Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1758/20.6T8EVR.E1
Relator: ANA PESSOA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
HABITAÇÃO
DEFEITOS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
REDUÇÃO DO PREÇO
Data do Acordão: 06/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Quem intenta adquirir uma habitação (nova ou reabilitada) para aí se viver ambiciona um local com boas condições de habitabilidade e conforto - entre as qualidades inerentes a uma habitação (ademais nova ou reabilitada) está a sua estanquicidade; não é suposto que na habitação haja manifestações de infiltrações.
2. Resultando os problemas constatados no imóvel duma multiplicidade de fatores ligados, quer às características construtivas, quer ao comportamento da ora Apelante, em que avulta a falta de ventilação ocorrida após a compra, não pode concluir-se pelo cumprimento defeituoso da prestação pelos Réus, e consequentemente não existe fundamento para as peticionadas resolução do contrato, restituição de quantias ou redução do preço.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA


I. Relatório

AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra CC e DD, pedindo que que se declare a resolução do contrato de compra e venda entre as partes celebrado, e, consequentemente, se condenem os Réus na restituição à Autora do montante de € 99.633,92 - sendo 73.500€ a título de preço pago pelo imóvel, 25.000,00€ a título de danos não patrimoniais e 1.133,92€ a título de custos com a venda - acrescido de juros de mora desde a data de citação até efetivo e integral cumprimento.

Subsidiariamente, pediu a redução do preço do mesmo contrato no montante de € 35.000,00.

Alegou em síntese, que adquiriu aos réus um imóvel, tendo posteriormente descoberto a existência de defeitos que não lhe foram comunicados aquando da venda, nem eram visíveis, o que determina a condenação dos réus nos termos peticionados.

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Pessoal e regularmente citados, os Réus apresentaram contestação, impugnando o alegado pela autora, pugnando pela improcedência da ação.

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Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual foi se procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

Realizada a perícia, realizou-se a audiência de julgamento e veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a ação.

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Inconformada com a decisão prolatada, a Autora dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1ª Ajuizaram os RR a sua douta contestação aos 05.01.2021. Porém, desacompanhada de procuração e de quaisquer documentos, que, entretanto, protestaram apresentar. E,

2ª Como por iniciativa própria os RR não concretizassem o seu compromisso, com data de 02.03.2021, foram eles notificados do despacho que lhes fixou o prazo de 10 dias para apresentação da procuração e ratificação do processado, e bem assim, ainda, como para apresentação dos documentos anunciados na contestação.

3ª Mais de 30 dias transcorridos, sobre a data que lhes foi assinada para junção da procuração e ratificação do processado, por isso que somente em 22.04.2021, laconicamente, impetraram os RR, para aquele efeito prorrogação de prazo, não inferior a 5 dias,

4ª E pretensão que lhes foi deferida e de que foram notificados com data de 27.04.2021

5ª Contudo, não tendo os RR oferecido procuração e procedido à ratificação do processado, não obstante o decurso do tempo já longo, em 16.06.2021 foram os RR, directamente e também através do seu advogado, notificados da renovação do despacho que lhes impunha a apresentação, em 10 dias, da procuração e ratificação do processado, e, também, dos documentos, sob a cominação do desentranhamento da contestação, e, ainda, da advertência de que os próprios e o signatário da contestação incorriam nas sanções legais previstas para o efeito, sendo logo condenados em multa processual, não inferior a 2 UC.

6ª Em 17.06.2021 os RR simplesmente ajuizaram a procuração.

7ª Com data de 16.07.2021 foram os RR. notificados do despacho que determinou a integração da procuração nos autos e, simultaneamente, considerou regularizado o mandato. Todavia, condenou-os em multa de 1UC, pela não apresentação dos documentos, convidando-os a apresentarem-nos em 10 dias, sob pena de serem condenados em multa não inferior a 2UC e ser tal falta contra si valorada em termos probatórios.

8ª Em 23.09.2021 foram os RR notificados da condenação em multa de 2 UC, e ao mesmo tempo foi-lhes remetida guia, no valor de € 102,00, com termo de pagamento em 07.10.2021, por não apresentarem os documentos “em falta, não obstante terem, para o efeito, sido, por três vezes, notificados, com a menção de que tal falta seria valorada contra si em termos probatórios”

9ª Em 19.10.2021 surge o registo de que a guia, no valor de €102,00, com prazo de pagamento até 07.10.2021, não foi paga;

10ª Em 19.10.2021 foram os RR notificados da guia para pagamento da multa, quantificada em € 204,00, e cujo prazo expiraria aos 02.11.2021 11ª Com a data de 12.11.2021 surge consignado o não-pagamento da guia, no valor de € 204,00, com data limite de pagamento em 07.11.2021.

12ª Em 16.05.2022 teve lugar a audiência de julgamento, no decurso da qual, os RR finalmente apresentaram os documentos anunciados na contestação, que foram admitidos.

13ª De tudo quanto se deixou expendido supra resultam duas consequências: a primeira é a de que, ao contrário do julgado, que considerou regularizado o mandato ab initio, a verdade é que este ficou regularizado a partir de 17.06.2021, com efeitos ad futurum, pelo que todos os actos anteriormente praticados pelo mandatário nomeadamente a contestação e os requerimentos apresentados até 16.06.2021, à falta da devida ratificação do processado, não produzem quaisquer efeitos por força da inexistência de mandato.

14ª Concretamente deve a contestação ser desentranhada dos autos, aliás o que não deverá surpreender os RR e o seu mandatário já que ambos estavam e estão expressamente notificados desde 16.06.2021 dos efeitos da falta de ratificação do processado. Mais: todos os despachos que incidiram sobre os requerimentos ajuizados até 16.06.2021 devem ser considerados ineficazes.

15ª De resto, mal se compreenderia a manutenção da contestação nos autos porquanto tal conflituaria com a advertência expressa do tribunal, que vinha notificando os RR da necessidade de ratificação do processado desde 02.03.2021, e sob cominação do desentranhamento da contestação desde 16.06.2021. Ou seja.

16ª O tribunal não pode ziguezaguear dizendo hoje uma coisa que, se incumprida, acarretará determinada consequência expressamente anunciada, e, depois, verificado o incumprimento, fazer de conta de que anteriormente nada disse a propósito. Quando não, perguntar-se-á: onde está ou fica a autoridade do tribunal?

17ª De modo que a decisão que considerou regularizado o mandato ab initio é ilegal porquanto a mera apresentação da procuração não supre a sua falta tempestiva, que somente seria superada mediante ratificação do processado, o que não ocorreu de todo. A irregularidade do mandato pode, em qualquer altura, ser arguida pela parte contrária – v art.º 48º, nº1, do Cód. Processo Civil.

18ª A segunda consequência resultante da errada decisão, que ilegalmente considerou regularizado o mandato ab initio, acarretando o desentranhamento da contestação dos autos retira de qualquer controvérsia todos os factos alegados enquanto causa de pedir, e, ainda, os pedidos formulados, pelo que, a par dos factos provados, que devem ser mantidos, no seu todo, devem ser-lhes aditados os materializados sob os artigos 25º, 26º, 30º, 41º, 42º, 49º, 55º a 60º, 63º e 64º, da p i, através da criação dos pontos 29 a 37 que lhes darão guarida.

19ª Na mesma linha, e com o mesmo fundamento os factos dados por não provados devem, à excepção dos veiculados sob as letras “E” e” K”, ser alterados no sentido de provado, passando, consequentemente, a figurar no elenco dos factos provados mediante o aditamento dos pontos 39 a 47 que os albergarão nos seus exactos termos.

20ª E subsumindo os factos dados como provados ao pertinente comando normativo – na circunstância a norma contida no art.º 4º, nºs 1 e 5, do D.L. nº 84/2008, de 21 de Maio – aqui se impetra o decretamento da resolução do contrato de compra e venda do imóvel, e tudo com as legais consequências nomeadamente conforme aos artigos 55º a 60º da p i, cujos aqui se oferecem como reproduzidos no seu todo, e tanto mais que os RR inviabilizaram expressamente o cenário de reparação, e o imóvel exalar odor a bolor, o que o torna inabitável - v pontos 13 e 21 dos factos provados.

21ª Os documentos apresentados e admitidos no decurso da audiência de julgamento, e sem qualquer justificação para tanto, foram-no contra lei expressa, que estabelece o momento da apresentação daqueles conforme o art.º 423º do Cód. de Processo Civil, que por esse facto saiu ultrajado. Devem, por isso, ser desentranhados dos autos.

22ª A sentença exibe a data de 09.05.2022 quanto é certo que o julgamento, que lhe é precedente, teve lugar em 16.05.2022. Donde a estranheza da Recorrente, que sequer vislumbra que a mesma possa ter sido elaborada sobre anterior peça com a qual apresentasse semelhanças ou afinidades.

23ª Não obstante a falta de ratificação do processado conduzir ao naufrágio da defesa deduzida pelos RR, a Recorrente assaca à sentença erros de julgamento. Assim, de entre os factos provados designadamente a coberto do ponto 19, que se reporta às causas das patologias, a sentença incorre em dois equívocos, a saber: o primeiro, é o de que ignora, incompreensivelmente, todas as demais causas estruturais, resultantes do modo de construção; da microfissuração do reboco que permite o aumento e transferência da humidade nos materiais contribuindo no crescimento dos fungos; da pintura interior com tinta sem as características técnicas adequadas para o efeito podendo, assim, apressar o desenvolvimento de fungos, centrar-se a sentença recorrida unicamente na falta de ventilação adequada, que provoca problemas de condensação, para, torticeiramente, desresponsabilizar os RR e responsabilizar a Autora.

24ª O segundo equívoco decorre da circunstância de, não obstante a referida matéria resultar provada a partir do relatório da perita, a sentença não explicitar o motivo por que desprezou o contributo das causas estruturais, e selecionou unicamente a falta de ventilação adequada quanto é certo que não é isso que resulta do relatório da perita. Mais: o cerne da questãoreside nas humidades. Estas, porém, derivam, segundo o relatório da perita, da ausência de pedra nos vãos das janelas, e da qualidade dos alumínios e vidros utilizados.

25º Acontece que a falta de ventilação/arejamento, que não constitui propriamente a causa das patologias segundo o relatório da perita, poderia mitigar as patologias em lugar de as potenciar. Logo, não passa ela de causa aparente enquanto as humidades assunem o relevo da causa real.

26ª Ocorreu, portanto, erro de julgamento (error in judicandi) que resulta da distorção da realidade factual provada uma vez que o julgado não corresponde à realidade ontológica efectivamente apurada quanto é certo que a sentença, que ficou aquém dos factos provados a coberto do ponto 19, é absolutamente omissa sobre as razões por que não considerou os factos provados no seu todo.

27ª Nestas circunstâncias, por não estar devidamente fundamentada a decisão, na parte em que isentou de responsabilidade os RR, e apenas responsabilizou a Autora por mor da falta de arejamento, aqui se requer que o tribunal a quo proceda à devida fundamentação – v art.º 662º, nº 2, d), do Cód. de Processo Civil.

28ª A resposta corporizada sob a letra “A” dos factos não provados vai impugnada, por duas razões: primeiro, porque, em sede do saneador, ao selecionar os factos sobre que recairiam os depoimentos de parte, o tribunal a quo considerou confessados os factos veiculados sob os artigos 1º a 3º da p i, pelo que os excluiu dos depoimentos de parte, sendo que a resposta aqui em causa corresponde exactamente ao corpo do art.º 1º. Portanto, uma vez transitado em julgado a dita decisão, logo se formou caso julgado formal pelo que o mesmo facto não pode merecer nova decisão do tribunal – v art.º 620º do Cód. de Processo Civil.

29ª A segunda razão porque, na sua contestação, os RR apenas levantaram objecção quanto à presença pessoal da A na Imoprates admitindo tudo o resto descrito no art.º 1º da pi; e, se a isto aditarmos a sua confissão de que foi com o marido da A que os RR acertaram os termos e condições do negócio de compra e venda, fácil é concluir que na data e local referidos a Autora “representada” pelo seu marido mostrou interesse na aquisição do imóvel, seguindo-se uma visita a este no dia 16 de Setembrp de 2019.

30ª Em consequência e porque os factos provados assim o consentem deve a resposta veiculada ao abrigo da letra A ser alterada no sentido de provado mediante a redacção seguinte: em Setembro de 2019, na Imoprates-Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, a Autora, através do seu marido, manifestou interesse na aquisição do imóvel melhor descrito em 1.

31ª A resposta contida na letra “B” dos factos não provados vai impugnada, porque mal julgada, e com fundamento nas mesmas razões, pelo que deve ela ser modificada no sentido de provado sugerindo-se a redacção seguinte: a Autora esteve, através do seu marido, na visita referida em 1.

32ª Relativamente à resposta da letra “D”, que vai impugnada, por mal julgada, sucede que à matéria alegada sob os artigos 7º e 8º, a que os RR se opuseram através do art.º 19º, os mesmos confessaram, desenvolvidamente, e no seu todo, os factos alegados, e apenas se lhes opuseram mediante a versão segundo a qual o 1º R não teria agido nas vestes de profissional, ou seja, introduziram uma pequena nuance à sua condição de profissional imobiliário, aquando da realização da venda, tudo se passando como que se o dito, por instantes, se tivesse despojado da qualidade de profissional do ramo. Por conseguinte, os Réus, na sua defesa, não contrariaram o alegado, mas, tão somente, construíram a sua narrativa, pelo que, consequentemente, chamaram a si o correspondente ónus da prova por se tratar dum facto fundamento da sua defesa. Este é que o ponto.

33ª Acontece que, durante o julgamento, sequer tentaram os RR fazer prova daquele facto como se lhes impunha, dado tratar-se dum facto que suportaria a sua defesa, pelo que, não a tendo feito, sibi imputet.

34ªAcresce que ouvido em declarações de parte o 1º R assumiu ter em 2018 comprado o imóvel em causa, e vendido em 2019, mas que nada tinha a ver com a imobiliária. E, depois, para o vender anunciou na Imobiliária, acrescentou.

35ª E à pergunta sobre se houvera na Imoprates uma reunião, o 1º R afirmou ter o marido da A lá ido, mas, na ocasião, ele, 1º R, não estava lá, pois, em alguns momentos não está lá.

36ª Resulta, assim, amplamente demonstrado ser o 1º R vendedor profissional de imóveis ao serviço da Imoprates - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., o que, aliás, já emergia do seu articulado.

37ª De modo que, com inteira justeza, é imperativo alterar o julgado no sentido de provado mantendo-se a redacção, que dever ser transferida para o elenco dos factos provados.

38ªA resposta materializada sob a letra “F” encerra erro de julgamento e, por isso, vai impugnada. Isto porque a Autora logrou provar dois factos a partir dos quais se pode concluir que os RR detinham plena consciência da existência de humidades no imóvel e procuraram ocultá-la mediante a colocação de placas de gesso cartonado hidrófugo, conhecida que é a finalidade especifica do referido material: “ o objectivo da solução de aplicação de gesso cartonado hidrófugo, utilizado muitas vezes em edifícios com patologias de salitres e de rebocos deteriorados com transferência de humidades do exterior para o interior, é criar uma caixa de ar e afastar a parede original da nova, tal como está feito.”-v relatório da perita em resposta ao quesito 7, pág. 15

39ª E porque” quod abundat non nocet” chama-se à colação que vem provado a existência de salitres no imóvel e a microfissuração no reboco exterior (cfr pontos 17 e 19 dos factos provados e mais desenvolvidamente na resposta ao quesito 7 do relatório da petita, pág. 15 e seg.), realidades que fazem apelo à aplicação de placas de gesso cartonado hidrófugo.

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40ª Em síntese: os factos provados designadamente a aplicação do gesso cartonado hidrófugo e as virtualidades deste, conjugados com a lei, dão-nos a solução. Isto porque ao julgador a lei consente, expressamente, extrair ilações a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos. São as denominadas presunções judiciais - v art.º 349º do Cód. Civil.

41ª Por conseguinte a resposta contida na letra” F” deve se alterada no sentido de provado mantendo-se, porém, a sal redacção.

42ª A resposta contida na letra “H” encerra erro de julgamento, pelo que vai ela impugnada. Acresce que, nos termos do art.º 3º, nº 2 do D.L 84/2008 de 21 de Maio, a Autora tem a seu favor a presunção aí estabelecida. E, mutatis mutandis, socorre-se a Recorrente das motivações aduzidas contra a resposta coberta pela letra “F”

43ª A resposta da letra “I”, insondável quanto as almas dos homens, padece, igualmente, de erro de julgamento. Logo, vai ela impugnada. Isto porque sob o artigo 48º a A aduziu “estados da alma” por estar ela privada de fruir do imóvel que adquirira e no qual contava viver confortavelmente. Com efeito, a dificuldade na compreensão está na circunstância da sentença ter dado como provado a sensação de “enganada” e de “frustrada” e ter negado a sensação de “humilhada” quanto é certo que se trata de sentimentos negativos próximos, consentâneos e não contraditórios. A isto acresce que, em lugar do silêncio a que se remeteu, impunha-se, porventura de modo acrescido, a necessidade da devida fundamentação uma vez que considerou provados dois estados de espírito e negou o terceiro sendo certo que se trata de factos alegados em bloco, e por ser insuficiente a remessa para a fórmula vaga e genérica de não provado. De sorte que, ao invés de se pedir já a alteração do sentido da decisão, talvez seja mais apropriado pedir a devida fundamentação, salvo se diverso for o entendimento do Tribunal ad quem. Em qualquer caso a Recorrente pugna pela alteração da decisão no sentido de ser havido como provado que a A se sente humilhada.

44ª O Tribunal a quo afastou a aplicação do D.L nº 67/2003, de 8 de Abril, que foi revogado pelo D.L. nº 84/2021, de 18 de Outubro, com fundamento na falta de demonstração “de qualquer facto que possa enquadrar os RR na descrita noção profissional, tanto mais que ambas as partes, autora e réus, declararam no ato de venda a inexistência de intervenção de mediador imobiliário.”

45ª Com todo o respeito a douta sentença está equivocada. Em primeiro lugar, porque, no caso em apreço, nunca poderá ser aplicável o D.L nº 84/2021, de 18 de Outubro, que só entrou em vigor em 01.01.2022 quanto é certo que a acção foi proposta em 04.11.2020.

46ª Em segundo lugar, porque, ao contrário do que diz a sentença, não só não é a intervenção de mediação imobiliária ou a falta dela, que permite enquadrar o 1ª R na condição profissional do vendedor de imóveis, quanto é certo que a declaração produzida em sede de documento particular – in casu no acto de venda – pela A e pelos RR não é garantia de que o facto declarado corresponda exactamente à verdade. Ocorre que o negócio foi efectivamente germinado na Imoprates - Sociedade de Mediação Imobiliária Lda, nesta tiveram lugar reuniões referentes à moradia nomeadamente em razão das patologias, aliás, local único a que se dirigiu o marido da A para o efeito.

47ª Por conseguinte, houve intervenção de mediador imobiliário. E se o critério para enquadrar o 1º R na qualidade de vendedor imobiliário fosse esse, então, a sentença estaria refém do erro de julgamento.

48ª No caso vertente é aplicável o regime consagrado pelo D.L 67/2003, de 8 de Abril, na versão que lhe foi dada pelo D.L nº 84/2008, de 21 de Maio, vigente à época.

49ª E isto por duas razões: em primeiro lugar de forma directa, imediata, (dada a inexistência de qualquer controvérsia) por força da ineficácia da contestação deduzida

50ª E, em segundo lugar, por estarem preenchidos todos os requisitos objectivos e subjectivos de que depende a sua aplicação. De facto, ainda que fosse atendível a contestação, que de todo terá de ser abjurada, os RR confessaram, expressa e desenvolvidamente, o seguinte facto:

“(…) o 1º R trabalhar – e até, por ser verdade, ser o sócio da sobredita sociedade de mediação imobiliária – actuou, tal, como a sua mulher e aqui 2ª R, nas suas qualidades únicas qualidades de proprietário do imóvel”

51ª Ou seja: não questionaram a condição de vendedor profissional de imóveis do 1º R, apenas procuram despir-lhe a respectiva camisola com o que a si chamaram a devida prova, que sequer esboçaram fazer. Logo, não tendo ficado demostrado que o 1º R actuou, no momento da venda, despojado da sua condição de vendedor profissional de imóveis, necessariamente tem de haver-se por provado ser o 1º R vendedor profissional de imóveis e que assim actuou.

52ª Sequer houve a preocupação por banda do 1º R de fazer consignar, na escritura de compra e venda, que agia destituído da sua condição de vendedor profissional do ramo imobiliário, pelo que forçoso é concluir que o 1º R, no âmbito da sua actividade profissional, vendeu à A um bem de consumo.

53ª De modo que à luz do que dispõe o art.º 1º-B, do D. L nº 84/2008, de 21 de Maio, é imperativo concluir ser a Autora uma consumidora; a moradia, objecto de venda, um bem de consumo, e o 1º R um vendedor – v respectivamente alíneas a), b), e c).do mencionado supra comando normativo.

54ª A douta sentença fez, pois, violação do disposto nos artigos 48º, nº 1, 620º, nº 1, 625º, nº1, 423º, todos do Cód. de Processo Civil, 342º, n.ºs 1 e 2, 349º, 352º, todos do Cód. Civil e, ainda, dos artigos 1º-A nº 1, 1º-B a), b), e c), 2º, nºs 1 e 5, 3º, nº 2 e 4º, nº1, todos do D.L nº 84/2008, de 21 de Maio.

Terminou pedindo que a sentença seja revogada e “por via de consequência, decretada a resolução do contrato de compra e venda, com as legais consequências nomeadamente restituição dos valores despendidos com e por causa da aquisição, e, ainda, a condenação dos RR no pagamento da indemnização quantificada em € 25.000,00”.

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Não foram apresentadas contra-alegações.

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II. Objecto do Recurso

Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), não sendo o recurso meio para obter decisões novas, no caso, importa apreciar e decidir:

- da regularidade do Mandato conferido pelos Réus;

- da pretensão recursiva respeitante à decisão que admitiu documentos em audiência final;

- da irregularidade da data constante na sentença;

- da impugnação da matéria de facto;

- se deve o contrato de compra e venda entre as partes celebrado ser declarado resolvido e determinada a restituição à Autora das quantias peticionadas;

- subsidiariamente, se deve ser reduzido o preço acordado.

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III. Fundamentação

III.1. O Tribunal Recorrido considerou assentes, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:

1. No dia 16 de setembro de 2019, BB, marido da autora, acompanhado do 1º réu, visitou o prédio urbano, sito na Rua …, freguesia e concelho de Vendas Novas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vendas Novas, sob o número …, e inscrito na matriz urbana respetiva sob o artigo ….

2. Tendo, na ocasião, BB feito registos fotográficos do referido imóvel (interiores e exterior), designadamente cozinha, sala e quartos.

3. Divisões se encontravam pintadas e aparentemente bem cuidadas, sem fungos ou bolores.

4. No dia 10 de outubro de 2019, o 1º réu informou BB que a casa estava disponível.

5. Tendo sido celebrado entre os réus e BB o seguinte acordo escrito, assinado por ambos:

“CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA ENTRE

CC, natural da freguesia de …, Concelho do Évora, NIF …, portador do Cartão de Cidadão nº …, emitido pela República Portuguesa e válido até …/06/2029, casado sob o regime de comunhão de adquiridos com DD, natural de …, Concelho de Silves, NIF …, portadora do Cartão de Cidadão nºs …, emitido pela República Portuguesa e válido ate …/01/2020, residentes habitualmente na Avenida …, Vendas Novas adiante designados por Primeiros Outorgantes e Promitentes Vendedores.

BB, natural de …, ltália, NIF …, portador da Carteira de ldentidade nº …, emitida pela República ltaliana e válida até …/2027, casado sob o regime de separação de bens com AA, residentes habitualmente na Rua …, Vimieiro, adiante designado por segundo outorgante e promitente comprador.

É celebrado de boa fé o presente Contrato de Compra e Venda, que ambas as partes aceitam e reciprocamente se obrigam a cumprir, o qual se rege pelo conteúdo das cláusulas seguintes e no que for omisso pela legislação aplicável:

CLÁUSULA 1ª

Os Primeiros Outorgantes enquanto únicos proprietários e legítimos possuidores do prédio sito …, Vendas Novas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vendas Novas, sob o número …, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da mencionada freguesia sob o Artigo …, com a Licença de Utilização n.º … emitida pela Câmara Municipal de Vendas Novas, em …/06/2018 e com o Certificado energético nº …, válido até ../06/2028.

CLÁUSULA 2ª

Os Primeiros Outorgantes, nas respetivas qualidades de únicos proprietários, prometem vender ao segundo outorgante ou a quem por ele for indicado, que promete comprar, o prédio supra identificado, livre de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço de 73.500,00 euros (setenta e três mil e quinhentos euros).

CLÁUSULA 3ª

O pagamento do referido preço na cláusula anterior será feito da seguinte forma:

a) 10 % do valor ou seja 7.350,00 (sete mil, trezentos e cinquenta euros), serão pagos através de transferência bancária da conta do Segundo Outorgante com o IBAN PT50 … no BPI para a conta dos Primeiros Outorgantes, com o IBAN PT50 … no Santander Totta, no ato da assinatura do presente contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, quantia essa que os Primeiros Outorgantes neste ato recebem e da qual dão a respetiva quitação.

b) Os Restantes 66.150,00 Euros (Sessenta e seis mil, cento e cinquenta Euros) serão pagos, no ato da celebração da escritura/ documento particular autenticado de compra e venda. CLÁUSULA 4ª

1. A escritura (ou documento particular autenticado) de compra e venda deverá ser marcada pelo Segundo Outorgante, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da assinatura do presente contrato.

2. A data atrás fixada poderá ser prorrogada, mediante acordo escrito entre as partes, por um período máximo de sessenta dias, se nisso houver interesse, sob pena de resolução do contrato.

3. O Segundo Outorgante deverá avisar os Primeiros Outorgantes da hora, dia e local da mencionada escritura/ documento particular autenticado de compra e venda, através de carta registada com aviso de receção ou por qualquer outro meio que considerem idóneo (fax ou email), com a antecedência mínima de 15 dias.

4. compete aos Primeiros outorgantes a organização e entrega ao segundo Outorgante, de toda a documentação necessária à celebração do contrato definitivo, designadamente a entrega da certidão do registo predial, caderneta predial urbana, certificado energético e licença de utilização.

5. São por conta do Segundo Outorgante todas as despesas inerentes à qualidade de adquirente, designadamente, escritura/ documento particular autenticado de compra e venda, registos provisórios e definitivos, IMT e lmposto de selo.

CLÁUSULA 5ª

1. Em caso de incumprimento do presente contrato, por causa comprovadamente imputável ao Segundo Outorgante, os Primeiros Outorgantes poderão fazer suas as quantias recebidas, no total de 7.350,00 Euros (Sete mil, trezentos e cinquenta Euros).

2. Em caso de incumprimento do presente contrato, por causa comprovadamente imputável aos Primeiros outorgantes, o segundo outorgante poderá optar entre a restituição em dobro das quantias entretanto pagas ou a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830s do código civil e demais legislação complementar.

3. A tradição da referida fração será feita no ato da celebração da escritura/documento particular autenticado de compra e venda.

CLAUSULA 6ª

Este contrato-promessa constitui o integral acordo celebrado entre as partes, só podendo ser modificado por documento escrito e assinado por ambas.

CLÁUSULA 7ª

Para todos os efeitos legais e contratuais, as partes outorgantes declaram que têm a sua residência nas moradas acima mencionadas e por si indicadas, e em caso de alteração na vigência do presente contrato, devem ser comunicadas por escrito, através de carta registada com avisão de receção, à contraparte.

CLÁUSULA 8ª

1.Todas as notificações que venham a ser necessárias fazer na vigência do presente contrato, serão feitas para as moradas supra indicadas.

2. O envio de carta registada com aviso de receção para a morada do "Promitente-Comprador" ou para a dos "Promitentes-Vendedores" será prova bastante para demonstrar que se efetuou qualquer notificação, ou seja, se realizou a interpelação daquela para a realização da escritura/ documento particular autenticado de compra e venda, sendo este o caso.

CLÁUSULA 9ª

Para a resolução de qualquer litígio eventualmente decorrente do presente contrato e que as partes não consigam resolver por mútuo acordo, fica desde já convencionado, com exclusão de qualquer outro, o foro da comarca de Montemor-o-Novo.

O presente contrato é feito em duplicado, ambos com valor de original, os quais vão ser assinados pelos Outorgantes, ficando um exemplar em poder de cada uma das partes. Pegões, 10 de Outubro de 2019

6. A quantia de € 7.350.00 referida em 5. foi entregue aos réus.

7. No dia 28.11.2019, no Cartório Notarial de …, CC e DD declararam vender a AA, que declarou comprar, pelo preço de 73.500,00€, já recebido, o prédio urbano sito na Rua …, freguesia e concelho de Vendas Novas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vendas Novas sob o número …, inscrito na matriz urbana respetiva sob o art. …, mais declarando que não houve intervenção de mediador imobiliário no ato.

8. Em 13.03.2020 a autora passou a habitar o referido imóvel.

9. No início de junho de 2020, o imóvel apresentava um cheiro persistente a mofo, nos quartos, e o descolamento de tinta na sala.

10. O que a autora comunicou ao 1.º réu, solicitando-lhe, em 20.06.2020, uma vistoria ao imóvel a fim de o mesmo se inteirar e solucionar os problemas de bolores surgidos.

11. O 1.º réu mandatou … para comparecer no imóvel, o que sucedeu no dia 24.06.2020.

12. No dia 25.06.2020 a autora enviou um “mail” ao 1º réu pedindo-lhe uma reunião.

13. O 1.º réu compareceu em tal reunião, afirmando não estar disposto a pagar por nenhum trabalho.

14. Em 14.07.2020 a autora enviou ao 1º réu um relatório elaborado por “Murprotec”, descrevendo os vícios detectados, sua origem e solução, e, posteriormente, convocou-o para uma nova reunião em que esteve presente um técnico da dita Murprotec, que expôs o que consta do acima referido relatório.

15. Posteriormente, o 1º réu informou que o seu filho havia falado com um professor da Universidade de Évora que lhe tinha apresentado uma solução diferente: efetuar uma escavação perimetral da casa, para a isolar através duma parede em concreto.

16. Afirmando, contudo, que não suportaria o custo de tal obra.

17. O imóvel apresenta os seguintes problemas:

- Bolores/fungos por existência de condensações resultante de falta de ventilação/arejamento da habitação constatando-se diferenciais térmicos elevados entre zonas interiores e exteriores, designadamente junto às janelas, devido aos materiais, nomeadamente ausência de pedra nos vãos das janelas, qualidade dos alumínios e vidros;

- Salitres em algumas áreas da habitação e deficiente tratamento de alguns suportes (zonas de paredes).

18. O que ocorre nos dois quartos, na sala, na casa de banho e no corredor, incluindo a zona de acesso

19. Tal resulta da conjugação de vários fatores:

- Das diferenças térmicas existentes nos materiais, eventualmente, por não terem sido executadas as devidas correções das mencionadas pontes térmicas, na origem da construção;

- A microfissuração existente no reboco exterior permite o aumento e transferência da humidade dos materiais, colaborando no crescimento dos fungos;

- A pintura interior com tinta sem as características técnicas adequadas para o efeito poderá também acelerar o desenvolvimento de fungos;

- A falta de ventilação adequada, que provoca problemas de condensação.

20. O que poderá ser solucionado mediante ou a instalação de uma barreira de impermeabilização, ou através aplicação de revestimentos com rebocos de drenagem (o que implicaria que em todas as paredes onde não foi aplicado o gesso cartonado, e cujo custo ascenderá a cerca de 3.382,50€) ou mediante a injeção de um produto hidrófugo.

21. O imóvel exala odor a bolor, o que o torna inabitável.

22. Quando adquiriu o imóvel supra identificado, a autora não conhecia os vícios supra descritos.

23. A existência de bolores e fungos é prejudicial à saúde, podendo causar problemas respiratórios.

24. Depois da compra, a autora adquiriu móveis, equipamentos e utensílios para o imóvel.

25. A autora sente-se enganada e frustrada pelos réus, porquanto está privada de fruir do imóvel no qual contava habitar.

26. Com a aquisição do imóvel, a autora despendeu, além do respetivo preço: - imposto de selo, no montante de € 588,00;

- preparos para o registo, € 225,00;

- custo da escritura, certidão e serviços do notário € 320,92.

27. Em maio de 2020, o marido da autora adquiriu e montou na sala do imóvel uma salamandra.

28. Em data anterior a 16.09.2019, o imóvel supra identificado foi objeto de obras a mando do 1.º réu, designadamente a colocação, nalgumas paredes, de placas de gesso cartonado hidrofugado.

***

III.2. O Tribunal Recorrido considerou que não resultaram provados, com relevo para a decisão da causa:

A. Em setembro de 2019, na “Imoprates – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, a autora, manifestou interesse na aquisição do imóvel melhor descrito em 1..

B. A autora esteve presente na visita referida em 1..

C. Foi a autora quem procedeu à entrega aos autores da quantia referida em 6..

D. O 1º réu dedica-se à comercialização de imóveis (intermediando na compra e venda de andares, moradias, lojas, e outras instalações, lotes, quintas, montes e herdades), na “Imoprates – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”

E. Na data referida em 7., foi ainda celebrado entre a autora e seu marido um contrato de comodato tendo por objeto esse mesmo imóvel, pelo prazo de dez anos.

F. As obras referidas em 28. tiveram o propósito de esconder a humidade existente nas paredes.

G. Interpelados, pela autora, por carta registada, que receberam aos os 15.09.2020, em ordem à anulação da compra e venda, os réus nada disseram.

H. Aquando da respetiva venda à autora, os réus conheciam os problemas de humidade e bolores no mesmo existentes.

I. Para além do referido em 25., a autora sente-se humilhada.

J. O valor do imóvel, face ao estado em que o mesmo se encontra descrito nos factos provados, é de 40.000,00 €.

K. Na origem dos problemas descritos em 17.º e 18. esteve a utilização da salamandra referida em 27.

*

III. 3. De Direito.

III.3.1. Da regularidade do mandato conferido pelos Réus.

A Apelante entende que não tendo os Réus junto procuração com o articulado de contestação, e tendo procedido à junção da mesma sem ratificação do processado, a consequência jurídica a extrair consiste exatamente no desentranhamento da contestação.

Relativamente à questão em apreço, importa atender aos seguintes factos que resultam da tramitação processual e que aqui se reproduzem para melhor elucidação e esclarecimento da questão a decidir:

- Os Réus juntaram o articulado de contestação em 05.01.2021, tendo em tal articulado protestado juntar procuração;

- Por despacho de 02.03.2021, sob a referência 30332845 foram os Réus notificados para, em 10 dias, apresentar procuração em falta, com ratificação do processado, se necessário;

- Em 22.04.2021 os Réus requereram prazo não inferior a 5 dias para a apresentação da procuração;

- Por despacho de 27.04.2021, sob a referência 30538906 foram os Réus notificados do deferimento da prorrogação do prazo;

- Em 16.06.2021 sob as referências 30660264 e 30727763 os Réus, directamente, e também através do seu mandatário, foram notificados da renovação do despacho que lhes determinava a apresentação da procuração e a ratificação do processado sob pena do desentranhamento da contestação, e, bem como da advertência seguinte: “incorrendo a parte e o Il subscritor da contestação nas sanções legais para o efeito previstas, e bem assim condenados em multa processual não inferior ao montante de 2UC”

- Por requerimento de 17.06.2021 os Réus requereram a junção de procuração, datada de 15.12.2020;

- Em 16.07.2021 foram os Réus notificados do despacho que, incidindo sobre o requerimento com a referência 2959313, determinou: “fique nos autos a procuração apresentada, mostrando-se regularizado o mandato”.

Vistas as circunstâncias acabadas de citar, logo se vê que não assiste razão à Autora neste ponto.

Dispõe o artigo 40º, nº 1, al. a) do Código de Processo Civil que é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário.

No caso, a constituição de mandatário era obrigatória, atento o valor da causa (superior a €5.000,00) e o disposto nos arts. 44º, nº 1, da LOSJ, e 629º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Estabelece o artigo 41º do Código de Processo Civil que “se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa”.

Por seu turno, o artigo 48º do mesmo diploma estatui que “1 – A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal. 2 – O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respetivas, e se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa. …”.

Da leitura conjugada destes dispositivos legais resulta que, atuando a parte sem constituir mandatário, deve o tribunal recorrido notificá-la para o fazer, sob pena de ficar sem efeito a defesa, se como no caso dos autos, a falta respeitar ao réu.

Sendo a peça processual subscrita por mandatário, sem que a procuração seja junta, só a própria parte pode suprir a insuficiência ou a irregularidade do mandato, devendo, para o efeito, ser notificada nos termos do art. 48º, bem como deve ser notificado o advogado subscritor daquela, atentas as cominações do nº 2 do referido artigo.

Se não for junta a procuração forense e se se protestar juntá-la, deve o tribunal, notificar o advogado subscritor da peça processual para a juntar, nos termos do nº 2 do artigo 48º; por outro lado, é à parte, enquanto mandante, que cumprirá suprir a falta de procuração ou ratificar o processado.

Assim, se o advogado não juntar aos autos a procuração, tudo se passa como se não houvesse mandato, devendo o tribunal notificar a parte para juntar a procuração e ratificar o processado - a parte tem, sempre, de ser notificada, sob pena de nulidade, com relevância no exame e decisão da causa – artigo195º do Código de Processo Civil.

Ora, no caso dos autos, o Tribunal Recorrido procedeu à notificação, primeiro do Ilustre Mandatário dos Réus, depois destes últimos, para juntarem a procuração em falta, e ratificarem o processado caso tal se revelasse necessário, na sequência do que veio a ser junta procuração com data anterior à da contestação.

Ora, como é sabido, ratificação do processado é de dispensar quando se demonstre, pelo conteúdo da procuração, que foi subscrita em data anterior à da apresentação da peça.[1]

Bem andou, pois, o Tribunal Recorrido ao considerar regularizado o processado na sequência da junção da procuração com data anterior à da primeira intervenção dos Réus (através do respetivo Ilustre Mandatário).

Por consequência, improcede o recurso neste ponto.

***

III.3.2. Da junção de documentos na data da audiência de julgamento.

Arguem os Apelantes que por acarretar notória violação da lei, a admissão dos documentos em sede de audiência de julgamento é ilegal, pois o legislador pretendeu evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de documentos, com as consequências negativas materializadas, designadamente, no arrastamento ou protelamento das audiências, impondo às partes uma maior transparência e cooperação processual na concretização das suas estratégias probatórias. Logo, ocorreu violação da lei, pelo que os referidos documentos devem ser desentranhados dos autos.

Vejamos.

Da ata da audiência de julgamento de 16.05.2022 consta, quanto aos referidos documentos, o seguinte:

“(…)Após, pelo Ilustre Mandatário dos Réus foi pedida a palavra e, sendo-lhe concedida, no uso da mesma, fez requerimento, o qual foi gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, entre as 09h47m45 e as 09h48m22, e transcrito na ata da forma como segue:

"Os Réus CC e DD vêm requer muito respeitosamente a V. Ex.ª se digne a admitir os documentos protestados juntar em sede de contestação, encontrando-se munido de um exemplar para o Ilustre Mandatário da Autora, um exemplar para o Tribunal, requerendo a sua admissão neste momento".

Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da Autora, pelo mesmo foi dito "nada ter a opor nem a requerer quanto à apresentação dos documentos agora oferecidos e prescindir do prazo de vista", o que ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, entre as 09h49m55 e as 09h50m12.

*

Seguidamente, a Mm.ª Juíza de Direito proferiu o seguinte despacho, o qual foi gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, entre as 09h50m14 e as 09h51m04, e transcrito na ata da seguinte forma:

DESPACHO

"Admite-se a junção aos autos dos documentos ora apresentados pelos Réus, condenando-se, no entanto, os mesmos em multa processual, na medida em que não obstante terem sido protestados juntar, não alegaram os Réus qualquer causa de impossibilidade para junção no momento oportuno, legalmente previsto para o efeito, fixando-se a multa processual em 1 UC.

Notifique" (…)”.

Ora, o requerimento de interposição de recurso em apreço foi remetido aos autos em 26.08.2022.

Sucede que a al. d) do nº 2 do artigo 644º do Código de Processo Civil viabiliza recurso autónomo nas situações em que, por decisão interlocutória, surge a controvérsia entre produzir ou não produzir determinado meio de prova, recurso esse a interpor no prazo de quinze dias contado da notificação da decisão - que no caso, coincide com a data da realização da audiência - em conformidade com o disposto no artigo 638º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

O legislador não quis que, nestas situações, o julgamento da matéria de facto se realizasse necessariamente sem estabilização dos meios de prova atendíveis, justificando-se, na medida do possível, a oportunidade da sua regularização.

Não se trata, pois, de decisão a ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto da decisão final, nos termos do nº 3 do artigo 644º do Código de Processo Civil.

Não resultando dos autos que tivesse sido interposto recurso autónomo de apelação nos termos do nº 2, d) do artigo 644º do CPC, o despacho que admitiu os documentos transitou em julgado passando a ter força obrigatória dentro do processo, consoante dispõe o nº 1 do artigo 620º do CPC.

Sempre se dirá que se sufraga o despacho proferido em audiência, pelos fundamentos do mesmo constantes e o de 10.01.2023, que, no que respeita a este ponto, é do seguinte teor:

“(…)No tocante à alegação de que a junção dos documentos por parte dos Réus, em momento posterior a terem sido advertidos das consequências da sua não junção e após condenação em multa, não deveria ter sido admitida em sede de audiência de discussão e julgamento, sempre se dirá que garantem os autos – acta da audiência de 16.05.2022 – Referência Citius n.º 31801267 – que a Autora, devidamente representada pelo S/ Ilustre Mandatário se pronunciou no sentido de "nada ter a opor nem a requerer quanto à apresentação dos documentos agora oferecidos e prescindir do prazo de vista".

Na sequência do que, e sem qualquer oposição da Autora, foram os mesmos admitidos e os Réus condenados em multa.

Consignando-se que a circunstância de não terem ainda sido pagas as multas a que os Réus foram condenados, todas elas, se deve ao facto de ainda não ter sido efectuada a conta do processo, pelo que, em sede própria, a final, entrarão nos valores a pagar por aqueles sujeitos processuais, nada obviando a que os aludidos documentos fossem admitidos – sem oposição da Autora, como expressamente alega e se demonstra pela consulta dos autos.

Em face do exposto, afigura-se que não ocorre qualquer violação da lei, conforme alegado e a Autora, querendo, poder-se-ia ter oposto à referida junção.(…)”

Não há, pois, nesta parte, nada a alterar. *

III.3.2. Da data constante da sentença.

Os Apelantes invocam a circunstância de a sentença se encontrar datada de 09.05.2022, quando é certo que a audiência de julgamento apenas teve lugar em 16.05.2022, referindo que “compreensivelmente, a inquietude está instalada.”

Basta, porém, compulsar o sistema informático para rapidamente se compreender que a sentença foi efetivamente assinada pela Mma. Juiz que a subscreveu em 09.06.2022.

A questão foi, de resto, adequadamente enfrentada pelo Tribunal Recorrido quando sobre ela se debruçou no despacho de 10.01.2023, no qual se referiu:

“(…)é manifesto que se trata de lapso, tanto mais que consta a data correcta da assinatura electrónica, devidamente certificada no Citius, a qual prevalece, nada havendo, por manifestamente inútil, a determinar. (…)”

Assim, e considerando a circunstância de os Apelantes nenhuma consequência extraírem da questão que colocam, nada há, a este respeito, efetivamente, a determinar.

*

III.3.3. Da impugnação da matéria de facto.

Os Apelantes insurgem-se contra a circunstância de o Tribunal Recorrido no ponto 19 dos factos assentes, na parte que se reporta às causas das patologias, ignorar “incompreensivelmente, todas as demais causas estruturais, resultantes do modo de construção; da microfissuração do reboco que permite o aumento e transferência da humidade nos materiais contribuindo no crescimento dos fungos; da pintura interior com tinta sem as características técnicas adequadas para o efeito podendo, assim, apressar o desenvolvimento de fungos” centrando-se “a sentença recorrida unicamente na falta de ventilação adequada, que provoca problemas de condensação, para, torticeiramente, desresponsabilizar os RR” enão obstante a referida matéria resultar provada a partir do relatório da perita, a sentença não explicitar o motivo por que desprezou o contributo das causas estruturais, e selecionou unicamente a falta de ventilação adequada quanto é certo que não é isso que resulta do relatório da perita.”.

Insurgem-se ainda contra a inclusão dos factos referidos nos pontos A, B, D, F, H e I entre os não provados.

Recordemos os factos impugnados:

“(…)19. Tal resulta da conjugação de vários fatores:

- Das diferenças térmicas existentes nos materiais, eventualmente, por não terem sido executadas as devidas correções das mencionadas pontes térmicas, na origem da construção;

- A microfissuração existente no reboco exterior permite o aumento e transferência da humidade dos materiais, colaborando no crescimento dos fungos;

- A pintura interior com tinta sem as características técnicas adequadas para o efeito poderá também acelerar o desenvolvimento de fungos;

- A falta de ventilação adequada, que provoca problemas de condensação.(…)”

*

A. Em setembro de 2019, na “Imoprates – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.”, a autora, manifestou interesse na aquisição do imóvel melhor descrito em 1..

B. A autora esteve presente na visita referida em 1.. (…)

D. O 1º réu dedica-se à comercialização de imóveis (intermediando na compra e venda de andares, moradias, lojas, e outras instalações, lotes, quintas, montes e herdades), na “Imoprates – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.” (…)

F. As obras referidas em 28. tiveram o propósito de esconder a humidade existente nas paredes.

H. Aquando da respetiva venda à autora, os réus conheciam os problemas de humidade e bolores no mesmo existentes.

I. Para além do referido em 25., a autora sente-se humilhada.(…)”

O objeto do conhecimento do Tribunal da Relação em matéria de facto é conformado pelas alegações e conclusões do recorrente – este tem, não só a faculdade, mas também o ónus de no requerimento de interposição de recurso e respetivas conclusões, delimitar o objeto inicial da apelação – cf. artigos 635º, 639º e 640º do Código de Processo Civil.

Assim, sendo a decisão do tribunal «a quo» o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo artigo 640º citado, a Relação, como tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia, de acordo com os princípios da livre apreciação (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), reponderar as questões de facto em discussão e expressar o resultado que obtiver: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.

Por se encontrarem, no caso dos autos, minimamente preenchidos os pressupostos do artigo 640.º do Código de Processo Civil nas alegações de recurso dos Recorrentes, passamos à apreciação da referida impugnação.

Procedeu-se à audição integral da prova produzida em audiência de julgamento e gravada bem como à respetiva confrontação com a prova documental constante dos autos.

E da concatenação de todos esses meios de prova, não pode discordar-se do juízo probatório realizado nestes pontos pelo Tribunal recorrido.

Vejamos porquê.

No que respeita ao artigo 19º dos factos provados, afigura-se que o que a Apelante, pese embora a circunstância de fazer referência ao relatório da perícia realizada, em rigor não se insurge contra o facto provado, mas antes com a interpretação do mesmo que o Tribunal fez na apreciação jurídica da causa.

Na verdade, como resulta da simples leitura do facto provado, conclui-se que para além da falta da falta de ventilação, surgem ali referidas como causa dos problemas referidos no ponto 17º dos factos provados, precisamente aquelas a que o relatório pericial faz referência, na passagem que se reproduz:

“(…)O problema visualizado resultará da eventual conjugação de vários fatores:

-Das diferenças térmicas existentes nos materiais, eventualmente, por não terem sido executadas as devidas correções das mencionadas pontes térmicas, na origem da construção;

- A microfissuração existente no reboco exterior permite o aumento e transferência da humidade dos materiais, colaborando no crescimento dos fungos;

- A pintura interior com tinta sem as características técnicas adequadas para o efeito poderá também acelerar o desenvolvimento de fungos;

- A falta de ventilação adequada, que provoca problemas de condensação.(…)”

Assim, constando todas estas circunstâncias do ponto 19 dos factos provados, nada mais requerendo a Apelante a este respeito, e não tendo o relatório pericial sido contrariado por qualquer meio de prova, sendo certo que a própria Apelante não o invoca, improcede, neste ponto a impugnação de facto.

*

No que concerne aos pontos A e B dos factos não provados, entende a Apelante que os mesmos devem considerar-se confessados porque expressamente aceites na contestação.

Mas não lhe assiste razão.

Na verdade, o os Réus apenas aceitaram parcialmente na contestação o constante nos artigos 1º e 2º da petição inicial, referindo naquele articulado:

9.º

“(…) Aceita-se, parcialmente, o vertido nos Arts. 1.º e 2.º da P.I. em contestação, posto que os RR. nunca tiveram qualquer contacto, presencial ou telefonicamente, com a A., até ao momento da outorga E.P.C.V.,

10.º

Tendo sido com o marido da A. com quem os RR. acertaram os termos e condições do negócio de compra e venda em questão.

11.º

Tanto assim aconteceu, que, inclusive e como referido, o Contrato de Promessa de Compra e Venda foi celebrado entre os RR. e o referido senhor, e, nunca, com a A., Cfr. Doc. n.º 1,

12.º

Pelo que é falso que a A., em Setembro de 2019 e independentemente do dia do mês que entenda por bem indicar, tenha estado com os RR. na IMOPRATES - Sociedade de Mediação Imobiliária, Ld.ª, ou, sequer, no imóvel que constitui objecto dos autos.(…)”

Dessa forma, só na medida do parcialmente aceite pode considerar-se confessada a matéria articulada nos artigos 1º e 2º da petição inicial, o que consta dos artigos 1º a 6º da petição inicial, não relevando aqui as considerações que o Tribunal Recorrido tenha feito acerca dos meios de prova, designadamente do requerido depoimento de parte, que poderiam ter sido impugnadas em devido tempo.

Note-se que o próprio marido da Autora esclareceu em audiência que foi ele quem tratou de tudo, referindo que a esposa estava presente quando a casa começou a apresentar problemas, o que foi confirmado pelo ora Réu, que declarou em audiência que apenas conheceu a Autora na véspera da escritura, tudo tendo sido acordado com o marido da Autora.

Nada tendo a demais prova produzida em audiência acrescentado a este respeito, importa concluir pela improcedência da impugnação, também, nesta parte.

*

No que concerne à alínea D. dos factos não provados, importa referir que tendo tal facto sido expressamente impugnado na contestação, certo é que, como se referiu na sentença recorrida, “a única prova reside nas declarações de parte do 1.º réu, que nega tal facto, apenas assumindo que, por vezes, auxilia o seu filho na referida imobiliária o que é insuficiente para dar como provado o facto em questão, tanto mais que, no contrato em apreço, conforme resulta da factualidade provada, ambos os outorgantes afirmaram não ter havido a intervenção de mediador imobiliário”.

De notar que o facto de o Réu prestar colaboração ou serviços numa sociedade dotada de licença de mediação imobiliária, ao que declarou por causa de um problema de saúde do filho, que é quem costuma trabalhar na mediadora, ou até de ser sócio da mesma, como o mesmo admitiu, não permite extrair a conclusão de que o mesmo se dedica à comercialização de imóveis, intermediando na compra e venda de andares, moradias, lojas, e outras instalações, lotes, quintas, montes e herdades e muito menos que tenha transacionado o imóvel em questão no âmbito de tal atividade.

Esclareceu o Réu em audiência que sempre apresentou a casa em causa como sendo sua, e não para ser vendida através da imobiliária.

Improcede, pois, também neste ponto, a apelação.

*

Quanto às alíneas F. e H. dos factos não provados, a Apelante invoca o relatório pericial e o facto vertido no ponto 28 dos factos assentes para concluir de tais elementos resulta o que se considerou não provado nas citadas alíneas.

Porém, como se assinalou na sentença recorrida, “o único facto provado é a aplicação de tais placas e dai não se pode, sem mais, extrair qual tenha sido o propósito que presidiu a tal aplicação e que os réus conhecessem os problemas de humidade e bolores que vieram a surgir posteriormente, tanto mais que tais problemas surgiram também noutros locais do imóvel meses após a venda”, locais onde não foram aplicadas tais placas “e para tal também terá contribuído a atuação da autora, conforme facto 19.”

Na verdade, perante as conclusões vertidas no relatório pericial de que:

“o que se visualiza nas paredes que as fotografias1,2,4 e 6 são fungos/bolores originados por condensação e falta de ventilação daqueles compartimentos. A casa está aquecida em alguns períodos, o que é normal, mas tem de ser arejada para que haja ventilação e não se criem condensações. E do que também foi possível perceber na vistoria a habitação está alguns períodos sem ser habitada, não sendo abertas as janelas e criada a circulação de ar. E quando está habitada não se sabe se é efetuada esta devida ventilação natural. De acrescer que as manchas de fungos/bolores que se vêm junto às janelas destes quartos, como mostram as fotografias 5 e 6 não vão desaparecer com a simples ventilação/arejamento, apesar de diminuir a patologia, isto porque esta zona é de grande diferencial térmico, uma vez que as janelas são constituídas por perfis de alumínio e vidro simples, não existe pedra nos vãos das janelas, ou seja são zonas de pontes térmicas não tratadas fazendo com que o diferencial de temperatura entre o interior e o exterior seja elevado e tenha consequências como fungos e bolores, devendo logo ser limpos quando aparecem pois desenvolvem-se nos ambiente húmidos e não ventilados.

lmporta ainda referir que existe outra patologia junto a estas janelas, tanto na parte interior como na parte exterior do vão que são os salitres das paredes originais e que mostra a fotografia 5. Também na parede da zona de entrada se identifica já o "descasque" da parede original com salitre conforme fotografia 14. Esta patologia não desaparece com a simples limpeza.”

Estas considerações não permitem concluir que os Réus conhecessem qualquer patologia preexistente, ou que as tivessem pretendido esconder.

Note-se que das declarações do marido da Autora resulta que entre junho de 2019 e março de 2020 a casa terá estado desabitada, primeiro por virtude de uma deslocação da Autora e do marido a Itália, depois porque quando voltaram tiveram de adquirir móveis e o colchão da cama para dormirem só chegou em maio de 2020, tendo o casal continuado a residir na caravana que possuem.

Também a testemunha … que fez as obras no imóvel referiu que esteve no imóvel três semanas em junho de 2019 e depois em março de 2020 e nunca viu bolores na casa, encontrando-se em pleno estado de conservação, antes depois das obras, esclarecendo que as mesmas foram realizadas porque o Réu queria a casa para o filho, e queria, por isso, modernizar a mesma, pelo que sugeriu a colocação de “pladur”, atribuindo os bolores e as humidades a falta de arejamento posterior a março de 2020.

Importa ainda salientar o depoimento da testemunha …, arquiteto de profissão que trabalhou na casa em 2018, ao serviço dos proprietários anteriores aos Réus, e tratou da legalização de parte da mesma, referiu que estava no seu estado de origem, em reboco, mas não se encontravam visíveis vestígios de bolor.

Do mesmo modo, a testemunha …, engenheiro civil e perito de certificação energética referiu que foi ao local em abril 2018 para fazer tal certificação, referiu lembrar-se bem da casa, que estava vazia, e não viu qualquer vestígio de bolor ou humidade.

Improcede, pois, neste ponto, a impugnação.

*

Finalmente, no que concerne à alínea I. dos factos provados, a discordância da Autora centra-se na dificuldade em compreender a circunstância de a sentença ter dado como provado a sensação de “enganada” e de “frustrada” e ter negado a sensação de “humilhada” “quanto é certo que se trata de sentimentos negativos próximos, consentâneos e não contraditórios. A isto acresce que, em lugar do silêncio a que se remeteu, impunha-se, porventura de modo acrescido, a necessidade da devida fundamentação uma vez que considerou provados dois estados de espírito e negou o terceiro sendo certo que se trata de factos alegados em bloco, e por ser insuficiente a remessa para a fórmula vaga e genérica de não provado”.

Uma vez mais, não assiste razão à Autora, pois que o sentimento de humilhação em comum com os de engano e frustração apenas tem a circunstância de ser também negativo, tratando-se, porém, de sentimento que, diversamente dos outros, implica a sensação de diminuição do valor de uma pessoa, de rebaixamento, ofensa na dignidade ou na honra, vergonha.

E não é verdade que o Tribunal Recorrido tenha omitido a fundamentação da sua decisão quanto a este feito, pois na sua motivação referiu desde logo que a mesma se prendia com a falta de prova de tal facto, o que também sucedia com os factos C, E, G e J.

E não indicou a Apelante um único meio de prova que permitisse concluir que se verifica um sentimento de humilhação, nem ele resulta da prova produzida.

Razão pela qual naufraga, também, neste ponto, a pretensão recursiva.

Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto, pelo que é com base nos factos considerados pelo Tribunal Recorrido que cabe apreciar se procede a pretensão da Autora.

É o que faremos de seguida.

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III.3.4. De direito.

O pedido formulado pela ora Apelante tem em vista a responsabilização dos Réus vendedores pelo que considera serem os defeitos detetados do imóvel que lhes adquiriu, pedindo a resolução do contrato, baseada em erro (por banda da compradora), e em dolo pelo lado dos vendedores, e consequentemente, a condenação dos Réus na restituição à Autora do montante de € 99.633,92, acrescido juros de mora desde a data de citação até efetivo e integral cumprimento, ou, subsidiariamente, a redução do preço no montante de € 35.000,00, tudo nos termos do regime jurídico da defesa do consumidor (D.L.67/2003, de 8 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 1999/44 CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio) com as alterações que lhe foram introduzidas pelo D.L 84/2008, de 21 de Maio) – designadamente no disposto nos artigos 2º e 3º do Dec. Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.

E resulta da factualidade provada, que efetivamente, Autora e Réus celebraram, em 28.11.2019, um contrato de compra e venda, nos termos do qual a autora adquiriu aos réus, pelo preço de 73.500,00€, o prédio urbano sito na Rua …, freguesia e concelho de Vendas Novas, descrito na Conservatória do Registo predial de Vendas Novas sob o número …, inscrito na matriz urbana respetiva sob o art. … (facto 7.).

É certo que com a finalidade de conferir verdadeira proteção ao direito dos consumidores e promover qualidade dos bens e serviços consumidos, bem como, a reparação dos danos, veio a Lei n.º 24/96 de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), cuja primeira alteração decorre do Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio, veio reconhecer ao consumidor, nos artºs. 4º e 16º da Lei de Defesa dos Consumidores, um direito à qualidade dos bens ou serviços destinados ao consumo, direito esse que é objecto de uma garantia contratual injuntivamente imposta, no âmbito da qual “os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”, assegurando, inequivocamente, a protecção dos interesses dos consumidores nos contratos de transmissão de bens de consumo.

O regime legal vertido nos assinalados diplomas legais consagra uma manifesta protecção do consumidor, desde logo, ao considerar um critério objectivo - a coisa vendida para ser isenta de “defeito” deve ter aptidão, idoneidade, e as qualidades intrínsecas hábeis a satisfazer os fins e os efeitos a que se destinam, segundo as normas legalmente estabelecidas - e, também, um critério subjectivo, atribuindo relevância às expectativas legítimas do consumidor.

Sendo a Lei de Defesa dos Consumidores uma lei especial, fazemos notar que deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da venda de coisa defeituosa do Código Civil, se revele mais favorável para o comprador/consumidor.

Omo é sabido, a Lei de Defesa dos Consumidores não abarca, no entanto, qualquer contrato de compra e venda, cujo regime geral se encontra desenhado no Código Civil – antes se aplica aos contratos de consumo, firmados entre profissionais e consumidores.

Considerando o consumidor como a parte débil economicamente ou a menos preparada tecnicamente de uma relação de consumo concluída com um contraente profissional, o seu âmbito de aplicação é indicado pelo art.º 1º do Decreto-Lei nº. 67/2003, de 8 de Abril, cujo n.º 1, refere a hipótese da venda de bens de consumo, tutelando os interesses dos consumidores, tal como definidos pelo art.º 1º-B alínea a), e cujo art.º 1º nº. 2, na republicação do Decreto-Lei nº. 67/2003, de 8 de Abril, em razão do Decreto-Lei nº. 84/2008, de 21 de Maio, determina a sua aplicação “com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo”, sendo esta garantia restrita aos contratos celebrados entre aqueles que fornecem bens de consumo com carácter profissional no exercício de uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios e consumidores, pessoas que adquirem bens de consumo com fins não profissionais.

Excluem-se, pois, do âmbito de aplicação deste regime, como já dissemos, os contratos celebrados entre profissionais; os contratos celebrados entre não profissionais; e os contratos de “venda de bens de consumo invertida” em que um profissional compra um objeto a um consumidor, podendo ou não vender-lhe simultaneamente outro bem.

Estão assim em causa os negócios que se estabeleçam entre profissionais, atuando no âmbito da sua atividade, e pessoas que atuem fora do âmbito da sua atividade profissional, dos quais resulte a aquisição de bens, destinados a uso não profissional.

No caso dos autos, analisados os factos provados importa concluir que nada se apurou quanto ao caráter profissional da intervenção dos vendedores no concreto contrato de compra e venda. Eram eles os proprietários do imóvel, que venderam à Autora sem qualquer intermediação, como todos declararam na escritura, negociando as condições com o marido da mesma, sem que se tenha demonstrado que o Réu, que se encontra reformado da atividade bancária, como declarou, exerça atividade de mediação imobiliária, com caráter profissional, sendo sabido que o acesso e o exercício de tal atividade se encontra regulado por lei. Menos ainda se demonstrou que o Réu, no caso concreto, tivesse celebrado o negócio no âmbito de tal atividade.

Não tem, pois, razão a Recorrente quanto ao regime que entende ser aplicável, pois não é possível aplicar à situação em litígio o regime do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de abril, antes sendo aplicável, como bem se entendeu na decisão recorrida, o regime previsto no Código Civil vertido nos artigos 913º a 922º do Código Civil.

*

Do contrato de compra e venda derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida uma das outras e ambas suportando esforço económico - as obrigações de entrega da coisa, a cargo do vendedor, e de pagamento do preço, a cargo do comprador, são obrigações simples (c. artigo 874º e seguintes do Código Civil).

Porém, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.01.2022[2]:

Há muito que se considera que vínculo obrigacional engloba, não só um mero dever de prestar com a correlativa pretensão creditícia, mas sim vários elementos jurídicos autónomos, que permitem fazer de um conteúdo unitário uma realidade composta: fala-se, assim, da complexidade intra-obrigacional.

Por outras palavras, em qualquer relação contratual reconhecem-se, a par de uma ou várias obrigações principais (decorrentes para as partes do contrato celebrado, que definem o seu fulcro ou núcleo dominante), outras, secundárias (decorrentes da prestação principal, mas meramente acessórias da mesma - quando se destinem a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação -, ou decorrentes da prestação principal, mas com prestação autónoma - relativas a prestações substitutivas ou complementares da prestação principal, e as compreendidas nas operações de liquidação das relações obrigacionais duradouras); e ainda outras, acessórias ou de conduta (decorrentes da boa fé objectiva, deveres que não interessando directamente à prestação principal, são todavia essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra).

Os deveres acessórios de conduta podem ser tipificados como deveres acessórios de protecção (as partes, enquanto perdure um fenómeno contratual, estão ligadas a evitar que, no âmbito desse fenómeno, sejam infligidos danos mútuos, nas suas pessoas ou nos seus patrimónios), deveres acessórios de esclarecimento (na vigência do contrato as partes devem informar-se mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de ocorrências que com ele tenham relação e, ainda, de todos os efeitos que da execução do contrato possam advir) e deveres acessórios de lealdade (as partes devem abster-se de comportamentos que possam falsear, ou mesmo adoptar comportamentos que impeçam, o objectivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações).

Logo, a violação de qualquer desses aspectos consubstancia, por constituir violação dos deveres inscritos na relação obrigacional, incumprimento contratual (cf. MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, 2ª reimpressão, 2001, págs. 586-608 e acórdãos do STJ de 09MAR2010, proc. 5647/05.6TVLSB.S1 e 27NOV2018, proc. 4724/10.6TBSTB.E1.S1).”

O vendedor, adstrito que se encontra ao dever de entregar a coisa objeto do contrato, pode violar simplesmente esse seu dever ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (cf. artigos 798º e 801º, n.º 1, do Código Civil).

Porém, porque o vendedor não está só adstrito à obrigação de entregar certa coisa; ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artigo 913º Código Civil).

Coisa defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado.

O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado[3].

Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (artigo 913º, n.º 2, do Código Civil).

Defeito oculto é, portanto, aquele que, sendo desconhecido do comprador pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e., não era reconhecível pelo bonus pater famílias; aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, de que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência .

De qualquer modo, o defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos enunciados se o desconhecer sem culpa, pelo que a responsabilidade emergente da prestação de coisas defeituosas só existe em caso de defeito oculto.

Aos vícios supervenientes, i.e., sobrevindos após a celebração do contrato de compra e venda e antes da entrega da coisa, como de resto, à venda de coisa futura ou de coisa genérica, manda a lei aplicar as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (artigo 918º do Código Civil).

A lei assinala à prestação de coisa defeituosa, várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do vendedor: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (art.º 799º, n.º 1, do Código Civil).

Presume-se, porém, que o cumprimento defeituoso procede de culpa do vendedor (artigo 799º, n.º 1, do Código Civil).

Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada coisa: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício – desde logo, não é possível esperar de um imóvel acabado de construir o mesmo que de um imóvel construído há várias décadas, com as características e técnicas de construção próprias de então e o desgaste inerente ao uso que do mesmo foi entretanto feito.

Por ser assim, no caso dos autos, perante os factos que se provaram, entendemos que não pode extrair-se deles um incumprimento ou um cumprimento defeituoso do contrato por parte dos Réus.

Na verdade, os mesmos celebraram o contrato de compra e venda e entregaram o imóvel nas condições em que o mesmo se encontrava na altura em que o negócio foi acordado, sem vestígios de humidades, bolor ou salitre, imóvel que assim se encontrava quando obras no mesmo realizaram, e que assim permaneceu depois da escritura, por cerca de um ano.

Não se duvida que como se escreveu no Acórdão do STJ de 27.01.2022 a que fizemos referência, “[q]uem intenta adquirir uma habitação (nova ou reabilitada) para aí se viver ambiciona um local com boas condições de habitabilidade e conforto. E entre as qualidades inerentes a uma habitação (ademais nova ou reabilitada) está a sua estanquicidade; não é suposto que na habitação haja manifestações de infiltrações.”

Porém, o que os Réus venderam foi um imóvel construído há mais de cinquenta anos, e que na altura tinha todas as condições de que a Autora e o seu marido puderam aperceber-se.

Recorde-se que como consta do Relatório Pericial:

“Qualquer construção realizada ali ou em outros locais tem de cumprir as regras da boa construção, que passam pela escolha dos materiais e pelo modo de execução dos trabalhos, preocupações que não existiram certamente na origem da construção da casa objeto da perícia, especialmente porque não eram normais à época. Apesar de não ter conhecido o estado da construção antes das intervenções oferece-me dizer que as remodelações/reparações efetuadas certamente não resolveram os problemas que existiam, dadas as patologias existentes.

Os problemas que se detetaram no imóvel são de dois tipos:

- Bolores/fungos por existência de condensações resultante de falta de ventilação/arejamento da habitação constatando-se diferenciais térmicos elevados entre zonas interiores e exteriores, designadamente junto às janelas, devido aos materiais, nomeadamente ausência de pedra nos vãos das janelas, qualidade dos alumínios e vidros;

- Salitres em algumas áreas da habitação e deficiente tratamento de alguns suportes (zonas de paredes).

Para melhor acompanhar o raciocínio das respostas dadas importa, previamente, explicar o seguinte:

- A importância da ventilação das casas

As características construtivas e os elementos de construção condicionam as variações de humidade e temperatura no interior dos espaços, sendo, portanto, decisivos quanto à predisposição ao desenvolvimento do problema. Paredes com elevado teor de água apresentam redução de sua resistência à transferência de calor, que em associação ao decréscimo da temperatura superficial podem favorecer fenômenos de condensação. Semelhante situação acontece nas zonas de encontro de materiais diferentes, por exemplo, entre a estrutura de betão e as paredes de alvenaria. A perda de calor nestes locais tende a ser maior, propiciando a condensação pela redução da temperatura superficial. Estes pontos são as denominadas 'ponte térmicas'.

O problema visualizado resultará da eventual conjugação de vários fatores:

-Das diferenças térmicas existentes nos materiais, eventualmente, por não terem sido executadas as devidas correções das mencionadas pontes térmicas, na origem da construção;

- A microfissuração existente no reboco exterior permite o aumento e transferência da humidade dos materiais, colaborando no crescimento dos fungos;

- A pintura interior com tinta sem as características técnicas adequadas para o efeito poderá também acelerar o desenvolvimento de fungos;

- A falta de ventilação adequada, que provoca problemas de condensação.

Uma casa pouco ventilada é propícia ao crescimento de bolores, criará condensações provocando num espaço de tempo curto, fungos e manchas, A presente habitação denota fortes caraterísticas de falta de ventilação o gue provoca condensações. A condensação é uma das principais causas do aparecimento de humidade e bolor, porque a temperatura da superfície interior do elemento é muito fria em comparação com a temperatura ambiente. E a temperatura da superfície interior é muito fria porque o elemento construtivo não está ou está mal isolado. Atualmente com as exigências térmicas regulamentares, que à data da construção da moradia não existiam, protege-se mais uma casa das temperaturas, isolando-a de tal forma que se gera humidade no interior da casa, situação só compensada por uma adequada ventilação, o que parece ser deficiente neste caso. Salienta-se que em quartos de dormir este processo é ainda mais grave devido ao vapor de água que se forma com a presença humana, sendo fundamental que passe a existir comportamentos diários de ventilação dos espaços a fim de evitar os fenómenos de condensação.

- O fenómeno denominado de "salitre", que aparece muito em casas antigas e também surge em algumas zonas desta habitação, deve-se esta patologia a um conjunto de fatores:

. Humidade ambiente -O nosso clima apresenta uma humidade residual bastante elevada, e essa humidade ambiente muitas vezes tem alto teor de sal. Não havendo uma compensação da pressão do vapor, essa humidade impregna-se nos rebocos;

. Qualidade dos inertes - Atualmente já existem disponíveis no mercado argamassas de reboco pré-dosificadas, contudo uma grande parte do parque habitacional foi (e continua a ser) construído com argamassas executadas em obra, e, a incorreta seleção dos inertes faz com que muitas vezes as areias utilizadas tenham alto teor de sais, que reagem com o cimento e originam essa patologla;

. Quantidade de água na construção - No processo de construção são utilizados muitos litros de água, no betão, nas argamassas, nos rebocos. Esta argamassa tem que evaporar, mas de forma natural para evitar retrações precoces. Ao "fechar" hermeticamente as habitações, estamos a impedir a natural evaporação dessa água e a conduzi-la para as zonas das paredes;

. Humidade capilar - Com a incorreta drenagem, falta de impermeabilização das sapatas e pilares e elevada porosidade do betão, quando a casa é aquecida e respetivamente as paredes, existe um sugar da humidade dos elementos estruturais, manifestando-se em salitre.

Independentemente dos casos, a manifestação desta patologia é um somatório, senão de todas, de várias causas.

Também algumas áreas das paredes não apresentam os "salgadiços" mas deterioração do barramento de estuque aplicado com os revestimentos originais a aparecer, parcialmente.(…)

O que se visualiza nas paredes que as fotografias'1,,2,4 e 6 são fungos/bolores originados por condensação e falta de ventilação daqueles compartimentos. A casa está aquecida em alguns períodos, o que é normal, mas tem de ser arejada para que haja ventilação e não se criem condensações. E do que também foi possível perceber na vistoria a habitação está alguns períodos sem ser habitada, não sendo abertas as janelas e criada a circulação de ar. E quando está habitada não se sabe se é efetuada esta devida ventilaçâo natural. De acrescer que as manchas de fungos/bolores que se vêm junto às janelas destes quartos, como mostram as fotografias 5 e 6 não vão desaparecer com a simples ventilação/arejamento, apesar de diminuir a patologia, isto porque esta zona é de grande diferencial térmico, uma vez que as janelas são constituídas por perfis de alumínio e vidro simples, não existe pedra nos vãos das janelas, ou seja são zonas de pontes térmicas não tratadas fazendo com que o diferencial de temperatura entre o interior e o exterior seja elevado e tenha consequências como fungos e bolores, devendo logo ser limpos quando aparecem pois desenvolvem-se nos ambiente húmidos e não ventilados.

lmporta ainda referir que existe outra patologia junto a estas janelas, tanto na parte interior como na parte exterior do vão que são os salitres das paredes originais e que mostra a fotografia 5.

Também na parede da zona de entrada se identifica já o "descasque" da parede original com salitre conforme fotografia 14. Esta patologia não desaparece com a simples limpeza.(…)

Existem soluções que dão garantias de erradicação de humidades, por determinado número de anos, dependendo da solução, sendo sempre condicionadas pelo conhecimento da construção, pela boa execução dos trabalhos e por garantir a devida manutenção, como por exemplo boas condições de arejamento e ventilação dos espaços onde é aplicada. (…)

As técnicas mais utilizadas nos problemas de humidade ascensional são as que a seguir se descrevem de uma forma sucinta:

- a lnstalacão de uma barreira de impermeabilização. Retira-se uma fiada de tijolos da parte inferior da parede colocando-se uma faixa de barreira de impermeabilização (revestimento betuminoso hidrófugo ou uma membrana plástica macia ou rija), colocando-se novamente os tijolos sobre a membrana, preenchendo-se as juntas com uma argamassa hidrófuga. Posteriormente aplica-se um primário anti- salitre e no final a aplicação de uma tinta aquosa de silicato. A aplicação duma barreira de impermeabilização é bastante difícil e complexa para construções já existentes, pelo que não se considera adequada no presente caso.

- drenagem Revestimento com rebocos de Reboco para saneamento de paredes com ascensão de sais solúveis, na renovação de paredes antigas, numa espessura de 5 cm, em duas camadas de 2,5cm cada, aplicando sobre a última camada uma massa de acabamento transpirável com 2/3mm. Após isso aplicar um primário anti-salitre e no final a aplicação de uma tinta aquosa de silicato.

- lniecão de um produto hidrófugo, Este método tem como finalidade de saturar a parte inferior da parede com uma microemulsão concentrada à base de silanos e siloxanos, para a realização de uma barreira química contra a humidade ascendente capilar. Este método consiste na aplicação de vários furos na parece, onde se insere os tubos injetores, Faz-se os furos, 5 cm acima do chão e a L0 a l-5 cm uns dos outros, com um berbequim, num ângulo de L0 a L5 graus e 80% da espessura da parede. Nestes tubos injeta-se a resina líquida na parede. Repetindo-se este processo ao fim de 24h. No final tapa se os furos com argamassa hidrófuga e alisa-se a parede, aplica-se um primário anti- salitre e no final uma tinta aquosa de silicato.

Na presente perícia a solução que me parece mais adequada para as paredes não tratadas da construção em causa é a solução que utiliza revestimentos com rebocos de drenagem.

Esta solução a ser aplicada seria, para melhor garantia de durabilidade, seria em todas as paredes onde não foi aplicado o gesso cartonado, uma vez que nestas o problema está controlado, por vários anos, apesar de continuarem a existir, eventualmente, as mesmas patologias nas paredes exteriores da construção inicial.

Assim, com base nesta opção, foi efetuada uma estimativa de custos para os trabalhos a executar com a solução de rebocos de drenagem, para as paredes no interior da habitação, onde não foi aplicado nem mosaico, nem placas de gesso, escolhendo produtos da marca SECIL TEK, conforme a seguir se descreve:

Os trabalhos e custos a seguir descritos foram estimados para uma área de 25 m2, considerando as áreas de paredes no interior da habitação, que se encontram rebocadas, entre a zona do revestimento com mosaico e o teto, na sala e corredor, e ainda a zona da entrada exterior do prédio e as áreas exteriores dos vãos das janelas.”

E como ali pode ler-se e consta dos factos provados, o custo estimado da solução proposta é de €3.382,50.

No contexto do contrato de compra e venda em causa, as humidades e bolores de que a Autora se queixa foram, pois, o resultado, das características próprias do imóvel, conhecidas da mesma e do marido, a quem encarregou de visitar o imóvel e negociar o contrato, da idade do mesmo e das características construtivas do mesmo, próprias da sua época de construção, e da respetiva falta de arejamento, depois da compra, tudo fatores alheios aos Réus, que não construíram nem esconderam as características do imóvel, sendo certo que a solução para o problema assim criado não surge técnica ou monetariamente demasiado onerosa.

Tendo o negócio de aquisição sido formalizado depois de à adquirente ter sido possibilitada a perceção direta das características do edifício, e constituindo este uma casa de habitação de vetusta construção, não se afigura minimamente razoável permitir que sejam valorizados defeitos que resultam das próprias características do imóvel, e designadamente das técnicas construtivas utilizadas à época em que foi erigido, e/ou do passar do longo tempo sobre a data da construção, tudo fatores que num juízo do bom senso e boa fé, recomendam cuidados acrescidos na manutenção, limpeza e conservação do imóvel.

Os problemas constatados no imóvel resultam, assim duma multiplicidade de fatores ligados, quer às características construtivas, quer ao comportamento da ora Apelante, em que avulta a falta de ventilação ocorrida após a compra, pelo que não pode concluir-se pelo cumprimento defeituoso da prestação pelos Réus, e consequentemente não existe fundamento para as peticionadas resolução do contrato, restituição de quantias ou redução do preço.

Dessa forma, mostrando-se infundadas as objeções levantadas pela Recorrente, importa concluir pela inviabilidade da pretensão recursiva.

*

IV. Decisão

Pelo exposto, em conformidade com as disposições legais supracitadas, acorda-se em julgar improcedente a apelação.

Custas pela Apelante.

Registe.

Notifique.

Évora, 28.06.2023

Ana Pessoa

José António Moita

Maria da Graça Araújo

__________________________________________________

[1] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo de Civil Anotado, 2018, pg. 81.

[2] Proferido no âmbito do processo n.º 3908/18.3T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt

[3] Cf. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185; João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335 e 336.