Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
734/17.0T8OLH.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: ALOJAMENTO LOCAL
PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
1 - Nas partes comuns de edifício constituído em propriedade horizontal não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das coisas comuns.
2 - Efetuadas inovações em partes comuns, que prejudicam a utilização de terraço por parte dos condóminos que não são proprietários da fração autónoma a que as obras aproveitam, não existe obstáculo legal a que o tribunal reconheça a ilegalidade e determine que, em face da mesma, seja reposto o status quo ante ordenando, de acordo com o peticionado, a condenação dos réus na demolição das obras.
3 - Ressaltando do título constitutivo da propriedade horizontal que determinada fração se destina à habitação, não existe, em princípio, impedimento a que o seu proprietário a afete a alojamento local de turistas na modalidade de “Apartamento”.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


Vítor José Gonçalves Francisco e Cristina Maria Quintino Mimoso Francisco, casados entre si, intentaram ação declarativa de condenação com processo comum, contra Lee Blackwell, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de Competência Genérica de Olhão - Juiz 2), peticionando a condenação desta a:
1. Abster-se de praticar atos que diminuam, alterem, ou modifiquem o gozo e o exercício do direito de propriedade aos Autores, por ela própria ou por interpostas pessoas, nas partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal identificado na petição inicial;
2. Restituir aos Autores o uso e a fruição, em pleno, do seu direito de propriedade, retirando as restrições de acesso ao terraço do lado poente, nomeadamente os muros, as vedações e a porta de acesso ao mesmo, restituindo o uso pleno e fruição do terraço;
3. Pagar aos Autores a quantia indemnizatória de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros) pelo tempo que os mesmos estiveram privados do uso e fruição do terraço e em que viram assim diminuído e restringido o seu direito de propriedade;
4. Usar a sua fração de acordo com o fim habitacional que lhe está destinado e que consta do título constitutivo da propriedade horizontal, não a usando para exercer uma atividade comercial, oferecendo um serviço, mediante determinado preço, com vista ao lucro, em tudo semelhante a um hotel, a uma pensão ou a um hostel;
5. Pagar aos Autores a quantia de 3.000,00€ (três mil euros) a título indemnizatório pela privação do uso pleno da propriedade pelos Autores e pelo elevado transtorno que sofreram pela falta de privacidade e segurança, devido à enorme quantidade de pessoas estranhas ao condomínio e que dele fazem uso.
Como sustentáculo do peticionado alegam, em síntese:
- Os autores e a ré são proprietários, respetivamente, das frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B”, correspondentes ao 1.º andar do prédio urbano descrito nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial, constituído em propriedade horizontal, sendo também comproprietários das partes comuns do prédio na medida da permilagem das respetivas frações;
- A ré vem ocupando e fruindo de forma exclusiva da parte poente do terraço do prédio em apreço, impedindo os autores de ao mesmo aceder e de o utilizarem, terraço que constitui parte comum do prédio, não estando prevista no título constitutivo da propriedade horizontal a afetação de áreas comuns à fração da ré, pelo que tal ocupação exclusiva é ilegítima e priva os autores de usar e fruir em pleno do seu direito de compropriedade em relação ao referido terraço, provocando-lhe danos;
- A ré tem vindo a utilizar a sua fração para “alojamento local”, dando-lhe, um uso diverso daquele a que a mesma se destina, de acordo com o título constitutivo da propriedade horizontal – habitação;
- O uso dado à fração pela ré é causa de perda de privacidade pelos autores, de níveis de ruído elevados, e de aumento de insegurança, que os priva do uso e fruição pleno da sua propriedade.
Citada a ré veio contestar invocando, em síntese:
- Existência de abuso de direito por parte dos autores, na medida em que, quando adquiriram a sua fração, em 2008, já tinham conhecimento da existência do acordo firmado entre os anteriores proprietários de ambas as frações, pelo qual declararam que, quanto ao uso do terraço, a parte nascente ficaria adstrita ao uso particular da então proprietária da fração “A” e a parte poente ao uso particular do então proprietário da fração “B”, nunca tendo os autores mostrado qualquer discordância, antes se conformaram e atuaram de acordo com o mesmo;
- Tal acordo manteve-se entre os autores e o anterior proprietário da fração que atualmente é da ré, e que foi por esta adquirida em 2014, já com os muros e a vedação erigidos, pelo que houve uma aceitação tácita, pelos autores, do conteúdo do referido acordo celebrado entre os anteriores proprietários, o que criou na Ré a confiança de que os Autores iriam manter o acordado quanto ao uso do terraço;
- A utilização de uma fração destinada a habitação para efeitos de alojamento local, não altera o destino da mesma, e que a exploração da fração “B” para alojamento local se encontra registada, na titularidade da ré, inexistindo a perda de privacidade e elevado ruído alegado pelos autores, tanto mais que os mesmos residem em França e só utilizam a fração “A” nos meses de Verão.
Pedem a improcedência da ação e a condenação dos autores como litigantes de má fé.
Na resposta, vieram, além do mais, os autores alegar a atuação da ré como litigante de má fé e requerer a respetiva condenação em multa.
Saneado o processo e realizada audiência final veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:
Por todo o supra exposto e ao abrigo das disposições legais enunciadas, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decide-se:
a) Condenar a Ré a abster-se de praticar atos que diminuam, alterem, ou modifiquem o gozo e o exercício do direito de compropriedade dos Autores sobre as partes comuns do prédio identificado no ponto 1 dos factos provados;
b) Condenar a Ré a restituir aos Autores o acesso, uso e fruição da parte poente do terraço do prédio, retirando as restrições de acesso, nomeadamente os muros, as vedações e a porta de acesso ao mesmo;
c) Condenar a Ré a abster-se de utilizar a sua fração para fim diverso do fim habitacional que lhe está destinado e que consta do título constitutivo da propriedade horizontal, e abster-se de, na mesma, exercer qualquer tipo de atividade, designadamente a de alojamento local;
d) Absolver a Ré do demais peticionado pelos Autores;
e) Absolver os Autores do pedido de condenação como litigantes de má fé, deduzido pela Ré;
f) Absolver a Ré do pedido de condenação como litigante de má fé, deduzido pelos Autores.
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Custas a cargo dos Autores, em partes iguais, e da Ré na proporção do decaimento de 40% e 60% respetivamente (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 528.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
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Inconformada com a sentença, veio a ré interpor o presente recurso de apelação, formulando nas suas alegações, as seguintes conclusões:
I - É objeto deste recurso a douta decisão, de que se discorda, proferida nos autos acima identificados e que decidiu pela condenação da Ré em:
a) Abster-se de praticar atos que diminuam, alterem, ou modifiquem o gozo e o exercício do direito de compropriedade dos Autores sobre as partes comuns do prédio identificado;
b) Restituir aos Autores o acesso, uso e fruição da parte poente do terraço do prédio, retirando as restrições de acesso, nomeadamente os muros, as vedações e a porta de acesso ao mesmo;
c) Abster-se de utilizar a sua fração para fim diverso do fim habitacional que lhe está destinado e que consta do título constitutivo da propriedade horizontal, e abster-se de, na mesma, exercer qualquer tipo de atividade, designadamente a de alojamento local.
II -A douta Sentença Recorrida defende que os Autores não se conformaram com a utilização exclusiva de parte do terraço pela Ré, nem que nunca se tenham oposto a tal utilização, devendo a Ré abster-se de atos que coloquem em causa o direito dos Autores na utilização do terraço, removendo os obstáculos existentes.
III - Todavia, não é essa a interpretação que resulta dos factos julgados, constante dos autos, mas sim a de que os Autores se conformaram com a situação real existente no prédio, agindo agora em abuso de direito, na modalidade de suppressio.
IV - Por outro lado, os muros/vedações existentes no terraço não foram construídos pela Ré, tendo os Autores conhecimento da sua existência aquando da aquisição da sua fração.
V - Aliás, desde sempre os Autores conhecem o terraço e sua utilização distinta, visto que viveram, enquanto arrendatários e só muito depois enquanto proprietários, tanto que o usam de forma privativa também, fechando a porta da sua parte à chave e utilizando de forma independente e livre, sem que a Ré tenha acesso ou uso.
VI - Razão pela qual não deverá a Ré ser condenada a cessar a utilização do terraço nos exatos termos em que o tem feito, bem como não deverá ser condenada a retirar os muros/vedações. Caso assim não se entenda, deverão os custos com a remoção ser divididos entre ambas as partes.
VII - Por último, a utilização da fração autónoma para alojamento local não afeta o seu fim habitacional.
VIII - Não se pode confundir uma eventual atividade comercial da Ré, com o fim a que foi destinada a fração autónoma no título de constituição da propriedade horizontal.
IX - Pode a atividade de alojamento local ser praticada em imóveis destinados à habitação.
X - Face ao exposto, o douto Tribunal não andou bem quando tomou a decisão ora contestada, devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que transcreva o exposto supra, como é de direito e justiça.

Foram apresentadas alegações por parte dos recorridos, nelas pugnando pela manutenção do julgado.
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Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2 todos do CPC).

Assim, conforme emerge das conclusões, as questões nucleares em apreciação são as seguintes:
1ª - Do exercício abusivo do direito por parte dos autores;
2ª - Da utilização exclusiva pela ré de parte do terraço, enquanto parte comum do edifício;
3ª - Da utilização pela ré da sua fração autónoma para a atividade de alojamento local.

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria factual:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob o n.º 1222/19920318, da freguesia de Olhão, o prédio urbano situado no Gaveto da Rua do Sol Posto, n.º 35, Rua do Moinho Barreta, n.º 7 e Rua Projetada ao Largo da Feira, correspondente a edifício composto de dois pisos.
2. Pela Ap. 5 de 2004/09/09 foi registada a constituição da propriedade horizontal do prédio referido em 1, composto pelas frações autónomas A e B.
3. A fração autónoma referida em 2 como “fração A” encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob o n.º 1222/19920318-A, da freguesia de Olhão, com a seguinte composição: primeiro piso – apartamento número um – destinada a habitação com várias divisões.
4. Pela Ap. 6 de 2008/07/24 foi registada a aquisição da propriedade da fração referida em 3, a favor dos Autores, por compra a Isa Manuela Ferro Leal Bernardino.
5. A fração autónoma referida em 2 como “fração B” encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Olhão, sob o n.º 1222/19920318-B, da freguesia de Olhão, com a seguinte composição: segundo piso - apartamento número dois - destinada a habitação com várias divisões.
6. Pela Ap. 649 de 2014/08/06 foi registada a aquisição da propriedade da fração referida em 5, a favor da Ré, por compra a José Carlos Tavares Gonçalves.
7. A propriedade horizontal do prédio referido em 1 foi constituída por escritura pública outorgada em 30 de Agosto de 2004, da qual consta, além do mais, o seguinte:
Que pela presente escritura constitui o identificado prédio (…) em regime de propriedade horizontal, com as seguintes frações autónomas:
- Fração A – primeiro piso, Apartamento número um, destinada a habitação (…)
- Fração B – Segundo piso, Apartamento número dois, destinada a habitação (…)
Que as frações atrás mencionadas constituem unidades autónomas e são suficientemente distintas e isoladas entre si, e que as restantes partes do prédio não individualizadas ficam em comum nos termos da lei”.
8. No documento de constituição da propriedade horizontal do prédio referido em 1, constante no processo de obras n.º 39162-A, arquivado na Câmara Municipal de Olhão, consta que “São zonas comuns às frações autónomas – Cobertura, terraço, átrio comum onde se desenvolve o acesso vertical (escada de acesso à fração B e terraço)”.
9. Por documento com data de 22.04.2005, Isa Manuela Ferro Leal Bernardino declarou, na qualidade de proprietária da fração autónoma referida em 3, que “em relação ao uso das partes comuns do prédio – terraço, o uso da parte nascente fica adstrita a seu uso particular e a parte poente fica adstrita ao uso particular de José Carlos Tavares Gonçalves, casado, residente no Sítio do Poço dos Terreiros, c.p. n.º 452 – A, São Brás de Alportel, portador do B.I. n.º 11175954, emitido em 08/06/2000, contribuinte fiscal n.º 199.057.966, e Mabília da Conceição Tavares Gonçalves, viúva, residente no Sítio da Fonte do Mouro, c.p. n.º 265 – A, portadora do B.I. n.º 9409148, emitido em 19/05/2003 pelos S.I.C. de Lisboa, contribuinte fiscal n.º 186.102.658.”
10. A declaração escrita referida em 9 foi assinada pela referida Isa Manuela Ferro Leal Bernardino e por José Carlos Tavares Gonçalves.
11. A parte poente da cobertura/terraço do prédio referido em 1 encontra-se murada e vedada, e a porta de acesso fechada à chave, sendo exclusivamente ocupada e usada pela Ré.
12. Os Autores não têm acesso à parte poente da cobertura/terraço, referida em 10, encontrando-se impedidos de utilizar e fruir da mesma.
13. Aquando da aquisição, pela Ré, da fração referida em 5, foi a mesma informada do teor da declaração referida em 9 e 10.
14. Aquando da aquisição, pela Ré, da fração referida em 5, os muros e vedações da cobertura/terraço do lado poente já se encontravam erigidos e concluídos.
15. A possibilidade de uso exclusivo da cobertura/terraço do lado poente foi um dos fatores determinantes para a aquisição, pela Ré, da fração referida em 5.
16. A fração referida em 5 encontra-se a ser explorada, pela Ré, para Alojamento Local, tendo sido efetuado o respetivo registo obrigatório, através de mera comunicação prévia junto da Câmara Municipal de Olhão, através do sítio na internet “Balcão do Empreendedor”, em 31.05.2015.
17. A exploração da fração referida em 5 para Alojamento Local encontra-se registada com o n.º 14733/AL, sendo o seu titular a Ré.
18. Os Autores residem habitualmente em França, onde se encontram emigrados, só habitando a fração referida em 3 durante dois a três meses no Verão e em épocas festivas.

Foram considerados não provados os seguintes factos:
A. Foi a Ré quem vedou e murou a parte poente da cobertura/terraço do prédio referido em 1, após aquisição da fração referida em 5.
B. Os Autores foram informados, aquando da aquisição da fração referida em 3, da existência da declaração referida em 9 e 10, da mesma tendo tomado conhecimento.
C. Os Autores atuaram de acordo com o constante da declaração referida em 9 e 10, tendo-se mantido um acordo entre os Autores e o anterior proprietário da fração referida em 5, José Carlos Tavares Gonçalves.
D. Até ao ano de 2017, os Autores nunca manifestaram oposição ao uso exclusivo da cobertura/terraço do lado poente, pela Ré.
E. Os Autores criaram, na Ré, a convicção de que a declaração referida em 9 e 10 seria por aqueles respeitada, atenta a sua atuação desde que adquiriram a fração referida em 3, nos termos referidos em C e D.
F. Os Autores comunicaram à Ré, por carta datada de 11.11.2014, a sua oposição à utilização exclusiva, por esta, da cobertura/terraço do lado poente.
G. Em virtude da exploração, pela Ré, da fração referida em 5 para Alojamento Local, os Autores perderam a sua privacidade, viram a sua segurança reduzida e o seu sossego perturbado pelo ruído provocado pela constante entrada e saída de pessoas do prédio.

Questão prévia
A recorrente dá a entender nas suas alegações que pretende pôr em causa o julgado de facto, mas nas conclusões que apresentou (sendo estas que verdadeiramente delimitam o objeto do recurso e a área de intervenção do tribunal ad quem, podendo haver restrição tácita, quando tal resulte do respetivo teor)[1] não se dignou especificar o(s) concreto(s) ponto(s) de facto(s) que consideram ter(em) sido incorretamente julgado(s) nem a decisão que, no seu entender, devia ser proferida, muito embora nas alegações tenha argumentado sobre a menor ou maior valoração dos depoimentos que foram produzidos.
A pretensão de impugnação da matéria de facto por alegado erro de julgamento deve obedecer às especificações obrigatórias impostas pelo art. 640º do Código de Processo Civil, sendo que, no caso concreto, para nós, tal não se verifica.
Dispõe o nº 1 da referida disposição legal que “ Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E o nº 2 refere: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”
A recorrente nas conclusões, não alude a qualquer facto que tenha sido incorretamente julgado, nem especifica nem concretizam a sua discordância com a indicação exata das passagens da gravação relativas a cada um dos depoimentos testemunhais, como impõe a citada disposição legal em conjugação com nº 1 do art. 639º do CPC, bem como não afirmam o conteúdo da decisão que deve incidir sobre determinada questão de facto.
Efetivamente, sem margem para dúvidas a lei impõe que o recorrente, nas conclusões, pois são elas que delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, por um lado, indique os concretos pontos e facto que considera incorretamente julgados[2] e, por outro, deixe expressa a decisão que em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha de reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.[3]
Na verdade a lei não se contenta em que o recorrente diga qual a matéria e facto que considera incorretamente julgada, impondo-se além disso que indique a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, devendo estas menções integrar o conteúdo das conclusões da sua alegação… pelo que o incumprimento deste ónus tem a cominação prevista no n.º 1 do mencionado preceito (artº 640º do CPC) - rejeição do recurso.[4]
As exigências ou ónus impostos pela Lei compreendem-se, quer à luz do princípio da cooperação, impondo ao recorrente invocar os “concretos aspetos do conteúdo dos depoimentos em que se baseia”, direcionando a ponderação do Tribunal ad quema partir de algo das afirmações concretas” quer à luz “o princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”, pelo que o seu não cumprimento importa a rejeição do recurso no que concerne a tal segmento, uma vez que da redação da al. a) do n.º 2 do artº 640º do CPC, onde se menciona expressamente “imediata rejeição” não permite que haja possibilidade da parte recorrente solucionar qualquer falta por meio de eventual despacho de aperfeiçoamento. O mesmo acontecendo com as obrigações impostas pelo n.º 1 do citado dispositivo, designadamente a referente ao ónus de indicação, nas conclusões, da resposta que no entender do recorrente deve ser dado às questões de facto impugnadas. (v. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 129; Cardona Ferreira in Guia dos Recursos em Processo Civil, 5ª edição, 168, 169; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro in Primeiras Notas ao Novo CPC, 2014, vol. II, 55; Amâncio Ferreira in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, 170; Lopes do Rego in Comentário ao C.P.C., 585; Acs. do STJ de 29/01/2014, no processo 813/08.5TBFLG.G1.S1, de 15/09/2011 no processo 455/07.2TBCCH.E1.S1 e de 19/02/2015 no processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 27/10/2016 no processo 3176/11.8TBCCL.G1.S1, bem como Acs. do TRL de 18/02/2014 no processo 263/11.6TBPNI-F.L1-1 e do TRG de 08/01/2015 no processo 1514/12.5TBBRG.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Nestes termos, rejeita-se o (eventual) recurso da decisão relativa à matéria de facto, atento o disposto no artº 640º, nºs 1 e 2 do CPC, já que vem sendo entendimento do STJ (ao que cremos reiterado) que a rejeição da impugnação da matéria de facto não está dependente da observância prévia do contraditório.[5]

Conhecendo da 1ª questão
Em face da manutenção na sua integralidade do julgado de facto, entendemos ser de sufragar a posição expressa na sentença recorrida por parte do Julgador a quo no que respeita ao invocado abuso de direito por parte dos autores na instauração da presente ação visando pôr fim à utilização exclusiva que ré vem fazendo de parte do terraço, pelo que se passa a transcrever a respetiva motivação:
«Invocou, a Ré, a aceitação tácita, por parte dos Autores, do uso exclusivo do terraço nos termos constantes da declaração escrita supra referida, bem como, o abuso de direito por parte dos Autores.
Segundo dispõe o artigo 334.º do Código Civil: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Seguindo os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, volume I, 4.ª edição, pagina 299, “o exercício de um direito só poderá ser ilegítimo quando houver manifesto abuso, ou seja, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma clamorosa ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante”.
A conceção adotada, na lei, para a determinação da atuação manifestamente abusiva em que se traduz o abuso de direito é a objetiva, ou seja, não é necessário apurar-se se o agente tem consciência do excesso, basta a verificação deste.
Ocorrerá abuso de direito quando um determinado direito, em si mesmo válido, seja exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante da comunidade social.
Como adverte Carvalho Fernandes, ao abordar o abuso de direito no que respeita aos direitos reais, “o sentido fundamental do instituto, quando interessa à fixação do conteúdo dos direitos reais, é o de não permitir o exercício das faculdades que o integram em termos que afetam interesses sociais relevantes” – in “Lições de Direitos Reais”, 5.ª ed., pág. 204.
Daí que o apelo a tal instituto deva estar reservado para ultrapassar situações em que o titular de um direito o exerce em termos tais que, na situação da relação jurídica concreta, seria injusto e manifestamente desproporcionado reconhecer-se a sua pretensão, a ponto de ser ferido o sentido de justiça socialmente dominante.
Pois bem, retornando ao caso em presença, e analisada a matéria de facto que resulta provada e não provada nos mesmos, facilmente se conclui que da matéria de facto provada não decorre um exercício, pelos Autores, do seu direito de compropriedade sobre a cobertura/terraço em apreço de modo tal que se mostre ferido ou ofendido o sentimento de justiça dominante na comunidade social.
Não se vislumbra, no caso em presença, um exercício do direito que se possa classificar como clamorosamente ofensivo da justiça, “traduzindo uma clamorosa ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante”.
Acresce considerar que a matéria de facto alegada pela Ré e na qual assentava esta alegação de abuso de direito – o conhecimento, pelos Autores, da já mencionada declaração escrita, a sua atuação em conformidade com o que resulta da mesma, a falta de oposição dos Autores ao uso exclusivo por parte da Ré, e a criação, pelos Autores, da convicção, na Ré, de que tal declaração escrita seria respeitada pelos Autores – resultou não provada.
Impõe-se, pois, sem necessidade de mais considerandos, julgar não verificado, por não provado, o invocado abuso de direito por parte dos Autores.»

Conhecendo da 2ª questão
Em face da posição das partes não há dúvida que ambas aceitam que o terraço em questão é uma das partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal, decorrendo do disposto no artº 1421º n.º 1 al. b) do CC que são comuns os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração, sendo certo que no título constitutivo da propriedade horizontal pode-se afetar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns., conforme estipulado n.º 3 da aludida norma legal.
O respetivo condómino exerce relativamente à sua fração, de forma plena e exclusiva o seu direito de propriedade, com as limitações, a este, inerentes, enquanto em relação às partes comuns, todos os condóminos exercem um direito de compropriedade, conforme decorre do disposto nos artigos 1421º e 1422º do CC.
No titulo constitutivo da propriedade horizontal, do prédio em causa, estabeleceu-se expressamente como zonas comuns às frações autónomas – Cobertura, terraço, átrio comum onde se desenvolve o acesso vertical (escada de acesso à fração B e terraço), - v. ponto 8 dos factos assentes), por isso a declaração efetuada pelos anteriores proprietários da fração A, datada de 22/04/2005 relativa ao uso do terraço, a que se alude no ponto 9 dos factos provados não assume a relevância que a recorrente dela pretende retirar, uma vez que não fazendo parte do título constitutivo, nem sequer foi levada a registo, não estando sequer provado que os autores foram informados, aquando da aquisição da fração, da existência da declaração tendo dela tomado conhecimento, conforme (cfr. facto não provado B).
Por seu turno, nos termos do art.º 1421º n.º 1 são partes imperativamente comuns os terraços de cobertura (cfr. al. b), e embora a ré não ponha em causa que o terraço onde foram realizadas obras seja parte comum do edifício, defende é que as obras não podem ser consideradas ilegais por terem tido a concordância e aceitação dos outros condóminos (anteriores donos da fração que hoje é propriedade dos autores).
Com se referiu, não podemos deixar de ter em conta que cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e é também comproprietário das partes comuns do edifício - art. 1420º, nº 1, do CC - sendo que o terraço em causa, é parte comum do prédio, - art. 1421º, nº 1, al. b) do CC, e nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações[6] capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das coisas comuns - art. 1425º n.º 2 do CC, na redação aplicável ao tempo).
No caso em apreço parece não haver dúvidas que estamos perante uma situação de obra que deve ser considerada como inovação, já que se trata de alteração de estrutura e de modificação da coisa comum com construção, na área do terraço do prédio, o qual passou a ser usado, em parte, exclusivamente, pela proprietária da fração B.
Como nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos das coisas comuns, não pode fazer-se inovação contra a vontade de qualquer condómino que se tenha por lesado (cfr. artº 1425º n.º 2 do CC na redação aplicável ao tempo) - (v. Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, 435; Francisco Pardal e Manuel da Fonseca in Da Propriedade Horizontal, 6ª edição, 254-255);
Donde as obras que tenham como consequência a privação de utilização das partes comuns por parte de algum dos condóminos, como acontece no caso em apreço, não podem prevalecer, pelo que a sanção aplicável ajustada é a destruição das mesmas (reconstituição natural com consequente recondução do edifício à situação em que se encontrava antes da execução da inovação) - (v. Pires de Lima e A. Varela in Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, 435; Ana Sofia Gomes in Assembleia de Condóminos, 2011, 127).
Estando-se perante inovações efetuadas nas partes comuns que prejudicam a utilização do terraço por parte dos condóminos que não são proprietários da fração autónoma a que as obras aproveitam, não permitidas por lei (cfr. artº 1425º n.º2 na versão aplicável à data) não existe obstáculo legal a que o tribunal reconheça a ilegalidade tal como foi afirmado pelos autores e é afirmado na sentença recorrida e determine que, em face da mesma, seja reposto o status quo ante ordenando, como foi pedido, a condenação dos réus na demolição das obras.
Assim, bem andou o Julgador a quo em condenar da Ré a abster-se de praticar atos que diminuam, alterem, ou modifiquem o gozo e o exercício do direito de compropriedade aos autores, por ela própria ou por interpostas pessoas, nas partes comuns do prédio em apreço, e a restituir- -lhes o uso e a fruição, do seu direito de compropriedade quanto às partes comuns, retirando as restrições de acesso ao terraço do lado poente, nomeadamente os muros, as vedações e a porta de acesso ao mesmo, suportando os respetivos custos.
Improcede, também, nesta vertente, a apelação.

Conhecendo da 3ª questão
Tendo sido dado como assente que a fração B, da qual a ré é proprietária encontra-se a ser explorada, por esta, para Alojamento Local, e tendo as frações do prédio, conforme consta no título constitutivo de propriedade horizontal, como finalidade a habitação, foi entendido pelo Julgador a quo, estribado na jurisprudência resultante dos acórdãos do TRP de 27/04/2017, proferido no processo 13721/16.7T8PRT.P1 e TRL de 20/10/2016, proferido no processo 12579-16.0T8LSB.L1-8, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, que o destino dado à sua fração, pela ré, violava o fim a que se a mesma se destina e, desse modo, o disposto no artigo 1422.º, n.º 2, alínea c), do Código Civil, que dispõe que “é especialmente vedado ao condóminos” dar à sua fração “uso diverso do fim de que é destinada”.
A ré por sua vez defende que o destino que tem dado à sua fração – Alojamento Local – não põe em causa o fim habitacional a que a fração se destina, não se estando, assim, perante situação que configure uso diverso do habitacional constante no título constitutivo da propriedade horizontal.
A jurisprudência tem sido chamada a apreciar questões relacionadas com atividade do alojamento local em frações de prédios constituídos em propriedade horizontal em que o fim das mesmas é destinado à habitação tendo havido dissonância de posições.
É verdade que os acórdãos supra citados, nos quais se estribou o Julgador a quo, vão no sentido de considerar a atividade de alojamento local uma pura atividade comercial e, como tal, fora do alcance habitacional do destino que fora dado no título constitutivo às frações, mas há jurisprudência com entendimento diverso defendendo que o alojamento local de turistas, não pode ser considerado uma pura atividade comercial, cabendo no conceito de habitação a que as frações são destinadas no título constitutivo de propriedade horizontal.
Pois, como se salienta no Ac. do TRP de 15/09/2016,[7] se no título constitutivo da propriedade horizontal apenas se estabelece que determinada fração se destina à habitação, não existe, impedimento a que o seu proprietário a afete a alojamento local de turistas, atendendo a que o conceito de alojamento está contido no conceito de habitação. No mesmo sentido vai o Ac. do TRP de 10/01/2019,[8] ao salientar que prevendo o título constitutivo da propriedade horizontal que determinada fração se destina à habitação, não existe, em princípio, impedimento a que o seu proprietário a afete a alojamento local de turistas, pois o conceito de alojamento, mais restrito, acha-se contido no conceito de habitação, de maior abrangência.
Por seu turno, no Ac. do STJ de 28/03/2017,[9] defende-se que embora constitua violação do conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal o exercício de atividade comercial ou industrial na fração que ali está destinada a habitação (art. 1418.º do CC), o arrendamento da fração a turistas por curtos períodos, designado por alojamento local, não é um ato de comércio, nem consta do art. 2.º do Código Comercial, pelo que na cedência onerosa de fração mobilada a turistas, a fração destina-se à respetiva habitação e não ao exercício de atividade comercial, donde respeita o conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal onde consta que determinada fração se destina a habitação, se essa fração for objeto de alojamento local.
Cabe determinar se no caso concreto se a fração de que a ré é proprietária e que é usada por ela no exercício da atividade do alojamento local, não excede o uso para habitação constante do título constitutivo, ou seja se não representa um uso para fim diverso, que é vedado pelo disposto na al. c) do artº 1422º do CC.
Quando a foi constituída, em 30/04/2005, no prédio em causa, a propriedade horizontal, ainda não se tinha tornado suficientemente público a realidade do alojamento local (nem sequer existia quadro normativo específico atinente a tal realidade), não sendo por isso crível que na mente de quem procedeu à constituição da propriedade horizontal já estivesse presente tal realidade para que a pudesse fazer constar no título, donde a falta de referência não pode ser interpretada como assentimento ou como rejeição do uso para esse fim, até porque a figura do alojamento local só foi criada pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, para enquadrar a prestação de serviços de alojamento temporário em estabelecimentos que não reunissem os requisitos legalmente exigidos para se qualificarem como empreendimentos turísticos.
Quando a ré a partir de junho de 2015, passou a exercer a atividade de alojamento local na fração regia sobre tal atividade o Dec. Lei 128/2014 de 29/08 do qual transparece que o alojamento local é uma atividade de prestação de serviços de alojamento temporário, realizada em estabelecimentos que reúnem determinados requisitos.
Para efeitos do artº 1422º do CC o conceito de fim de destino da fração deve ter-se em conta sempre a concreta utilização que é feita da fração e não ao que essa utilização representa ou ao modo como se organiza.[10]
No caso em apreço, apenas se sabe, conforme emerge do circunstancialismo provado que a fração propriedade a ré se destinava a habitação e que ela, após estar licenciada para o efeito, a utiliza para a atividade de alojamento local, pelo que à mingua de outros factos relativos às condições em que é efetuado o efetivo uso da fração, “entendemos que embora os conceitos de habitação e alojamento não sejam equivalentes, em princípio, o uso para habitação compreende o uso para alojamento, ainda que de turistas, na medida em que a utilidade que em concreto se retira da fração é em ambos os casos, a de permitir que pessoas se instalem na fração e aí pratiquem os atos privados da sua existência diária, como o descanso, a dormida, a alimentação, a higiene.”[11]
Só assim não será em “casos concretos em que a atividade possua um grau de organização e um nível de afetação de meios ou recursos que levem a que na fração sejam praticados atos que excedem aquelas utilidades e se inserem já numa lógica de atividade empresarial (v.g. munir a fração de um espaço para receber os turistas, com horário de funcionamento ao público, fornecer aos turistas refeições, alimentação ou outros serviços executados a fração). O que significa que para se poder afirmar que o uso para alojamento local é diverso do uso para habitação é necessário caracterizar devidamente a forma como esse alojamento é proporcionado e evidenciar que estamos perante uma atividade organizada em termos empresariais que ultrapassa a mera disponibilização da fração para os clientes usarem para o seu próprio alojamento.”[12]
Embora se possa presumir e admitir que o exercício da atividade de alojamento local permite criar conflitos com os restantes condóminos esses conflitos “poderão ser resolvidos através dos mecanismos de tutela de conflitos de direitos. O direito à tranquilidade e ao sossego dos residentes prevalecerá sobre o direito de propriedade do dono da fração e de aproveitamento económico da propriedade, tal como prevalecerá sobre o direito à liberdade de circulação dos turistas. No entanto, esse conflito deverá ser resolvido caso a caso, sempre que se demonstre a existência ou, ao menos, a fortíssima possibilidade de conflito relevante entre os direitos e de prejuízo real para o direito à tranquilidade e ao sossego dos residentes. A sensação de insegurança ou de desconforto que a mera presença no edifício em propriedade horizontal de estranhos pode gerar não nos parece suficiente para justificar a adoção judicial de uma medida de proibição de utilização da fração para alojamento local.”[13]
O legislador não desconhecendo as posições divergentes sobre tal problemática, muito embora tenha procedido à alteração do regime jurídico dos Estabelecimentos de Alojamento Local através da Lei n.º 62/2018, de 22/08 não tomou providências para esclarecer definitivamente a questão.
No entanto parece resultar que não quis criar obstáculos a que, em princípio, nas frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal destinadas a habitação se possa exercer a atividade de alojamento local.
Efetivamente, para além das modalidades Moradia, Estabelecimento de Hospedagem – Hostel e Quartos, foi criada a modalidade de alojamento local “Apartamento” definindo-a como sendo o estabelecimento de alojamento local cuja unidade de alojamento é constituída por uma fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente, emergindo do diploma legal que pode localizar-se em edifícios em regime de propriedade horizontal, impondo apenas nessa circunstância algumas regras específicas a cumprir, designadamente:
- O condomínio pode fixar o pagamento de uma contribuição adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns, com um limite máximo de 30% do valor da quota anual respetiva, a deliberar nos termos do artigo 1424.º do Código Civil, [ou seja, através de disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio].
- As despesas com as obras nas partes comuns que sejam necessárias à adaptação do imóvel à atividade de exploração de alojamento local correm por conta do titular da exploração.
- No livro de informações, obrigatoriamente disponibilizado aos hóspedes, em português, inglês e, pelo menos, em mais duas línguas estrangeiras, deve haver informação sobre o regulamento com as práticas e regras do condomínio relevantes para a utilização do alojamento e das partes comuns.
- O responsável do estabelecimento deve disponibilizar ao condomínio o seu contacto telefónico.
- Quando exista uma prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio ou que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos, a assembleia de condomínio pode, através de deliberação fundamentada de mais de metade da permilagem do edifício, opor-se ao exercício da atividade de alojamento local na fração, dando conhecimento ao presidente da câmara municipal que pode determinar a cessação de atividade do alojamento, através do cancelamento do registo, por um determinado período, que pode ir até 1 ano.
Em suma, diremos, que no caso em apreço, em face do circunstancialismo factual que se teve por provado e da motivação exposta, resulta que não existe impedimento legal a que a ré continue a exercer a atividade de alojamento local na sua fração, pelo se impõe, neste segmento, a revogação da sentença.

DECISÂO
Pelo exposto, nos termos supra referidos, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a ré a abster-se de utilizar a sua fração para o exercício da atividade de alojamento local.
Custas de parte por apelante e apelados, na proporção de metade.

Évora, 26 de setembro de 2019
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Maria da Graça Araújo

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[1] - cfr. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 85.
[2] - v. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 128.
[3] - v. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, 127; Rui Pinto in Notas ao Código Processo Civil, 1ª edição, 418.
[4] - v. Ac. do STJ de 07/07/2016 no processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] - v. por todos, Ac. do STJ de 27/10/2016 no processo 3176/11.8TBCCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] - No conceito de inovação tanto cabem as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa, como as modificações estabelecidas na sua afetação ou destino - cfr. Ac. do STJ de 01/06/2010 no processo 95/2000, disponível em www.dgsi.pt.
[7] No processo 4910/16.5TPRT-A.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] - No processo 2592/16.3T8PRT.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] - No processo 12579/16.0T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] - v. Aristides Rodrigues de Almeida in A atividade de exploração de estabelecimento de alojamento local in Revista Electrónica de Direito – Outubro de 2017 – n.º 3, 23.
[11] - v. Aristides Rodrigues de Almeida, ob. citada, 27.
[12] - v. Aristides Rodrigues de Almeida, ob. citada, 27.
[13] - v. Aristides Rodrigues de Almeida, ob. citada, 27.