Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO AMARO | ||
Descritores: | CRIME DE AMEAÇA AGRAVADA ELEMENTOS OBJETIVOS | ||
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Data do Acordão: | 01/25/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | O que se exige, para a ocorrência do crime de ameaça, não é a efetiva perturbação da liberdade do ameaçado, exigindo-se, isso sim, que a ameaça seja adequada a provocar ou infligir medo (mesmo que, in casu, o não tenha provocado). No que respeita ao critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou a prejudicar a liberdade de determinação, deve considerar-se que o mesmo é objetivo-individual. Ou seja, deve verificar-se se, perante as circunstâncias em que é proferida a ameaça e atendendo à personalidade da vítima, aquela é suscetível de intimidar o “homem comum”, devendo ainda ter-se em conta, no caso de existirem, tanto as subcapacidades como as sobrecapacidades da vítima da ameaça (Prof. Taipa de Carvalho, ob. citada, págs. 348 e 349). Por último, e para o que releva no caso destes autos, o mal ameaçado tem de ser futuro. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No processo comum (com intervenção do tribunal singular) nº 61/20.6GBADV, do Juízo de Competência Genérica de Almodôvar, após audiência de discussão e julgamento, e mediante pertinente sentença, foi decidido o seguinte: “a) Condenar a arguida VG, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 131.º, todos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de €385,00 (trezentos e oitenta e cinco euros). b) Condenar a arguida no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC - cfr. artigos 513.º do CPP e artigo 8.º, n.º 9, e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais”. * Discordando da decisão condenatória, a arguida interpôs recurso, extraindo da motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1. A Recorrente e AM denunciaram-se um ao outro, respetivamente em 25 de maio de 2020 e em 27 de maio de 2020, resultando ambos acusados tendo, posteriormente, no decurso da audiência de julgamento, sido “homologada por sentença as desistências de queixas apresentadas pelos ofendidos nos autos quanto ao crime de ofensa à integridade física simples, ao crime de ameaça e aos crimes de gravação ou fotografia ilícita agravada e de devassa da via privada agravada, declarando-se extintos, em consequência, os procedimentos criminais”. 2. O processo prosseguiu “quanto à factualidade respeitante ao crime de ameaça agravada imputado à arguida VG”, ora recorrente, para efeitos de apreciação da sua eventual responsabilidade jurídico-criminal quanto ao aludido crime, tendo o Tribunal condenado aquela nos termos da sentença proferida em 07 de junho de 2021, de que se recorre. 3. Que condenou a arguida como autora material e na forma consumada, “da prática de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 131.º, todos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de €385,00 (…)”. 4. A recorrente não cometeu o crime em que foi condenada. 5. Para responder à matéria de facto, o Tribunal atendeu aos depoimentos de AM e de AM, casados um com o outro, prestados em sede de audiência de julgamento, os quais, contrariamente ao plasmado em sentença, não foram “prestados de modo credível, isento e circunstanciado”. 6. A análise e ponderação da globalidade da prova, designadamente a análise conjugada dos sobreditos depoimentos, pelo resultado probatório que geram, permite inferir e concluir diferentemente do decidido pelo Tribuna a quo. 7. As declarações de ambas as testemunhas não refletem com certeza, objetividade e isenção, o que de facto se passou na concreta circunstância de tempo e lugar em que a altercação dos autos ocorreu. 8. A testemunha AM não presenciou os factos, apenas transmitiu ao Tribunal o que alegadamente ouviu à Recorrente, e repetiu o que o marido lhe disse sobre a altercação dos autos, privando, assim, as suas declarações da aptidão necessária para gerar evidência, indubitabilidade, o que se repercute na credibilidade das mesmas. 9. AM deixou de assumir a posição de arguido, e prestou declarações como testemunha; apesar de submetido a juramento, aquele não despiu o seu interesse na condenação da Recorrente, dado o sentimento de ressentimento e inimizade com que o mesmo falou daquela. 10. O Tribunal não considerou toda a informação probatória existente nos autos e, muito relevantemente, não atendeu ao circunstancialismo rodeador dos factos que fixou como provados, sendo indiferente ao contexto em que os mesmos teriam ocorrido. 11. Igualmente, o Tribunal não considerou elementos de prova que contêm factualidade relevante para se apreciar e concluir sobre a culpabilidade da arguida/recorrente. Assim, 12. Resulta dos autos que a convicção judicial se encontra alicerçada na prova documental constante dos autos, contudo não se alcança que a mesma tenha considerado o “Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em Direito Penal”, produzido no âmbito do “Processo n.º 2020/000233/BJ-C – Relatório n.º MLPN1”, efetuado na sequência do exame pedido pela G.N. R de …, em 26 de maio de 2020, realizado em 27 daquele mês e ano. 13. A desistência e posterior extinção do procedimento criminal onde estava em causa o crime de ofensa à integridade física simples, denunciado pela Recorrente em 25 de maio de 2020, não neutraliza a eficácia probatória da perícia a que se submeteu e, conseguintemente, não elimina a utilidade da sua consideração para, pelo menos, atentando-se no seu conteúdo, se ajuizar sobre as declarações da testemunha AM em julgamento, a respeito da abordagem que este declarou ter feito à Recorrente no dia e momento da altercação dos autos. 14. Ainda que a Recorrente não tenha prestado declarações em julgamento, mas, a final, tenha negado a prática dos factos, a verdade dos factos ocorridos em 25 de maio de 2020 não resulta das declarações das testemunhas supra; designadamente não resulta que a razão assiste a AM. Este viu-se corroborado pela mulher, cujas declarações revelam um conhecimento dado pelo marido; de resto, 15. Os depoimentos de ambos apresentam entre si discrepâncias, o que, contrariamente ao proferido pelo Tribunal a quo, pelas ilações que permitem, derrubam os “foros de normalidade”, privando tais declarações de credibilidade impedindo, por isso, a aptidão necessária dos mesmos para gerar certeza no juízo final do Tribunal. 16. Tudo indica que, contrariamente ao que AM alegou em julgamento, no momento dos factos saiu de sua casa, sita no rés-do-chão, não por coincidência, mas para confrontar a Recorrente, o que declaradamente fez, abordando-a nas escadas do prédio, quando esta já se encontrava a subir as mesmas em direção a sua casa, no 1º andar direito; 17. Contrariamente ao que AM alegou, este procedeu não só com o aviso do “bata preta”, aviso que confessadamente quis fazer à Recorrente, mas com algo mais, deixando o registo do seu aviso no braço direito daquela, onde são visíveis marcas de equimose. (cfr. Folha de suporte - Anexo 1 ao auto de notícia lavrado em 25 de maio de 2020, na sequência da denúncia da denunciante/recorrente). 18. Nada houve que determinasse a abordagem de AM à Recorrente, sendo que a sua abordagem é resultado de premeditação, e não de coincidência. 19. Ainda que o Tribunal não conseguisse construir certeza(s) sobre a abordagem física da testemunha AM à Recorrente, sempre esta beneficiaria do in dubio pro reo, já que, afinal, é ela quem apresenta as sobreditas marcas, caraterizadas nos termos da “perícia legal”; não é de crer que uma pessoa que “ia subindo as escadas” para a sua casa no 1º andar, sem que nada o fizesse prever, tenha desatado a gritar com injúrias e ameaça, se, entretanto, não tivesse sido acossada por algo ou alguém. 20. O Tribunal atentou apenas nas expressões imputadas à Recorrente, sustentando-se nos depoimentos das mencionadas testemunhas. Um comportamento como o imputado à Recorrente, isolada e objetivamente analisado, é ética e socialmente censurável, podendo até assumir relevância jurídico-penal; no entanto, no caso dos autos, a apreciação judicial não se pode limitar à inferência da materialidade da expressão imputada à arguida e deduzir que esta o fez bem sabendo serem idóneas a, naquelas concretas circunstâncias, a provocarem receio e perturbação em AM, com a significação que lhe está associada. 21. A “materialidade da expressão” imputada à Recorrente nunca poderia ser analisada despegada e isoladamente de uma globalidade de afronta intensa, como a que resulta da abordagem de AM. 22. As palavras e/ou expressões não valem apenas pela objetividade da sua materialidade, sendo necessário enquadrá-las no contexto em que são proferidas para que se possa aferir o que está na origem da sua verbalização e o seu objetivo. Só após tal raciocínio (dedutivo), é que pode concluir-se se as palavras proferidas são factos suscetíveis de perseguição criminal; por sua vez, o juízo probatório assente na inferência deve escorá-la na lógica e coerência. Não foi isso que sucedeu nos autos. 23. Ademais, se, de facto, a Recorrente fosse a pessoa que AM tentou descrever nos autos, e conhecendo-a como a vizinha intriguista, conflituosa, maldosa, provocadora e/ou implicativa, crê-se que, na senda do (mesmo) critério do homem de meridiana diligência, medianamente avisado, invocado na sentença, o aludido A evitaria cruzar-se com a arguida para afastar qualquer disputa entre ambos ou, encontrando-a, não se lhe dirigir com qualquer aviso. Dessa forma, obstaria a qualquer ameaça, designadamente à sua vida e à sua integridade física. Não foi isso que se verificou nos autos. 24. Não se vê como é que a Recorrente, que se encontrava a subir as escadas em direção a sua casa, no 1º andar, e, portanto, já tinha passado o rés-do-chão esquerdo do AM, poderia ter-se determinado a ofendê-lo e ameaçá-lo com expressões “idóneas a, naquelas concretas circunstâncias, a provocarem receio e perturbação naquele, com a significação que lhe está associado”. 25. Não se provou, e os autos não o indiciam, que a Recorrente pretendeu gerar em AM temor quanto à sua vida, por forma a prejudicá-lo na sua liberdade de ação e decisão, afetando a sua tranquilidade e paz individual, quando para além de ter sido este quem se lhe dirigiu e a avisou, foi ela quem, quase imediatamente, a seguir à altercação dos autos, o denunciou junto da GNR em 25 de maio de 2020. 26. Não se aceita que segundo o critério do homem de meridiana diligência, medianamente avisado, se acredite que alguém na concreta circunstância de lugar e tempo dos autos, do nada, desengatilhasse impropérios e ameaças, incluindo de morte. 27. Atento o contexto global e circunstancialismo rodeador das expressões dadas como provadas na sentença dos autos, entende-se que as mesmas não têm autonomia nem relevância para integrar o tipo objetivo do crime de ameaça. Quem quer fazer mal a outrem, não vai, de seguida, queixar-se à GNR. Aliás, 28. Sobre ter-se sentido intimidado com as expressões que AM imputou à Recorrente, o mesmo declarou ao Tribunal: “ela não me falou em matar nesse sentido”. 29. A verdade como correspondência é preferível à verdade como coerência; contudo não se crê que a primeira se tenha verificado nos autos e quanto à segunda, esta podia e devia ter sido devidamente sindicada pelo Tribunal, o que não aconteceu; a sê-lo, o resultado seria a absolvição da arguida/recorrente, mais que não fosse, sustentada no princípio in dubio pro reo, e, por conseguinte, a esta aproveitando. 30. O Tribunal a quo não fez, assim, a correta apreciação dos factos e, por conseguinte, não aplicou o direito em conformidade - impondo-se a absolvição da arguida/recorrente. Nos termos expostos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, tudo com as legais consequências, designadamente a absolvição da Recorrente do crime em que foi condenada”. * A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso (sem formulação de conclusões), entendendo que o recurso apresentado pela arguida deve ser julgado totalmente improcedente, e, em consequência, devendo a sentença recorrida ser integralmente confirmada. Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, entendendo também que o recurso da arguida não merece provimento. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta. Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência. II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso. Tendo em conta as conclusões enunciadas pela recorrente, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, são duas, em breve síntese, as questões que vêm suscitadas no presente recurso: 1ª - A impugnação alargada da matéria de facto (nomeadamente com invocação da violação do princípio in dubio pro reo). 2ª - O preenchimento do elemento objetivo do crime de ameaça agravada. 2 - A decisão recorrida. A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos - provados e não provados - e quanto à motivação da decisão fáctica): “Factos provados: 1. No dia 25 de maio de 2020, pelas 21h00, VG dirigiu-se a AM e afirmou: “R, R este cabrão bateu-me, vou-te matar, és um filho da puta”; 2. VG agiu de forma livre, voluntária e consciente, pretendendo, ao dirigir na direção AM a referida expressão, incutir-lhe receio pela sua vida, segurança e bem-estar, afetando a sua tranquilidade e paz individual; 3. VG agiu de forma deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal. Mais se provou: 4. A arguida é solteira; 5. Reside com o namorado, em casa própria, com crédito bancário acoplado com a prestação mensal de €160,00; 6. Tem dois filhos, um com oito anos e o outro com três anos de idade; 7. Trabalha como auxiliar de ação direta, auferindo mensalmente o salário mínimo nacional; 8. É proprietária de um veículo automóvel da marca … do ano de 2020; 9. Não tem despesas extraordinárias; 10. Como habilitações literárias, tem o 9º de escolaridade; 11. Do certificado do registo criminal da arguida, não consta averbada nenhuma condenação. Factos não provados: Com relevância para a decisão da presente ação penal, inexistem. Os restantes factos, não especificamente dados como provados ou não provados, constituem factos repetitivos, conclusivos, contêm factualidade irrelevante para a decisão da presente ação penal ou contendem com a facticidade respeitante aos demais crimes que igualmente se imputavam aos arguidos nestes autos, quanto aos quais já se mostra extinto o correspondente procedimento criminal, nos termos explicitados supra. Motivação: Nos termos preceituados no artigo 127.º do Código de Processo Penal, “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, não estando o julgador subordinado a regras rígidas de prova tarifada. A convicção judicial mostra-se norteada por imperativos de busca da verdade material, num juízo que não poderá configurar arbitrariedade, devendo apresentar-se racional, ponderado, crítico, e, nessa decorrência, sindicável. Cumpre, desde logo, destacar que a arguida no exercício de um direito que lhe é constitucionalmente assegurado, não pretendeu, num primeiro momento, prestar declarações sobre os factos pelos quais vem acusada, tendo apenas, em últimas declarações, negado a prática dos factos e asseverando que foi o arguido que a agrediu. A convicção judicial encontra-se alicerçada na prova documental constante dos autos, designadamente no teor do auto de notícia, de fls. 52 e 53 e no teor do certificado de registo criminal da arguida, de fls. 170. Nas vestes de prova constituenda, o Tribunal atendeu aos depoimentos de AM e de AM. Concretizando. O juízo valorativo quanto à factualidade ínsita supra no ponto 1 estribou-se, no essencial, no teor dos depoimentos prestados de modo credível, isento e circunstanciado de AM e de AM, os quais, veiculando versões fácticas dos acontecimentos globalmente coincidentes e apenas divergentes em pontos não essenciais - discrepâncias essas que, para além de assumirem foros de normalidade, tendo em conta a intensidade da situação experienciada, de ocorrência rápida, contribuiu para reforçar a credibilidade dos seus depoimentos, na medida em que afastou um cenário de concertação prévia dos mesmos -, tendo ambos relatado, de forma pormenorizada, a sucessão de acontecimentos que se verteu na materialidade fáctica julgada demonstrada. Com efeito, AM, ofendido nos autos, por referência às circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas na douta acusação pública, relatou, com credibilidade, espontaneidade e verosimilhança, a conduta antijurídica perpetrada pela arguida contra a sua pessoa. Explicou que a arguida é sua vizinha e no tocante aos factos asseverou, com firmeza, que no dia 25.05.2020, após o jantar, quando se encontrava no hall do prédio que habita dirigiu-se à arguida que se encontrava nas escadas e lhe disse para ela não falar da sua família, tendo-lhe dito, inclusivamente, que “senão qualquer dia vais bater com o cu no bata preta” ao que a arguida retorquiu, gritando na sua direção “R, R este cabrão bateu-me, vou-te matar, és um filho da puta”, depoimento que veio a ser corroborado pelo depoimento de AM. As referidas testemunhas revelaram fluidez no discurso, espontaneidade e imparcialidade, ao não veicularem uma versão hiperbolizada do sucedido, razão pela qual, tudo conjugado, a factualidade em apreço foi julgada provada. Quanto aos elementos subjetivos da incriminação, consignados supra nos pontos 2 e 3 dos factos provados, há que notar que o juízo probatório realizado sobre os mesmos resultou inferido da materialidade da expressão proferida pela arguida, visando diretamente a pessoa do ofendido, que bem sabia serem idóneas a, naquelas concretas circunstâncias, a provocarem receio e perturbação naquele, e que, com a significação que lhe está associado. Do mesmo modo, não se nos afigura aceitável afirmar que a arguida ignorava a ilicitude da sua conduta, por se tratar de factos que qualquer cidadão, que atue com meridiana diligência, medianamente avisado, não poderá desconhecer, o que, ainda assim, não a determinou a atuar de modo juridicamente conforme. As condições pessoais, sociais e familiares da arguida, constantes dos pontos 4 a 10 dos factos provados, sobrevieram das declarações da própria, à míngua de outros elementos de prova que neste circunstancialismo factual pudessem mostrar-se relevantes. A ausência de antecedentes criminais da arguida, descritos no ponto 11 dos factos provados, decorreram do teor do seu certificado de registo criminal atualizado, constante de fls. 170”. 3 - Apreciação do mérito do recurso. a) Da decisão sobre a matéria de facto. Alega a recorrente que existe erro de julgamento da matéria de facto, porquanto, e em breve resumo, o Tribunal de primeira instância considerou que os depoimentos de AM e de AM, (casados um com o outro) foram “prestados de modo credível, isento e circunstanciado”, conclusão com a qual a recorrente não concorda, ou seja, e conforme expressamente explicitado na conclusão 6ª extraída da motivação do recurso, na opinião da recorrente “a análise e ponderação da globalidade da prova, designadamente a análise conjugada dos sobreditos depoimentos, pelo resultado probatório que geram, permite inferir e concluir diferentemente do decidido pelo Tribunal a quo” (sublinhado nosso). Além disso, invoca a recorrente que o Tribunal recorrido devia ter aplicado o princípio in dubio pro reo. Cumpre decidir. I - Em primeiro lugar, e ao invés do que parece entender-se na motivação do presente recurso, o recurso sobre a matéria de facto não envolve (não pode envolver) para o tribunal ad quem a realização de um “novo julgamento”, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos. A impugnação da decisão fáctica tem por finalidade, isso sim, o reexame de erros de procedimento ou de julgamento, erros que afetem a decisão recorrida e que os recorrentes indiquem (especificadamente), tendo ainda os recorrentes de indicar, por forma também especificada, as provas que, no entender dos mesmos, impõem (e não apenas permitem, sugerem ou possibilitam) uma decisão de conteúdo diferente. Ora, a recorrente não nos indica qualquer elemento de prova que imponha decisão fáctica diferente da tomada em primeira instância, limitando-se, isso sim, a fazer uma análise própria de toda a prova produzida, concluindo depois, e sem mais de relevante, que a “ponderação da globalidade da prova, designadamente a análise conjugada dos sobreditos depoimentos (…), permite inferir e concluir diferentemente do decidido pelo Tribunal a quo”. Bem vistas as coisas, a discordância expressa pela recorrente visa toda a matéria de facto que é relevante para o preenchimento dos elementos do crime de ameaça em questão, e, além disso, a recorrente questiona a análise, efetuada pelo tribunal a quo, de toda a prova produzida. Por outro lado, a recorrente questiona o acervo factológico tido como provado na sentença revidenda com o fundamento - único - de o tribunal a quo ter seguido um processo de convicção diferente daquele que é o da recorrente. Assim sendo, aquilo que a recorrente pretende, no fundo, é que este tribunal de recurso proceda a um novo julgamento, analisando toda a prova produzida na primeira instância (depoimento a depoimento, ponto por ponto), e, é óbvio, fixando depois a matéria de facto de acordo com uma convicção que a recorrente pretende seja idêntica à dela própria. II - Em segundo lugar, para procedermos à pretendida alteração da decisão fáctica tomada na sentença revidenda, era necessário que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não apenas aconselhasse, ou permitisse, ou consentisse, uma tal alteração, mas, isso sim, impusesse essa alteração da decisão a que o tribunal recorrido chegou, fundamentadamente, sobre a matéria de facto (cfr. o disposto no artigo 412º, nº 3, al. b), do C. P. Penal). Como bem se escreve no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora datado de 15-03-2011 (relator Sénio Alves, disponível in www.dgsi.pt), “se, perante determinada situação de facto em concreto, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente (tenha ele, nos autos, a posição processual que tiver), ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que por ela opte, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova”. Também o Prof. Figueiredo Dias (in “Direito Processual Penal”, Vol. I, Coimbra Editora, 1981, pág. 233), em sentido similar, esclarece: “por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efetivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de um processo penal submetido predominantemente ao princípio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento”. Acrescenta ainda o mesmo Ilustre Professor, a propósito dos princípios da oralidade e da imediação (ob. citada, págs. 233 e 234): “só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar, o mais corretamente possível, da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”. Lendo a motivação do recurso, verifica-se, facilmente, que a recorrente não atentou nestes princípios (da oralidade e da imediação), nem no princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do C. P. Penal), pretendendo que o tribunal (quer o tribunal a quo, quer este tribunal ad quem) acolha a versão dos factos que mais lhe convém. Ora, e repetindo o acima dito, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, al. b), do C. P. Penal, quando impugnem a decisão proferida sobre a matéria de facto, os recorrentes devem indicar, especificadamente, as provas que “impõem” decisão diversa da recorrida (que “impõem”, repete-se novamente, e não que permitem ou aconselham). A esta luz, lendo a sentença revidenda, na “motivação” quanto à matéria de facto, verificamos, sem dificuldade, que as provas produzidas não “impõem” uma decisão diversa daquela que foi proferida em primeira instância. Ou seja: o tribunal a quo não decidiu ao arrepio da prova produzida, ou contra tal prova, nem deu como provado determinado facto com fundamento no depoimento de uma determinada testemunha, e, analisado tal depoimento, constata-se que a dita testemunha se não pronunciou sobre tal facto, ou que, pronunciando-se, disse coisa diferente da afirmada na decisão recorrida, nem, por último, o tribunal recorrido valorou a prova produzida contra as regras da experiência, ou de modo aleatório e discricionário. Pelo contrário, na “motivação” o tribunal recorrido analisou os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, procedendo ao exame crítico dos mesmos, isto é, esclarecendo os motivos pelos quais deu credibilidade aos depoimentos em causa, tudo por forma a permitir (como permite), quer aos destinatários diretos da decisão quer à comunidade em geral, perceber os seus raciocínios (as razões pelas quais atribuiu credibilidade aos testemunhos em questão). A título exemplificativo, vejamos o seguinte excerto da “motivação” constante da sentença recorrida: “o juízo valorativo quanto à factualidade ínsita supra no ponto 1 estribou-se, no essencial, no teor dos depoimentos prestados de modo credível, isento e circunstanciado, de AM e de AM, os quais, veiculando versões fácticas dos acontecimentos globalmente coincidentes e apenas divergentes em pontos não essenciais - discrepâncias essas que, para além de assumirem foros de normalidade, tendo em conta a intensidade da situação experienciada, de ocorrência rápida, contribuiu para reforçar a credibilidade dos seus depoimentos, na medida em que afastou um cenário de concertação prévia dos mesmos -, tendo ambos relatado, de forma pormenorizada, a sucessão de acontecimentos que se verteu na materialidade fáctica julgada demonstrada (…)”. Pergunta-se: com que base, com que prova, e até com que legitimidade (substantiva, obviamente) pode este tribunal ad quem, ouvindo gravações (meros registos sonoros de declarações e de depoimentos), ultrapassar estes raciocínios formulados pela Exmª Juíza, que assistiu à produção da prova (em comunicação imediata, viva, física e interativa com a prova), e que, de modo pormenorizado, claro, transparente e assertivo, nos fornece uma análise e uma visão totalmente coerentes e fundamentadas da prova? Com o devido respeito pelo alegado na motivação do recurso, esta instância recursiva, ponderando todos os elementos de prova (indicados na motivação do recurso, e descritos e analisados na sentença sub judice), e em conformidade com tudo o que acima se disse (nomeadamente sobre a oralidade e a imediação), não pode, com o mínimo de fundamento válido, alterar a lógica do raciocínio do tribunal a quo (lógica que se mostra razoável, pertinente e percetível) ou contrariar as razões da sua convicção (convicção, por um lado, bem explicitada e fundamentada, e, por outro lado, obtida a partir da imediação com a prova). Ora, sendo apenas dessa lógica e dessa convicção (alcançadas pelo tribunal a quo e explicitadas na sentença revidenda) que, em substância, a recorrente discorda, logo se conclui que o presente recurso, nesta vertente, não merece provimento. III - Por último, e ainda na vertente da impugnação da decisão fáctica, invoca a recorrente que na sentença recorrida foi violado o princípio in dubio pro reo. O princípio in dubio pro reo (um dos princípios básicos do processo penal) significa, em síntese, que, para conduzir à condenação, a prova deve ser plena, sendo imprescindível que o tribunal tenha formado convicção acerca da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é, a formação da convicção é um processo que “só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para que pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse” (Prof. Figueiredo Dias, ob. citada, pág. 202). Quando o tribunal não forma convicção, a dúvida determina inelutavelmente a absolvição, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, o qual consubstancia princípio de direito probatório decorrente daqueloutro princípio, mais amplo, da presunção da inocência (constitucionalmente consagrado no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa). Com efeito, dispõe a C.R.P. (no nº 2 do seu artigo 32º) que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”, preceito que se identifica genericamente com as formulações do princípio da presunção de inocência constantes, além do mais, do artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e do artigo 6º, nº 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais. Assim, “o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 4ª ed., 2007, Vol. I, pág. 519). O princípio in dubio pro reo apresenta-se, pois, como forma de suprir a ausência de ónus de prova, em sentido próprio, no direito processual penal. Na verdade, apesar de toda a prova recolhida, é possível que todos os factos relevantes para a decisão não possam ser subtraídos à dúvida razoável do tribunal, e que, por isso, não possam considerar-se como provados. No presente caso, e como acima se expôs, não restam quaisquer dúvidas (razoáveis) de que os factos foram, efetivamente, praticados pela arguida, nos precisos termos dados como provados na sentença revidenda (não existindo possibilidade ou viabilidade de tais factos não terem ocorrido). Dito de outro modo: o tribunal a quo não teve dúvidas na valoração da prova, fazendo um juízo seguro acerca dos factos imputados à recorrente, e, perante a prova, também este tribunal de recurso com nenhuma dúvida fica relativamente à prática de tais factos por banda da recorrente. Assim sendo, e ao contrário do alegado na motivação do recurso, não foi violado o princípio in dubio pro reo. Face ao que vem de dizer-se, é de negar provimento a este segmento do recurso, considerando-se definitivamente fixada a factualidade dada como provada na sentença revidenda. b) Do preenchimento dos elementos objetivos do crime de ameaça agravada. Alega a recorrente, em breve resumo, que as palavras “R, R este cabrão bateu-me, vou-te matar, és um filho da puta”, atento o contexto em que foram proferidas, não preenchem os elementos objetivos do crime de ameaça agravada. Dispõe o artigo 153º, nº 1, do Código Penal: “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”. O bem jurídico aqui tutelado é a liberdade pessoal, na sua vertente de liberdade de decisão e ação, sendo, pois, a ameaça um comportamento suscetível de causar medo e inquietação e, por essa via, afetar a liberdade de decisão do visado. Ao nível dos elementos objetivos do tipo, exige-se: 1º - A ocorrência de uma ameaça (ou promessa de um mal futuro, que esteja na dependência da vontade do agente ameaçador); 2º - Que a ameaça tenha por objeto a “vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor”. Por outro lado, na medida em que estamos aqui perante um crime de mera ação e de perigo, o preenchimento do tipo não depende da ocorrência de um efetivo resultado (medo, inquietação ou prejuízo da liberdade de determinação da vítima), exigindo-se apenas a adequação da conduta a causar tal resultado. Como bem esclarece o Prof. Taipa de Carvalho (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, 1999, Tomo I, pág. 348), “exige-se apenas que a ameaça seja suscetível de afetar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afetada a liberdade de determinação do ameaçado (assim, Figueiredo Dias, Atas 1993 500)”. Assim, e ao contrário do que parece entender-se na motivação do recurso, é irrelevante, para a verificação do crime de ameaça em questão, a circunstância de o ofendido se ter (ou não) sentido intimidado, receoso ou inquieto. O que se exige, para a ocorrência do crime de ameaça, não é a efetiva perturbação da liberdade do ameaçado, exigindo-se, isso sim, que a ameaça seja adequada a provocar ou infligir medo (mesmo que, in casu, o não tenha provocado). No que respeita ao critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou a prejudicar a liberdade de determinação, deve considerar-se que o mesmo é objetivo-individual. Ou seja, deve verificar-se se, perante as circunstâncias em que é proferida a ameaça e atendendo à personalidade da vítima, aquela é suscetível de intimidar o “homem comum”, devendo ainda ter-se em conta, no caso de existirem, tanto as subcapacidades como as sobrecapacidades da vítima da ameaça (Prof. Taipa de Carvalho, ob. citada, págs. 348 e 349). Por último, e para o que releva no caso destes autos, o mal ameaçado tem de ser futuro. Conforme bem escreve o Prof. Taipa de Carvalho (ob. citada, pág. 343), isso “significa apenas que o mal, objeto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coação, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex., haverá ameaça, quando alguém afirma "heide-te matar"; já se tratará de violência, quando alguém afirma: "vou-te matar já". Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só, como vimos, que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos da tentativa”. À luz dos antecedentes considerandos, e analisando o caso concreto destes autos, da matéria de facto dada como provada resulta que a arguida dirigiu ao ofendido as seguintes expressões: “este cabrão bateu-me, vou-te matar, és um filho da puta”. A expressão “vou-te matar”, no contexto descrito, e sem grande esforço interpretativo, significa qua a arguida ameaçou o ofendido de morte, sendo esta a interpretação que resulta para qualquer pessoa de diligência e sensibilidade médias, e tal expressão é adequada, inequivocamente, a provocar medo e receio à pessoa a quem é dirigida. Por conseguinte, e a nosso ver, a conduta da arguida preenche os elementos objetivos do tipo de crime previsto pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal, porquanto a expressão em questão consubstancia uma ameaça de um mal contra o bem jurídico “vida” (a arguida ameaçou o ofendido com a prática de crime contra a vida), mal esse que se encontrava na dependência da vontade da arguida, sendo que, além disso, tal expressão é objetivamente adequada a produzir receio, medo, intranquilidade e inquietação ao ofendido - a ameaça em causa é agravada, conforme previsto no artigo 155º, nº 1, al. a), do Código Penal, uma vez que a conduta da arguida foi levada a cabo através da ameaça da prática do crime de homicídio (“vou-te matar”), que é punível, nos termos que resultam do disposto no artigo 131º do Código Penal, com pena de prisão superior a três anos -. Concordamos, pois, inteiramente, com o enquadramento jurídico-penal dos factos levado a cabo na decisão recorrida: “apurou-se que a arguida, no dia 25 de maio de 2020, pelas 21h00, dirigiu-se a AM e afirmou “R, R este cabrão bateu-me, vou-te matar, és um filho da puta” (…). Mais se demonstrou que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, pretendendo, ao dirigir na direção do AM a referida expressão, incutir-lhe receio pela sua vida, segurança e bem-estar, afetando a sua tranquilidade e paz individual, e que agiu de forma deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal. (…) A expressão “vou-te matar” utilizada pela arguida, com foros de seriedade, embora usada no presente do indicativo, não deixa de assumir também, na linguagem corrente, uma usual projeção de futuro, na medida em que não indica o momento exato da ação anunciada. Sendo, por isso, perfeitamente adequada a integrar o conceito de ameaça, sempre que as demais circunstâncias do caso não excluam tal entendimento. Note-se que a sobredita expressão tem como sinónimo corrente “hei de matar-te”, caso em que o verbo haver também está no presente do indicativo, sendo, no entanto, indubitável que exprime uma ideia de futuro. Sendo, precisamente, com o sentido corrente de futuro que a arguida proferiu a dita expressão e o ofendido a entendeu, o que, aliás, está em sintonia com a atuação de um qualquer homem médio colocado nas concretas circunstâncias em que o ofendido se encontrava. Assim, atenta tal factualidade e face a todo o exposto, não restam dúvidas de que a expressão em causa traduz o anúncio de um “mal futuro”, e, consequentemente, por se encontrarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo, a conduta da arguida integra a prática de um crime de ameaça agravada, sem que se vislumbre a ocorrência de quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de culpa”. Em conclusão: também na segunda vertente (preenchimento dos elementos objetivos do crime de ameaça agravada) o recurso da arguida não merece provimento. Face a tudo o que ficou dito, o recurso apresentado pela arguida é totalmente de improceder. III - DECISÃO Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso da arguida, mantendo-se, consequentemente, a sentença recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs. * Texto processado e integralmente revisto pelo relator. Évora, 25 de janeiro de 2022 João Manuel Monteiro Amaro Nuno Maria Rosa da Silva Garcia |