Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PESSOA | ||
Descritores: | JUSTO IMPEDIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 02/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. É necessário que a parte se apresente a requerer a prática do ato logo que o justo impedimento cesse, oferecendo logo a respetiva prova, nenhuma correspondência com a lei tendo o prazo de dez dias a que a Apelante faz referência para invocar o justo impedimento. II. E também é necessário que pratique o ato processual, cujo prazo já expirou, logo que o justo impedimento cesse, isto é, a parte, para beneficiar do regime do justo impedimento, tem de praticar o ato processual em falta (no caso, a dedução da oposição) logo que deixe de estar sob impedimento, sendo que nessa altura tem também de invocar o justo impedimento, oferecendo de imediato a respetiva prova. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, I. Relatório TERRA BRANCA - COMUNICAÇÃO SOCIAL, LDA. intentou procedimento de injunção contra NERSANT - ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL DA REGIÃO DE SANTARÉM pedindo o pagamento pela demandada à demandante da quantia global de € 107 176,10, correspondente a € 96 633,92 a título de capital, € 10 389,18 de juros de mora respetivos e € 153,00 de taxa de justiça paga. Alegou que no exercício da sua atividade comercial prestou os serviços protocolados com a Ré, para cujo pagamento a Autora emitiu as correspondentes faturas, encontrando-se, todavia, por pagar a importância peticionada a título de capital, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, e demais acréscimos aludidos. A Ré deduziu oposição, com data de apresentação de 03/02/2022, defendendo-se por via de exceção e de impugnação e concluindo, na improcedência da ação, pela sua total absolvição do pedido. Com data de 09/02/2022 foi proferido despacho no Balcão Nacional de Injunções (doravante BNI), considerando extemporânea e, como tal, «não apresentada», a oposição. Apresentou então a Ré o requerimento de 14.02.2022, alegando que no período compreendido entre 28 de Janeiro e 04 de Fevereiro de 2022, o ora signatário tinha sido submetido a uma cirurgia às cataratas, nomeadamente ao olho esquerdo, com complicações, tendo-se encontrado impossibilitado de exercer a profissão entre os dias 28 de Janeiro e 04 de Fevereiro de 2022, sendo que trabalha em prática isolada na Advocacia, concluindo pela admissão da sua oposição, razão pela qual foi determinada a remessa do procedimento de injunção à distribuição. Designada data para a realização da audiência prévia, foi, no decurso da mesma (a que respeita a ata de 09.11.2022), proferido despacho, em que se decidiu: “(…) Pelo exposto, improcede o incidente de justo impedimento deduzido, considerando-se a oposição apresentada extemporaneamente. *** A oposição apresentada foi extemporânea, pelo que se considera que a mesma não foi apresentada.(…).”
Seguidamente, foi desde logo proferida decisão com o seguinte dispositivo: “(…) Destarte, no caso vertente, inexistindo qualquer exceção dilatória de que cumpra conhecer e não sendo o pedido manifestamente improcedente, decido conferir força executória ao requerimento de injunção (…). * Inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso, apresentando, após alegações, as seguintes conclusões: “1 – O acesso à justiça, ao direito e aos tribunais a todos é garantido, conforme dispõe o art. 20.° da Constituição da República Portuguesa, o que impõe a definição, na lei ordinária, dos actos processuais para a realização daquele princípio programático. 2 - O artigo 140º do CPC traduz o primado da justiça material sobre a pura legalidade formal e visa não permitir que a omissão do acto processual dentro do prazo legalmente fixado determine a perda imediata e irremediável do direito material com ele correlacionado. 3 – E, mesmo o princípio da igualdade de armas não implica uma identidade formal absoluta de todos os meios, e que a exigência que ela postula pressupõe uma posição equiparável das partes perante o processo; 4 - O justo impedimento é concedido às partes, quando razões estranhas e imprevisíveis ocorram, de forma que se revele adequada e equitativa a concessão de um prazo suplementar para a prática do acto, pelo que, à semelhança do que ocorre para a prática de acto cuja legislação não preveja um prazo específico, aplica-se o prazo geral de 10 dias previsto no artigo 149º do CPC. 5 – Deste modo, tendo o justo impedimento durado até 4 de Fevereiro de 2022, e o mesmo invocado a 14 de Fevereiro, encontra-se dentro do limite de 10 dias previsto no artº 149º do Código do Processo Civil, não obstante a oposição ter sido entregue a 3 do mesmo mês; 6 – Considerando-se praticada em situação de justo impedimento a oposição a injunção apresentada fora do prazo legal e ainda que a invocação do mesmo tenha ocorrido posteriormente à prática do acto. 7 – Deste modo, deve ser apreciado e deferido o justo impedimento invocado, o que deverá levar à revogação da decisão sub Júdice; 8 - Devendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que releve o justo impedimento invocado e o procedimento seguir os demais trâmites até final. 9 – Mostrando-se violado o disposto no artigo 20º da CRP, 140º e 149º do CPC JUSTIÇA!!!” * Foi junta contra-alegação de recurso, tendo sido formulada a seguinte síntese conclusiva: “a) Dispõe o artigo 140.º do CPC, de epígrafe “Justo impedimento”, no n.º 2, que a parte que alegar o justo impedimento se apresenta a requerer logo que ele cessou e oferece “logo” a respetiva prova. b) Esta disposição especial afasta a aplicação do prazo geral de 10 dias do artigo 149.º do CPC, devendo a invocação de justo impedimento e a respetiva prova ser apresentada logo que aquele cesse. c) Dado que o ato de oposição foi praticado extemporaneamente em 03.02.2022, esta era a data em que deveria ter sido alegado o justo impedimento, considerando-se ser este o dia em que o evento que obstou à prática atempada do ato cessou. d) Neste sentido, a alegação do justo impedimento é extemporânea, porquanto só foi efetuada em requerimento datado em 14.02.2022, devendo a oposição, também ela extemporânea, ser considerada como não apresentada. e) Acresce que o mandatário da Recorrente alega ter sido submetido a cirurgia ocular no dia 28.01.2022, quando o atestado médico que junta apresenta a data de 31.01.2022 como dia a partir do qual deveria o mandatário da parte encontrar-se impossibilitado de exercer as suas funções. f) Neste sentido, o próprio evento que se alega ter obstado à prática do ato foi posterior ao último dia do prazo perentório para o efeito, sendo do conhecimento da Recorrente que, a verificar-se um evento que materialmente se pudesse consubstanciar como justo impedimento, nunca o seria do concreto ato em causa, por ser ulterior ao prazo para a prática do mesmo. g) A cirurgia em causa não consubstancia, no caso em concreto, um justo impedimento que obste à prática do ato, uma vez que a mesma já se encontrava prevista, pelo menos, desde o dia 21.01.2022, data do atestado médico junto aos autos. h) Deste modo, não se trata de um evento de todo imprevisível, urgente e independente da vontade do mandatário da Recorrente, bem pelo contrário. i) Isto posto, entende-se que não foi violada qualquer disposição legal, mormemente os artigos 140.º e 149.º CPC e 20.º da CRP, ou princípio jurídico, nomeadamente, o princípio de acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da igualdade de armas, na medida em que a ambas as partes foram conferidas as mesmas prerrogativas de pronúncia e realização do direito – não justificando estes princípios um suprimento injustificado das exigências processuais em causa. Nestes termos e nos que Vossas Excelências muito doutamente suprirão, julgando totalmente improcedente o presente recurso e de conformidade com as precedentes conclusões será feita uma verdadeira e sã JUSTIÇA.” * Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II. Questões a decidir. Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente que, como é sabido, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil importa apreciar e decidir se deve a sentença recorrida ser substituída por outra decisão que julgue verificada a existência de justo impedimento e determine o prosseguimento dos demais trâmites até final. *** III. Fundamentação. III.1. De facto. Com interesse para a decisão a proferir relevam os factos relativos à tramitação processual que supra se elencaram. * III.2. Apreciação jurídica. Insurge-se a Apelante contra a sentença recorrida, por entender que deveria ter sido admitido e julgado procedente o justo impedimento invocado e como tal validada a entrega da oposição. Importa desde logo precisar que dirigindo a Apelante o recurso contra a sentença, em rigor, a mesma não se conforma com o ali decidido, por considerar ilegal o despacho que julgando a invocação do justo impedimento intempestiva, considerou extemporânea a oposição apresentada e consequentemente, que “a mesma não foi apresentada”. Sucede que preceitua o artigo 644º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Civil, que “cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal da 1ª instância: do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova”. Como é sabido, o artigo 644º, n.º 2 do Código de Processo Civil elenca os casos em que para além da decisão proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente (al. a), do n.º 1), e do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decide do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos (al. b), do n.º 1), que são objeto de recurso autónomo e em relação aos quais a parte vencida que não se conforma com o decidido, tem de interpor recurso autónomo e imediato, sob pena da decisão proferida se consolidar na ordem jurídica, operando caso julgado. Assim, em relação a todos os casos elencados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 644º do Código de Processo Civil, a parte vencida tem o ónus de interposição imediata de recurso, para que impeça a formação de caso julgado, dispondo para o efeito do prazo de quinze dias (artigo 638º, n.º 1 do Código de Processo Civil). É certo que importa distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada; há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade, porquanto tal distinção releva para efeitos de subsunção da rejeição de articulado ou meio de prova na al. d), do n.º 2 do artigo 644º citado, ou seja, para indagar se aquela concreta decisão que não admitiu o articulado ou o meio de prova requerido é ou não passível de apelação autónoma. Apenas haverá rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade. Quando o tribunal rejeita o articulado ou o meio de prova, não com fundamento exclusivo na inadmissibilidade dos mesmos por falta dos respetivos pressupostos formais para a apresentação desse articulado, mas com fundamentos substanciais, isto é apreciando o conteúdo desse articulado ou a relevância desse meio de prova sobre a relação material controvertida ou sobre a relação processual, então o caso não se subsume à al. d), do n.º 2 do artigo 644º, pelo que essa decisão, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, onde se insere a sentença final[1]. Na presente situação, não vem controvertido que o Tribunal Recorrido decidiu pela não admissibilidade da oposição apresentada pela Requerida, por considerar a respetiva extemporaneidade, sem analisar a causa, isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou seja, por razões que nada tiveram a ver com os seus fundamentos substanciais. Pelo que a situação não pode deixar de subsumir-se à al. d), do n.º 2 do artigo 644º do Código de Processo Civil. Consequentemente essa decisão, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, não pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, onde se insere a sentença final, antes o deveria ter sido no prazo de quinze dias previsto artigo 638º, n.º 1 citado), para que impeça a formação de caso julgado. O que impõe que se conclua que, não tendo sido interposto recurso da mesma no aludido prazo, mostra-se transitada tal decisão em julgado, não podendo voltar a ser reapreciada. Note-se que as partes se mostravam presentes na diligência em que a decisão foi proferida, em 09.11.2022, pelo que o prazo de recurso começou a correr nessa data, nos termos do disposto no artigo 638º, n.º 3 do Código de Processo Civil, tendo terminado em 24.11.2022, e com os três dias úteis a que alude o artigo 139º, n.º 5 do Código de Processo Civil, em 29.11.2022. O recurso foi apresentado em 02.12.2022 quanto tal prazo se encontrava já exaurido, pelo que a decisão que não admitiu a oposição não pode considerar-se validamente impugnada. E tanto bastava para que se julgasse improcedente o recurso, porquanto o único vício que a Apelante imputa à sentença é o facto de não ter tido em conta a oposição. *** Sempre se dirá, porém, que ainda que não fosse de considerar transitada decisão que não admitiu o articulado de oposição, sempre seria de concluir pela improcedência do recurso. Na verdade, a Apelante esgrime que deve considerar-se tempestiva a sua invocação de justo impedimento, apesar de não ter ocorrido logo que a parte se apresentou a praticar o ato – a apresentação da oposição. Mas não lhe assiste razão. A figura do justo impedimento vem regulada no artigo 140.º do Código de Processo Civil, preceito que dispõe assim: “1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato. 2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou. (…)” (o destacado é nosso). É, pois, necessário que a parte se apresente a requerer logo que o justo impedimento cesse, oferecendo logo a respetiva prova, nenhuma correspondência com a lei tendo o prazo de dez dias a que que a Apelante faz referência. E também é necessário que pratique o ato processual, cujo prazo já expirou, logo que o justo impedimento cesse, isto é, a parte, para beneficiar do regime do justo impedimento, tem de praticar o ato processual em falta (no caso, a dedução da oposição) logo que deixe de estar sob impedimento. E nessa altura tem também de invocar o justo impedimento, oferecendo de imediato a respetiva prova. Não se pode, perante o regime aplicável, pretender que é ainda tempestiva a invocação se esta ocorrer posteriormente à apresentação da parte a praticar o ato tardio. Se a parte não invoca logo o justo impedimento – isto é, aquando da prática o ato em falta –, a prática tardia do ato processual cai no regime da extemporaneidade, pelo decurso do respetivo prazo legal. É para evitar o regime da extemporaneidade – sabido levar este à não admissão do ato tardio – que é suscitado o incidente do justo impedimento, o qual, por isso, tem de ser deduzido aquando da prática tardia do ato processual. Com efeito, não seria aceitável a invocação do justo impedimento depois de decretada a extemporaneidade do ato, nem se compreenderia que não fosse logo justificada a prática tardia do ato com a invocação do impedimento, pois a parte, apesar do impedimento sofrido, está finalmente em condições de praticar o ato, e se assim é, não pode validamente aceitar-se que só mais tarde possa vir invocar o justo impedimento. Se não está impedida de praticar o ato, nenhum fundamento se vislumbra para o estar de invocar a figura do justo impedimento. Donde que não possa dar-se razão nesta parte à Recorrente. Acresce que na situação em apreço, o documento junto não demonstra sequer o impedimento. Trata-se de uma declaração médica, subscrita em 21.01.2022, na qual se constata a previsibilidade de o Ilustre Mandatário ali referido ir ser submetido em 28.01.2022 a uma intervenção, caso em que não “poderá exercer a sua atividade profissional de 31.01.2022 a 04.03.2022. Nenhum comprovativo se encontra nos autos de que a intervenção foi realizada e a verdade é que a oposição foi remetida a juízo em 03.02.2022. Sempre improcederia, pois, a pretensão recursiva neste ponto. E não se diga que a interpretação que perfilhamos comporta violação do disposto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e também no artigo 32.º, n.º 10 do mesmo diploma, que impõem que a decisão decorra de processo equitativo. A este propósito saliente-se que a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante CEDH), criada no seio do Conselho da Europa, tem vindo a ser considerada como um dos mecanismos internacionais mais sofisticados e avançados de tutela dos direitos e liberdades fundamentais, oferecendo, em boa medida, maiores garantias de eficácia do que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, porquanto possui um texto vinculativo para os Estados e consagra um mecanismo específico de reação na hipótese de violação dos direitos consagrados na Convenção. O respetivo artigo 6.º além de consagrar uma miríade de direitos basilares estabelece igualmente que o direito a um processo equitativo é uma condição necessária de um Estado de Direito. O direito a um processo equitativo é, pois, também um dos pilares fundamentais do Direito Internacional e visa proteger os indivíduos contra tratamentos arbitrários. Este direito, que encontra consagração expressa em vários diplomas internacionais, a saber: nos artigos 14.º e 15.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, nos artigos 8.º e 9.º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nos artigos 7.º e 26.º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, e no artigo 40.º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, tem vindo a ser interpretado pelo TEDH como associado ao primado do Direito e à sua efetividade, tal como resultam plasmadas no preâmbulo da Convenção. Em primeiro lugar e em regra, o direito ao processo equitativo/justo e a averiguação da sua violação deverão efetuar-se segundo uma análise casuística, que atenda às particularidades do processo em causa. Nesta sede, dever-se-á perspetivar o processo como um todo, no seu conjunto[2]. Também o TJUE, no recente Acórdão de 22 de Outubro de 2020[3], entendeu que: “(…). O artigo 6.o, n.o 3, da CEDH não impõe a convocação de testemunhas, mas visa uma completa igualdade de armas que garanta que o processo controvertido, considerado no seu conjunto, ofereceu ao acusado uma oportunidade adequada e suficiente para contestar as suspeitas que recaíam sobre ele (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens e o./Comissão, C-239/11 P, C-489/11 P e C-498/11 P, não publicado, EU:C:2013:866, n.os 324 e 325 e jurisprudência referida). 31 No caso em apreço, há que observar que, no termo de um exame circunstanciado de um conjunto de elementos de prova que as recorrentes puderam amplamente contestar (…)” Por outro lado, embora o direito a um processo equitativo se materialize nos planos civil e penal, o TEDH tem entendido que a margem de livre apreciação dos Estados Contratantes deverá ser menos ampla no âmbito do processo penal, em virtude da legalidade estrita própria deste tipo de processo[4]. E conforme o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado: «a exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Impõe, no entanto, que no seu núcleo essencial os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva»[5] (Acórdão n.º 460/11).
E que: “Na conformação das regras próprias do processo civil não está o legislador ordinário sujeito a uma vinculação constitucional tão intensa quanto a que se verifica a propósito da conformação das regras de processo penal. O Tribunal Constitucional reconhece e declara que a CRP não impõe à ordem jurídica infraconstitucional um certo modelo concreto de processo, deixando à liberdade de conformação legislativa uma ampla margem de apreciação na definição da tramitação do processo, designadamente no que se refere aos requisitos de forma dos atos das partes, aos ónus processuais que sobre estes incidem e às cominações que resultem da inobservância das regras processuais (Acórdãos n.ºs 335/95, 508/2002, 20/2010 e 186/2010, 629/2013 e 462/16). Todavia, isso não significa que o legislador ordinário detenha uma total liberdade na concreta modelação do processo, como se fosse este um campo vazio de vinculações jurídico-constitucionais. É ponto assente que esta matéria não é imune aos princípios constitucionais e que os regimes adjetivos deverão mostrar-se funcionalmente adequados aos fins do processo, de modo a não traduzirem imposições sem sentido útil ou razoável, e não poderão impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação processual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada. O Tribunal Constitucional tem dito que as normas processuais, como decorrência do princípio do processo equitativo, não podem impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação processual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada (Acórdãos n.ºs 468/01, 122/02, 260/02 e 46/05). Nesse sentido, no Acórdão n.º 620/2013 reitera-se que «(A)pesar de vigorar, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, isso não significa que as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcionalmente adequados aos fins do processo, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas perante a gravidade e relevância da falta, ou ainda, se de uma forma inovatória e surpreendente, face ao texto legal em vigor, são impostas às partes exigências formais que elas não podiam razoavelmente antecipar, sendo o desculpável incumprimento sancionado em termos irremediáveis e definitivos». E a propósito da conformidade dos ónus processuais com o princípio da proporcionalidade refere-se no Acórdão n.º 462/2016 que «os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr., sobre esta matéria, Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in «Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa», Coimbra Editora, 2003, pp. 839 e ss. e, entre outros, os Acórdãos n.ºs 564/98, 403/00, 122/02, 403/02, 556/2008, 350/2012, 620/13, 760/13 e 639/14 do Tribunal Constitucional)»[6] Ora, no caso, o que se entende é que, para além do prazo de oposição, a parte pode praticar o ato tardiamente, o que nenhum prejuízo ou desigualdade provoca, desde logo porquanto está condicionada tal prática à invocação de uma situação de justo impedimento, apenas se exigindo formalmente que a situação seja comunicada logo que o impedimento cessa e que a parte invoque tal situação no momento em que pratica o ato tardiamente. Como pode a parte estar em condições, em tal momento, de praticar o ato e não poder, em simultâneo, invocar o impedimento que a levou à prática tardia? A lógica impõe que possa fazer as duas coisas ao mesmo tempo, justificando desde logo tal prática tardia. E, se não lhe for possível ainda apresentar as provas incidentais, terá de solicitar – de imediato – a concessão de um prazo para o efeito. O que não é defensável é considerar que a parte já não está sob impedimento para praticar o ato processual tardio (visto que o pratica efetivamente), mas ainda o está para invocar o seu justo impedimento. Na interpretação adotada, inexiste, pois, qualquer violação de norma constitucional, mormente a da proibição da indefesa ou da exigência de processo justo e equitativo e do princípio do contraditório, não consagrando a disposição legal qualquer solução desproporcionada ou arbitrária. Importa concluir. Como se referiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 26.10.2021 que aqui seguimos de perto, “a parte demandada bem sabe que tem prazo legal perentório para apresentação da sua defesa, sob legal cominação, bem como que a figura do justo impedimento não é de invocação livre e incondicionada, antes tendo de obedecer à disciplina legal, com requisitos próprios, que têm de ser observados/convocados, sob pena de o ato ser tido por extemporâneo. Se tal parte não observa os legais pressupostos da figura processual do justo impedimento, só de si mesma se poderá queixar, visto que nada a impedia de invocar tal figura, para dela aproveitar, aquando da prática do ato tardio (dedução da oposição).” Donde, também nesta parte, se imporia a improcedência do recurso, sendo correta a decisão de indeferimento da invocação de justo impedimento – por extemporaneidade – e de recusa da oposição – ainda por intempestividade –, com a consequência de haver de ser conferida, como foi, força executiva à petição apresentada. Não pode, pois, deixar de julgar-se improcedente a apelação. * IV. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação. Custas da apelação pela Apelante – artigo 527º do Código de Processo Civil. Registe e notifique. * Évora, 2023-02-09 (Ana Pessoa) (José António Moita) (Maria da Graça Araújo) __________________________________________________ |