| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | ANABELA RAIMUNDO FIALHO | ||
| Descritores: | ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS NULIDADE DA SENTENÇA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO RESIDÊNCIAS ALTERNADAS | ||
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| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Sumário: | I. O fundamento de nulidade da sentença previsto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC não se confunde com o erro de julgamento, sindicável por via de recurso. II. Pretendendo a Recorrente impugnar a matéria de facto, terá que observar os ónus decorrentes do previsto no artigo 640.º do CPC. III. A criança com capacidade para compreender os assuntos em discussão e que dizem diretamente respeito à sua vida deve ser ouvida, o que não significa que a opinião por si transmitida seja vinculativa para o tribunal. IV. O facto de os pais manterem entre si uma relação conflituosa não obsta à fixação de um regime de residência alternada, se o mesmo for do interesse da criança. (Sumário da Relatora) | ||
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| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2763/22.3T8STB.E1 Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Família e Menores de Setúbal - Juiz 3 Recorrente: … (Requerente) Recorrido: … (Requerido) * Sumário (elaborado em conformidade com o previsto no artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…) * Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora: 
 1. Relatório (…) intentou a presente ação contra (…), pedindo a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais quanto ao filho comum, (…), nascido a 3 de agosto de 2015. Em síntese, alegou que, aquando da regulação das responsabilidades parentais (a 5 de janeiro de 2022) e quando todos viviam em (…), por acordo, foi fixado um regime de residência alternada, por períodos semanais, prevendo-se ainda que “Sempre que o progenitor com quem o André se encontrar tiver que se ausentar, por razões laborais ou outras, por períodos que impliquem pelo menos uma pernoita, disso informará previamente o outro progenitor, dando-lhe a preferência para que assuma os cuidados ao filho enquanto o seu impedimento se mantiver”. Porém, posteriormente, passou a residir com o filho e com o atual companheiro em Palmela. Para além disso, devido às particularidades da sua profissão (hospedeira de bordo), de acordo com o regime que foi fixado, apenas conseguia estar com o filho quatro dias por mês, o que afetava a estabilidade emocional da criança. Alegou que tentou, então, chegar a acordo com o Requerido, no sentido de ficar com o filho nos dias em que não estava a trabalhar, ficando aquele com a criança nos restantes dias mas procurando manter uma partilha igualitária do tempo, o que, num primeiro momento, o mesmo aceitou e que, em seguida, recusou. Pediu, assim, que se mantenha o regime de residência alternada, embora a partilha de tempo da criança com cada um dos pais se conforme com a sua disponibilidade, face aos seus horários de trabalho, bem como que o filho possa ficar aos cuidados da avó materna, quando esteja a trabalhar. Citado, o Requerido opôs-se à pretensão da Requerente e pediu, em síntese, que o filho passe a residir apenas consigo, caso não seja praticável o regime de residência alternada, dada a alteração de residência daquela, alegando que se encontra reformado e tem toda a disponibilidade e condições para cuidar da criança. Realizou-se conferência de pais, não tendo sido alcançado acordo, o que igualmente não se verificou em sede de audição técnica especializada. Em nova conferência de pais, realizada a 5 de dezembro de 2022, as partes acordaram na fixação de um regime de convívio do filho com o pai, em termos provisórios, “visando a aproximação da criança ao progenitor”. As partes foram sujeitas a perícias médico-legais de avaliação psicológica. Ambas as partes apresentaram alegações, tendo a Requerente, no essencial, pugnado pela fixação da residência do filho junto de si, de um regime de convívio com o pai e de uma pensão de alimentos; quanto ao Requerido, defendeu que deveria ser novamente posta em prática a residência alternada e manifestou a intenção de adquirir habitação na cidade de Setúbal, para ficar próximo do filho e garantir a exequibilidade de tal regime. Procedeu-se à audição da criança (…) e realizou-se audiência de julgamento. Após conclusão daquela audiência, a Requerente juntou um documento aos autos, que não foi impugnado pelo Requerido e cujo teor foi tido em consideração na sentença. O Tribunal a quo proferiu sentença, cuja parte decisória se transcreve e que prevê o seguinte: “Pelo exposto, decide o Tribunal fixar o seguinte regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança, (…):  2. Quando o progenitor passar a residir em casa situada em Setúbal ou Palmela ou, em todo o caso, a menos de 40 quilómetros de distância da escola do menor, a criança passará a residir, de forma alternada, por períodos de 1 semana com cada um dos progenitores, sendo a troca de residências efectuada à segunda-feira no final das aulas e competindo ao progenitor que iniciar a semana de residência com o filho recolhê-lo no colégio no final do horário escolar. 3. As questões de particular importância na vida da criança serão decididas de comum acordo entre os pais, salvo em caso de emergência, hipótese em que o progenitor que estiver com a criança poderá tomar a decisão sozinho, comunicando-a logo que possível ao outro progenitor. 4. Consideram-se questões de particular importância, designadamente, as seguintes: ➢ A mudança de residência da criança para fora de um raio de 20 quilómetros da sua residência actual; ➢ A mudança de escola privada para escola pública ou vice-versa; ➢ A sujeição da criança a intervenções cirúrgicas; ➢ A educação religiosa da criança até aos 16 anos desta; ➢ A participação da criança em programas televisivos; ➢ A prática pela criança de desportos que envolvam riscos especiais para a sua integridade física; ➢ A autorização para repúdio ou aceitação de herança; ➢ A autorização da criança para obter licença de condução de ciclomotores; ➢ A representação da criança em processos judiciais ou a apresentação de queixas criminais em nome da criança. 5. As questões da vida corrente da criança serão decididas pela mãe, nos períodos em que a criança esteja a residir com a progenitora, sendo decididas pelo pai nos períodos em que o filho esteja a residir ou conviver com o progenitor. 7. Enquanto não for executado o regime de residência alternada, o pai conviverá com o filho em fins-de-semana alternados, recolhendo a criança na escola à sexta-feira no final das aulas e entregando-o em casa da mãe ao domingo pelas 19h00. Ainda enquanto não for executado o regime de residência alternada, nas semanas em que não conviva com o filho ao fim-de-semana, o pai conviverá com a criança às terças e quintas-feiras, jantando e pernoitando com esta. 8. Independentemente do regime (de residência exclusiva ou alternada) que estiver a ser praticado, os pais conviverão com o filho nos seguintes períodos / dias: a) Nas férias escolares de Verão, cada progenitor beneficiará de um período ininterrupto de 15 dias de férias com o filho, devendo os pais acordar até final de Abril de cada ano o período concreto de férias que passarão com a criança, sendo que, em caso de desacordo, nos anos pares, será a mãe a ter preferência na escola, e, nos anos ímpares, tal preferência será do pai. b) Os dias 24/12 e 25/12 serão passados de forma alternada por cada um dos pais com o filho, sendo que, nos anos ímpares, o dia 24/12 será passado com a mãe e, nos anos pares, tal dia será passado com o pai. Os dias 31/12 e 1/1 serão passados de forma alternada com cada um dos pais, sendo que, nos anos ímpares, o dia 31/12 será passado com o pai e, nos anos pares, com a mãe. c) No aniversário dos pais, bem como no dia do pai e no dia da mãe, a criança jantará e pernoitará em casa do progenitor aniversariante ou do progenitor a quem o dia diga respeito. d) No aniversário da criança, cada progenitor fará uma refeição com o filho, sendo que, nos anos pares, a criança jantará e pernoitará em casa da mãe, e nos anos ímpares, jantará e pernoitará em casa do pai. e) O domingo de Páscoa será passado de forma alternada com cada um dos pais, sendo que, nos anos pares, tal dia será passado com o pai, sendo passado com a mãe nos anos ímpares.  10. A prestação de alimentos será actualizada segundo a taxa de inflação publicada pelo INE a partir de janeiro de 2026. 11. As despesas de saúde e educação da criança, bem como as despesas com actividades extracurriculares cuja frequência seja acordada por ambos os pais por escrito, serão repartidas entre os progenitores em partes iguais, devendo o progenitor que pagar a despesa comunicá-la ao outro por escrito no prazo de 10 dias após o pagamento, juntando recibo comprovativo. O progenitor devedor deverá proceder ao pagamento de metade da despesa no prazo de 10 dias após tal comunicação. Os recibos comprovativos da despesa deverão incluir o NIF da criança. 12. Sem prejuízo do referido em 11), a despesa com a propina do colégio frequentado pela criança será paga pelos pais na proporção de 2/3 para a mãe e 1/3 para o pai, devendo proceder-se quanto ao tempo e modo de pagamento da proporção que compete ao progenitor nos termos referidos em 11). 13. Na hipótese de o regime de residência da criança passar a ser o de residência alternada com ambos os pais, o cargo de encarregado de educação será exercido de forma alternada entre os progenitores, sendo que, nessa hipótese, tal cargo será exercido no primeiro ano lectivo subsequente pela mãe. 14. Cada progenitor poderá viajar para o estrangeiro com o filho por períodos não superiores a 15 dias sem necessidade de autorização escrita do outro progenitor, devendo, no entanto, o progenitor viajante informar o outro por escrito e com a antecedência mínima de 10 dias face à data da viagem das datas de ida e de regresso, bem como dos locais de estadia e contactos do menor durante o período de ausência no estrangeiro. 15. O pai deverá operar a mudança de residência para Setúbal / Palmela ou outro local distante a menos de 40 quilómetros da escola do filho no prazo de 6 meses, mais devendo comunicar tal situação ao Tribunal quando as condições estiverem reunidas para o cumprimento do regime de residência alternada ora estipulado. 16. Ambos os pais deverão cumprir escrupulosamente o regime ora fixado, evitando expor a criança a conflitos, bem como evitando quaisquer comentários depreciativos sobre o outro progenitor na presença do menor ou de forma a que este se aperceba de tais comentários.  A Requerente recorreu desta sentença, juntando alegações, que culminam com as seguintes conclusões, que se transcrevem na íntegra (ainda que sejam, em grande parte, vagas e conclusivas): “65. Os presentes autos estão marcados por uma sentença proferida um ano depois do final de julgamento. São caracterizados pelo início julgamento dois anos depois da entrada da petição inicial. 66. As circunstâncias em cada um destes momentos são completamente distintas das atuais. 67. No ordenamento jurídico português vigente o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e que a infração a tal direito, extensível a qualquer tipo de processo, constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual. 68. O direito a uma decisão em prazo razoável tem consagração constitucional no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10. 69. O direito à decisão da causa em prazo razoável, também referido como direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, direito a uma decisão temporalmente adequada ou direito à tempestividade da tutela jurisdicional, aponta para uma tramitação processual adequada e para a razoabilidade do prazo da decisão, no sentido de a tutela jurisdicional ocorrer em tempo útil ou em prazo consentâneo. 70. A razoabilidade do prazo deverá ser aferida mediante critérios, como a complexidade do processo, o comportamento do recorrente e das diversas autoridades envolvidas no processo, o modo de tratamento do caso pelas autoridades judiciais e administrativas e as consequências da delonga para as partes, entre outros. Assim entendeu o Supremo Tribunal de Justiça através do Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 02A4032 a 17 de junho de 2003. 71. Concluirão V. Exas., Venerandos Desembargadores da Relação de Évora que, pese embora não seja possível determinar o que se entende por prazo razoável há que recorrer ao disposto do artigo 607.º do Código do Processo Civil. Nesse preceito, encontra-se como prazo “referencial” os 30 dias. 72. Todavia, ainda que não se encontrasse previsto, será unânime que o período que decorreu entre o final do julgamento a prolação da sentença é manifestamente violador de todo e qualquer critério de razoabilidade razão pela qual deverá merecer a maior censura. 73. Por outro lado, para além do titular do órgão que proferiu a decisão, há que atender a validade e eficácia da prova e, conforme já mencionado, à eficácia da decisão. 74. Cabe questionar – como caberia ao próprio tribunal recorrido – se os contextos do julgamento e do momento em que se elaborou a sentença seriam semelhantes ou distintos. 75. Mais, o tribunal recorrido poderia ter deitado mão ao disposto nos artigos 607.º, n.º 1, 2ª parte ou 611.º, ambos do Código do Processo Civil. 76. Não o fez e proferiu uma sentença que, salvo o devido respeito, constitui um exemplo claro de como não tramitar autos. 77. Esta má gestão processual que, independentemente do principal contribuinte da mesma, produziu uma sentença suscetível de recurso e, em consequência, de ser substituída por uma outra decisão adequada. 78. Uma das principais consequências da deficiente tramitação dos autos resultou na ausência da apreciação de parte da prova produzida. 79. Um dos erros notórios da decisão recorrida é a ausência de apreciação de parte da prova produzida como sucede, por exemplo, com as testemunhas (…), (…), (…) e (…). 80. Toda estas testemunhas foram inquiridas em sede de 1ª sessão de audiência de julgamento datada de 25 de setembro de 2023, conforme ata que se encontra junta aos autos. 81. Tratam-se, respetivamente, da avó materna do menor, do avô materno do menor, de uma amiga de longa data (16 anos) da recorrente, do padrasto do menor e uma amiga do casal, cuidadora do menor. Esta última testemunha foi arrolada pelo requerido. 82. Conclui-se, portanto, quer pelas gravações da inquirição de cada uma destas testemunhas quer pela relação familiar e social que têm com o menor e com os seus pais, que seriam importantes conhecedores da realidade do menor e de cada um dos seus progenitores. 83. Não obstante a manifesta razão de ciência de cada uma das testemunhas, somente as declarações do padrasto do menor e da testemunha (…) foram consideradas pelo tribunal recorrido. E tal verificou-se sem o tribunal justificar o porquê de, por um lado, valorar como fez as declarações destas duas testemunhas e, por outro, sem justificar o desprezo pelo conhecimento dos factos das restantes testemunhas. 84. A situação narrada constitui uma violação da sentença nos termos dos artigos 614.º e seguintes do Código do Processo Civil. 85. Tem feito escola na jurisprudência portuguesa e, em especial, nas decisões de primeira instância aplicar o regime de residência alternada de forma quase automática sem a devida ponderação das circunstâncias, dos factos e da capacidade de cada um dos progenitores para o exercício das responsabilidades parentais. 86. Todavia, a jurisprudência assente ela própria na jurisprudência da sensatez, da cautela e do efetivo superior interesse das crianças, tem materializado decisões cujos fundamentos devem ser atendíveis. 87. Tais decisões constituem verdadeiras ponderações, recorrendo a vários elementos de reflexão cuja verificação ou ausência de verificação permitem aplicar ou não o regime de residência alternada. 88. Decorre da unanimidade da jurisprudência que o ponto de partida deve ser o regime de residência alternada, sendo o mesmo afastado caso se no caso concreto se demonstrar desadequado e se não garantir o superior interesse da criança. 89. Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido a 30 de maio de 2023, no âmbito do processo n.º 1362/18.9T8CLD-A.C1, I – Como critério orientador da decisão quanto à residência do menor, surge o interesse superior da criança e o seu direito a manter relações estáveis e gratificantes com ambos os progenitores. II – A mudança de paradigma impõe que a residência alternada surja hoje, não só, como uma das soluções a equacionar, mas ainda que, na tomada de decisão sobre a entrega da criança, se deva avaliar, em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não for aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe. III – A atual idade da menor – seis anos de idade – não pode ser considerada “tenra idade” para o efeito de obstar, ou sequer desaconselhar, a alteração da residência junto da mãe para um regime de residência alternada, constituindo circunstância superveniente com influência na determinação do regime de responsabilidades parentais. 90. Posto isto, afigura-se que também nesta sentença se recorreu às decisões sumárias e automáticas sem ter em linha de conta as particularidades do caso concreto. 91. Foi desconsiderada a posição assumida pelo menor (…) que desde cedo afirmou o que pensava sobre os destinos da sua vida. Constitui um exemplo maior as declarações que prestou perante o Mmo. Juiz do tribunal recorrido. 92. A 5 de dezembro de 2012, o menor (…) já manifestava resistência à presença e convívios com o pai, conforme declarado pelo tribunal recorrido que considerou o facto como provado. 93. As limitações à aplicação do regime de residência alternada existem no caso concreto. A elevada conflitualidade, a incapacidade dos progenitores desde uma fase muito precoce após a separação e difícil concertação de vontades entre os progenitores são marcas de água do exercício das responsabilidades parentais. 94. Neste sentido, questiona-se de que modo se espera que uma residência alternada para esta criança alcance a serenidade quando atualmente, com a residência junto da progenitora, a comunicação entre os progenitores é pouco ou nada cordial à qual acresce a conflitualidade com gestão da vida quotidiana do menor. 95. Por último, no que diz respeito ao facto considerado como não provado – Que os episódios de ansiedade que originaram a necessidade de a criança ter acompanhamento pedo-psiquiátrico tivessem origem nos comportamentos de violência doméstica a que tinha assistido e que teriam sido adoptados pelo pai em relação à mãe – a recorrente é obrigada a tomar uma posição. 96. Discorda a recorrente da conclusão a que chegou o tribunal recorrido em virtude da mesma violar as regras da experiência comum. 97. Não se trata de questionar ou repetir a discussão sobre a veracidade dos factos que relatam episódios de violência do recorrido perante a recorrente. Sabe a recorrente que não será nestes autos que irá ver a sua posição de vítima de violência doméstica justamente reconhecida. Porém, não poderia o tribunal desconsiderar os episódios relatados pelos progenitores e, em especial, pelo menor (...). 98. Dito de outro modo, não se trata de discutir da ilicitude comportamento do recorrido, mas saber se os referidos episódios de altercação entre os progenitores são aptos de provocar ansiedade na criança. 99. Ora, dúvidas não subsistem que, como em qualquer caso em que os progenitores litigam pelas responsabilidades parentais dos filhos, estes acabam por absorver as consequências dos comportamentos menos sensatos dos progenitores litigantes. 100. Neste sentido, o facto considerado como não provado, deveria, sim, ter sido considerado como provado. E junto aos autos todos os meios de prova indicam que o menor sofreu quer com as altercações existentes à época entre os progenitores quer com o afastamento do seu centro de vida.” Perante tais conclusões, pede que: “a) Seja a sentença recorrida revogada por Acórdão proferido por este douto Tribunal no sentido de manter a residência do menor junto da progenitora, sem prejuízo dos convívios quinzenais com o progenitor; b) Anule a sentença proferida pelo tribunal recorrido por padecer de vícios insanáveis, conforme disposto no artigo 615.º e seguintes do Código do Processo Civil; c) Alternativamente, seja determinada a descida à primeira instância para repetição do julgamento, nos termos do artigo 669.º do Código do Processo Civil”. O Requerente contra-alegou, manifestando total concordância com a sentença proferida nos autos. Para além disso, juntou aos autos contrato de arrendamento de imóvel para habitação na freguesia de (…), concelho de Palmela, que foi admitido pelo tribunal. O Ministério Público junto do tribunal a quo aderiu igualmente ao decidido, de modo genérico. 1.1. Questões a decidir São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objetivamente a esfera de atuação do Tribunal ad quem, sendo certo que, tal limitação, não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, doravante CPC), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso. No presente caso e tendo em conta as Conclusões da Recorrente importa decidir: 1. Se a sentença padece de algum vício que ponha em causa a sua validade; 2. Se deve ser alterada a matéria de facto provada/não provada; 3. Se, face à matéria assente, deverá ser outra a solução do caso e, concretamente, se deverá ser fixada a residência da criança (…) junto da mãe, ao invés de se fixar (ainda que sob condição) um regime de residência alternada. * Cumpre decidir, cumpridos que foram os Vistos. 
 2. Fundamentação 2.1. O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto (que se transcreve na íntegra e sem quaisquer alterações): “1. A criança (…) nasceu em 03/08/2015, sendo filha da Requerente e do Requerido.  2.3.1 Questão prévia A Recorrente alegou, além do mais, que o período que decorreu entre o final do julgamento e a prolação da sentença “é manifestamente violador de todo e qualquer critério de razoabilidade razão pela qual deverá merecer a maior censura”, apontando ainda a má gestão processual. Ora, compulsados os autos verifica-se que, efetivamente, a última sessão da audiência de julgamento realizou-se a 22 de janeiro de 2024 e só foi proferida sentença a 18 de março de 2025, pelo que, o prazo para prolação de sentença de 30 dias previsto no artigo 607.º, n.º 1, do CPC foi largamente ultrapassado. Porém, tal prazo de 30 dias é geralmente entendido como ordinatório (isto é, trata-se de um prazo dirigido ao juiz, que deve ser observado) e não perentório, o que significa que o seu incumprimento não conduz automaticamente à nulidade da sentença ou a outras consequências processuais graves. E, do mesmo modo, o Tribunal da Relação não pode substituir-se ao juiz de 1ª instância na gestão corrente do processo. Assim, quanto a estas questões, poderia a Recorrente ter exposto objetivamente a situação ao Conselho Superior da Magistratura, órgão com competência disciplinar sobre os juízes, desconhecendo-se, por outro lado, se a secretaria deu cumprimento ao disposto no artigo 156.º, n.º 5, do CPC. Ainda assim, há que referir que, compulsados os autos, verifica-se que, no lapso temporal que mediou entre o encerramento da discussão da causa e a prolação de sentença – superior a 1 ano – nenhuma das partes requereu a alteração do regime provisório de exercício das responsabilidades parentais que já se encontrava fixado e que, tendo sido alegado e documentado pela Recorrente um facto relevante após aquele primeiro momento, relacionado com a sua relação laboral, foi o mesmo tido em consideração e dado como provado na sentença. Finalmente, há que referir que, sendo a vida dinâmica, em particular quando está em causa a vida familiar e o desenvolvimento de uma criança, mesmo quando proferidas no prazo legal, as decisões relativas a estas matérias correm o risco de comportar soluções desatualizadas ou, mesmo, desadequadas, sendo as consequências desta circunstância ultrapassáveis por via da possibilidade de alteração das decisões, própria dos processos de jurisdição voluntária (cfr. artigo 988.º, n.º 1, do CPC). Há, pois, que decidir se a sentença padece de vícios que devam ser reparados. 2.3.2 A não consideração de prova testemunhal produzida em audiência de julgamento Alega a Recorrente que um dos “erros notórios” da decisão recorrida é a ausência de apreciação de parte da prova produzida em audiência de julgamento, em concreto, o depoimento de várias testemunhas que, quer pela relação familiar e social que têm com a criança e com os seus pais, seriam importantes conhecedoras da realidade dos mesmos. Porém, somente as declarações do padrasto da criança e da testemunha Ana Ferreira foram consideradas pelo tribunal recorrido, sem que o mesmo justificasse a razão pela qual valorizou o depoimento de umas testemunhas e não valorizou o de outras. Considera, assim, que está em causa “uma violação da sentença nos termos dos artigos 614.º e seguintes do Código do Processo Civil”. Quanto a estas questões, alegou o Recorrido que a Recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto no artigo 640.º do CPC. Relida a sentença, verifica-se que na motivação da decisão de facto, escreveu-se: “O Tribunal relevou os depoimentos dos pais, bem como das testemunhas, … (padrasto da criança), … (amiga do pai e, antes, da mãe, tendo sido cuidadora da criança nos primeiros anos de vida desta), … (amiga da mãe e vizinha desta), … (vizinha e amiga da mãe), … (amiga do pai), … (irmã da testemunha, … e amiga do pai), … (amiga do pai e colega da mãe), mais se tendo em atenção os relatórios de ATE e os relatórios periciais, bem como demais documentos juntos nos autos”. E, de facto, nenhuma referência é feita ao depoimento das demais testemunhas, ouvidas na sessão de julgamento do dia 25 de setembro de 2023, conforme decorre da respetiva ata – vicio que a própria Recorrente não qualificou, limitando-se, de modo genérico, a alegar que se verifica a violação dos artigos 614.º e seguintes do CPC, supondo-se que pudesse entender como verificada a nulidade da sentença, por padecer do vício de falta de fundamentação de facto, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Assim, as “Causas de nulidade da sentença”, encontram-se taxativamente consagradas no referido preceito, que prevê o seguinte: “1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”. As nulidades da sentença constituem vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, reportando-se à estrutura, à inteligibilidade e aos limites, sendo vícios do silogismo judiciário inerentes à sua formação e à harmonia formal entre as premissas e a conclusão, que não podem ser confundidas com erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito. E, como vícios intrínsecos daquela peça processual, as nulidades da sentença são apreciadas em função do seu texto e do discurso lógico que nela é desenvolvido, não podendo ser confundidas com erros de julgamento de facto nem com erros de aplicação das normas jurídicas aos factos, que devem ser sindicados noutra sede. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, antes o mérito da relação material controvertida, nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso. No que diz respeito ao vício previsto no alínea b) do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC, há que referir, desde logo, ser frequente a confusão entre a nulidade da decisão (que conduz à anulação da sentença) e a discordância do resultado obtido. E no que concerne à insuficiência de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto, como a fundamentação dessa decisão (artigo 607.º, n.º 3 e 4), deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b) do n.º 1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do artigo 662.º, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d). Assim, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade, previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2025, pág. 793).  Como assinala o Conselheiro Tomé Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”. Importa, assim, antes de mais, verificar se a Recorrente observou os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, enunciados nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la. Quanto a este aspeto, entende o Apelado, como vimos, que tais ónus não foram devidamente observados. Assim, o n.º 1 do artigo 639.º consagrando o ónus de alegar e formular conclusões estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal. E o artigo 640.º, por seu turno, consagra o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no n.º 1, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras: a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…) d) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, págs. 155-156). Ora, no presente caso, a Recorrente faz referência a um concreto ponto da matéria de facto que considera incorretamente julgado, entendendo que deveria ser considerado provado, em sentido diametralmente oposto ao entendimento do tribunal a quo. Porém, para fundamentar a sua posição, limitou-se a apelar às regras de experiência comum, não cuidando, pois, de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação, que impunham decisão diversa da seguida pelo tribunal a quo. Assim sendo, rejeita-se a impugnação sobre a matéria de facto. 2.3.4 A decisão de mérito O tribunal a quo decidiu, como se viu, fixar um regime de residência alternada para o (…), no pressuposto objetivo de o pai passar a residir na proximidade da residência da mãe, com quem a criança vive (que impôs, como “obrigação”, solução que merece reservas mas que não foi posta em crise pelo visado, tendo sido, até, observada). Para o efeito, considerou, em primeiro lugar, que inexistem fatores de risco na fixação da residência da criança, quer junto do pai, quer da mãe e, em segundo lugar, que existem sinais de alienação parental por parte da mãe, os quais, porém, não são impeditivos da fixação da residência da criança com a mesma, tanto mais que o regime provisório de convívio com o pai, fixado em dezembro de 2022, tem sido observado e esbateu-se a rejeição da criança ao pai. Ponderadas estas circunstâncias, defendeu que a residência alternada será “melhor para o (…)”, por permitir atenuar os perigos de afastamento da figura paterna que se verificaram no caso “e que ainda poderão persistir ou ser reactivados, atento o discurso da própria criança quando ouvida pelo Tribunal”. E escreveu ainda, para concluir, que “Com efeito, longe de, como a mãe referir, o conflito parental ser impeditivo de tal regime, deve o Tribunal evitar que os pais criem e fomentem tal conflito para, depois, com base na sua existência, justificarem a impossibilidade do mesmo. Ora, foi a mãe quem impediu o regime de residência alternada ao mudar unilateralmente a residência e a escola do filho, assim fazendo aumentar o conflito parental. Foi também a mãe quem não cumpriu com o regime de residência alternada no período entre setembro e dezembro de 2022. Ou seja, não pode, nem deve, o Tribunal beneficiar o infractor. No mesmo sentido, refira-se que a progenitora, embora tendo mudado aparentemente de horário de trabalho e fazendo, por regra, agora apenas voos da parte do dia que lhe permitem dormir em casa todos os dias da semana, ainda está sujeita, por inerência das necessidades de serviço da sua entidade patronal, a períodos em que necessariamente terá de dormir alguns dias fora de casa, o que também aconselha à fixação do regime de residência alternada por ser aconselhável que a criança (tal como, de resto, previsto no primeiro acordo de regulação) possa estar mais tempo com o pai nessas alturas. Ainda nesse sentido, note-se que a aparente rejeição da criança da figura paterna mostra-se, como referido, influenciada pela progenitora, não sendo, no entanto, e como demonstra, de resto, o cumprimento dos convívios depois de dezembro de 2022, “verdadeira” no sentido de corresponder aos sentimentos reais do (…), o qual precisamente referiu várias vezes em Tribunal que estava baralhado com as informações contraditórias que os pais lhe davam e que já não sabia o que era verdade ou mentira. Ora, precisamente, por isso, porque se trata de uma vontade altamente contaminada pelos contributos negativos dos pais (em particular, com mais sucesso da parte da progenitora), não deve tal factor influenciar a decisão quanto ao regime de residência a fixar, entendendo-se, como se entende, pelos motivos invocados que o regime de residência alternada é mais benéfico para o (…)”.  Discordando desta solução, a Recorrente alegou que o tribunal desconsiderou a posição do (…), que manifestou resistência ao convívio com o pai, assim como desconsiderou “a elevada conflitualidade” entre os pais e a “difícil concertação de vontades entre os progenitores”, para concluir que deve ser mantida a residência do filho junto de si, “sem prejuízo dos convívios quinzenais com o progenitor”. São, pois, estes os fundamentos da discordância da Recorrente quanto à decisão da primeira instância. O Recorrido, por seu turno, após alegar e provar documentalmente a celebração de contrato de arrendamento de um imóvel sito na freguesia de (…), concelho de Palmela, com início a 6 de maio de 2025, concluiu, manifestando a sua concordância com o decidido pelo tribunal a quo. Há, pois, que decidir se assiste ou não razão à Recorrente. Para tal e tendo presentes os argumentos da Recorrente, há que ponderar, desde logo, se o tribunal tomou ou não em consideração a posição manifestada pelo (...) e, por outro, se a alegada relação conflituosa entre os progenitores é impeditiva da fixação de um regime de residência alternada. Assim: 2.3.4.1. A vontade manifestada pela criança (…) O artigo 4.º do RGPTC prevê como um dos critérios orientadores dos processos tutelares cíveis a audição da criança, dispondo a alínea c) do n.º 1 que “a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse”.  2.3.4.2. A relação de conflito entre os progenitores constitui circunstância impeditiva da fixação de um regime de residência alternada? Conforme decorre da conjugação do disposto nos artigos 1874.º, n.º 2, 1878.º, n.º 1, e 1879.º do Código Civil, mesmo durante a vida em comum, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens. Em caso de divórcio ou separação, as responsabilidades parentais mantêm-se e devem ser exercidas no superior interesse da criança, porquanto a dissolução do casal não extingue a sua co-parentalidade; ao invés, acentua a necessidade de uma atitude de concertação e cooperação recíprocas, norteada pela necessidade de garantirem aos filhos a possibilidade de um desenvolvimento são e harmonioso, assegurando o seu bem-estar emocional e as suas necessidades materiais. Ora, sendo indiscutível, face ao previsto nos artigos 1906.º do CC e artigo 40.º do RGPTC, que o superior interesse da criança é o critério orientador essencial que há-de conduzir o julgador na resolução das questões atinentes ao exercício das responsabilidades parentais, conforme impõe, aliás, o artigo 3.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças, a partilha de responsabilidades e a manutenção de uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores será, em regra, a solução que melhor serve o seu interesse. É, pois, este interesse das crianças e jovens e não o interesse individual de cada um dos seus pais que assume efetiva relevância na ponderação de qual o melhor regime a escolher. Ora, se é verdade que, entre outras condições, um quadro de entendimento entre os progenitores é fator de sucesso de um regime de residência alternada, entendemos que a fixação do regime de residência alternada não poderá ficar dependente do acordo dos progenitores, devendo ser fixado pelo Tribunal sempre que, ponderadas as demais circunstâncias do caso, for de concluir que o superior interesse da criança o aconselha (cfr., neste sentido, acórdão deste TRE de 16/03/2023, relatora Albertina Pedroso e demais jurisprudência aí citada, in www.dgsi.pt). Com efeito, a Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, veio estabelecer as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho, em caso de divórcio ou separação, alterando o Código Civil, prevendo a atual redação do n.º 6 do artigo 1906.º que “Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos”. Tal alteração legislativa veio, pois, eliminar dúvidas quanto à possibilidade de ser fixado o regime de residência alternada, mesmo nos casos em que não haja acordo entre os progenitores nesse sentido, como acontece na situação em análise. Conclui-se, pois, que o facto de os pais manterem entre si uma relação de conflito não obsta à fixação de um regime de residência alternada. 2.3.4.3. A situação concreta do (…) Resta, então, saber se, face à matéria de facto assente, deve ser alterado o regime decretado pelo tribunal. Para tal, há que ter presente, em particular, a seguinte factualidade: - o (…) nasceu a 3 de agosto de 2015; - O (...) viveu com ambos os pais, em (…), até 2021, altura em que aqueles se separaram e a mãe passou a viver com o atual companheiro; - a mãe sofreu de depressão pós-parto e foi acompanhada em consulta de psiquiatria, não apresentando atualmente sintomatologia de doença do foro psicológico ou psiquiátrico; - a 5 de janeiro de 2022, os pais regularam, por acordo, o exercício das responsabilidades parentais quanto ao filho, fixando um regime de residência alternada por períodos semanais; - nos termos do referido acordo, sempre que algum dos pais tivesse que se ausentar por motivos profissionais ou outros, por períodos eu implicassem, pelo menos, uma pernoita, informaria o outro, que poderia ficar com o filho enquanto durasse o impedimento daquele; - em março de 2022 a Recorrente alterou a sua residência para Palmela, sem autorização prévia do Recorrido; - em julho desse ano, a Recorrente matriculou o filho numa escola no (…), sem dar conhecimento prévio ao Recorrido; - mesmo após tal alteração de residência, o (…) continuou a residir com ambos os pais, em semanas alternadas; - em junho de 2022, a psicóloga que então acompanhava o (…) deixou escrito em relatório que a separação dos progenitores poderia estar a ter impacto no menor, sendo que a criança parecia favorecer alianças, quer com a mãe, quer com o pai, que a incerteza sobre o que seria verdade e mentira relativamente ao que os progenitores diziam um sobre o outro geraria desregulação na criança e os conflitos entre os pais teriam um impacto negativo no seu bem-estar emocional; - o André não conviveu com o pai entre meados de agosto e dezembro de 2022, justificando a Recorrente este facto com a recusa do filho; - a 5 de dezembro de 2022 foi fixado, nos presentes autos, um regime provisório de convívio do (…) com o pai, que previa que os mesmos passavam juntos fins de semana alternados, entre sexta e segunda-feira e, para além disso, pernoitavam juntos um dia por semana; - a partir dessa data, foi retomado o convívio da criança com o pai, nos termos mencionados; - a início, o (…) dizia, na escola, que não queria estar com o pai; - a 3 de abril de 2023 foi deduzida acusação contra o Recorrido, tendo-lhe sido imputada a prática de um crime de violência doméstica na pessoa da Recorrente, sendo alguns dos factos descritos na acusação relacionados com o exercício das responsabilidades parentais, em particular, com o convívio da criança com ambos os pais e o relacionamento entre estes; - por sentença proferida a 19 de outubro de 2023, o Recorrido foi absolvido da prática daquele crime, tendo-se, porém, dado como provado que aquele e a Recorrente discutiram na presença do filho por causa de questões relacionadas com o exercício das responsabilidades parentais, em particular, por causa da pretensão daquela em ver alterados os dias em que ficaria com o filho; - Recorrente e Recorrido foram submetidos a avaliação psicológica, não tendo sido detetados indícios de alterações psico-patológicas que constituam impedimento ao adequado exercício das competências parentais, ainda que tenha sido identificado um “conflito inter-parental ativo e prolongado, com evidente quebra na comunicação entre os progenitores, sem que exista aparente preocupação pelo desenvolvimento e bem-estar do menor”; - ouvido em tribunal no dia 26 de outubro de 2023, o (…) verbalizou que não desejava viver com ambos os pais em semanas alternadas, que gostaria de passar mais tempo com a mãe e de passar com o pai apenas um fim de semana por mês, para além de um dia por semana; - o Recorrido foi piloto de aviação, encontrando-se reformado e auferindo uma pensão de reforma no valor de € 2.500,00 mensais; - quando visitava o filho, às terças e quintas-feiras, o Recorrido pernoitava com ele em hotéis ou unidades de alojamento local; - a Recorrente é hospedeira na (…), tendo obtido decisão por parte da Comissão para a Igualdade no Trabalho que recomendou à sua entidade patronal que lhe proporcionasse condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal. Já após conclusão do julgamento, o Recorrido juntou aos autos documento comprovativo da celebração de contrato de arrendamento na freguesia de (…), concelho de residência do filho, tendo o tribunal entendido, por despacho proferido a 1 de julho de 2025 e que não foi posto em crise, tal circunstância como suficiente para a execução do regime de residência alternada. *Perante esta factualidade, o que dizer? Desde logo, há que ter presente que não se trata aqui de regular ab initio o exercício das responsabilidades parentais e que, quando tal sucedeu, foi fixado, por acordo entre os pais da criança, o regime de residência alternada, numa altura em que todos residiam em (…). E, mesmo após a alteração da residência da Recorrente para Palmela, manteve-se tal regime de residência alternada durante alguns meses, ainda que com evidente desgaste físico (pelo menos…) por parte da criança, decorrente das deslocações a que era obrigada nos dias em que ficava com o pai em (…). E a verdade é que, quando instaurou a ação, a Recorrente pretendia apenas a alteração dos termos concretos em que era praticada a residência alternada, com vista a torná-la compatível com os seus horários de trabalho e dias de folga (não fixos), tendo o litigio evoluído para uma situação mais extremada, em que pretende a fixação de um regime de residência única, consigo. Ora, as vantagens, em abstrato, da residência alternada têm sido amplamente explanadas na jurisprudência. A título de exemplo, veja-se o que se escreveu no acórdão do TRE de 16/03/2023 (relatora Albertina Pedroso, in dgsi), no qual se cita o Acórdão do TRG, de 02.11.2017, que considera que “a residência alternada é o regime que melhor evita conflitos de lealdade e sentimentos de abandono ou de rutura afetiva. Só a residência alternada faz convergir os progenitores para a efetiva participação mútua na vida dos filhos, porque permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, ou seja, tal regime permite concretizar o princípio da igualdade de ambos os progenitores, no exercício das responsabilidades parentais”. E acrescenta: “Com efeito, a mudança de paradigma, também legal, “impõe que a residência alternada surja hoje, não só, como uma das soluções a equacionar, mas ainda que, na tomada de decisão sobre a entrega da criança, se deva avaliar, em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não for aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe”. Como se refere no acórdão deste Tribunal de 06.12.2018, a residência alternada «tem por norma como vantagem clara promover o contacto e consequente desenvolvimento de relações afetivas em termos iguais entre ambos os progenitores, bem como por esta forma possibilitar que ambos possam ter um papel ativo e responsável na educação e desenvolvimento da criança, satisfazendo o princípio da igualdade destes previsto quer na CRP (vide artigos 13.º e 36.º, n.ºs 3 e 5) quer na Convenção sobre os Direitos da Criança [CDC] (vide artigo 18.º desta última, adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990). Na guarda ou residência alternada, são reconhecidas como adicionais vantagens, a preservação da relação em modos igualitários com ambos os progenitores, em moldes similares à situação experienciada em momento anterior à separação, reduzindo o risco e a incidência da “alienação parental”, bem como o potencial conflito parental e consequentemente situações de incumprimento, entre outras (…)”. No caso em apreço, é evidente que os progenitores têm tido divergências e conflitos, especialmente, no que diz respeito à partilha do tempo que o filho pode/deve estar com cada um dos pais e, em particular, com o pai. E, a este propósito, são particularmente esclarecedoras as conclusões constantes do relatório de avaliação psicológica, quando se refere que “conseguimos identificar um conflito inter-parental ativo e prolongado, com evidente quebra na comunicação entre os progenitores, sem que exista aparente preocupação pelo desenvolvimento e bem-estar do menor. A angústia da criança foi evidenciada na avaliação anterior, podendo ser identificados comportamentos de instrumentalização por parte de ambos os progenitores, tais como, perguntar à criança questões intrusivas sobre o outro progenitor, humilhar ou rebaixar o outro progenitor na presença da criança, pedir à criança que esconda informação ao outro progenitor, e fazer com que a criança sinta que tem de esconder sentimentos positivos para com o outro progenitor” (sublinhado nosso). É também elucidativo que a Recorrente assente o seu recurso, essencialmente, num fundamento principal: o conflito parental. Ora, atentos os resultados da perícia, melhor seria que os pais se centrassem no que verdadeiramente importa: o bem-estar físico e emocional do seu filho. E que, de uma vez por todas, enterrassem os machados de guerra e interiorizassem que têm necessariamente que encontrar forma de agilizarem as questões referentes à vida do filho, de forma natural, protegendo-o e ajudando-se reciprocamente. Mas, ainda que persista o conflito (e sem prejuízo de medidas que, eventualmente, possam vir a ser aplicadas em sede de processo de promoção e proteção), como se referiu, não pode o mesmo ser impeditivo de uma residência alternada. Aliás, se assim fosse, poderia fomentar-se a verdadeira alienação parental e, no limite, o afastamento definitivo da criança em relação a um dos pais. Ao invés, deve entender-se que a alternância de residências será uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais, viabilizando a presença de ambos os pais na vida do filho, presença que é fundamental para o seu desenvolvimento integral e harmonioso, sendo dever dos pais garantirem o são desenvolvimento do seu filho através de uma atuação colaborante um com o outro, que revele sensatez e maturidade para alterarem pontualmente o estabelecido, por exemplo, quando um deles está mais disponível e o outro menos, tudo em prol da estabilidade afetiva e emocional da criança, evitando que esta se sinta no meio de um doloroso e confuso conflito de lealdades. Se agirem desse modo, a criança rapidamente sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e que é incondicional e naturalmente amada pelo pai e pela mãe. Em suma e acompanhando o que se escreveu no já mencionado acórdão do TRE de 16/03/2023, “devem os pais trabalhar os seus sentimentos, se necessário com recurso a ajuda profissional, dando prioridade aos reais interesses do filho, e aprendendo a desvalorizar o que hoje ainda vêem como problemas e conflitos inultrapassáveis entre ambos, os quais, assim queiram, o tempo se encarregará de colocar no lugar próprio…”. Assim e em suma, nada havendo de objetivamente obstaculizante ao exercício responsável da parentalidade por cada um dos progenitores e sendo essa a solução que melhor garantirá ao (…) o acompanhamento por ambos os pais, em igualdade de circunstâncias, entendemos que não merece censura a decisão do tribunal a quo, que se deverá manter. Pelo exposto, a apelação da Recorrente improcede. 3. DECISÃO Pelas razões expostas, acorda-se nesta 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora, julgar improcedente o recurso e, em conformidade, manter a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique. * Évora, 2 de outubro de 2025 (Acórdão assinado digitalmente) Anabela Raimundo Fialho (Relatora) Miguel Teixeira (1º Adjunto) Rosa Barroso (2ª Adjunta) |