Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO TRABALHADOR INDEPENDENTE DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA CULPA EXCLUSIVA | ||
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Data do Acordão: | 09/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. A segurança começa no planeamento e institucionalização de métodos de trabalho seguros e adequados, com controlo da sua efectiva aplicação, e essa responsabilidade cabe directamente ao empregador – ou ao trabalhador independente, se esse for o caso. 2. Celebrado um seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes, está sujeito à disciplina do regime jurídico de acidentes de trabalho, nomeadamente à Lei 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), em especial às respectivas regras de descaracterização do acidente. 3. Um trabalhador independente que procede à extracção de cortiça, com necessidade de a retirar não apenas no tronco principal, mas também nas pernadas, aqui já em altura (a qual varia conforme a dimensão dos sobreiros), deve: - munir-se dos instrumentos de trabalho e de protecção adequados; - planear as suas tarefas, identificando os riscos previsíveis e combatendo-os na sua origem; - analisar cada árvore, identificando a necessidade de realizar trabalhos em altura; e, - avaliar os pontos resistentes da árvore, para fixar a corda e o arnês que o ampare em caso de desequilíbrio. 4. O cumprimento destas regras pode fazer o trabalho demorar mais tempo, mas o que não se pode permitir é que o sinistrado sacrifique a sua segurança, executando actos de equilibrismo em cima das árvores, em prol da maximização do volume de cortiça tirada no menor espaço de tempo. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Évora, AA participou acidente de trabalho ocorrido no dia 12.06.2021, quando exercia, enquanto trabalhador independente, a actividade de extracção de cortiça. O acidente terá consistido numa queda de três metros de altura, quando se encontrava na pernada de um sobreiro. Realizada a fase conciliatória, a conciliação não se obteve porquanto a seguradora para quem estava transferida a responsabilidade infortunística laboral, LUSITÂNIA – Companhia de Seguros, S.A., recusou a sua responsabilidade por considerar que o acidente se deveu a negligência grosseira do sinistrado. Assim, o sinistrado apresentou petição inicial demandando a seguradora e pedindo o pagamento das prestações normais decorrentes do acidente. A Ré contestou, aceitando a ocorrência do acidente e o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas, mas não aceitou a sua responsabilidade, argumentando com a actuação culposa do sinistrado. Citado, o Instituto de Segurança Social, I.P., pediu o reembolso da quantia de € 773,44, paga ao sinistrado a título de subsídio de doença. Também esta pretensão foi contestada pela seguradora, sob a mesma argumentação. Realizado julgamento, a sentença considerou que o sinistrado violou regras sobre segurança e saúde no trabalho e incorreu em negligência grosseira, motivo pelo qual absolveu a seguradora de todos os pedidos. Inconformado, o sinistrado recorre e conclui: (…) Na respectiva resposta, a Seguradora sustenta a manutenção do julgado. Nesta Relação de Évora, a Digna Magistrada do Ministério Público produziu parecer, propondo o provimento do recurso. Cumpre-nos decidir. Impugnação da matéria de facto: Consignando, previamente, que o Recorrente deu cumprimento ao disposto no art. 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e que se procedeu à audição da prova gravada, procedamos à análise da impugnação fáctica deduzida, respeitante ao seguinte facto, que a sentença considerou não provado: “A. O uso do arnês não era possível nas circunstâncias referidas em 2. a 5.” O Recorrente entende que este facto deveria ser considerado provado, argumentando que o sobreiro em questão não permitia a fixação de corda onde prender o arnês, e que o uso de tal equipamento não é possível neste tipo de actividade. Em primeiro lugar, foram juntas aos autos fotografias da árvore em questão, onde ocorreu a queda, e da pernada onde o sinistrado se encontrava – havendo a notar que a autenticidade de tais fotografias foi confirmada em audiência pelo próprio Recorrente e pelas testemunhas …, … e …. O sobreiro em causa tem um tronco, que se desenvolve até cerca de 1,50m de altura, dividindo-se depois em quatro grandes pernadas, que se afastam do tronco principal. O sinistrado estava a tirar cortiça em duas dessas pernadas, que se desenvolvem para o mesmo lado da árvore, a uma distância que permite ter um pé em cima de uma e o outro pé em cima da outra – o sinistrado chamou a esta situação de “pernada dupla”. Segundo o próprio sinistrado, colocou-se em cima das duas pernadas, tirou a cortiça na pernada da esquerda e quando estava a transferir o peso para a pernada da direita, para tirar ali a cortiça, escorregou. Do que observamos, a fixação de corda onde segurar o arnês, não era impossível – ora dava para fixar numa das pernadas, ora na outra, permitindo a existência de um ponto resistente capaz de amparar o sinistrado em qualquer situação de desequilíbrio. E do que ouvimos nos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência, nomeadamente …, que se dedica igualmente à extracção de cortiça, e de …, o proprietário da herdade onde o sobreiro está plantado, o uso de arnês e de corda de segurança não é uma impossibilidade nesta actividade, tanto mais que é dada formação sobre o seu uso – embora todos os sobreiros tenham morfologias diferentes, cada árvore deve ser avaliada e procurados os seus pontos resistentes, caso haja necessidade de realizar trabalhos em altura. O que existe é um hábito de não usar esse equipamento, porque é encarado como um “empecilho” ou um “transtorno”, não no sentido de impedir a tiragem da cortiça, mas antes porque faz demorar o trabalho. Ou seja, em sacrifício da segurança, maximiza-se o volume de cortiça tirada em menos tempo. É mais rápido um tirador de cortiça subir às pernadas, sem ter de se preocupar em fixar cordas de segurança, tirar a cortiça num autêntico exercício de equilibrismo, e passar rapidamente à árvore seguinte. De todo o modo, o que se questiona é acerca da impossibilidade de colocação do arnês nas condições específicas do sobreiro onde o sinistrado estava a realizar o seu trabalho: e a resposta é que não era impossível, podia era demorar mais tempo, mas essa é outra questão. Em resumo, procedeu bem o tribunal recorrido ao considerar este ponto como não provado, pelo que a impugnação de facto não procede. A matéria de facto fixa-se assim: 1. AA nasceu a …/…/1980. 2. No dia 12 de Junho de 2021, pelas 08h30, em Montemor-o-Novo, enquanto exercia funções, por conta própria, como trabalhador florestal/tirador de cortiça, AA sofreu uma queda de uma altura de três metros. 3. A referida queda deu-se quando AA se encontrava em cima de um sobreiro, a pelo menos três metros do solo, e, ao deslocar o peso do corpo de uma perna para a outra, um dos pés escorregou, o que causou o desequilíbrio daquele e subsequente queda ao solo. 4. Nas circunstâncias supra-referidas, AA usava luvas e calçado de protecção. 5. Não usava, porém, arnês e cordas de segurança. 6. Em consequência da referida queda, AA sofreu fractura do rádio esquerdo e das vértebras lombares L1 e L2. 7. As lesões acima descritas determinaram ao sinistrado um período de Incapacidade Temporária Absoluta de 12.06.2021 até 10.02.2022, num total de 244 dias. 8. Tendo-lhe sido atribuída alta em 10.02.2022. 9. À data da referida ocorrência, o autor auferia a retribuição anual no montante global de 11.200€. 10. Entre AA e “Lusitânia, Companhia de Seguros, SA” foi celebrado escrito denominado de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º …, mediante o qual aqueles declararam transferir para a segunda a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelo primeiro até ao montante de retribuição anual de 11.200€, mediante o pagamento de um prémio por parte da mesma. 11. Contrato que se encontrava em vigor em 12.06.2021. 12. AA despendeu, até 30.05.2022, 30€ com deslocações ao tribunal relacionadas com os autos. 13. Como sequelas das lesões acima descritas, AA apresenta estado pós colocação de artrodese D12—L3, com rigidez consequente, o que lhe determina uma incapacidade permanente parcial de 10%. 14. O “Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Évora” pagou ao autor o montante global de 773,44€, no período entre 02.08.2021 a 09.02.2022, a título de subsídio de doença. APLICANDO O DIREITO Da descaracterização do acidente Preliminarmente, observa-se que tendo sido celebrado um seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes, sujeito à disciplina do DL 159/99, de 11 de Maio, por força do respectivo art. 2.º, está aquele seguro sujeito à disciplina do regime jurídico de acidentes de trabalho, nomeadamente à Lei 98/2009, de 4 de Setembro, em especial às respectivas regras de descaracterização do acidente.[1] A sentença recorrida descaracterizou o acidente, porquanto entendeu que o sinistrado não só violou regras de segurança previstas na lei, mas ainda que incorreu em negligência grosseira, assim enquadrando o caso ao abrigo do art. 14.º n.º 1 als. a) e b) da LAT. Quanto à al. a) do mencionado art. 14.º n.º 1, pode-se afirmar que estabelece quatro requisitos cumulativos para a descaracterização do acidente: 1 – existência de específicas condições de segurança, sejam elas estabelecidas pelo empregador, ou pela lei; 2 – violação de tais condições, por acto ou omissão do trabalhador; 3 – inexistência de causa justificativa para tal violação; 4 – e nexo causal entre a violação da regra e o acidente.[2] Quanto à descaracterização do acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, Carlos Alegre argumenta que «ao qualificar a negligência de grosseira, o legislador está a afastar implicitamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e os contras.»[3] Nota ainda o mesmo autor, que o acto descaracterizador do acidente deve resultar de culpa exclusiva, logo, sem concurso de qualquer outra acção de terceiros ou da entidade patronal. Como também refere o mesmo autor, a gravidade da culpa haverá de traduzir-se em imprudências ou temeridades inúteis, de todo inexplicáveis – embora fossem de afastar as temeridades resultantes do hábito de lidar com o risco, por força do trabalho, porquanto comportaria uma certa dose de habituação ao risco, em consequência do próprio exercício da actividade profissional. Sendo que os actos de abnegação, regra geral temerários, não poderiam ser tidos como indesculpáveis, sob pena de se punirem tais actos, em vez de os galardoarem. Não basta, pois, para os fins de descaracterização do acidente de trabalho, a mera culpa. É necessária a negligência grosseira, próxima do dolo eventual, que o art. 14.º n.º 3 da LAT afirma ser um “comportamento temerário em alto e relevante grau”, equivalente a «…um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência, uma improcedência e temeridade inútil e indesculpável, mas voluntária, embora não intencional.»[4] A sentença recorrida concluiu pelo incumprimento de regras de segurança previstas na lei, que evitariam a produção do acidente, e pela negligência grosseira do sinistrado, efectuando a seguinte fundamentação, que transcrevemos: «O autor, ao actuar do modo descrito – isto é, colocando-se em cima de uma árvore, a três metros do chão, munido unicamente de luvas e calçado de protecção, violou o disposto no preceito legal supracitado (art. 39.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.05), o que fez de forma voluntária, inexistindo qualquer causa justificativa para o efeito, já que tal sequer foi alegado, tendo o acidente ocorrido unicamente em consequência da sua acção, a qual não pode deixar de se classificar como temerária. Com efeito, não pode deixar de se considerar elevada a probabilidade de queda de uma pessoa em pé sobre uma árvore, a pelo menos três metros de altura, com um objecto cortante na mão, a executar trabalhos que necessariamente exigem movimento e esforço. Logo, não pode deixar de se qualificar como grosseira a negligência do sinistrado, pois da sua actuação se evidencia uma indiferença perante o perigo inerente ao exercício da actividade que prosseguia, indiferença que perpassa da omissão de cumprimento das precauções e cautelas mais elementares, como o uso de arnês e cordas de segurança, tendo sido essa a causa exclusiva do acidente. Ficam, em consequência, demonstrados os requisitos de que depende a descaracterização do acidente, quer por força da al. a) do n.º 1 do art. 14, quer por via da al. b) desse mesmo preceito legal porquanto a omissão dos deveres de segurança previstos na lei (uso de arnês) traduz, ela própria, uma situação de negligência grosseira: o acidente resultou, de forma exclusiva, de comportamento, voluntário e sem causa justificativa, do sinistrado ao omitir a adopção medidas de segurança cujo cumprimento sobre si impendia, designadamente o uso de arnês e cordas de segurança, comportamento esse que foi a causa do acidente e é susceptível de preencher o conceito de negligência grosseira, sendo certo que não resultou provado (nem havia sido alegado) que a conduta do sinistrado resultasse da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão, prova que sobre o sinistrado recaia e logrou alcançar.» O Supremo Tribunal de Justiça tem observado que “a ausência de normas concretas que especificamente regulem a actividade em causa não conduz, necessariamente, ao vazio normativo e, consequentemente à impossibilidade de imputação da responsabilidade agravada por esse facto, havendo neste caso que indagar junto dos normativos de maior generalidade e amplitude regulativa acerca da capacidade e possibilidade de neles se enquadrar o circunstancialismo em causa.”[5] A Lei 102/2009, de 10 de Setembro, que aprova o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, é igualmente aplicável ao trabalhador independente, definido como “a pessoa singular que exerce uma actividade por conta própria” – art. 3.º n.º 1 al. c) e art. 4.º al. b). O art. 15.º estabelece obrigações gerais do empregador em matéria de segurança e de saúde, e o respectivo n.º 13 esclarece que, para efeitos do disposto nesse artigo, e salvaguardando as devidas adaptações, o trabalhador independente é equiparado a empregador. O n.º 2 do aludido art. 15.º estabelece a obrigação do empregador – neste caso, o trabalhador independente – zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde, tendo em conta vários princípios gerais de prevenção, entre eles: a) “Evitar os riscos; b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos factores ambientais; c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adoptar as medidas adequadas de protecção; e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de protecção; f) (…); g) (…); h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho; i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso; j) Priorização das medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual; k) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à actividade desenvolvida pelo trabalhador.” São estes deveres que, manifestamente, o Recorrente não observou. Ao proceder à extracção de cortiça, com necessidade de a retirar não apenas no tronco principal, mas também nas pernadas, aqui já em altura (a qual variava conforme a dimensão do sobreiro), cumpria-lhe não apenas munir-se dos instrumentos de trabalho e de protecção adequados, como ainda planear as suas tarefas, identificando os riscos previsíveis e combatendo-os na sua origem, analisando cada árvore, identificando a necessidade de realizar trabalhos em altura e avaliando os seus pontos resistentes para fixar a corda e o arnês que o amparasse em caso de desequilíbrio. Poderia fazer o seu trabalho demorar mais tempo, mas o que não se pode permitir é que o sinistrado realize o trabalho arriscando a sua segurança, executando autênticos actos de equilibrismo em cima das árvores. Se o fizer, arrisca conscientemente a sua segurança, e a de terceiros que eventualmente sejam atingidos numa queda descontrolada, e sujeita-se às respectivas consequências legais. Revelam os autos, igualmente, a violação pelo Recorrente de obrigações relativas à garantia de segurança consignadas no DL 50/2005, de 25 de Fevereiro, o qual é “aplicável em todos os ramos de actividade dos sectores privado, cooperativo e social, administração pública central, regional e local, institutos públicos e demais pessoas colectivas de direito público, bem como a trabalhadores por conta própria” – ou seja, também ao aqui Recorrente. Ao constatar a necessidade de realizar trabalhos em altura, tirando cortiça nas pernadas do sobreiro, a uma altura de 3mt do solo, e eventualmente não sendo possível o uso de plataformas estáveis – o solo nos montados de sobro por vezes é muito irregular e instável, o que não permite o uso desse tipo de estruturas, para além que o tempo de trabalho em cima de cada sobreiro é curto, obrigando à constante movimentação desse tipo de plataformas – deveria o sinistrado ter avaliado o uso de escadas de acesso ou de cordas, neste caso localizando os pontos resistentes na árvore, como previsto nos art. 38.º e 39.º daquele diploma. Também esta violação também é imputável ao Recorrente a título de negligência grosseira, porquanto executou deliberadamente trabalhos em altura em condições manifestamente inseguras e com equipamentos de trabalho inadequados, assumindo um comportamento temerário – equilibrismo em cima de árvores – sacrificando a sua segurança pessoal em prol da maximização do volume de cortiça tirada no menor espaço de tempo. Em caso semelhante – trabalhos em altura realizados em árvores, naquele caso apanha de pinhas em pinheiros – escreveu-se recentemente nesta Relação de Évora: «I – Um trabalhador independente que vai executar uma actividade profissional que tem um manifesto risco de queda em altura está obrigado a implementar as medidas de segurança no trabalho que se revelem necessárias para evitar ou minimizar esse risco. II - Tendo ficado demonstrado que o trabalhador, que era apanhador de pinhas, tinha condições para utilizar um equipamento de protecção individual (EPI), que se mostrava apto a prevenir o risco de queda no solo, e não o estava a utilizar no momento em que se deu a queda de uma altura de cerca de seis metros do pinheiro onde se encontrava a trabalhar, o acidente deve ser descaracterizado, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (LAT).»[6] Entrando agora na discussão do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a produção do acidente em apreço, recordemos que este resulta de um encadeamento de factos que conduzem ao dano. E no caso em concreto, pondera-se que a observância das regras de segurança supracitadas, com correcto planeamento, análise de cada árvore, identificação da necessidade de realizar trabalhos em altura e avaliação dos seus pontos resistentes para fixação da corda e do arnês, seria, com muito elevado grau de probabilidade, apta a evitar a produção do acidente. A segurança começa no planeamento e institucionalização de métodos de trabalho seguros e adequados, com controlo da sua efectiva aplicação, e essa responsabilidade cabe directamente à entidade patronal – ou ao trabalhador independente, que neste caso assume a responsabilidade pela sua própria segurança. Pode-se afirmar, assim, que o sinistrado adoptou um comportamento temerário, altamente reprovável e indesculpável, grosseiramente negligente, e tal determina a descaracterização do acidente, ao abrigo das als. a), segunda parte, e b) do n.º 1 do art. 14.º da LAT. Como muito bem se aponta na sentença recorrida, “no caso em apreço, não se vislumbra como podia o sinistrado deslocar-se em cima de uma árvore, a pelo menos três metros de altura, a executar tarefas que exigem a execução de movimentos e força, sem qualquer protecção contra quedas. O sinistrado assumiu temerariamente um risco manifestamente desnecessário e, ao fazê-lo, violou, sem qualquer justificação, as normas de segurança que no caso se impunham, e cujo cumprimento sobre si incidia, recaindo, em consequência, também sobre si, a responsabilidade dos danos advindos na consequência do risco por si assumido.” Consequentemente, merece ser confirmada a muito bem fundamentada sentença recorrida. DECISÃO Destarte, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. As custas pelo Recorrente. Évora, 28 de Setembro de 2023 Mário Branco Coelho (relator) Emília Ramos Costa Paula do Paço __________________________________________________ [1] Cfr. os Acórdãos da Relação do Porto de 03.10.2022 (Proc. 1875/20.2T8OAZ.P1) e de 23.01.2023 (Proc. 2944/19.7T8PNF.P1), ambos publicados em www.dgsi.pt. [2] Vide, a propósito, o Acórdão da Relação de Guimarães de 12.02.2015 (Proc. 679/11.8TTVNF.P1.G1), e o Acórdão desta Relação de Évora de 23.02.2016 (Proc. 390/14.8TTSTB.E1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. No Supremo Tribunal de Justiça, vide o Acórdão de 13.10.2021 (Proc. 3574/17.3T8LRA.C1.S1), na mesma base de dados. [3] In Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., Almedina, 2005, págs. 62 e 63. [4] Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 1980, pág. 42. [5] Nos seus Acórdãos de 19.06.2013 (Proc. 3529/04.8TTLSB.L2.S1) e de 15.09.2021 (Proc. 559/18.6T8VIS.C1.S1), publicados em www.dgsi.pt. [6] Acórdão de 15.06.2023 (Proc. 316/21.2T8SNS.E1), também publicado na DGSI. |