Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | TEIXEIRA MONTEIRO | ||
| Descritores: | SIMULAÇÃO ACTO DISSIMULADO INVALIDADE DO NEGÓCIO PRECLUSÃO | ||
| Data do Acordão: | 12/16/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | COMARCA DE PONTE DE SÔR | ||
| Processo no Tribunal Recorrido: | 114/99 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO EM ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
| Sumário: | I – A simulação pressupõe a existência de um acordo prévio (ou, pelo menos, coetâneo) à celebração de um qualquer contrato simulado, estabelecido entre o declarante e o declaratário, com o intuito de enganar terceiros, de forma que exista divergência entre o conteúdo da declaração negocial e a vontade real do declarante (conhecidos do declaratário), ainda que sob essa divergência se queira, realmente, celebrar um outro contrato que ambas as partes pretendam manter eficaz e que não possa ser afectado por vício de forma; II – Inexistindo esse verdadeiro e prévio acordo simulatório, mesmo que se pretenda, posteriormente, a invalidade do contrato, esta pretensão não releva. III – O princípio da Preclusão assenta em razões de ordem pública, na extinção do direito a que se reporta certa relação processual, na impossibilidade de se praticar o acto processual em momento posterior àquele que é proporcionado ao seu titular e na caducidade do exercício do respectivo direito, mesmo admitindo-se que, antes, este pudesse, realmente, existir na esfera jurídica da pessoa que o não praticou. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: 1 - A., B e C, intentaram, em 15.12.98, no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, a presente acção especial emergente de Contrato de Arrendamento Rural, contra: A Sociedade D. pedindo: - Que seja declarada procedente esta acção e que se declare, com efeitos a partir do início de Outubro de 1998, o contrato de arrendamento que vem vigorando entre os AA. e a R., o qual tem por objecto um prédio rústico denominado Herdade do Gaião, sito na freguesia da Chancelaria, inscrito na respectiva matriz sob o art.1º da Secção H, legalmente denunciado pelos AA., condenando-se a R. a despejá-lo imediatamente e ainda a pagar aos AA. os montantes dos danos que entretanto ocorrerem, a liquidar em execução de sentença; O Fundamento: - E., tia dos AA., era a usufrutuária vitalícia do prédio rústico identificado no pedido, a qual veio a falecer em 23.10.1991, sendo certo que tal prédio era propriedade de F., com quem ela era casada no regime de separação absoluta de bens, do qual os AA eram os únicos sobrinhos e herdeiros, aos quais deixou a nua propriedade da referida Herdade. Em consequência do óbito da usufrutuária, os ora autores adquiriram a propriedade plena da Herdade. No entanto, a referida usufrutuária, por contrato escrito celebrado em 1.10.1980, arrendou o prédio em causa a G., tendo a falecida usufrutuária autorizado, por escrito, a cessão da posição contratual deste arrendatário para a ora Ré. No entanto, os AA. denunciaram o contrato para o início de Outubro de 1998, mas a R., até hoje, não entregou o referido prédio, nem se opôs à denúncia nos 60 dias subsequentes à comunicação da denúncia. Foi a petição instruída documentalmente. 2 - Citada a R., por via de excepção: - Veio invocar a incompetência territorial, uma vez que o prédio despejando se situa na comarca de Ponte de Sôr. - Esta foi oportunamente decidida e deferida. Por via de contestação: a) Veio argumentar que o arrendamento foi celebrado em 1.1.1981, pelo prazo de doze anos e era posteriormente renovável, a partir de 31.12.1992, por períodos de três anos, pelo que a segunda renovação terminaria a 31.12.98. Como a denúncia operada pelos autores através da carta junta como doc. nº6 da p.i., refere que a produção de efeitos da mesma se reportam ao início de Outubro de 1998, é, por isso, essa denúncia ineficaz em relação à R.; b) Acresce, ainda, que esta acção foi instaurada em 15.12.98, quando o contrato ainda não tinha cessado os seus efeitos com a R.;
Em consequência disso, a, então, senhoria, o cedente da posição contratual e a cessionária, ora R., acordaram na extinção total dos respectivos efeitos, sendo repristinada a inicial relação arrendatícia, assim tendo continuado a explorar, usar e fruir o prédio despejando, em seu nome, por sua conta, risco e interesse. Invocou a sua ilegitimidade material, e concluiu por pedir que se decrete a improcedência da acção. 3 - Foi elaborado o despacho saneador de fls.63 e segs, com a fixação da matéria assente e da BI (Base Instrutória). Instruídos os autos, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, em Tribunal singular, conforme acta de fls.130-133. Foram fixados os factos na 1ª instância conforme fls.134-135. 4 - Foi exarada a decisão final de fls.146-151, cuja parte dispositiva consta: «a) Declaro válida a denúncia do contrato de arrendamento celebrado entre os AA. e a R. Sociedade D., referente à Herdade do Gaião, sita na freguesia da Chancelaria, inscrito sob o art.1º, da Secção H; «b) Declaro que a denúncia operou em 1.10.2000, pelo que a R. Sociedade Agrícola deve entregar imediatamente o arrendado aos AA.; «c) Condeno a R. Sociedade D., L.da, a pagar aos AA. o montante que se liquidar em execução de sentença, a título de danos emergentes, da não entrega atempada do prédio.» É desta decisão que vem interposto o recurso de fls.155, recebido a fls.162, que foi devidamente minutado, com formulação de conclusões, incluindo na impugnação a matéria de facto. Também houve contra-alegações. 5 - As conclusões formuladas pela apelante: a) Impugnando a R. a matéria de facto, pelos fundamentos invocados supra e com excertos que se deixaram explicitados retirados da prova testemunhal recolhida, deve ser alterada a resposta aos artigos da BI, referidos a seguir — art.3º deve ser considerado como não provado; arts.4º a 10º devem decidir-se como provados; b) Logo, a cessão da posição contratual, e de acordo com o sentido das respostas que se deixou agora expresso, é nula por ser simulada, porquanto a vontade real das partes foi no sentido de que a mesma era aparente, e só se destinava a permitir o acesso da R. a subsídios do Ministério da Agricultura; c) Mantendo-se, assim, o arrendatário António Ramalho da Costa nessa qualidade e explorando o prédio; d) Acresce que, tratando-se de aparente cessão da posição contratual, e porque ao juiz cabe o dever de administrar a justiça, deve impedir no processo a prática de acto simulado, ou que concretize um fim proibido por lei, deve entender-se, por isso, que a denúncia dos autos é ineficaz em relação à R.; Mas, e para o caso de assim se não entender, e) A denúncia do arrendamento dos autos materializada pela carta junta à p.i. como doc.nº6, é ineficaz em relação à R. e também, dada a falta de prova de mandato do seu signatário e bem assim a falta de ratificação da declaração negocial, por parte dos AA., é de entender que se trata de gestão de negócios; f) Não há fundamento para se entender que esta alegação é ineficaz e que integra a noção de abuso de direito, pelos motivos referidos supra e, nomeadamente, porque o dever processual de cooperação ou outro, não obrigava a R. a, cuidando dos interesses dos AA., assinalar a necessidade de prova do mandato ou da ratificação do acto; g) Por erro de interpretação, violou-se o disposto nos arts.156º, nº1, e 665º do CPC; e arts.240º, nºs 1 e 2; 262º, nº1; 268º, nº1 e 2 do CC; e art. 20º, nº1, do DL.524/99;
6 - Nas suas contra-alegações, os apelados, começando por mencionar que a recorrente, no corpo das alegações de recurso, se limitou a pedir que se desse como não provado o art.3º sobre o qual depôs Francisco Amieiro, dando meras respostas conclusivas, como resulta da transcrição da apelante, sendo essa pessoa que, na herdade, zela pelos interesses da apelante; salienta que, quanto às respostas dos arts.4º a 10º, baseadas no depoimento de Francisco Ventura, que é pessoa que conhece a situação de facto da herdade, afirmou categoricamente em Tribunal que os apelados pretendem explorar a Herdade directamente. Assim, tendo a apelante citado apenas excertos dos referidos depoimentos, pretendeu pôr em causa a competência do Tribunal recorrido para apreciar a prova em harmonia com o disposto no art.655º, nº1 do CPC. Por outro lado, em face do disposto no art.260º, nº1, do CC, «Se uma pessoa dirigir, em nome de outrem, uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos.» A apelante reconheceu que recebeu a carta de denúncia e nada arguiu ou solicitou, nessa altura, pelo que são manifestamente infundados, de facto e de direito, os argumentos ora trazidos pela recorrente. Conclui que se deve negar provimento ao recurso. 7 - As questões que importa dirimir: a) Deve ser alterada a matéria de facto, quer quanto à resposta dada ao art. 3º da BI, quer quanto aos arts.4º a 10º da mesma? b) Haverá que relevar a questão da invocada falta de prova de existência de mandato na esfera do subscritor do documento de fls.21, carta datada de 18.08.96, dirigida pelo aqui mandatário dos apelados à R., com vista à denúncia do ajuizado contrato de arrendamento? c) A cessão da posição contratual [corporizada pelo escrito de fls.19-20, datada de Fevereiro de 1987, subscrito pelos E., F. e G (esta em representação da Sociedade D.) tendo como objecto da cessão da posição contratual o que se mostra materializado no escrito de fls.16-17, datado de 1.10.1980, e seu aditamento de fls.18, este datado de 13.12.1986, subscrito, aquele e este pelo Sr. António Ramalho da Costa e o primeiro deles também pela então senhoria, J.], tinha apenas como propósito exclusivo permitir à R. apresentar documentos no Ministério da Agricultura para instruir um projecto de investimento, ao abrigo do disposto no DL.172/86, de 30/07? d) Tratou-se, no caso da cessão da posição contratual, mencionada na anterior alínea, da prática de um acto simulado entre os intervenientes, o qual visava a obtenção de um objectivo ilícito, não realizável pela simples via do contrato de arrendamento? e) Existirá algum abuso do exercício de direito, por alguma das partes, nomeadamente a apelante, ao invocar o vício da falta de prova de mandato conferido ao autor do escrito de fls.21? f) Terá ocorrido erro de interpretação e violação de alguma das normas enunciadas na conclusão da alínea g), formulada pela apelante? II – Questões prévias a esclarecer: 1 - 1ª - Como resulta da audição da prova suportada em cassete áudio (de débil qualidade, em especial, na fase da audição por intermédio de videoconferência, com vários minutos inúteis, imenso ruído e dificuldade em obter a compreensão total do nome e identidade desses depoentes), este Tribunal da Relação de Évora, em face do disposto no art. 712º, nº1, alínea a) do CPC (deste diploma serão as demais normas que se citem sem indicação de outra sede, salvo se, do contexto, resultar o contrário), não dispõe, em absoluto, de todos os meios de que motivaram o Tribunal ‘a quo’ a dar as respostas aos diversos artigos da BI, nos termos que constam de fls.134-135. Mas já nos iremos explicar um pouco melhor. Ao ser inquirida a testemunha L., acompanhava os assuntos da Herdade do Gaião ainda nos tempos da anterior senhoria (continuou em situação semelhante, depois da sua morte, a partir de 1992, com os actuais proprietários e aqui autores) destes passou a deter «mandato procuratório» desde 1996, conforme documento que exibiu perante o Senhor Juiz, tal como resulta da gravação, ao que aqui se não pode estabelecer qualquer sindicabilidade e até se revela perfeitamente legítimo, sendo certo que, se alguma das partes tivesse interesse, deveria ter requerido a junção da cópia aos autos. A prova, nestas circunstâncias, não é ficta. O Juiz vai alicerçando a sua convicção, ao abrigo do disposto no art.655º, nº1. E nada lhe impedia que se certificasse das afirmações realizadas em juízo por um tal depoente. Do mesmo passo se dirá que, em relação às respostas dadas às perguntas da BI nºs 6º, 7º, 8º e 9º e 10º, por aquelas razões e ainda pelo facto da mesma testemunha ter sido confrontada com os escritos de fls.128 e 129, juntos aos autos, por um lado, e por ter referenciado, em Tribunal que, excepto relativamente ao ano de 1994, detinha cópias de outros documentos por meio dos quais a R. lhe foi pagando as rendas, que logo se aprestou a exibir nessa mesma audiência (não estando esses dados ao dispor deste Tribunal da Relação de Évora, não é possível, nem legítimo, estabelecer um verdadeiro juízo de censura, como erróneo ou não, sobre essas respostas). Mas, se a estas circunstâncias, juntarmos o facto da testemunha Francisco Pereira Ventura ter asseverado ao Tribunal recorrido que, ainda recentemente (há cerca de um mês) aí executou o trabalho de enterramento de uma vaca da R., por solicitação desta e à qual passou a correspondente factura, aliado ao facto do procurador, Sr. M., desde há vários anos vir entregando os recibos da renda à R. e só ultimamente, embora os tenha continuado a emitir no nome da mesma, não lhos entregou pelo facto de o emissário da R., um Senhor Emídio, aí aparecer a pagar as rendas, entregando o envelope com o cheque, logo retirando, não dando tempo a que seja emitido e entregue o respectivo recibo que passou a recusar receber. Assim, este Tribunal da Relação de Évora não poderá, por forma alguma, alterar as respostas da BI com os nºs 6º, 7º, 8º, 9º e 10º. 1 - 2ª - A segunda das questões, reside no facto de a R. ter ao seu alcance o depoimento desse tal Senhor Emídio, do seu tractorista, o Senhor Antero e do vaqueiro que está na herdade permanentemente. Acresce, como esclareceu o depoente Francisco Pereira Ventura foi à Herdade realizar serviços de “ferra das vacas” (serviço de vacine dos bovinos existentes na herdade) por várias vezes. Eram mais de cem vacas e o vaqueiro sempre lhe disse que eram da sociedade. Por isso, é que, tal como o serviço do recente enterramento da vaca (estes depoimentos estão a ser prestados em 20.04.2001, como resulta da acta de audiência) os facturou e debitou à R.. Se a isto fizermos acrescer o facto de, no acto das instâncias às testemunhas dos AA., o Ex.mo Senhor Advogado da R., estabelecer um misto de perguntas com alegações perante o Tribunal recorrido, com o argumento de que não entendia a testemunha, nem esta se fazia entender, disse que se apresentava inútil a tarefa dos esclarecimentos de instâncias de contra-interrogatório, por um lado; pelo outro, pela circunstância dessa testemunha viver na aldeia onde se situa a herdade do Gaião, conhecer muito bem o vaqueiro, por aí passar com frequência e, nos últimos tempos, só ter visto na herdade o filho do gerente da R. (sabendo que é aquele que estudou) e por, às vezes, aí aparecer, também, a filha e/ou o genro do Sr. Ramalho; e, finalmente, se atentarmos no facto de a testemunha Francisco Amieiro, no tempo em que colaborava com a D. Ana Machado, antes de 1989, se recordar que a mesma informou, por escrito, os aqui autores, que autorizara a cessão da posição contratual do Senhor N. para a Sociedade R., tudo isto vem evidenciando que esse factualismo não teve uma duração temporal de alguns dias (ou semanas), como alega a R., sem o que os escritos, no seu conjunto, e os referidos depoimentos, se mostravam desarticulados. 1.1 - Porém, neste particular, até existe alguma convergência e complementaridade entre os referidos depoimentos (lembramos, só de passagem, que a testemunha Francisco Adelino Morgado afirmou em juízo que deixou de trabalhar para o Senhor N. há cerca de 15 anos!, isto reportado à data do depoimento, em Abril de 2001) e o do Senhor Manuel Fialho, que presta serviços de reparação mecânica para o Senhor Ramalho há cerca de 20 anos. Ora isto não é contraditório, já que ele até sabe que quem está na herdade, normalmente, é só o maioral, ou seja, o guardador de vacas. Por outro lado, o contrato da herdade iniciou-se em 1980, a favor do Sr. N. É do conhecimento desta testemunha que o SR. N. tem várias sociedades. E até sabia que o filho do Sr. N. (que as outras testemunhas costumam ver na herdade), é o Sr. P., que o Senhor Fialho igualmente identificou e sabe que explora, no Cartaxo, uma outra propriedade. O depoimento do Sr. António Nunes Fortio apenas pode relevar na medida em que se tem por adquirido que forneceu cereais para sementeiras para a referida herdade, por indicação do Sr. N., o que veio fazendo até há cerca de três anos atrás (de Abril de 2001), e que chegava à herdade e descarregava o que lhe fora encomendado, com a sua presença. De resto, sendo seguro que o Senhor N. era o Gerente da sociedade R. (e de outras, vejam-se escritos de fls.128-129) e que na herdade, em permanência, apenas havia o vaqueiro e, finalmente, até 1986 foi ele o arrendatário da herdade, e que aquela testemunha reside em Abrantes, nada surpreende esta tomada de posição. Quanto ao conhecimento de que os AA. pretendem explorar a herdade, as testemunhas Francisco Amieiro e Francisco Ventura nem tiveram dúvidas ao afirmá-lo ao Tribunal. Uma delas até referenciou que o filho de um dos autores, que está na Suíça, está interessado em cooperar nessa exploração. No entanto, mais uma vez, o Senhor advogado da Ré, em vez de escutar os depoimentos e a sua consistência e em que modos se integraria «essa cooperação», logo misturou a alegação de que o despejo não é permitido para que a terra seja explorada pelos familiares dos senhorios. E assim, lamentavelmente, se perdeu o que poderia ser um excelente esclarecimento ou instância! Nesta conformidade, embora seguramente suportado, quer nos elementos documentais juntos aos autos e que serviram para o Tribunal recorrido avaliar a sua prova; quer nos depoimentos que fomos enunciando, só nesta medida passamos a rectificar as seguintes respostas: 2.1 – Mantém-se, por isso, a resposta ao art.3º da BI, como provado; 2.2 – Art.4º: Provado apenas que a Ré pretendia apresentar, como apresentou, aquele documento nos competentes serviços do Ministério da Agricultura (IFADAP), para instruir um projecto de investimento com vista à obtenção de apoios à actividade da exploração agrícola; 2.3 – Art.5º: Provado apenas que a Ré veio a desistir desse projecto, com o esclarecimento que isso sucedeu em virtude da, então senhoria se ter recusado a prorrogar o prazo de validade do contrato, como lhe era exigido no IFADAP. 3 – Será nesta conformidade que será rectificada a matéria de facto da presente decisão. III – Os Factos apurados:
2- Em 13-12-1986, N. subscreveu um adicional ao contrato de arrendamento referido em 1, do qual consta que foi declarado pela senhoria aceitar a transmissão da posição contratual do arrendatário para a sociedade agrícola a quem o mesmo cedesse a sua posição contratual. 3- Em Fevereiro de 1987, N, a anterior senhoria e a Sra. Q, na qualidade de gerente da Sociedade Agrícola Ramalho da Costa e Filhos, L.da, celebraram um contrato de cessão da posição contratual, nos termos do qual o primeiro, com o consentimento da segunda, cedia a sua posição de arrendatário do prédio descrito em 1. 4- A renda anual acordada foi de 450.000$00, acrescida da lenha habitual. 5- O contrato referido em 1 foi celebrado pelo período de 12 anos, com início a 1-1-1981. 6- Os AA enviaram carta registada com aviso de recepção datada de 18 de Agosto de 1996, denunciando o contrato de arrendamento referido em 1 para o início de Outubro de 1998, carta que a R recebeu. 7- A R não entregou até hoje o prédio descrito em 1. 8- A R não se opôs à denúncia nos 60 dias subsequentes ao aviso de recepção. 9- Joaquim Machado era casado com Ana Machado em primeiras núpcias e no regime de comunhão de adquiridos, tendo feito testamento no qual instituiu a sua irmã Leonilde como única herdeira, a qual, por sua vez, por testamento cerrado, devidamente, aprovado, aberto e publicado em 7-9-1976, instituiu como seus únicos sucessores os AA, na proporção de ½ para o A José e de ¼ para os AA António e João. 10- Ana Machado faleceu no dia 23 de Outubro de 1991, transferindo-se para os AA a posição contratual de senhorio. 11- Os AA pretendem explorar directamente o prédio descrito em 1. 12- A Ré pretendia apresentar, como apresentou, aquele documento nos competentes serviços do Ministério da Agricultura (IFADAP), para instruir um projecto de investimento com vista à obtenção de apoios à actividade da exploração agrícola (nova resposta ao art.4º da BI); 13- A Ré veio a desistir desse projecto, com o esclarecimento que isso sucedeu em virtude da, então senhoria, se ter recusado a prorrogar o prazo de validade do contrato, como lhe era exigido no IFADAP. IV – Fundamentação jurídica: 1 - Já acima se deixou clarificada a resposta dada ao conteúdo da pergunta enunciada em a) das questões a resolver, no âmbito das questões prévias que entendemos dever solucionar no Capítulo II desta decisão. Por isso, em face das conclusões formuladas pela apelante, no âmbito deste recurso, sendo certo que são elas (as conclusões) que delimitam o seu objecto, será óbvio que aqui surgirão reflexos processuais por virtude da matéria tida como definitivamente assente (pelo menos por ora) pelas Instâncias. E, assim, também a amplitude dessas questões poderá sofrer as reduções emergentes do regime processual previsto no nº2 do art. 660º e 664º (thema decidendum) do CPC. Com efeito, toda a estrutura da pretensão da apelante assenta em que o Tribunal recorrido errou na análise e valoração das provas (art. 655º daquele diploma) e, por isso é que deu como provado o facto do quesito 3º e como não provada a matéria dos quesitos 4º a 10º da BI (Base Instrutória). No entender da apelante, deveria ter ocorrido exactamente o inverso: ou seja, deveria ter-se como não provado o facto do art.3º e como provados os factos contidos nos arts.4º a 10ºda BI. 1.1 - É óbvio que a apelante bem compreendeu que, com a matéria que vinha dada como assente, não seria fácil obter sindicabilidade da sentença apelada. Assim, pugnando pela alteração da sua base fáctica só, nessa sequência, poderia obter uma diversa qualificação da relação jurídica negocial aqui em análise. Finalmente, poderia, assim, obter o ganho de causa que se propunha. Quanto à da matéria de facto, obteve a apelante uma parcial alteração/ampliação da mesma, sem que isso possa permitir leitura diversa dos factos. Na verdade, assente que ficou, no Capítulo II, ponto 2.1, que se mantinha como provado o art.3º da BI, por um lado; e, pelo outro, resultando evidenciado que os autores fizeram a prova da matéria constitutiva do seu direito (art. 341º, nº1, CC), só importava averiguar se a R. logrou fazer a prova da matéria de excepção que arguiu e que conseguiu fazer ingressar na BI. Essa matéria era exactamente a que estava contida nos arts.4º a 10 da mesma BI. 1.1.1 - Pese embora a ampliação da base da matéria de facto da sentença, face à arguição da apelante da existência do erro sobre a valoração e apreciação das provas (incluindo as de natureza documental), o certo é que os factos que foram feitos inserir nessa base fáctica, por força do decidido nos pontos 2.2 e 2.3 do Capítulo II desta decisão, destes não se logrará dar a menor consistência à tese da apelante. Mas isso é questão que já se esclarecerá por etapas. 1.2 - Em face do exposto, só resta concluir que, embora restasse alguma razão à apelante, no tocante à solução a dar à primeira das questões (por isso é que viu aditados os factos contidos nos pontos 2.2 e 2.3 do Capítulo desta decisão), certo e seguro é que o resultado de tudo isso já ficou clarificado nas questões prévias. Mas tal factualismo, a nosso ver, desde já se mostra de manifesta insuficiência para a solução propugnada pela apelante, como, mais abaixo, se poderá verificar. Assim, essa alteração não introduz aqui mais nenhum reflexo na análise da matéria factual da lide, com repercussões de natureza de alteração da qualificação e consequências da relação jurídica em apreço. 2 - Como consequência directa e necessária daquilo que já se expôs, pretende dar-se imediata resposta à questão contida na alínea c). Como já se referiu, a tese da apelante, em face dos factos dados como apurados e, em especial, daqueles que se deram como não apurados, em relação à matéria de excepção levantada pela apelante, não colhe o menor apoio no sentido de que o contrato de cessão da posição contratual, especificado em c) da matéria assente (ver fls.64), não teve a finalidade referida na matéria da pergunta contida nos arts.4º, 5ºe 6º da BI. Estando o regime da Cessão da Posição Contratual, aqui em apreço (e que as partes não colocaram em discussão neste recurso, nem no Tribunal recorrido), especialmente definida nos arts.424º a 427º do CC, entre os elementos postulados por um tal regime e os factos recolhidos da estrutura fáctica desta decisão, não vislumbramos que algum deles aqui esteja em falta. Assim, ao contrário daquilo que veio arguir a apelante, existiu o referido contrato e ele ficou em condições de passar a produzir (como veio a produzir) os seus plenos efeitos, sem que, até à propositura desta acção, qualquer dos seus intervenientes, em termos relevantes, os tenha posto em causa. E aqui e agora também não poderão obter um tal efeito. 2.1 - Por isso, só resta uma resposta: a questão equacionada na alínea c) terá de receber resposta negativa, uma vez que se mostra totalmente relevante a relação jurídica que os então intervenientes no respectivo contrato, detendo legitimidade para o efeito, o quiseram e lhe deram consistência. Irrelevam, por isso, as correspondentes conclusões formuladas pela recorrente sobre essa matéria dos autos. 3 - A resposta dada à antecedente questão traz imediata solução para as conclusões formuladas pela apelante, nas sua alíneas b), c) e d), como se exporá, relativamente à invocada simulação do identificado contrato. Exige a simulação a elaboração de um acordo realizado entre declarante e declaratário, prévio (ou, pelo menos coetâneo do contrato a simular) à celebração de um qualquer contrato, com o intuito de enganar terceiros, por forma a que exista divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, ainda que sob essa divergência se pretenda realizar um outro negócio que ambas as partes pretendam manter, pelo que deverá considerar-se que se mantém, assim, de uma forma dissimulada, entre os contratantes, uma tal relação negocial. É isto que resulta do disposto nos arts.240º e 241º do CC. Aliás, a invocação da existência de um tal fundamento sempre se mostra em contradição com a própria defesa da apelante, vista esta no seu todo, em especial, se levarmos em linha de conta o facto inserido no art.5º da BI, quando e onde se afirma que (só) 15 dias após da celebração do contrato da Cessão da Posição Contratual é que todos os intervenientes voltaram a acordar em dar sem efeito esse contrato. Ou seja, que «a apelante desistiu» desse contrato, quando verificou que não conseguiria obter o resultado previsto aquando da celebração de um tal negócio jurídico. Afinal de contas, sempre foi querido e celebrado...só os resultados é que não foram os esperados, tanto quanto agora se poderá depreender das alegações da apelante. Mas isso já na da tem a ver com a matéria que poderia e teria de integrar a simulação. Por isso, por inexistência de um verdadeiro e prévio acordo simulatório, não nos parece que, em caso algum, uma tal questão obtivesse merecimento processual. 3.1 - Mas vejamos quais os factos que poderiam suportar essa tese? Como se disse, eram de natureza exceptiva e competia à apelante fazer a prova da sua existência: nº2 do art.342º deste último diploma. Mas tais factos não ficaram demonstrados, pelo que tais conclusões ficam sem suporte jurídico e terá de desfalecer, também, o invocado argumento da existência de uma simulação na celebração do negócio da alínea c) da matéria assente. Deste modo, também a questão da alínea d) fica respondida em sentido negativo, irrelevando as correspondentes conclusões do recurso. 4 - Responderemos, agora, à matéria das conclusões da apelante, que se mostram formuladas sob as alíneas e) e f), para podermos continuar a seguir o raciocínio mais lógico possível. Na sua contestação, a Ré/apelante nunca suscitou a falta da existência de mandato na esfera pessoal do subscritor do documento nº6, junto aos autos, a fls.21, elaborado pelo Senhor Dr. João Paulo Abreu, advogado, que foi remetido à R., sob registo e A/R, e esta recebeu, o que ficou especificado na alínea f) da matéria assente (ver fls.64). 4.1 - O princípio da preclusão, inscrito no CPC, na reforma de 1929, embora um pouco mais atenuadamente no nosso sistema processual emergente da nova reforma de 1961, tem subjacente um conjunto de itens dos quais se podem destacar: a) interesse de ordem pública, que enforma toda a natureza processual, mesmo neste domínio dos interesses privados em discussão, sujeitos ao princípio do pedido e do contraditório; b) a extinção do direito a que se reporta uma tal relação processual; c) a impossibilidade de se praticar o acto em momento posterior àquele que é proporcionado ao seu titular; d) e, finalmente, o da caducidade do respectivo direito, mesmo que se admita que antes ele estivesse inscrito na esfera jurídica da pessoa que não praticou tal acto. Aliás, sobre este assunto, é bem esclarecedora a posição assumida pelo Prof. Alberto dos Reis, ao apoiar-se no princípio da eficácia como um necessário meio justificador do princípio da preclusão. Veja-se CPC, anotado, vol. II, p.65, edição reimpressa. E Anselmo de Castro, in Lições de Processo Civil, Vol. III, p.49, ao enunciar os pressupostos pelos quais se rege o referido princípio. Igualmente, ainda na doutrina, se pronunciou o Dr. Alberto Baltasar Coelho, na Revista dos Tribunais, nº1882, ano 91º, pags.243-255, não se arredando da mencionada orientação supra referida e com a qual o CPC, quer de 1929, quer de 1961, se mostrava perfeitamente harmónico. 4.2 - Com a reforma processual de 1985, por um lado; e, recentemente, com a reforma implementada a partir de 1995/97, e subsequentes, a questão apenas está um pouco mais mitigada. Ora com a permissão da apresentação dos articulados supervenientes dos arts.506º e 507º; ora com a introdução da permissão de pagamento de multa para a prática de um acto processual num certo acréscimo de prazo subsequente ao inicialmente estabelecido na lei, ou fixado pelo Tribunal, bem como da invocação e prova de surgimento de «Justo Impedimento» ou «motivo de força maior», art.146º; ou, finalmente, na última das reformas, quer com a introdução do princípio inscrito no art.508º, nº3, e 508º-A, para além da possibilidade de prorrogação de prazo, por acordo das partes, art. 147º, o dos nºs 5 e 6 do art.486º, do actual CPC, a preclusão continua a imperar e a realizar os seus efeitos processuais. No dizer do nosso Ex.mo colega, Abrantes Geraldes, Desembargador da RLx e mui ilustre processualista, in Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol., 2ª ed., p.82-84, «...terminado o prazo para a apresentação da contestação, produzem-se inapelavelmente os efeitos da revelia...do mesmo modo que, decorrido o prazo para a interposição do recurso, os efeitos do caso julgado são imediatos e irremediáveis.» É, portanto, uma questão que, fora dos estritos casos mencionados na lei (alguns supra referidos), escapa, por completo, ao domínio da vontade das partes, depois do decurso do correspondente prazo. É o estabilizar duma situação jurídico-processual, mesmo que algum dos respectivos intervenientes venha a concluir, mais tarde, que não era isso que desejara ou esperava do seu comportamento, salvo se demonstrarem que foi viciada a sua vontade. Claro que aqui não se incluem as questões que sejam de conhecimento oficioso ou obrigatório para o Tribunal, em certos momentos processuais, nuns casos; e, noutros, a qualquer tempo: art.102º, nº1 e 660º do CPC. 4.3 - Vem isto a propósito da matéria contida nas conclusões formuladas pela apelante, nas suas alíneas e) e f). Não se tratando, no caso da arguição em apreço (que, de resto nem provada ficou), de nenhuma destas situações, não tendo a apelante suscitado uma tal questão processual, mesmo que se tivesse provado que inexistia falta de mandato da parte do autor do escrito de fls.21, com a aceitação da verificação e da não impugnação de uma tal situação em momento processualmente relevante, não pode, agora, a Apelante/ré vir suscitar uma tal situação. Com ou sem mandato, representando, ou não, adequadamente os autores, o certo é que a R., admitiu em Juízo, que aqueles [autores, não o advogado destes – veja-se redacção da alínea f), de fls.64], lhe enviaram a carta de fls.21, denunciando o contrato de arrendamento dos autos. 4.3.1 - Assim, não só por se tratar de questão nova, não colocada em discussão no Tribunal da primeira instância (vejam-se Acs. da RC 28.09.93, in BMJ 431, p.588 e da RE de 27.02.2003, in Agravo 149/2002, 2ª Secção, relatado pelo Desembargador Acácio Neves e por nós também subscrito, já que os recursos visam impugnar decisões judiciais, não podendo ter por objecto a discussão daquilo que lhe passou ao lado), como e em especial por já não poder ser arguída pela apelante, nestes autos perante o Tribunal recorrido, seria óbvio que essa matéria não iria obter merecimento na apreciação deste recurso. Como tal, impõe-se concluir que a questão em causa irreleva e recebe resposta negativa. Claudicam, por isso, as respectivas conclusões da apelação. 5 - Por outro lado, sempre importará ter presente o regime jurídico emergente do art.258º e segs. do CC, sobre os efeitos da representação. Na verdade, resulta inequívoco, destes autos, que os autores se conformaram com o resultado da gestão do supra mencionado Senhor Advogado, que exercita a sua actividade profissional e presumidamente onerosa (segunda parte do nº1 do art. 1158º) e que a mesma foi exercitada em conformidade, com o interesse e a vontade real dos mesmos — pelo que lhe é aplicável o disposto nos arts.468º e 469º, por um lado; por outro, referindo o art.258º, que o negócio jurídico realizado pelo representante e em nome do representado, no limite dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica do mandante/representado, outra conclusão aqui se não poderia extrair desses actos que, até à fase do recurso, ninguém questionou. Isto é pacífico e constitui substância julgada, a coberto do disposto no nº3 do art.684º, CPC. Porém, o destinatário do negócio ou da declaração negocial sempre pode exigir (para protecção dos seus próprios interesses) que o representante, dentro de prazo razoável (não é instantaneamente. Daqui se infere que o instrumento de mandato da representação voluntária poder ser emitido posteriormente ou/e conter ratificação do acto ou declaração em discussão), faça prova dos poderes que invocou, sob cominação de a declaração negocial não produzir efeitos. É o que emerge do disposto no art.260º, nº1 e 2, todos estes últimos preceitos, continuam a ser do CC. Pacífico é que a Apelante/ré, ao tempo da recepção da referida missiva, nada exigiu ao representante dos AA. Por isso, os actos do representante repercutiram-se, igualmente, na esfera jurídica dos autores. Portanto, sempre irrelevaria, de todo em todo, essa arguição da apelante. 5.1 - Deste modo, também a questão enunciada na alínea e) da matéria a dirimir fica irremediavelmente perdida no âmbito deste recurso. Na verdade, nem uma tal comunicação foi posta em causa ao tempo da emissão da declaração, para efeitos do disposto no art.260º, nº1 e 2, nem o seu conteúdo, como correspondendo à emissão de uma declaração negocial proferida pelos próprios autores, se mostra questionada nos articulados dos autos. Tendo ela integrado, e muito bem, a matéria assente, sua alínea f), com a redacção que a enforma, outra conclusão não poderia ter retirado o Tribunal recorrido da matéria de facto que tinha em apreço. 6 - Finalmente, nada haverá a dizer quanto ao referenciado abuso de direito que a apelante ainda menciona na conclusão formulada sob a alínea f). Já se viu como uma tal questão não tem aqui cabimento processual. Não sendo uma tal arguição juridicamente admissível, está fora de causa que a norma do art.334º lhe pudesse dar qualquer relevância. Não detendo essa arguição força bastante para conferir mérito ao recurso, seguramente que os apelados igualmente desnecessitam da tutela de um tal instituto. Não tem, por isso, nenhum cabimento, em relação a qualquer das partes, a eventual existência de ofensa a uma tal norma. 6.1 - Pode, por isso, concluir-se que não existiu erro de interpretação de nenhuma das normas jurídicas enunciadas na conclusão da alínea g) formulada pela apelante, nenhum reparo, ou nenhuma censura se podendo operar à sentença apelada, que se terá de confirmar. V – Decisão: Em consequência de quanto se expôs, os juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação de Évora acordam em recusar fundamento à apelação e, por consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas pela apelante.
(José Teixeira Monteiro) (Ana Luísa Geraldes) (Bernardo Domingos). |