Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3447/18.2T8STB-A.E1
Relator: FLORBELA MOREIRA LANÇA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
CAUÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I. A previsão da al. c) do n.º do art.º 733.º do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda; justificar-se a suspensão sem prestação de caução.
II. O primeiro dos dois pressupostos é puramente factual e depende apenas da configuração que os executados deram à sua oposição à execução. Já quanto ao segundo pressuposto é de exigir que dos termos da impugnação da exigibilidade e/ou da liquidação da obrigação exequenda, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva ou do empreendimento de manobras delapidatórias por parte dos executados
III. O critério da justificação não é o critério individual do juiz do processo, caso em que a decisão seria discricionária, mas é verdadeiramente um critério normativo, ou seja, depende estritamente da interacção entre os fundamentos e finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo (obter o cumprimento do direito) que naturalmente decorre de se prescindir da caução.
IV. A conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-se exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento.
V. Cuidando-se de saber se deverá ser suspensa a execução sem necessidade de prestação de caução, não está obviamente em causa apreciar o mérito dos embargos mas, exclusivamente, se perante os elementos disponíveis ao julgador em primeira instância, e sendo tais elementos, exclusivamente, o teor dos articulados e os documentos juntos, é razoável, por justificado, determinar a suspensão da execução sem prestação de caução, sendo que para emitir este juízo, não se realiza nenhuma produção de prova, fazendo-se incidir a análise na observação exterior dos elementos aludidos, à luz das regras que regem disciplinam o processado da execução.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I.Relatório
BB e CC deduziram oposição à execução para pagamento de quantia certa, movida pela Comissão de Administração da AUGI de P…, para deles haver a quantia de € 21.897,99, acrescida de juros de mora vencidos, que à data da propositura da acção se computavam em € 4.382,00 e vincendos, à taxa legal até efectivo e integral pagamento, tendo invocado, em síntese, que são parte ilegítima na referida acção executiva, a “inexistência e inexequibilidade do título executivo” e “a incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação”.
Mais alegaram que “na presente oposição está a ser impugnada a exigibilidade e a liquidação da obrigação exequenda” e que “os executados não têm condições financeiras para poderem prestar a caução que lhes proporcionaria a suspensão da execução e alguma tranquilidade enquanto se decide a presente oposição”.
Concluíram, pugnando pela procedência da oposição, requerendo que seja “decretada a suspensão da execução sem a prestação de caução”.
Ouvida a embargada, quanto ao pedido de suspensão da execução, pugnou a mesma pelo indeferimento do requerimento dos executados.
No dia 27 de Março p.p. foi proferido o seguinte despacho:
Da suspensão da execução
Os opoentes/executados requereram a suspensão da execução sem prestação de caução nos termos do art.º 733º do CPC.
Apresentaram como fundamento a inexigibilidade e iliquidez da dívida exequenda.
Contestou o exequente alegando que a obrigação exequenda é certa, líquida e exigível.
Vejamos.
O art.º 733º, do CPC dispõe do seguinte modo:
“1. O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se:
a) o embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respectiva assinatura, apresentado documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embagado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
Tudo visto.
A execução a que respeitam os presentes autos funda-se numa execução movida pela Comissão de Administração da AUGI do P… contra os comproprietários dessa Área Urbana de Génese Ilegal, com base nas actas das reuniões da assembleia de comproprietários que deliberaram o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão.
No conspecto, constata-se que aquela comissão aprovou os mapas, os métodos e as fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações e cobrança das mesmas.
Ora, in casu, resulta dos elementos de registo predial juntos com o requerimento executivo, bem como das actas acima assinaladas serem os executados comproprietários inscritos de 450,5/230000 avos indivisos, do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de P… sob o nº 452/19870403, integrado no perímetro classificado como AUGI do P…, sito da freguesia da Quinta …, Concelho de P…, a que corresponde a Ap. 30 de 1996.02.16 (pagina 36) por compra a DD a que corresponde um lote de terreno – lote nº 1049.
Ainda, por carta de 16 de Março de 2018 foram os opoentes/executados interpelados para pagar a quantia exequenda no (mesmo) prazo de 15 dias sob pena de cobrança judicial do crédito.
Os executados nada pagaram o que determinou a interposição da acção executiva, por a obrigação se encontrar vencida e com o quantitativo apurado.
A obrigação exequenda é pois, certa, exigível e líquida.
Pelo exposto, não se mostram reunidos os pressupostos estabelecidos no art.º 733º, n.º 1 al. c) do CPC.
Notifique.“
Os embargantes, não se conformando com o despacho prolatado dele interpuseram recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1ª - Decidiu o Tribunal “a quo”, por despacho de que ora se recorre, julgar improcedente a requerida suspensão do prosseguimento da execução no decurso dos embargos de executado, sem prestação de caução, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 733º do CPC, por entender não se mostrarem reunidos os pressupostos ai indicados.
2ª – A apelação da referida decisão deve ser autónoma nos termos do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 644º do CPC, uma vez que tal decisão influencia o decorrer do processo de execução e se for decidido a final, perde totalmente a sua utilidade.
3ª - Entende-se que andou mal o douto tribunal “ a quo” ao decidir pela não verificação dos pressupostos da suspensão da execução, preceituados na al. c) do nº 1 do artigo 733º do CPC, concluindo que “A obrigação exequenda é pois, certa, exigível e líquida.”
4ª – Ora, no referido preceito diz-se que é necessário que tenha sido impugnada a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e não que ela tenha sido alvo de decisão, coisa que só deverá acontecer no final dos embargos.
5ª – Esta conclusão é intempestiva e infundada pois a obrigação foi posta em causa, nos embargos de executado, pelo que não pode o tribunal “a quo” considerá-la já nesta fase como certa, exigivel e liquida sem que tenha sido apreciada a matéria dos embargos de executado que ainda é matéria controvertida.
6ª - Nos presentes embargos de executado, cujo Requerimento de Oposição à Execução se dá por integralmente reproduzido, os embargantes e ora recorrentes, para além da suspensão da execução sem prestação de caução, invocam a excepção de ilegitimidade, de inexistência e inexequibilidade do titulo executivo, de incerteza, inexigibilidade e liquidez da obrigação, e, caso assim não seja entendido, defendem-se por impugnação acerca da matéria executiva.
7ª – Os recorrentes não são sujeitos na relação material controvertida pois os avos que ainda constam no Registo Predial em seu nome devem ser considerados para efeitos de integração no domínio público municipal pois foram afetados a espaços verdes e de utilização coletiva, infra-estruturas viárias e equipamentos de utilização coletiva, aliás tal como sempre foi considerado pela AUGI relativamente aos avos em nome do executado marido, pois este teve uma actividade que se pode equiparar a loteador ilegal, não tendo ficado com qualquer “lote” para si, como bem se explica nos artigos 6º a 28º do requerimento de oposição, para onde se remete e, conforme a prova que se faz, se retira que existe séria probabilidade de os embargantes virem a fazer prova do alegado e como tal dever o tribunal “a quo” considerar que se justifica a suspensão requerida.
8ª - Por outro lado, os embargantes puseram em crise o título executivo conforme o vertido nos artigos 28º a 50º do requerimento de Oposição á Execução, invocando as excepções peremptórias de Inexistência e inexequibilidade do título executivo e Incerteza, inexigibilidade e iliquidez da própria obrigação.
9ª - Dos pressupostos elencados no referido artigo 733º do CPC ressalta que, tendo havido a referida impugnação (e não a sua prova), (...) “deve o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”, coisa que no caso do despacho recorrido não aconteceu, não se vislumbram fundamentos para a tomada da respectiva decisão.
10ª – Contudo, não pode ser tido por fundamento matéria que ainda é controvertida e que só no âmbito de sentença no processo de embargos pode ser decidida, ou seja se a obrigação exequenda é certa, exigível e líquida.
11ª – Pelo que o despacho ora recorrido é nulo por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de não suspender a execução sem caução, nos termos do disposto na alinea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
12ª - Também é nulo por terem sido apreciadas questões de que não podia tomar conhecimento nesta fase, ou seja sobre a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, matéria dos embargos por decidir, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Face ao exposto, atenta a nulidade do despacho ora recorrido, que deve ser declarada, deve, sempre, ser proferida a competente decisão no sentido de que se justifica a suspensão do prosseguimento da execução sem prestação de caução, sendo assim ordenado, com o que se dará provimento ao presente recurso, com o que V.Exas. farão justiça.”.
A exequente apresentou resposta às alegações, pugnando pela confirmação do despacho recorrido.
II. Objecto do Recurso
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), importar decidir:
- da nulidade do despacho recorrido (als. b) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC).
- se, tendo os embargantes impugnado a exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, se justifica a suspensão da execução a que os presentes embargos se mostram apensos, sem prestação de caução.
III. Fundamentação
1.De Facto
Os fundamentos de facto a ter em consideração com vista à dilucidação da questão solvenda emergem do relatório que antecede.
2. De Direito
1.ª Questão
O despacho apelado tem, no que aqui releva, o seguinte teor:
“A execução a que respeitam os presentes autos funda-se numa execução movida pela Comissão de Administração da AUGI do P… contra os comproprietários dessa Área Urbana de Génese Ilegal, com base nas actas das reuniões da assembleia de comproprietários que deliberaram o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão.
No conspecto, constata-se que aquela comissão aprovou os mapas, os métodos e as fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações e cobrança das mesmas.
Ora, in casu, resulta dos elementos de registo predial juntos com o requerimento executivo, bem como das actas acima assinaladas serem os executados comproprietários inscritos de 450,5/230000 avos indivisos, do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de P… sob o nº 452/19870403, integrado no perímetro classificado como AUGI do P…, sito da freguesia da Quinta …, Concelho de P…, a que corresponde a Ap. 30 de 1996.02.16 (pagina 36) por compra a DD a que corresponde um lote de terreno – lote nº 1049.
Ainda, por carta de 16 de Março de 2018 foram os opoentes/executados interpelados para pagar a quantia exequenda no (mesmo) prazo de 15 dias sob pena de cobrança judicial do crédito.
Os executados nada pagaram o que determinou a interposição da acção executiva, por a obrigação se encontrar vencida e com o quantitativo apurado.
A obrigação exequenda é pois, certa, exigível e líquida.
Pelo exposto, não se mostram reunidos os pressupostos estabelecidos no art.º 733º, n.º 1 al. c) do CPC.”.
Aventam os apelantes que o despacho apelado incorreu na nulidade prevenida na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
É sabido que as decisões judiciais devem ser factual e juridicamente fundamentadas (n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e n.º 1 do art.º 154.º do CPC), exigência que tem como propósito permitir ao julgador apreciar criticamente a lógica da decisão que está a tomar, facultar às partes o recurso com perfeito conhecimento do percurso seguido pelo decisor e viabilizar o efectivo controle daquela pela instância de recurso.
Justifica-se, por isso, que a lei comine a nulidade arguida para a decisão que careça de fundamentação.
Porém, como já ensinava ALBERTO DOS REIS[1] “(…) há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” (…).
Retornando ao caso em apreço, é patente que o despacho apelado contém uma fundamentação, a qual assenta na constatação de que se inverificam os pressupostos da previsão da alínea c) do n.º 1 do 733.º do CPC.
Por outro lado, a alegada irrazoabilidade do decidido convocará, quando muito, um défice qualitativo do julgado, mas não invalida que se constate que a decisão apelada se acha fundamentada.
Mostram-se, pois, cumpridos os propósitos que presidem à exigência legal a que antes aludimos, sendo que o eventual erro de julgamento cometido pelo tribunal a quo não é reconduzível à nulidade em causa.
Desatende-se assim a alegação em apreço.
Sustentam ainda os apelantes a nulidade do despacho, prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
Lê-se na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC (ex vi n.º 3 do art.º 613.º do mesmo diploma) que: “É nula a sentença quando: (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A causa da nulidade a que se refere este preceito relaciona-se com a inobservância do disposto na segunda parte do n.º 2 do art.º 608.º do mesmo diploma (onde consta que o juiz não “(…) pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. (…)”).
Este último preceito postula o conhecimento, na sentença, de todas as questões juridicamente relevantes que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo Autor ou as excepções deduzidas pelo Réu suscitem e, por outro, confina a estas a actividade judicativa.
É consabido que os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões” - não integram matéria que deva ser objecto de pronúncia judicial.
Na verdade, o tribunal recorrido conheceu a questão decidenda suscitada nos embargos de executado deduzidos pelos apelantes – a suspensão da tramitação do curso da execução ao abrigo da previsão da alínea c) do n.º 1 do art.º 733.º do CPC -, sendo certo que o facto de, para tanto, ter invocado argumentos que, na óptica dos apelantes, extravasam o âmbito dessa norma e se relacionam com o mérito não integra a nulidade a que vimos aludindo.
Improcede, pois, esta arguição.
Voltemos a nossa atenção para o mérito da causa.
2.ª Questão
Dispõe o n.º 1 do art.º 733.º do CPC:
“1. O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se:
a) O embargante prestar caução;
b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuidade da respectiva assinatura, apresentando o documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;
c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”.
Resulta, pois, do citado normativo, que, em regra, o recebimento de embargos não suspende a execução, o que se compreende, na medida em que se torna necessário garantir o pagamento da dívida exequenda mediante a penhora dos bens do executado, e que só suspenderá a execução mediante a prestação de caução, que “visa pôr o exequente a coberto dos riscos da demora no seguimento do processo, objectivo que se adequa à função da garantia geral das obrigações que a lei civil (art.º 623.º e ss. do Cod. Civil) lhe assinala”[2], através do incidente previsto nos art.ºs 906.º e ss.
Na espécie, face ao teor da petição de embargos, está em causa a al. c) do n.º 1 do art.º 733.º do CPC.
Se em sede de embargos de executado for impugnada a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda, o juiz, uma vez ouvido o embargado/exequente pode determinar a suspensão da execução.
A previsão dessa norma pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda; justificar-se a suspensão sem prestação de caução.
O primeiro desses elementos da previsão normativa é puramente factual e depende apenas da configuração que os executados deram à sua oposição à execução. No caso, os embargantes opuseram-se à execução sustentando que a quantia exequenda não é devida, logo não é exigível e que a obrigação é ilíquida. Encontra-se, pois, preenchido o primeiro dos pressupostos da norma.
Como vimos, a suspensão da execução depende da reunião de dois elementos. Se para determinar a suspensão da execução fosse bastante o executado impugnar nos embargos a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda, a norma não exigiria ainda, como exige, que, além disso, o juiz entenda que se justifique a suspensão sem prestação de caução, como parece entenderem os recorrentes.
Deveremos, desde já, ter presente que a acção executiva, que visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (art.º 2.º, 10.º, n.ºs 1, 4 e 5 do CPC).
O título executivo é, em termos substanciais, um instrumento legal de demonstração da existência do direito exequendo e a sua exequibilidade resulta da relativa certeza ou da suficiência da probabilidade da existência da obrigação nele consubstanciada[3].
Nas palavras de ANSELMO DE CASTRO[4] “Define-se título executivo como o instrumento que é condição necessária e suficiente da acção executiva”
A inexequibilidade do título pode ser absoluta, se aquele se não reporta ao direito a uma prestação, ou meramente relativa, se a pretensão de realização do direito diverge quantitativamente do título que serve de suporte à acção executiva.
O legislador condicionou, assim, a exequibilidade do direito à prestação à verificação de dois pressupostos:
a) a existência de título executivo com as características formais legalmente exigíveis (exequibilidade extrínseca);
b) a certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação (exequibilidade intrínseca).
A ação executiva pressupõe, pois, o incumprimento da obrigação que emirja do próprio título dado à execução, isto é, que o direito inscrito no título dado à execução está definido e acertado.
Nesta conformidade o título executivo é condição necessária e suficiente da acção. Sabendo-se que toda a execução tem por base um título que limita o fim e o alcance da execução (n.º 5 do art.º 10.º do CPC)
Necessária porque não há execução sem título. Suficiente porque, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.
“(…) a relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança, tida por suficiente, da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efectivar por via da acção executiva.
O fundamento substantivo da acção executiva (…) é a própria obrigação exequenda, sendo que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela acção e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas”.[5]
Volvendo ao disposto no art.º 733.º n.º 1 al. c) do CPC, verifica-se que a lei deixa ao critério do juiz a consideração de entender ou não como justificado suspender a execução sem prestação de caução, pelo que, como dissemos supra, “(…) em face da regra restritiva que é a de os embargos não suspenderem a execução (a não ser mediante caução), não bastará a impugnação da existência, validade, vencimento, liquidez ou exigibilidade da prestação exequenda para obter a suspensão sem caução.
Será então de exigir que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva ou do empreendimento de manobras delapidatórias por parte dos executados”.[6]
“Parece claro que o poder do juiz de considerar ou não justificada a suspensão da execução sem a prestação de caução é um verdadeiro poder-dever, ou seja, sempre que houver elementos em função dos quais se justifique suspender a execução sem a prestação de caução o juiz não apenas pode como deve mesmo fazê-lo.
Por outro lado, o critério da justificação não é o critério individual do juiz do processo, caso em que a decisão seria discricionária, mas é verdadeiramente um critério normativo, ou seja, depende estritamente da interacção entre os fundamentos e finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo (obter o cumprimento do direito) que naturalmente decorre de se prescindir da caução”[7].
“Quando nos embargos o executado impugna a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda (situação que nos ocupa no caso) a conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-se exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento”[8]. “Serão situações excepcionais, por certo, mas quando assim não for o executado terá à sua disposição o outro mecanismo de obter a suspensão da execução: a prestação de caução”[9].
Temos, pois, para nós, que no presente recurso, em que se cuida de saber se deverá ser suspensa a execução sem necessidade de prestação de caução, não está obviamente em causa apreciar o mérito dos embargos mas, exclusivamente, se perante os elementos disponíveis ao julgador em primeira instância, e sendo tais elementos, exclusivamente, o teor dos articulados e os documentos juntos, é razoável, por justificado, determinar a suspensão da execução sem prestação de caução, sendo que para emitir este juízo, perfunctório, não se realiza nenhuma produção de prova, fazendo-se incidir a análise na observação exterior dos elementos aludidos, à luz das regras que regem disciplinam o processado da execução[10].
Assim, não se trata de determinar se a obrigação exequenda é ou não inexigível ou ilíquida, mas antes de considerar se, perante os termos em que foram questionados aqueles pressupostos, se justifica que se suspenda o decurso da execução.
Impõe-se constatar que, nos embargos de executado, os embargantes questionam a exigibilidade (a obrigação diz-se exigível quando estiver vencida ou depender de mera interpelação do devedor) da obrigação exequenda (cfr. o que se expende nos art.ºs. 35.º a 37.º em que, em suma, se alega que o vencimento das despesas da reconversão depende da demonstração da prévia aprovação do licenciamento) e liquidez da obrigação (alegando que na acta dada execução ficou determinada a fórmula de cálculo das despesas que os proprietários de cada um dos lotes deve pagar à Exequente, mas já não ficaram os valores previstos para cada componente desta fórmula, pelo que, a alegada divida agora exequenda não é determinável por simples cálculo aritmético).
Foi, de resto, o que se constatou no relatório com que se inicia o despacho apelado.
Por aqui se vê que se se confinasse a este aspecto a apelação procederia, já que se mostra preenchido o primeiro pressuposto de que o falado art.º 733.º, n.º 1, al. c) do CPC faz depender a suspensão da instância executiva.
Resta, porém, verificar se se justifica a suspensão da execução, até porque é essa a pretensão dos apelantes.
Para o justificarem, aqueles argumentam, desde logo, que “não têm condições financeiras para poderem prestar a caução que lhes proporcionaria a suspensão da execução e alguma tranquilidade enquanto se decide a presente oposição.” (art.º 82.º da petição inicial).
Não existem elementos de prova que confirmem esse juízo conclusivo, sendo que a embargada aventa que foi averiguado que os executados serão titulares de 25 bens imóveis.
Em todo o caso, sempre se dirá que a mera dificuldade em obterem meios financeiros não constitui fundamento justificante da suspensão. É que, como se escreveu no Ac. da RP de 2 de Julho de 2015[11], o critério normativo contido no art.º 733.º, n.º 1, al. c) do CPC releva da “interacção entre as finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que foi alegada uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão sobre o executado das diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo.”.
Fazendo aplicação destes considerandos ao caso dos autos é fácil de concluir que não se pode considerar justificado suspender a execução sem a prestação de caução.
Com efeito, os executados não alegam, desde logo, absolutamente nenhum facto sobre as possíveis consequências da continuação da execução, o eventual prejuízo que essa continuação acarretará, o relevo ou dimensão desse prejuízo ou a sua irreparabilidade.
É certo que os executados impugnaram a existência da obrigação. Todavia, a discussão sobre a existência da obrigação delineada nos embargos de executado está bem longe de possuir características que permitam antever o sucesso dos embargos ou tornar essa possibilidade mais provável que o seu insucesso, já que não demonstram indiciariamente a factualidade que alegaram e que poderia, eventualmente, suportar o deferimento da sua pretensão.
Aliás, encontra-se registralmente inscrita a favor dos executados/oponentes a aquisição, desde 16.02.1996, de 450,5/230000 avos que fazem parte da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) de P…, pelo que gozam da presunção decorrente do art.º 7.º do Cod. do Registo Predial, sendo que da prova documental junta aos autos não se mostra indiciariamente ilidida tal presunção, sendo certo, por outro lado, que, desde logo, a citação dos executados, no âmbito da execução, consubstancia interpelação conducente à exigibilidade e vencimento da totalidade da dívida/obrigação exequenda. Também não se mostra indiciariamente demonstrada – não olvidemos que apenas se aprecia a impugnação dos embargantes para efeitos da verificação dos pressupostos de que depende a suspensão da execução – a inexistência do licenciamento e a iliquidez da obrigação exequenda, quando é certo que, dependendo a liquidação de simples cálculo aritmético – como, na aparência, é o caso – o exequente deve fixar o seu quantitativo no requerimento inicial da execução, mediante especificação e cálculo dos respectivos valores (art.º 716.º, n.º 1 e 724.º, n.º 1, al. h) do CPC), o que se verifica na espécie.
É perante o título executivo apresentado e sua interpretação que se deve apreciar se a obrigação obedece às exigências do art.º 713.º do CPC, ou seja, se ela é certa, líquida e exigível, sendo por referência a esse título que a impugnação da certeza, liquidez e exigibilidade deve ser dirigida.
A liquidez é identificada como a especificação concreta do montante da prestação que se reclama, traduzido num pedido; a certeza da obrigação relaciona-se somente com a própria prestação ou com o seu objecto (e não com o seu quantitativo por este se reportar à liquidez) dizendo-se certa a obrigação cujo objecto se encontra determinado; e a exigibilidade é o reconhecimento de que a obrigação se encontra vencida.
Ora, no cotejo entre o título executivo e anexos, bem assim, do requerimento executivo, sabendo-se, como se disse, que quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, o exequente deve fixar o seu quantitativo no requerimento inicial da execução, mediante especificação e cálculo dos respectivos valores (art.ºs 716º, n.º 1 e 724º, n.º 1, alínea h) do CPC) e a impugnação deduzida pelos embargantes, não vemos alegados e demonstrados (ainda que de forma indiciária) quaisquer factos ou circunstâncias que justifiquem a suspensão da acção executiva sem a prestação de caução.
Com efeito, no caso dos autos, o título executivo é uma acta (e anexos) da Assembleia Geral de Comproprietários da AUGI de P…, apresentando-se a obrigação que dela exteriormente decorre, na aparência, válida, para efeitos de fundar uma execução, sendo que os termos da impugnação dessa prestação, quanto à sua exigibilidade e liquidez, não são de forma a trazer elementos relevantes para afastar a regra da exigência de prestação de caução para que possa ser suspensa a execução.
Aliás, sem conhecer do mérito dos embargos, o que, reitera-se, está fora do âmbito desta apelação, a verdade é que a impugnação não é de tal modo evidente nem reveladora de algo manifesto e importante que admita um juízo de justificação nos termos do art.º 733.º n.º1 al. c) do CPC.
Destarte, e em conclusão, estando em causa a situação da al. c) do n.º 1 do art.º 733º do CPC, que pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda (art.ºs 713.º e 729.º, alínea e) do CPC), justificativa da suspensão da execução sem prestação de caução e, ainda, que o juiz entenda que se justifique a suspensão sem prestação de caução e, se é certo que os executados/embargantes impugnaram a existência da obrigação, não obstante a discussão sobre a sua existência delineada nos embargos de executado, não existe, por ora, factualidade perfunctoriamente demonstrada que permita afastar a regra de que para obter a suspensão da execução se deverá prestar caução (art.º 733º, n.º 1, alínea a), do CPC).
Não se divisa, pois, que exista fundamento para afastar a regra de que a dedução dos embargos de executado não impede o prosseguimento do curso da execução, não se justificando, de facto, deferir o pedido de suspensão da execução, pelo que tendo sido essa a decisão recorrida, o recurso deve ser julgado improcedente.
As custas serão suportadas, porque vencidos, pelos apelantes (nºs 1 e 2 do art.º 527.º do CPC).

Sumário
I. A previsão da al. c) do n.º do art.º 733.º do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda; justificar-se a suspensão sem prestação de caução.
II. O primeiro dos dois pressupostos é puramente factual e depende apenas da configuração que os executados deram à sua oposição à execução. Já quanto ao segundo pressuposto é de exigir que dos termos da impugnação da exigibilidade e/ou da liquidação da obrigação exequenda, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva ou do empreendimento de manobras delapidatórias por parte dos executados
III. O critério da justificação não é o critério individual do juiz do processo, caso em que a decisão seria discricionária, mas é verdadeiramente um critério normativo, ou seja, depende estritamente da interacção entre os fundamentos e finalidades da acção executiva e a realidade factual apresentada pelo executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efectividade que norteia o processo executivo (obter o cumprimento do direito) que naturalmente decorre de se prescindir da caução.
IV. A conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-se exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência e do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento.
V. Cuidando-se de saber se deverá ser suspensa a execução sem necessidade de prestação de caução, não está obviamente em causa apreciar o mérito dos embargos mas, exclusivamente, se perante os elementos disponíveis ao julgador em primeira instância, e sendo tais elementos, exclusivamente, o teor dos articulados e os documentos juntos, é razoável, por justificado, determinar a suspensão da execução sem prestação de caução, sendo que para emitir este juízo, não se realiza nenhuma produção de prova, fazendo-se incidir a análise na observação exterior dos elementos aludidos, à luz das regras que regem disciplinam o processado da execução.
IV. Dispositivo
Pelos fundamentos expostos, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, nega-se provimento à apelação e mantem-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Registe.
Notifique.

Évora, 11 de Julho de 2019
Florbela Moreira Lança (Relatora)
Elisabete Valente (1.ª Adjunta)
Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)

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[1] Código de Processo Civil Anotado, V, Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 140
[2] Ac. do STJ de 11.06.2002, proferido no proc. n.º 1767/02 e acessível em www.dgsi.pt
[3] CASTRO MENDES, Lições de Processo Civil, pp. 69 e70 e MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares, pp. 60
[4] A acção executiva singular, comum e especial, 3.ª ed., pp. 14
[5] Ac. do STJ de 18.10.2007, proferido no proc. n.º 07B3616, acessível em www.dgsi.pt
[6] Ac. da RC de 05.05.2015, proferido no proc. n.º 505/13.3TBMMV-B.C1, acessível em www.dgsi.pt
[7] Ac. da RP de 02.07.2015, proferido no proc. n.º 602/14.8TBSTS-B.P1, acessível em www.dgsi.pt
[8] Ac. da RC de 13.11.2018, proferido no proc. n.º 35664/15.1T8LSB-C.C1, acessível em www.dgsi.pt
[9] Ac. da RP de 02.07.2015, referido na nota 7
[10] Assim, o Ac. da RC de 05.05.2015, referido na nota 6
[11] Proferido no proc. n.º 602/14.8TBSTS-B.P1 e acessível em www.dgsi.pt