Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1096/23.2T8EVR.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONSULTA DO PROCESSO
PROCESSO DISCIPLINAR
ILICITUDE DO DESPEDIMENTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
TRIBUTAÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- Se a recorrente, no requerimento de interposição do recurso e nas alegações do recurso, declara que que interpõe recurso «sobre a matéria de facto e de direito», mas em parte alguma das alegações e conclusões do recurso indica, especificamente, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa quanto à matéria de facto impugnada e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, há que rejeitar a (aparente) impugnação da decisão de facto, por incumprimento do ónus previsto no artigo 640.º do CPC.
II- A consulta do procedimento disciplinar é um direito do trabalhador - que pode ou não ser exercido - e que visa permitir o conhecimento, por este, de todos os elementos, formais e substanciais, compilados pela entidade empregadora e que serviram para estribar a “acusação” da imputada prática de uma ou mais infrações disciplinares deduzidas na nota de culpa.
III- A obrigação de facultar o processo disciplinar para consulta nasce apenas no momento em que o trabalhador solicita tal consulta.
IV- Tendo a empregadora, juntamente com a notificação da nota de culpa, tomado a iniciativa de informar a trabalhadora de que o processo disciplinar estaria disponível para consulta nos escritórios da empresa em horário de expediente, de 2.ª a 6.ª feira, e tendo a trabalhadora se dirigido ao local indicado, durante o horário de expediente, acompanhada da sua mandatária, para consultar o processo, tendo-lhe esta consulta sido negada, considera-se violado o direito à consulta do processo, sendo, em consequência, o procedimento disciplinar inválido e o despedimento ilícito.
V- A questão da litigância de má-fé, quando introduzida no processo por uma das partes, com o correspondente pedido indemnizatório, constitui um incidente processual não tipificado, pois surge como uma questão acessória ou secundária para resolver e a sua decisão implica uma atividade processual e judicial que acresce ao encadeado linear e específico da tramitação normal do processo.
VI- Assim, estando em causa um incidente processual, o mesmo está sujeito a tributação, nos termos previstos pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º e 7.º, n.ºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais e 527.º e 529.º do Código de Processo Civil.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
P.1096/23.2T8EVR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
1. Na presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que AA (Autora) intentou contra “I..., Lda.”, foi prolatada sentença, em 23-01-2024, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supracitadas:
A. Julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em
consequência:
*
1. Declara-se inválido o procedimento disciplinar e, em consequência, ilícito o despedimento realizado pela ré, em 22 de maio de 2023, da autora AA;
2. Condena-se a ré no pagamento à autora das seguintes quantias:
a. A quantia de 6.771,54€ (seis mil, setecentos e setenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de indemnização em substituição da reintegração, a que acrescem juros de mora à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data da citação, até ao efetivo e integral pagamento;
b. As retribuições que a autora deixou de auferir desde a data do despedimento – ocorrido em 22 de maio de 2023 - até ao trânsito em julgado da presente decisão, as quais incluem os proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, vencidos após a referida data, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respetivo vencimento e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. artigos. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil), e devendo a mesma, se necessário, ser liquidada em sede de ulterior incidente de liquidação, já que à mesma deverão ser deduzidas:
(i) as importâncias que a trabalhadora tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento,
(ii) a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, e
(iii) o subsídio de desemprego atribuído à trabalhadora no período em causa, devendo
o réu entregar essa quantia ao Instituto da Segurança Social, I.P.”, e
c. A quantia de 924€ (novecentos e vinte e quatro euros) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data da citação e vincendos até efetivo e integral pagamento;
d. A quantia de 1,56€ (um euro e cinquenta e seis cêntimos), a título de atualização do
subsídio de alimentação, por cada dia de trabalho efetivamente prestado entre 01.03.2022 e 30.06.2022, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respetivo vencimento e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. artigos. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil), devendo a mesma, se necessário, ser liquidada em sede de ulterior incidente de liquidação e e. A quantia de 2,56€ (dois euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de atualização do subsídio de alimentação, por cada dia de trabalho efetivamente prestado entre
01.07.2022 e 31.03.2023, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal anualmente prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respetivo vencimento e vincendos até efetivo e integral pagamento (cf. artigos. 804.º, 805.º, n.º 1, n.º 2, alínea a), 806.º e 559.º do Código Civil), devendo a mesma, se necessário, ser liquidada em sede de ulterior incidente de liquidação;
*
B. Quanto ao mais, julga-se a ação parcialmente improcedente, por parcialmente não provada e, em consequência, absolve a ré do demais contra si peticionado nos autos pela autora;
*
C. Custas da ação a cargo da autora e da ré na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
*
D. Julga-se improcedente, por não provado, o incidente de litigância de má-fé e, em consequência, absolve-se a autora do pedido de condenação como litigante de má-fé;
*
E. Custas do incidente de litigância de má-fé a cargo da ré fixando-se a taxa de justiça e 2 UC..
*
Valor da causa: 7.695,54€.
*
Registe e notifique.».
2. Inconformada, a Ré interpôs recurso desta decisão, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:
«1) A Ré vem recorrer da douta Sentença do tribunal a quo, porquanto não se conforma com os fundamentos invocados pela Sra. Dra. Juíza para justificar a sua convicção e consequente decisão, nomeadamente a errónea interpretação dos factos trazidos a juízo e da consequente incorreta aplicação do direito.
2) A meritíssima Sra. Juiz a quo cometeu um erro crasso de julgamento ao considerar que existiu uma invalidade do processo disciplinar apenas por não ter sido permitida a consulta imediata do mesmo pela Autora e pela sua mandatária.
3) Em momento algum a Ré negou a consulta do processo disciplinar e respetiva documentação pela trabalhadora e sua mandatária, apenas não o disponibilizou de imediato.
4) O processo disciplinar encontrava-se na posse da Gerência da Ré que, naquele momento não se encontrava nas instalações, mas que enviou, via email, à mandatária, o processo disciplinar volvidas poucas horas.
5) Deve ser a Gerência quem tem de entregar o processo disciplinar e respetiva documentação ao trabalhador, e não qualquer outro funcionário do estabelecimento.
6) A Ré reuniu todos os seus esforços de modo que a mandatária daquela tivesse acesso ao processo o mais rapidamente possível para que, desse modo, pudesse exercer plenamente o seu direito de defesa, o que aconteceu!
7) Além do mais, para declarar o despedimento ilícito com base neste fundamento, tem de ser aferido se o direito da trabalhadora em consultar o processo foi efetivamente violado por não o poder ter consultado na específica hora em que o desejou.
8) A resposta a esta questão não pode ser dada de uma forma generalizada, tendo primeiramente de ser feita uma análise de cada caso concreto e uma avaliação plena e individualizada dos factos concretos que estão em juízo.
9) Não nos parece proporcional afirmar, só porque a trabalhadora e a sua mandatária não puderam consultar o processo disciplinar de imediato, mas apenas poucas horas mais tarde, que o respetivo direito à defesa e contraditório tenha sido igualmente violado.
10) O processo disciplinar e respetiva documentação foram enviados, via email, para a mandatária da autora, que assim os aceitou e consultou, tendo posteriormente apresentado a defesa desejada pela trabalhadora, e exercendo, assim, de forma plena os seus direitos de consulta do processo disciplinar e de defesa.
11) O tribunal fez uma incorreta apreciação da norma alegadamente violada ao qualificar toda e qualquer dificuldade em consultar o processo disciplinar como violadora dos direitos de defesa do trabalhador.
12) A consulta do processo disciplinar deve estar dependente de um agendamento prévio, entre os trabalhadores e as entidades empregadoras.
13) Assim que a mandatária da autora recebeu por email e aceitou o processo disciplinar e a respetiva documentação, conseguiu verificar tanto a real existência do processo disciplinar, bem como a conformidade dos documentos.
14) O Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento e por isso fez uma incorreta apreciação da norma prevista no artigo 382.º, n.º 2, al. c), do Código do Trabalho, pelo que não poderia considerar o despedimento ilícito com base na invalidade do procedimento disciplinar.
15) Ademais, a meritíssima Juiz a quo não podia ter justificado a sua decisão em declarar o despedimento como ilícito com base no disposto no artigo 382.º, n.º 2, al. c) do CT, uma vez que não existiu, em momento algum, nenhuma invalidade do processo disciplinar fundado no desrespeito pelo direito da autora em consultar o processo disciplinar que lhe foi movido.
16) A meritíssima Sra. Juiz a quo fez uma errada interpretação dos factos que foram colocados à sua disposição, considerando ter existido uma recusa da consulta do processo disciplinar quando, na verdade, isso esteve longe de acontecer.
17) Não adotou a Ré quaisquer condutas que se possam subsumir na previsão constante do artigo 382.º, n.º 2, al. c), pelo que o despedimento não podia ter sido declarado ilícito com base na alegada invalidade do procedimento disciplinar.
18) Não se percebe o alcance do raciocínio do Tribunal a quo, ao considerar que o incidente de litigância de má-fé foi parcialmente improcedente, mas condenando apenas a Ré no pagamento das custas.
19) O procedimento disciplinar não padeceu de nenhuma invalidade e, portanto, o despedimento não pode ser considerado ilícito, pelo que não pode a Ré ser condenada em 2 UC – 204 euros - por ter dado origem ao incidente de litigância de má-fé, quando na verdade essa má-fé existiu.
20) Ademais, a condenação no pagamento de 2 UC é uma decisão totalmente desproporcional e bastante onerosa para a Ré.
21) Face ao exposto, deve a Sentença recorrida ser revogada, devendo o tribunal a quem declarar o procedimento disciplinar válido e, consequentemente, considerar o despedimento lícito, por não ter sido desrespeitado o direito a que alude o artigo 382.º, n.º 2, al. c) do Código do Trabalho.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença recorrida, e absolvendo-se a Ré do pedido formulado.
Assim se fazendo a tão costumada justiça!».

3. Contra-alegou a Autora, pugnando pela improcedência do recurso.

4. A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

5. Tendo o processo subido à Relação, foi observado o disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer favorável à manutenção da decisão recorrida.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos.
Após a elaboração do projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, agora, em conferência, apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões suscitadas no recurso:
1. (Aparente) impugnação da decisão de facto.
2. Validade do procedimento disciplinar.
3. Impugnação da condenação da Ré em custas incidentais.
*
III. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. Por documento escrito datado de 5 de dezembro de 2014, assinado pela autora e pela ré, acordaram estas que a primeira passasse, a partir dessa data e até 04.06.2015, a exercer, por conta, ao serviço e sob a direção da segunda, as funções inerentes à categoria profissional de operadora ajudante de supermercado de 1.º ano, mediante o pagamento da quantia mensal de 505€, subsídio de alimentação de 3,44€ por cada dia completo de trabalho prestado, subsídio de Domingo de 2,91€/hora por cada hora efetivamente trabalhada ao Domingo, abono mensal para falhas no montante de 24€ condicionado à prestação efetiva de trabalho nas caixas registadoras da empresa, mas tendo acordado na aplicação do CCT entre a APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição e a FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritório e Serviços e outros – Revisão Global, publicado no BTE n.º 22, vol. 75, de 15 de junho de 2008.
2. O acordo referido em 1. foi sucessivamente renovado encontrando-se em execução em 01.04.2023.
3. Em 01.04.2023 a ré suspendeu preventivamente a autora, o que lhe comunicou nessa mesma data.
4. Em 22.05.2023 a ré comunicou à autora o seu despedimento sem direito a indemnização ou compensação.
5. Em maio de 2023 a retribuição base da autora ascendia a 800€.
6. Na sequência dos factos descritos em 3. a 4. a autora vivenciou sentimento de vergonha e preocupação.
7. No ano de 2022 a ré não pagou à autora abono para falhas.
8. A ré não prestou formação à autora.
9. A ré, no mês de abril de 2023 pagou à autora o vencimento base.
10. A ré, no mês de maio de 2023, pagou à autora a quantia líquida de 2.492,99€, nos seguintes termos discriminada: 800€ a título de vencimento, 800€ a título de férias, 800€ a título de subsídio de férias, 333,33€ referente proporcional de subsídio de férias, 333,33€ referente a férias não gozadas, 333,33€ referente proporcional de subsídio de natal, 374€ respeitantes a descontos para a segurança social e 533€ enquanto descontos de IRS.
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Para a designada “questão prévia relativa ao tema da “invalidade do processo disciplinar”, ficou ainda assente a seguinte factualidade:
1. Por carta datada de 19.04.2023 a ré enviou à autora documento intitulado “Nota de Culpa” no mesmo fazendo constar, além do mais, que o processo disciplinar estaria disponível para consulta nos escritórios da empresa em horário de expediente, de 2.ª a 6.ª feira;
2. No dia no dia 4 de maio de 2023, pelas 9h30, a autora, acompanhada da sua mandatária dirigiu-se às instalações da ré para consultar o processo disciplinar, o que lhe foi negado.
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Na sentença recorrida, ficaram a constar como não provados os seguintes factos:
I. Em 22.05.2023, a autora tinha 5 dias de férias por gozar referentes ao ano anterior.
II. Na sequência dos factos descritos em 3. a 4., para além do referido em 6., a autora deixou de sair à rua e frequentar cafés, pastelarias, lojas e festas.
III. A ré pagava, em maio de 2023 e desde há cinco anos, a título subsídio de alimentação à funcionária BB com igual categoria profissional, 4,77€.
IV. A autora trabalhava pelo menos dois domingos por mês, num total de dez horas.
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IV. Sobre a (aparente) impugnação da decisão fáctica
No requerimento de interposição do recurso e nas alegações do recurso, a recorrente declara que interpõe recurso «sobre a matéria de facto e de direito».
Aparentemente, parece querer impugnar a decisão fáctica proferida pela 1.ª instância.
Todavia, percorrendo as alegações e as conclusões do recurso em nenhuma parte se encontram especificamente indicados: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa quanto à matéria de facto impugnada; e, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Por outras palavras, a recorrente não observou o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral.
Assim, se a mesma tinha intenção de impugnar a decisão de facto deveria ter observado o aludido ónus.
Resta-nos, pois, ao abrigo do disposto no mencionado artigo 640.º, rejeitar a (aparente) impugnação da decisão da matéria de facto.
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V. Da validade do procedimento disciplinar
A 1.ª instância entendeu que o procedimento disciplinar intentado contra a Autora era inválido, e, em consequência desse vício, julgou o despedimento ilícito, com as legais consequências.
Escreveu-se na sentença recorrida:
«B. Da invalidade do processo disciplinar
Argui a autora a nulidade do processo disciplinar com base nos seguintes fundamentos:
- Não ter sido notificada de todos os documentos, designadamente um documento intitulado “Conclusões”;
- Não lhe ter sido possível a consulta do processo disciplinar quando pretendeu fazê-lo;
- Alguns dos documentos dos quais foi notificada não corresponderem aos documentos juntos com o articulado de motivação-
- Fazer-se referência, na decisão final, a depoimento de testemunhas, quando inexiste qualquer auto de inquirição de testemunhas;
- Inexistência de qualquer ato de nomeação da instrutora do processo disciplinar ou deliberação de abertura do mesmo ou de suspensão da autora;
- Terem sido juntos ao articulado motivador do despedimento documentos que não constavam do processo disciplinar.
Realizado o julgamento resultou provado que:
1. Por carta datada de 19.04.2023 a ré enviou à autora documento intitulado “Nota de Culpa” no mesmo fazendo constar, além do mais, que o processo disciplinar estaria disponível para consulta nos escritórios da empresa em horário de expediente de 2.ª a 6.ª feira;
2. No dia no dia 4 de maio de 2023, pelas 9h30, a autora, acompanhada da sua mandatária dirigiu-se às instalações da ré para consultar o processo disciplinar o que lhe foi negado.
Tais factos resultam do teor dos documentos de fls. 126 e ss. (cfr. fls. 130) e 94 e seguintes, cujo teor não foi impugnado, tendo, ademais, a ré, em sede de alegações, assumido (ainda que de forma motivada, ou seja, tentando justificar tal circunstância) a factualidade descrita em 2.
Dispõe o art. 382.º do CT:
“Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 - O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respetivo procedimento for inválido
2 - O procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º”.
É indubitável que, face à factualidade descrita, o direito da autora de consultar o processo disciplinar não foi respeitado, o que determina a invalidade do mesmo nos termos do preceito legal supratranscrito. Com efeito, a ré emitiu uma declaração a justificar tal facto alegando que o processo disciplinar se encontrava na posse do gerente e que seria enviado, nesse mesmo dia à ilustre mandatária da ré – cfr- fls. 94 dos autos. Contudo, tal não justifica minimamente a impossibilidade de consulta já que havia sido a própria ré a indicar à autora o local e horário para consulta do processo disciplinar, por um lado, e, por outro lado, o posterior envio, à mandatária da autora, de documentos alegadamente existentes no processo disciplinar não anula a invalidade já existente decorrente de anterior violação do direito da autora de consultar o processo disciplinar, tanto mais que tendo sido vedado à autora a respetiva consulta não poderia a mesma sequer confirmar quer a existência de tal processo disciplinar, quer a conformidade do mesmo com os documentos que lhe foram enviados posto que a ré enviou à autora os documentos que entendeu enviar não sendo exigível à autora que se conforme com tal restrição do direito de consulta do processo disciplinar, entendendo-se, ademais, que não lhe era sequer exigível que voltasse às instalações da ré para consulta do mesmo pois a partir do momento em que a consulta lhe foi negada, o processo passou a ser inválido. Aliás, a título meramente exemplificativo, a ré fez constar na decisão final que “a prova documental arrolada pela entidade empregadora e o depoimento das testemunhas arroladas pela entidade empregadora, foram bastante coerentes e complementares, o que permitiu formular a convicção de que os factos terão ocorrido conforme o descrito na nota de culpa” (cfr. fls. 78 do autos – decisão final), quanto inexiste nos autos qualquer auto de inquirição de testemunhas, tendo vindo a assumir em sede de alegações que, na realidade, os relatórios de intervenção de fls. 60 e 61 – datados de 21.03.2023 e de 02.05.2023 – foram assumidos como depoimentos das próprias testemunhas. Ora, para além da manifesta incongruência de tal argumentação pois relatórios de intervenção não são depoimentos, sucede que aquando do primeiro (21.03.2023) ainda não existia sequer nota de ocorrência, logo, inexistia qualquer processo disciplinar pelo que não se vislumbra como poderia, a entender-se válida tal argumentação, ter-se tal diligência por praticada no âmbito do processo disciplinar…
Pelo exposto, o processo disciplinar é inválido, o que se declara e, consequentemente, o despedimento é ilícito o que se decide.»
A recorrente impugna esta decisão, argumentando, basicamente, que nunca negou a consulta do procedimento disciplinar e respetiva documentação à trabalhadora e à sua mandatária, apenas não o disponibilizou de imediato, mas, logo que lhe foi possível, e ainda no mesmo dia, remeteu à mandatária da trabalhadora, por email, o procedimento, sem qualquer prejuízo para a defesa da trabalhadora.
Analisemos.
Como é sabido, o exercício do poder disciplinar pelo empregador requer um determinado procedimento, ou seja, a lei obriga à garantia de um certo formalismo processual que vise a investigação, o exercício do direito ao contraditório, a recolha de meios de prova e a prolação de uma decisão, factual e juridicamente, fundamentada.
Tal procedimento é de tal forma relevante que, no caso de despedimento - que é a situação que nos interessa no âmbito dos presentes autos - o procedimento disciplinar é um requisito essencial da licitude e da validade do ato extintivo, pois, se faltar o competente procedimento ou em caso de invalidade do mesmo, o despedimento é ilícito e pode ser anulado - artigos 381.º, alínea c) e 382.º do Código do Trabalho.
De harmonia com o preceituado no n.º 2 do aludido artigo 382.º, o procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo[2] ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do nº4 do artigo 357º ou do nº2 do artigo 358º.
Focando-nos apenas no direito do trabalhador à consulta do procedimento disciplinar – que é o tema que ora nos interessa – dispõe o artigo 355.º do Código do Trabalho que o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa.
CC, in O procedimento disciplinar laboral, 2.ª edição, Almedina, págs. 104 e 105, escreveu:
«A consulta do processo disciplinar visa permitir ao trabalhador conhecer e analisar os elementos em que a entidade empregadora se estribou para elaborar a nota de culpa. A consagração do direito à consulta do processo disciplinar revela que o legislador laboral pretendeu que o exercício do contraditório não se limitasse à compreensão da nota de culpa e respetiva resposta, mas se estendesse ao conhecimento dos elementos nos quais a entidade empregadora fundou a intenção de proceder ao despedimento com justa causa do trabalhador».
A consulta do procedimento disciplinar é, assim, um direito do trabalhador - que pode ou não ser exercido - e que visa permitir o conhecimento, por este, de todos os elementos, formais e substanciais, compilados pela entidade empregadora e que serviram para estribar a “acusação” da imputada prática de uma ou mais infrações disciplinares deduzida na nota de culpa.
Como o exercício deste direito está dependente da vontade do trabalhador, CC, na obra citada, pág. 105, dá-nos conta que a jurisprudência tem defendido que a obrigação de facultar o processo disciplinar nasce apenas quando o trabalhador solicite a sua consulta.
E, de facto, nesse sentido se pronunciaram os seguintes acórdãos:
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-01-1996 (Proc. n.º 4330), in Coletânea de Jurisprudência, STJ-Tomo 1, 1996:
«A obrigação de facultar a consulta do processo disciplinar só surge para a entidade patronal quando o trabalhador, concluindo pela sua necessidade, lho solicitar»
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-01-2007 (Proc. n.º 06S3854), acessível em www.dgsi.pt:
« 4. Aquando do envio da nota de culpa, a entidade empregadora não é obrigada a informar o trabalhador de que pode consultar o processo nem a comunicar-lhe o local onde tal consulta pode ser feita.
5. Esta última obrigação só nasce quando o trabalhador lhe comunicar que pretende efetuar essa consulta.».
Acórdão da Relação de Lisboa de 09-03-2006 (Proc. n.º 11427/2005-4), publicado em www.dgsi.pt:
«VI - A obrigação que a entidade patronal tem de pôr à disposição do trabalhador, o processo disciplinar durante os cincos dias úteis posteriores à notificação da nota de culpa, só se concretiza quando tal é solicitado pelo trabalhador, não estando o empregador obrigado a facultar, por sua iniciativa, o processo disciplinar ao trabalhador.».
Posto isto, atentemos ao caso concreto.
Ficou demonstrado, com relevância, o seguinte:
- Por carta datada de 19.04.2023 a Ré enviou à Autora documento intitulado “Nota de Culpa” no mesmo fazendo constar, além do mais, que o processo disciplinar estaria disponível para consulta nos escritórios da empresa em horário de expediente, de 2.ª a 6.ª feira.
- No dia no dia 4 de maio de 2023, pelas 9h30, a Autora, acompanhada da sua mandatária dirigiu-se às instalações da Ré para consultar o processo disciplinar, o que lhe foi negado.
Ora, com arrimo nos factos assentes, depreende-se que a própria empregadora tomou a iniciativa de informar a trabalhadora, juntamente com a notificação da nota de culpa, de que o processo disciplinar estaria disponível para consulta nos escritórios da empresa em horário de expediente, de 2.ª a 6.ª feira.
Ou seja, a trabalhadora poderia dirigir-se durante o horário de expediente, de 2.ª a 6.ª feira, sem necessidade de agendamento prévio, aos escritórios da empresa, que encontraria acessível para consulta o referido processo.
É esta a mensagem que qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, poderia deduzir da comunicação que lhe foi feita sobre a disponibilização do processo para consulta – cf. artigo 236.º do Código Civil.
E, no dia 4 de maio de 2023, com o objetivo de exercer o seu direito de consulta do processo, a Autora dirigiu-se ao local onde o processo estaria, de acordo com a informação que lhe foi prestada, durante a hora normal de expediente, acompanhada da sua mandatária, para proceder à consulta do processo, o que lhe foi negado.
Ora, tal recusa consubstancia uma manifesta violação do direito da trabalhadora à consulta do processo, pois, nas concretas circunstâncias do caso, o processo deveria ter sido imediatamente disponibilizado no momento quem que a trabalhadora solicitou a sua consulta, o que não aconteceu.
Nessa medida, entendemos que a Ré/recorrente não respeitou o direito da trabalhador a consultar o processo.
Acresce que o ocorrido não poderia considerar-se sanado pelo alegado envio posterior de um email à mandatária da trabalhadora, pois como se escreveu na sentença recorrida «tendo sido vedado à autora a respetiva consulta não poderia a mesma sequer confirmar quer a existência de tal processo disciplinar, quer a conformidade do mesmo com os documentos que lhe foram enviados posto que a ré enviou à autora os documentos que entendeu enviar não sendo exigível à autora que se conforme com tal restrição do direito de consulta do processo disciplinar».
Daí a irrelevância do email.
Enfim, com arrimo nos factos assentes, apenas nos resta concluir que o direito da trabalhadora consultar o processo foi desrespeitado, pelo que, o procedimento é inválido e o despedimento ilícito, de harmonia com o disposto no artigo 382.º, n.º 2, alínea c), 1.ª parte, do Código do Trabalho.
Sufragamos, pois, a decisão recorrida quanto à questão analisada.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso.
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VI. Sobre a condenação em custas pelo incidente de litigância de má-fé
A recorrente não se conforma com a sua condenação em custas pela improcedência do pedido que formulou de condenação da Autora como litigante de má-fé.
Apreciemos esta questão.
No articulado de resposta à contestação da trabalhadora, a Ré pediu a condenação daquela como litigante de má-fé, em multa e indemnização condigna, em valor nunca inferior a € 500,00, o que originou a apresentação de um novo articulado de resposta a este pedido, apresentado pela Autora, não previsto no artigo 98.º-L do Código de Processo do Trabalho.
Na decisão recorrida este pedido foi julgado improcedente -cf. dispositivo da sentença.
Na sequência, o tribunal a quo responsabilizou a Ré, que foi quem introduziu a questão no processo, pelo pagamento das custas do incidente.
Ora, desde já adiantamos que esta decisão não nos merece censura.
Desde logo, porque a litigância de má-fé, quando suscitada por uma das partes, constitui um incidente processual não tipificado.
Sobre esta matéria, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-02-2020 (Proc. n.º 33/16.5T8BCMN-A.G1), consultável em www.dgsi.pt:
«A fixação de indemnização por litigância de má-fé depende de pedido do interessado, ao contrário da condenação em multa (art.542º/1-2ª parte do CPC), é sujeita a contraditório da parte contrária (arts.3º e 542º/2 do CPC), deve ser decidida (nomeadamente após a produção de prova pedida e julgada necessária) e é sujeita a recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência (art.542º/3 do CPC), o que configuram fases de um verdadeiro incidente da instância atípico (arts.292º ss do CPC), sujeito a valor tributário nos termos gerais (art.304º/1 do CPC), necessariamente responsabilizante das partes nas proporções de decaimento (arts.607º/6 e 527º ss do CPC).
Neste sentido pronunciaram-se, nomeadamente:
a) Abrantes Geraldes:
«Julgamos que a quando a litigância de má-fé seja expressamente suscitada por uma das partes contra a outra, isso dá origem a um incidente que, além da tramitação processual que seja adequada, determina a responsabilização da parte pelas custas incidentais, nos termos do art.15.º, n.º1, al.x), do CCJ.
A tributação autónoma justifica-se como resultado da necessidade de se atribuir à atividade processual correspondente uma contrapartida diferenciada relativamente à aplicável à ação.
Com efeito, para além da questão da litigância de má fé surgir no âmbito de um articulado, ela pode manifestar-se ainda através de requerimento escrito ou verbal (quando suscitado em audiência), impondo-se, em qualquer circunstância, a audiência contraditória, quer no que respeita à matéria de facto invocada, quer à produção da prova apresentada, exigindo ainda do tribunal um labor suplementar, designadamente para efeitos de liquidação da indemnização que, por isso, justifica que a parte decadente suporte a correspondente taxa de justiça.»
b) M. A. Frias Borges, com base em jurisprudência e doutrina citada:
«Quanto à qualificação jurídica da questão da litigância de má-fé (e do correspondente pedido indemnizatório), consideramos que se traduz num verdadeiro incidente da instância, promovido por qualquer uma das partes ou desencadeado oficiosamente pelo tribunal, a tramitar nos termos dos art.os 292º e ss .
Com efeito, supomos que a questão desencadeada pela litigância de má-fé reúne todos os elementos que caracterizam as questões incidentais, na medida em que também ela, como vimos, se trata de uma questão controvertida acessória e secundária relativamente ao objeto da ação, surgindo como ocorrência anormal, já que a relação jurídica processual se deverá, normalmente, pautar pela probidade, correção e cooperação intersubjetiva. A acrescer a isso, implicará obviamente a resolução de questões que não fazem parte do “encadeado lógico necessário à resolução do pleito, tal como configurado”, mantendo uma certa autonomia processual relativamente à questão principal, uma vez que apenas se encontra subordinada a esta do ponto de vista genético.
A litigância de má-fé tratar-se-á, portanto, de um incidente não tipificado, a correr nos próprios autos, podendo ser suscitado por requerimento escrito ou oral, a todo o tempo, por uma das partes contra a outra e, mesmo oficiosamente, pelo juiz. A configuração desta questão como incidente da instância permite esclarecer algumas questões procedimentais quanto à tramitação da condenação por má-fé processual, desde logo assegurando àquele que vê contra si deduzido tal pedido o direito à defesa e ao contraditório (art. 293º, nº 2), dissipando as dúvidas quanto à prévia audição do improbus litigator.
Por ser um verdadeiro incidente processual, determinará a responsabilização da parte vencida quanto às custas do incidente, nos termos do art. 7º, nº 4 RCP (tabela II 127 anexa), o que se compreende pela atividade acrescida que a sua apreciação implica para o tribunal.»
Tendo a embargante pedido a fixação da indemnização no valor global de € 1 882, 50, tendo o pedido de indemnização sido contestado pela parte contrária e tendo sido fixada indemnização em valor inferior ao pedido (quer na versão expressa da decisão, quer na versão a ser fixada após suprimento da nulidade invocada), verifica-se que há decaimento de ambas as partes.
Assim, a responsabilização pelo pagamento das custas do incidente deve ser feita em relação a ambas as partes, na proporção do seu decaimento (art.527º do CPC).».
Concordamos com o entendimento manifestado neste aresto.
É certo que não existe na lei uma definição de incidente processual.
Salvador da Costa, na obra “Os incidentes da instância”, 7.ª edição, 2014, pág. 7, escreve sobre a matéria:
«A ideia que está na base do incidente processual é a de que, no processado de uma determinada ação ou de um recurso, se incrustam questões acessórias e secundárias que implicam a prática de atos processuais que extravasam o núcleo processual da espécie em que se inserem.
(…)
O incidente processual é, pois, a ocorrência extraordinária, acidental, estranha, surgida no desenvolvimento normal da relação jurídica, que origine um processado próprio, isto é, com um mínimo de autonomia, ou noutra perspetiva, a interferência processual secundária, configurada como episódica e eventual em relação ao processo próprio da ação principal ou do recurso.
Ou, noutra visão das coisas, como que a sede de decisão de determinadas questões, fora do encadeado lógico necessário à resolução do pleito, tal como configurado, por forma mais ou menos a este subordinada, mas assumindo autonomia quando para a resolução dessas questões é estabelecida uma sequência anómala de atos processuais com tramitação total ou parcialmente própria.»
Não obstante a definição manifestada, este autor não deixa de salientar que há, todavia, situações que a lei configura como incidentes típicos, mas em que não se verificam todos os referidos pressupostos (v.g. incidentes de liquidação e do valor da causa).
Igualmente refere que a lei prevê incidentes nominados e tipificados, mas também prevê incidentes não tipificados como tal.
Perante noção tão abrangente, consagrada, aliás, no artigo 292.º do Código de Processo Civil, afigura-se-nos que a questão da litigância de má-fé, quando introduzida no processo por uma das partes, com o correspondente pedido indemnizatório, constitui um incidente processual não tipificado, pois surge como uma questão acessória ou secundária para resolver e a sua decisão implica uma atividade processual e judicial que acresce ao encadeado linear e específico da tramitação normal do processo.
Assim, estando em causa um incidente processual, o mesmo está sujeito a tributação, nos termos previstos pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º e 7.º, n.ºs 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais e 527.º e 529.º do Código de Processo Civil.
Ora, no processo civil, a tributação da ação, incidentes ou recursos baseia-se no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Assim, por ter a Ré formulado pedido de condenação da Autora no pagamento de uma indemnização por litigância de má-fé, que foi julgado improcedente, bem andou a 1.ª instância em responsabilizar a Ré/recorrente no pagamento das custas do incidente, sendo que a fixação da taxa de justiça em 2 Ucs, se nos afigura equilibrada e adequada à tramitação desenvolvida.
Por conseguinte, também nesta parte, sufragamos a decisão recorrida.
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Concluindo, o recurso improcede na totalidade, devendo a recorrente suportar as custas inerentes ao mesmo, nos termos previstos pelo artigo 527.º do Código de Processo Civil.
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VII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Évora, 9 de maio de 2024
Paula do Paço
João Luís Nunes
Mário Branco Coelho
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.
[2] Realce da nossa responsabilidade.