Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
459/05.0TMFAR-M.E1
Relator: MARIA ALEXANDRA A. MOURA SANTOS
Descritores: INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
TRIBUNAL COMPETENTE
REGIME DE VISITAS
Data do Acordão: 01/31/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
- É competente para conhecer do incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, o tribunal onde foi proferida a decisão que as fixou (cfr. artº 181º nºs 1 e 2 da OTM)
- É grave e culposo, integrando a previsão do nº 1 do artº 181º da OTM, incumprimento do progenitor do regime de visitas que se encontra judicialmente fixado, ao recusar-se a entregar, injustificadamente, a menor à mãe após o período de férias na sua companhia, retendo a criança em lugar incerto.

Sumário da relatora
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
C… intentou contra F…, a presente acção que intitulou de “providência cautelar para entrega judicial de menor”, nos termos do artº 191º da OTM, alegando que o progenitor após período de férias que lhe cabia com a menor G… não a entregou à sua progenitora e, concluindo, pede que seja ordenada a entrega judicial da menor para que volte à sua confiança e guarda conforme foi fixado.
O requerido contestou nos termos de fls. 59 e segs., suscitando em sede de questão prévia o erro na forma de processo por considerar que o processo adequado seria o incidente de incumprimento previsto no artº 181º da OTM.
Em sede de conferência de pais, conforme acta de fls. 221 e segs., foi reconhecida razão nesta parte ao requerido e, em consequência, decidido que “tendo em conta o disposto no artº 199º do CPC, verifica-se erro na forma de processo, com o consequente aproveitamento dos actos já praticados, sendo certo que se mostra observado o princípio do contraditório” determinando-se que “o processo passe a seguir como processo de incumprimento, devendo ser rectificada a distribuição e bem assim a autuação do processo”.
Nessa sede, o Magistrado do Mº Pº pronunciou-se, em resumo, no sentido de que face ao regime de regulação que vigora por decisão desta Relação, transitada em julgado, pela qual a menor está confiada à guarda da mãe, e sendo certo que a menor ia iniciar as actividades lectivas na Ilha da Madeira onde a requerente se encontrava a viver, emitiu parecer no sentido de que “a criança deverá de imediato ser entregue à mãe, ficando nomeadamente esta obrigada tal como o pai ao cumprimento do decidido do Tribunal da Relação de Évora, anotando-se que aquela está obrigada a decidir conjuntamente com o pai as questões de particular importância elencadas na decisão”.
Pelo Ilustre Mandatário do requerido foi então suscitada a questão da incompetência do Tribunal de Família e Menores de Faro para decidir este incidente entendendo ser competente para o efeito o Tribunal do Funchal, aduzindo ainda que não obstante requerer a remessa dos autos para o Tribunal competente, sempre o incidente de incumprimento só poderá ser decidido “após prévia argumentação do pedido de alteração das responsabilidades parentais já requerido”.
A Exmª Juíza, pronunciando-se sobre a excepção de incompetência suscitada concluiu pela competência do Tribunal de Faro para a decisão a proferir nos autos.
Em seguida conhecendo do incidente em apreço, nos termos do disposto no artº 181º da OTM decidiu: “a) Julgar procedente o incidente e, consequentemente, condenar o progenitor a entregar imediatamente a criança G… à progenitora; b) Condenar o progenitor pelo incumprimento em multa equivalente a € 250,00
Foi desta decisão que, inconformado, apelou o requerido, alegando, sob a epígrafe “Conclusões de Facto e de Direito”, o seguinte:
- O Tribunal a quo entendeu que existia legitimidade activa para julgar o presente incidente, consubstanciado no facto da menor se encontrar em Faro.
- Ora, a menor não se encontrava nem nunca se encontrou em Faro, mas sim na área do grande Porto, local eleito pelo recorrente assim que foi “forçado” a ir buscar a sua filha à Irlanda.
- O pressuposto para tal juízo, prendeu-se com o facto do pai da menor, ora recorrente, se encontrar em Faro.
- Daí que exista incompetência do Tribunal para julgar o presente incidente.
Sem prescindir,
- Haveria o Tribunal a quo de entender que pelo facto da menor se encontrar na Irlanda em férias e a mãe desta, ora recorrida, apresentar um “alegado” contrato de arrendamento no Funchal ter, por acordo, sido fixado a residência da menor nas Ilhas.
- Tal facto viola o disposto na sentença da regulação das responsabilidades parentais vigentes, assentes na douta decisão da Relação e confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
- Pois que a residência da mãe e menor está fixada em Loulé, mais precisamente na Quinta…, Boliqueime.
- E, sem mais, haveria de decidir ainda o Tribunal a quo pela entrega da menor no imediato à recorrida por forma a que a menor se ausentasse para o Funchal, para aí frequentar a Escola Internacional da Madeira.
- Tal facto viola o disposto na sentença de regulação das responsabilidades parentais, assente na douta decisão da Relação e confirmada pelo STJ.
- Pois que na mesma havia fixado a escola da menor como sendo a do “Colégio Internacional do Algarve” e a actual decisão no incidente “coloca” a menor no Funchal e numa escola para a qual não existiu nunca prévio acordo do recorrente.
- Finalmente entendeu o Tribunal a quo que o recorrente violou a sentença recorrida que determina que a menor, após o período de férias, seja entregue na residência da mãe.
- Ora nada mais falacioso.
Por um lado a recorrida mãe, encontrava-se na Irlanda e, por outro, na alegada residência desta, isto é o Funchal, esta encontrava-se arrendada.
- Assim razão alguma cabe ao Tribunal a quo para pretender entregar a menor em local onde a recorrida não se encontrava.
- E muito menos razão assiste em ter o recorrente sido condenado por não ter entregue a menor na Irlanda.
- O recorrente nunca acordou, fosse o que fosse sobre estas matérias e relativamente à alegada interposição do pedido de alteração das responsabilidades parentais vigente (artº 174º e segs. da OTM) este nem sequer ainda foi agendado, para que agora se possa vir alegadamente “falar” ou “suscitar” um pseudo “incumprimento”.
- Foi alegado pelo recorrente no Tribunal a quo não fazer qualquer sentido decidir um incidente quando em causa se encontra um incumprimento relativo à regulação das responsabilidades parentais vigentes.
- Até porque o incidente, tem por pressuposto um alegado incumprimento de uma situação de facto que a recorrida criou, mas não uma situação de direito.
- Daí que seja impossível incumprir com o que nem sequer se encontra arregimentado e/ou tem suporte legal.
- Daí que no mesmo sentido, seja igualmente impossível cumprir com a condenação em equivalente a € 250,00, por indeterminável.
- Tal decisão, em toda a sua amplitude é por isso mesmo nula.
Finalmente;
Em causa e como muito bem sustenta o Tribunal da Relação, decisão esta mantida pelo STJ, encontram-se os superiores interesses da menor.
Ora, e tal como provado ficou:
Um incidente significa a violação de uma decisão; uma ocorrência estranha ao desenrolar de um processo.
E definitivamente, o entregar da menor na Irlanda não estava previsto ou prevenido em parte alguma da decisão.
E sucede ainda que:
I – Mudar unilateralmente a residência da menor.
II – Alterar a escola da menor.
III – Mudar o nome da menor.
IV – Sujeitar a menor a um nome diferente do baptismo na escola, incutindo práticas de “bulling”
V – Baptizá-la com um nome distinto do seu, sem conhecimento e/ou autorização do recorrente.
VI – Sujeitar a menor a difamações e rapto, prejudicando-lhe a imagem pela sua difusão nos meios telemáticos e publicitários.
VII – Apresentar um requerimento intitulado de entrega de menor, converter tal providência em incidente de incumprimento e, sobretudo decidir como se de uma decisão provisória e cautelar se tratasse (artº 157º da OTM)
- Quer por alteração da escola da menor, da residência da mãe e da menor e sobretudo da entrega da menor em local não prevenido na sentença e assim justificar um alegado incumprimento são razões/violações por demais suficientes para que em defesa dos superiores interesses da menor, sejam atribuídos ao presente recurso os efeitos suspensivos requeridos.
A recorrida contra-alegou nos termos de fls. 447 e segs. concluindo pela confirmação da decisão recorrida.
O Magistrado do Mº Pº também apresentou resposta nos termos de fls. 593 e segs., concluindo, igualmente pela confirmação da decisão recorrida.
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Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 684º nº 3 e 685-A nº 1 do CPC), verifica-se que são as seguintes as questões a decidir:
- A referente à incompetência do tribunal.
- Saber se face à factualidade tida por provada, se verificou o incumprimento das responsabilidades parentais relativamente ao regime de visitas fixado.
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Na decisão recorrida foi tida por provada a seguinte factualidade:
- Por decisão de 31 de Agosto de 2010, já transitada em julgado, foram reguladas as responsabilidades parentais, tendo a criança G… sido confiada à guarda e cuidados da progenitora, sendo as decisões quanto às questões de particular importância a cargo de ambos os progenitores por decisão conjunta.
- É tal regime que se encontra em vigor e que enquanto não vier a ser alterado, deverá ser cumprido. Em matéria de visitas ficou estabelecido que nas férias escolares de verão a menor passará de forma alternada com ambos os progenitores, períodos de 15 dias nos meses de Julho e Agosto.
- Os progenitores acordaram no corrente ano que a menor seria entregue ao pai dia 15 de Julho de 2012, o que sucedeu, devendo o progenitor entregar a menor à mãe no dia 31 de Julho de 2012.
- Até ao momento o progenitor não entregou a menor à mãe.

Apreciando:
Quanto à arguida incompetência do Tribunal recorrido para conhecer do presente incidente:
Pretende o recorrente que “a menor não se encontrava nem nunca se encontrou em Faro, mas sim na área do grande Porto, local eleito pelo recorrente assim que foi “forçado” a ir buscar a sua filha à Irlanda”, sendo que o pressuposto da competência por parte do Tribunal “prendeu-se com o facto do pai da menor, se encontrar em Faro”.
Resulta dos autos, que foi no Tribunal de Família e Menores de Faro que foi proferida a decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais que se encontram em vigor relativamente à menor, em processo de que este constitui apenso.
Os presentes autos tiveram início como processo para entrega judicial de menor nos termos do artº 191º da OTM
Conforme refere a Exmª Juíza a quo na decisão recorrida, resulta expressamente do nº 1 do normativo em apreço que a providência requerida é da competência do Tribunal com jurisdição na área em que o menor se encontre.
Atendendo aos interesses em causa, ao processo foi atribuído carácter urgente, tendo o requerido sido citado na morada constante dos autos, isto é, em Vilamoura, Quarteira.
E no seu articulado de resposta diz expressamente que “(…) a menor se encontra agora a residir com o requerente na morada conhecida deste Tribunal, domicílio esse sito no… Vilamoura (…)”.
Daí que a afirmação, em sede de recurso, de que a menor vive na área do grande Porto para pretender justificar a arguição de incompetência do tribunal se aproxime perigosamente de conduta maliciosa, sendo que a sua deslocação posterior para outra morada não altera a competência determinada, além do mais, pela sua residência, ao tempo, na área de jurisdição do Tribunal recorrido.
Assim sendo, e não obstante em sede de conferência de pais ter sido determinado o prosseguimento dos autos como incidente de incumprimento, nos termos do artº 181º da OTM, tal rectificação em nada altera a competência do Tribunal recorrido para conhecer do presente incidente, tanto mais que também nos termos do nº 2 do citado preceito, cabe ao juiz do processo onde foram fixadas as responsabilidades parentais, apreciar e decidir o incidente de incumprimento.
Improcedem, pois as conclusões da alegação do apelante no que se refere esta questão, sendo o tribunal a quo competente para apreciar e decidir do presente incidente, tal como foi decidido na decisão recorrida.

Quanto ao incidente de incumprimento:
Cumpre desde já referir que o que está em causa no presente incidente é saber se o apelante incumpriu ou não a decisão que regulou o regime de visitas da menor G...
Tal como bem refere a Exmª Juíza na decisão recorrida, as questões suscitadas pelo recorrente na 1ª instância e repetidas em sede de recurso, relativas à alteração da residência e inscrição da menor na escola do Funchal, à alteração do nome, etc., não têm cabimento no âmbito deste incidente, mas sim no âmbito do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais que segundo decorre da decisão recorrida e também esclarecido pelo Mº Pº na sua contra-alegação está já pendente como apenso H (e aí a serem discutidas) pelo que entendeu a Exmª Juíza que “nenhuma razão objectiva é susceptível de, neste momento, conduzir à alteração do regulado, ainda que provisoriamente”.
Assim sendo, no presente recurso apenas está em causa a decisão que julgou verificado o incumprimento por parte do recorrente e a subsequente condenação, não constituindo a referida alteração da regulação das responsabilidades parentais interposta pelo recorrente e que se encontra pendente, qualquer questão prejudicial em relação a este processo que tem por fundamento a violação do regime que à data vigorava.

O incidente de incumprimento é uma forma processual que visa, de modo simples e expedito, compelir o faltoso a cumprir o quanto se acha estabelecido quanto ao exercício das responsabilidades parentais, em qualquer aspecto da sua tríplice vertente, ou seja, relativamente ao destino do menor, ao regime das visitas ou no que concerne à prestação de alimentos.
O artº 181º da OTM é expresso ao estabelecer que se relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até € 249,90 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos.
Trata-se de soluções pecuniárias à disposição do julgador, com finalidade reparadora e punitiva para o progenitor (guardião ou não guardião) que incumpra o regime do exercício das responsabilidades parentais fixado.

Está em causa nos autos o incumprimento por parte do requerido do estabelecido relativamente ao regime de visitas quanto a férias de que “no período das férias escolares de verão a menor passará de forma alternada com ambos os progenitores, períodos de 15 dias nos meses de Julho e Agosto, devendo nas próximas férias passar o primeiro período como pai”.
Com efeito, conforme resultou provado, tendo os progenitores acordado que no ano de 2012 a menor seria entregue ao pai dia 15 de Julho, o que sucedeu, devendo o progenitor entregar a menor à mãe no dia 31 de Julho de 2012, o certo é que até ao momento o progenitor não entregou a menor à mãe.
Não tem qualquer fundamento as justificações pretendidas pelo recorrente para a não entrega da menor à mãe, designadamente, porque não tinha que a entregar na Irlanda porque nunca acordou, fosse o que fosse, sobre estas matérias e que a entrega da menor no imediato à recorrida por forma a que a menor se ausentasse para o Funchal, para aí frequentar a Escola Internacional da Madeira viola o disposto na sentença de regulação das responsabilidades parentais, assente na douta decisão da Relação e confirmada pelo STJ.
É que do acórdão desta Relação não resulta que a recorrida estava proibida de fixar a residência da menor na Madeira, mas apenas de fixar a residência permanente da menor no estrangeiro, sendo certo que conforme alega o recorrente, de acordo com a alteração provisória do regime fixado, “não deixou de se deslocar ao Funchal de 15 em 15 dias (conforme douta alteração provisória) para poder estar com a sua filha” (artº 18º do req. de fls. 73 e segs. que apresentou de alteração do exercício das R.P.)
Por outro lado, conforme resulta das suas próprias declarações prestadas em audiência “no verão passado também tinha ido à Irlanda buscar a filha para passar férias com ele”, certamente por acordo com a requerida.
Mas, independentemente da existência ou não de tal acordo, o certo é que o recorrente não só não entregou a menor à mãe naquela data (nem lhe propôs a entrega em qualquer outro local) como o não fez em qualquer outro momento até ao presente, persistindo no incumprimento, não apresentando sequer a menor na conferência de pais como lhe foi determinado, designadamente para ser ouvida, encontrando-se ausente em parte incerta.
Na verdade, nada justificou o incumprimento do decidido, designadamente, como refere o Magistrado do Mº Pº “estar a menor perante qualquer situação de perigo ou situação intolerável junto da mãe (veja-se por similitude o estatuído no artº 13º al. b) da Convenção sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças, concluída na Haia em 25 de Outubro de 1980, como impeditivo de regresso da criança à residência, nos casos de deslocação ilícita) que justifique uma alteração provisória do regulado e a não entrega à mãe”.
Não resulta sequer dos autos, como pretende o recorrente, que a mãe tencionasse reter a menor na Irlanda para ali passar a residir, resultando antes, que tendo solicitado autorização ao recorrente para mudar a sua residência para aquele país, o não fez por ele a não ter autorizado.
Tudo para concluir que o recorrente incumpriu injustificadamente a sua obrigação de entregar a menor à sua mãe, persistindo nesse incumprimento mesmo depois do tribunal lhe ter ordenado que a apresentasse na conferência, não revelando o paradeiro da menor.
Bem andou, assim, a Exmª Juíza a quo ao condená-lo nos termos do disposto no artº 181º da OTM.
Por todo o exposto, improcedem, in totum, as conclusões da alegação do recorrente impondo-se a confirmação da decisão recorrida.
DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Évora, 31.01.13
Maria Alexandra A. Moura Santos
Eduardo José Caetano Tenazinha
António Manuel Ribeiro Cardoso