Mantém-se, pois o n.º 30 nos seus precisos termos.
Quanto ao facto 31 (a atual especialização técnica dos exames laboratoriais não permitiria confundir um fribroadenoma benigno com um carcinoma ductal invasivo se tivesse existido observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte, por parte da “(… – Diagnósticos …, Lda.”) entende a Recorrente que deve dar-se como não provado. Alude, para tanto, ao depoimento da Sra. Dra. (…), médica anatomapatologista, aquele que fundamentou a decisão tomada em 1.ª Instância, ao referir que, face ao estado atual da ciência, o concreto fibroadenoma de que padecia a Autora seria muito dificilmente confundível com um carcinoma ductal invasivo. É que, avança a Recorrente, para além do que aqui se refere, a testemunha também reconheceu que ocorrem erros, que podem existir erros de diagnóstico; que existe sempre uma probabilidade de erro. Ora, esta alusão genérica à existência de erro no desempenho da profissão da medicina e, bem assim, o mais referido pela testemunha, não é apto a colocar em crise o julgamento assumido em 1.ª Instância quanto à referida matéria factual. Aliás, da demais prova produzida, designadamente do depoimento da Sra. Dra. (…), retira-se que o caso apontava mesmo, de forma até clarividente na apalpação, para que se tratasse de fibroadenoma e não para um carcinoma.
Inexiste, pois, fundamento para afirmar que o Tribunal recorrido incorreu em erro na decisão plasmada no n.º 31.
Insurge-se ainda a Recorrente relativamente ao que consta dos n.ºs 32 e 34 dos factos provados, onde se afirma que, por força do erro em que incorreu “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, a Autora despendeu os valores ali enunciados e teve de percorrer 8 vezes a viagem entre Évora e Lisboa. Fundamentou o Tribunal da 1.ª Instância tal decisão no teor dos documentos juntos aos autos, donde se colhem ainda as viagens realizadas pela Autora.
Resulta, porém, da prova produzida, tal como apontado pela Recorrente, que foi feita a excisão do fibroadenoma (doc. de fls. 281: a 18/05/2015 a Autora foi submetida a cirurgia para excisão de fibroadenomas e quisto e a plastia mamária de aumento), sendo certo que caso o resultado do exame patológico tivesse apontado desde logo o fibroadenoma todos os exames seriam realizados, com exceção da cintigrafia óssea e da ecografia abdominal. Na ótica da Recorrente deverá, assim, ficar antes consignado que por causa do referido no n.º 31, a Autora despendeu os valores atinentes à realização da cintigrafia óssea e da ecografia abdominal.
Afigura-se, no entanto, que para além dos referidos exames, a revisão do exame histológico realizado a 14/05 não teria tido lugar se não tivesse sido comunicado à A o que consta do n.º 13 dos factos provados; ainda que a Autora tenha demonstrado, desde logo, intenção de se submeter a nova biópsia, certo é que não lhe teria sido prescrita nem à A ocorreria realizá-la de novo se a ocorrência versada nos n.ºs 13 e 31 não se tivesse verificado.
Termos em que passa o n.º 32 a contemplar apenas a factualidade inserta nas alíneas c), d) e i).
No que respeita às viagens realizadas, resulta da documentação junta a fls. 279 e seguintes que a cintigrafia óssea e da ecografia abdominal foram realizadas no mesmo dia em que a Autora compareceu no Hospital Cuf Descobertas para consulta, a 7 de maio; a histologia biópsia mostra-se consignada a 13 de maio, dia em que compareceu no Hospital para consulta. Deste modo, afigura-se não ter resultado provado que alguma deslocação tenha sido feita a Lisboa exclusivamente devido ao que se encontra narrado nos n.ºs 13 e 31 dos factos provados.

Resulta, pois, não provada a factualidade vertida no n.º 34 dos factos provados.
Vem ainda sustentado que o elenco dos factos provados devia contemplar o teor do relatório da mamografia digital e ecotomografia mamária realizadas na (…) e, bem assim, o teor do relatório atinente à microbiópsia ecoguiada realizada pelo Sr. Dr. (…). E ainda que devia estar mencionado que o último contacto da Autora com a (…), relativamente à situação em apreço, teve lugar a 23 de abril de 2015, e outros factos, que foram desconsiderados pelo Tribunal, atinentes à benignidade do nódulo.
Relativamente a tal pretensão cumpre referir que o Tribunal recorrido não incorreu em erro ao não colher o teor dos mencionados relatórios. A decisão atinente à matéria de facto tem por base os articulados apresentados pelas partes onde são alegados os factos; os documentos não suprem insuficiências de alegação; assim, não merece censura a decisão versada no presente recurso por não contemplar o teor de documentos juntos aos autos.
O mais suscitado reputa-se irrelevante em face da narrativa que resulta do rol dos factos provados, além de a questão atinente à benignidade do nódulo assumir carater genérico e pouco preciso, não sendo indicados factos concretos cuja decisão terá sido desajustada – cfr. artigo 640.º do Código de Processo Civil.

Da omissão de pronúncia
A Recorrente invoca que o Tribunal de 1.ª Instância não apreciou a questão da prescrição do direito de que se arroga a Autora, questão essa que foi suscitada em sede de alegações finais, uma vez que só na última sessão de julgamento se evidenciou facto relevante para o efeito.
Atento o regime inserto no artigo 588.º do CPC, impunha-se a apresentação de novo articulado para deduzir o facto atinente à mencionada exceção, o que a Ré podia concretizar até ao encerramento da discussão, o que vale por dizer, até ao termo das alegações dos mandatários das partes. Não constando do processo o referido articulado, cabe concluir não ter a Recorrente deduzido a exceção em termos de dela poder conhecer o Tribunal.
Não se verifica, pois, a apontada omissão de pronúncia.

Da falta de fundamento para condenação da Recorrente
A Recorrente sustenta que a decisão sujeita ao presente recurso enferma de erro pois não existe evidência de ter ocorrido erro ou ato de negligência médica.
Por outro lado, a Recorrente invoca que nunca a responsabilidade poderia recair sobre si, pois estão em causa dois atos médicos distintos: a biópsia ecoguiada que culmina no relatório realizado pelo radiologista; a anatomia patológica que culmina no relatório do anatomopatologista. São atos médicos que, embora interligados, são individualizados, praticados por profissionais de especialidade distinta. Como apenas a biópsia foi realizada pela Recorrente, que nenhuma relação mantém com a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, sociedade que tomou a seu cargo o serviço médico atinente à anatomia patológica, nunca a Recorrente podia ser responsabilizada, como foi em 1.ª Instância e a coberto do regime inserto no artigo 800.º, n.º 1, do Código Civil, por ato ao qual é completamente alheia.
Ora vejamos.
A ação foi intentada com fundamento de ter sido solicitado às RR a prestação de serviços médicos, incorrendo estas em erro médico na realização da análise e na elaboração do relatório, apontando resultado desconforme com o real estado de saúde da Autora; à 1.ª R coube a recolha da amostra e à 2.ª R coube analisar a amostra; as RR trocaram a amostra recolhida na pessoa da Autora; o resultado transmitido apenas se deveu a erro na análise, o que provou danos à Autora.
Compulsados os factos provados, constata-se que o quadro circunstancial a que cabe aplicar o direito é o seguinte:
- a (…) – Clínica de (…), S.A. é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços na área de diagnóstico médico.
- a “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” tinha por objeto social “laboratório patológico e diagnósticos patológicos”;
- a Autora dirigiu-se às instalações da 1.ª Ré e realizou uma mamografia, com quatro incidências (duas de cada lado) e uma ecografia mamária (abrangendo os dois lados);
- tendo em conta a existência de um nódulo que, face a anteriores exames realizados pela Autora, apontavam para um crescimento anormal, foi sugerido à Autora, pelo Dr. (…), que se realizasse uma biópsia;
- foi realizada pela 1.ª Ré uma biópsia à mama direita da Autora e o material recolhido por funcionários da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, nas instalações da 1.ª Ré, para ser analisado em laboratório de anatomia patológica (da “… – Diagnósticos …, Lda.”);
- a 1.ª Ré entregou à “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, com autorização da Autora, os dados pessoais desta;
- a Autora pagou diretamente à 1.ª Ré o serviço que foi prestado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
- “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” emitiu a fatura do serviço prestado e enviou para casa da Autora os resultados da análise;
- “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” enviou, também, os resultados da análise ao médico da 1.ª Ré que efetuou a biópsia, Dr. (…);
- a Autora rececionou na sua casa, o resultado da biópsia enviado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
- do resultado da biópsia constava do relatório histopatológico o seguinte: “MACRO 3 fragmentos, com dimensões entre 5 e 15 mm. MICRO: Ao exame microscópio, os aspetos observados correspondem a carcinoma ductal invasivo, grau 1 de malignidade, ocupando cerca de 30% da amostra”.
- a Autora foi sujeita a nova biópsia mamária, nas instalações da CUF Descobertas, para comparação;
- a Autora foi às instalações da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” em (…), recolher as amostras (lâminas) da sua biópsia para serem submetidas a revisão histológica;
- o resultado da revisão histológica das amostras levantadas nas instalações da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, bem como o resultado da biópsia realizada na CUF Descobertas foi: “Fibroadenoma Benigno”.
- a atual especialização técnica dos exames laboratoriais não permitiria confundir um fribroadenoma benigno com um carcinoma ductal invasivo se tivesse existido observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte, por parte da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
A questão submetida a julgamento respeita à responsabilidade civil pela prática de ato médico, entendido como um ato executado por um profissional de saúde que consiste numa avaliação diagnóstica, prognóstica ou de prescrição e execução de medidas terapêuticas.[4]
É consensualmente aceite que, em regra, a responsabilidade médica reveste natureza contratual.[5] Médico e doente estão, no comum dos casos, ligados por um contrato marcadamente pessoal, de execução continuada e, por via de regra, sinalagmático e oneroso. Pelo simples facto de ter o seu consultório aberto ao público e de ter colocado a sua placa, o médico encontra-se numa situação de proponente. Por seu turno, o doente que aí se dirige, necessitando de cuidados médicos, está a manifestar a sua aceitação a tal proposta. Estamos, assim, diante de um contrato consensual pois que, em regra, não se exige qualquer forma para a celebração de tal acordo de vontades.
A atuação ilícita do médico assume, no entanto, relevância em sede de responsabilidade extracontratual nos casos em que não chega a ajustar-se o consenso por via de declaração de vontade do doente no sentido de ser observado e tratado pelo médico e de aceitação por este desse encargo: v. casos em que o médico presta assistência a pessoa inanimada, a incapaz cujo representante legal não se conhece, atuação do médico como agente do serviço público (caso não se aceite a natureza contratual da responsabilidade das instituições e serviços públicos de saúde), atuação do médico que configure determinado tipo legal de crime, sem esquecer as situações em que o contrato venha a revelar-se revestido de nulidade por ilicitude do objeto.
Nesta senda, sustenta Carlos Ferreira de Almeida[6] que a responsabilidade delitual constitui um meio exclusivo, quando contrato não haja, e concorre com a responsabilidade contratual, quando o médico viola um direito subjetivo absoluto incidente sobre a vida ou a saúde do paciente.
Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa[7], a responsabilidade civil médica é contratual quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre o paciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos gerais representa simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais; em contrapartida, aquela responsabilidade é extracontratual quando não existe qualquer contrato entre o médico e o paciente e, por isso, quando não se pode falar de qualquer incumprimento contratual, mas apenas, como se refere no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, da violação de direitos ou interesses alheios (como são o direito à vida e à saúde).
Por conseguinte, a natureza da responsabilidade médica não é unitária: ao lado de um quadro contratual que constitui a regra, deparamos com situações múltiplas, em que a natureza delitual da responsabilidade é absolutamente indiscutível.
No caso que temos em mãos, é manifesto que entre a Autora, por um lado, e as Rés, por outro, foram ajustados contratos. Constituíram-se, no entanto, relações jurídicas contratuais distintas, se bem que conexas na respetiva finalidade, pelo que não existe solidariedade entre as Rés no cumprimento das obrigações, ainda que decorrentes do incumprimento contratual culposo – artigo 513.º do Código Civil.
Ora, relativamente à 1.ª Ré, a Recorrente, firmou-se um contrato de prestação de serviço médico (artigo 1154.º do CC) por via do qual a Autora é credora da obrigação assumida pela referida Ré, no âmbito da respetiva atividade clínica: a realização do exame de mamografia e a realização de biópsia (remoção e colheita de fragmento ou tecido de indivíduo vivo para análise histológica[8]) na mama direita.
Relativamente à “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, firmou-se um contrato de prestação de serviço médico (artigo 1154.º do Código Civil) por via do qual a Autora é credora da obrigação assumida pela referida entidade, no âmbito da respetiva atividade clínica: a realização de análise histológica e apuramento do resultado dessa análise.
Na verdade, embora a recolha da amostra tenha sido processada ao serviço da Recorrente, e a esta ter sido pago o serviço médico atinente à anatomia patológica, certo é que a amostra foi recolhida por funcionários da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, a quem foram entregues os dados pessoais da Autora, com autorização desta; “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” faturou o serviço prestado e enviou o resultado apurado para casa da Autora. Compôs-se, assim, um acordo vinculativo, assente declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro; ambas não estando sujeitas a qualquer formalidade), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses, alcançando as partes o mútuo consenso: a Autora pretendendo a análise e subsequente relatório de anatomia patológica e a Réu o pagamento do serviço decorrente da prestação que integra o seu âmbito de atividade médica.
Nestes termos, não recaía sobre a Ré (…), ora Recorrente, a obrigação de proceder à análise histológica e de elaborar o respetivo relatório.
Acresce que nem os factos provados permitem afirmar qualquer influência, intervenção ou possibilidade de interferência por parte da Ré (…), Recorrente, junto da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” e no modo como esta exerce a respetiva atividade médica. Por conseguinte, não tem aqui aplicação o regime consagrado no artigo 800.º do CC: não está em causa o cumprimento de uma obrigação pela Ré (…) nem a atividade médica desenvolvida pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” consubstancia um modelo que a Ré (…) utilize para cumprir obrigações de que seja titular.
Na verdade, nos termos do disposto no artigo 800.º, n.º 1, do CC, o devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se taos atos fossem praticados pelo próprio devedor. «O devedor, que se aproveita de auxiliares no cumprimento, fá-lo a seu risco e deve, portanto, responder pelos factos dos auxiliares, que são apenas instrumento seu para o cumprimento. Com tais auxiliares, alargam-se as possibilidades do devedor, o qual, assim como tira daí benefícios, deve suportar os prejuízos inerentes à utilização deles.»[9] Ainda que o auxiliar não tenha agido com culpa, pode o devedor ser responsável caso se afirma a culpa sua por ter sido negligente na escolha do auxiliar, nas deficientes instruções que lhe deu ou na forma como acompanhou a sua atuação.[10] O citado regime reporta-se, assim, a situações em que a atuação de terceiro se exerce em benefício ou sob o controlo do devedor, «podendo aquele ser visto como uma longa manus deste.»[11]
O que, manifestamente, não se verifica na situação em apreço.
Ora, o resultado da biópsia, enviado pela “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” para casa da Autora referia que os aspetos observados correspondem a carcinoma ductal invasivo, grau 1 de malignidade, ocupando cerca de 30% da amostra”.
Veio, entretanto, a apurar-se, quer através de nova biópsia, quer através da revisão histológica da amostra recolhida nas instalações da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”, que se tratava antes de Fibroadenoma Benigno. Mais se apurou que a atual especialização técnica dos exames laboratoriais não permitiria confundir um fribroadenoma benigno com um carcinoma ductal invasivo se tivesse existido observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte, por parte da “(…) – Diagnósticos (…), Lda.”.
Nestes termos, “(…) – Diagnósticos (…), Lda.” incorreu em erro na análise e apreciação histológica da amostra colhida à A.
Por esse erro, porém, não responde a Recorrente.
Não se acompanha, pois, a decisão proferida em 1.ª Instância com fundamento no regime inserto no artigo 800.º, n.º 1, do CC, alcançando o presente recurso provimento, sem necessidade de serem apreciadas outras questões.

As custas recaem sobre a Recorrida, na vertente de custas de parte – artigos 527.º, 529.º, 530.º, n.º 1, do CPC e 4.º do RCP.

Concluindo: (…)


IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida relativamente à Ré (…) – Clínica de (…), SA, absolvendo-a do pedido.
Custas pela Recorrida, na vertente de custas de parte.

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Évora, 7 de abril de 2022
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite


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[1] Artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC.
[2] V. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, I vol., página 541.
[3] Cfr. Acórdãos TRC de 19/06/2001, de 14/01/2014.
[4] Ac. STJ de 04/03/2008, Fonseca Ramos.
[5] João Álvaro Dias, in Procriação Assistida e Responsabilidade Médica; António Henriques Gaspar, in A Responsabilidade Civil do Médico, in CJ 1978, pág. 341 e abundante jurisprudência relativa a tal matéria.
[6] Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico, a páginas 81 e 82.
[7] Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica, in Direito da Saúde e Bioética, Lisboa 1996, AAFDL.
[8] https://dicionario.priberam.org/biopsia.
[9] Vaz Serra, Responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares, dos representantes legais ou dos substitutos, n.º 2, BMJ n.º 72, citado in CC Anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, Vol. II, 3.ª edição, página 57.
[10] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., páginas 57 e 58.
[11] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, 10.ª edição, página 243.