Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
760/19.5T8FAR.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
MEDIADOR
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 – Num contrato de mediação imobiliária, em regra, a remuneração do mediador está dependente duma condição que se traduz na realização do negócio objecto do contrato de mediação.
2 – Não prevendo de modo diferente o contrato celebrado entre as partes, sem a concretização do negócio não há direito a remuneração, pelo que as quantias adiantadas por conta dessa remuneração deverão ser devolvidas.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
O Autor, AA, de nacionalidade suíça, instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra a Ré BB – Mediação Imobiliária, Estudos e Construção Civil, Lda., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €42.402,00 (quarenta e dois mil quatrocentos e dois euros), sendo €40.000,00 de capital e €2.402,00 a título de juros vencidos, à taxa legal, desde a interpelação para o pagamento (08-09-2017), acrescido dos juros vincendos até integral e efectivo pagamento.
Alegou em resumo o seguinte:
Em 03.06.2016 Autor e Ré celebraram um contrato designado por “Contrato de Mediação Imobiliária”, com referência a dois prédios rústicos e um prédio urbano, a vender pelo preço global de €1.750.000,00, para o que a Ré se obrigava a apresentar interessado comprador e o autor a pagar à Ré a quantia de 4% calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, em duas prestações sendo uma aquando da celebração do contrato-promessa e a segunda no acto da celebração da escritura ou conclusão do negócio.
Posteriormente, a Ré apresentou ao Autor um interessado comprador, o qual propôs pagar o preço global de €1.450.000,00, o que foi aceite pelo autor.
Porém, os prédios não eram propriedade do Autor, mas sim, os prédios rústicos, de “MOURAL – Exploração Agrícola, Lda.”, com sede no concelho de Lagoa, e o prédio urbano, de “Arcos Investments Limited”, com sede em Malta.
Foi acordado que a compra dos prédios pelo interessado comprador passaria pela cedência das quotas da sociedade “MOURAL – Exploração Agrícola, Lda.” por parte dos sócios desta a favor daquele, e pela transferência das acções da “Arcos Investments Limited”, tendo sido celebrados os respectivos contratos-promessa de cessão de quotas e de transmissão de acções, estipulando-se a data de 15.03.2017 (que podia ser prorrogado por 15 dias) para conclusão do contrato definitivo.
Até essa data seria necessário proceder à rectificação da área de um dos prédios rústicos pois a que constava da caderneta não era a correcta; era necessário proceder ao encerramento das contas do exercício do ano de 2016; e proceder à mudança da sede de Arcos Investments Limited.
Por força da celebração dos contratos-promessa o Autor pagou à Ré a quantia de €40.000,00, por meio de transferência bancária da sua conta pessoal.
Posteriormente, devido a problemas de saúde da mulher do Autor, este não pôde permanecer em Portugal e, consequentemente, celebrar os contratos definitivos até à data aprazada.
E em 29.03.2017 o interessado comprador contactou o Autor para lhe comunicar que perdera o interesse no negócio, invocando, essencialmente que a casa era muito fria durante o Inverno e que está distante das praias.
Considerando que não tinha ainda obtido toda a documentação, o Autor e restantes sócios acabaram por aceitar uma proposta do interessado comprador no sentido de virem a ser revogados os contratos-promessa e devolvida a quantia que tinha sido paga a título de sinal.
Não se tendo concretizado o negócio, e mantendo-se inalterada a situação de propriedade das quotas das sociedades, o Autor, em 08.09.2017, solicitou à ré a restituição da quantia de €40.000,00 que havia pago à ré.
Citada, a Ré apresentou contestação, para, além do mais que nesta sede já não releva, deduzir oposição ao pedido.
Diz a Ré, em resumo, que aceita o vínculo contratual entre as partes, assente no Contrato de Mediação Imobiliária celebrado em 03.06.2016; diz que foi a Ré quem angariou o interessado comprador, desde logo através da publicação que fez dos prédios, e que foi com intermediação da Ré que o Autor e interessado comprador chegaram a um consenso sobre o preço de venda final (€1.450.000,00).
A partir daí, Autor e interessado comprador nomearam advogado para as representar, tendo sido as respectivas advogadas quem decidiram os termos, modelo de negócio, prazos e condições, designadamente que o modelo de negócio que permitiria a aquisição dos prédios, seria através da venda das respectivas partes sociais das duas sociedades.
No entanto o Autor, a partir de Setembro de 2016, procurou deixar a Ré arredada do processo de venda dos prédios, recusando-se inclusive a fornecer cópia dos contratos-promessa celebrados.
Tendo a Ré prestado o serviço a que se obrigou e tendo sido inclusivamente celebrado contratos promessa os quais vieram a ser revogados por acordo dos seus outorgantes, sem que a Ré tenha para isso contribuído, conclui a contestação que é devida a comissão imobiliária.
Foi realizada audiência prévia, nesta se fixando, além do mais que ficou decidido, o objecto do litígio e os temas da prova.
Após julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou procedente o pedido, e condenou a Ré a pagar ao Autor o montante de €40.000,00 (quarenta mil euros), acrescido dos juros de mora peticionados e os vencidos desde 01.03.2019 (entrada da presente acção) e vincendos até efectivo e integral pagamento.
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II – A) O RECURSO
Não se conformando com a condenação proferida na sentença, a Ré deu entrada ao presente recurso de apelação, que resumiu nas seguintes conclusões:
“1. É consensual entre as partes a celebração do contrato de mediação imobiliária e, que o contrato celebrado foi o que o A. juntou aos autos com a p.i. e que constitui o doc. 1.
2. Esse contrato foi redigido segundo um modelo em que as partes, escreviam no contrato os elementos pretendidos –como sejam, a identificação das partes, o valor da comissão) - mas também segundo o modelo americano, em que existem várias hipóteses e, as que vinculam as partes, são as que se encontram assinaladas com um X.
3. Ao transcrever o teor da clausula 5ª do contrato de mediação imobiliária para o teor do fato provado número 6, o tribunal não teve em conta que, consta desse documento, devidamente assinalado com um X, o seguinte: “A remuneração devida é proporcional aos recebimentos concretizados e devida aquando da sua receção.“
4. Não pode o tribunal, “seccionar” um documento -aceite na sua integralidade pelas partes - dando como provado tão só partes do mesmo, quando resulta claro da forma de redação do documento que esse é o seu teor integral, o que foi aceite pelas partes. Deveria pois, o tribunal “a quo” ter dado como provado o acima referido, de forma que o teor do facto provado número 6 passasse a ser a seguinte redaçção: Consta da Cláusula 5.ª: “1 – A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artº 19º do DL nº 211/2004, de 20.08. 2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 4% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescido de IVA à taxa lega em vigor. 3 – O pagamento da remuneração será efectuado nas seguintes condições: 50% com a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% no acto de celebração da escritura ou conclusão do negócio. A remuneração devida é proporcional aos recebimentos concretizados e devida aquando da sua receção”. (o sublinhado é nosso).
5. É igualmente consensual entre as partes e provado que, a R. desenvolveu a sua atividade de mediação imobiliária e, foi por causa dessa atividade que se logrou encontrar comprador para os imóveis que o A. é proprietário, através das suas sociedades- Arcos Investment Limited ( sociedade off-shore) e a sociedade portuguesa Moural, Lda.. O comprador encontrado foi o Sr. CC ( fatos provados 1 a 14)
6. O A. E o comprador formalizaram o negócio mediante a celebração em 15/9/2016 dos acordos de venda das ações e das quotas das sociedades, por ter sido esse o modelo escolhido entre o A. e o comprador para o negócio ( fatos 15 a 17 e 20 e 21).
7. Com a celebração dos referidos acordos o A. recebeu do comprador a quantia total de € 290.000,00 (respeitando € 254.000,00 á venda das ações da Arcos e €36.000,00 respeitante á venda das quotas da Moural), sendo que nos acordos estipulou-se que:
7.1.- a conclusão do negócio devia ocorrer até 15/3/2017 podendo ser prorrogado por mais 15 dias em caso de incumprimento dos vendedores e compradores (fatos 18, 22 ).
7.2- nem os vendedores nem o comprador seriam obrigados a concluir o acordo final sem que a sociedade Arcos Investiments Limited tivesse mudado a sua sede para Portugal ou Malta (uma vez que á data da celebração dos acordos a sua sede situava-se em Gibraltar).
7.3- Era também necessário apresentar todos e quaisquer documentos da sociedade Moural - lda. Nomeadamente contabilísticos e financeiros.
8. No entanto, e não obstante o prazo para conclusão do negócio ter sido fixado pelo A. e pelo comprador no dia 15/3/2017 (podendo ser prorrogado por mais 15 dias ), acontece que:
- em finais de Março de 2017 os documentos necessários à conclusão dos negócios definitivos não tinham sido obtidos pelo A. ( fato 36) ,
- acrescendo o fato de que, devendo este proceder ao encerramento das contas do exercício de 2016 e, tendo conhecimento – logo aquando da celebração dos acordos em 15/9/2016 - que um dos livros de faturas á sua guarda tinha-se extraviado só em 16/5/2017 é que comunica à GNR de Silves o extravio do livro e só no dia 17/5/2017 é que comunica tal fato ao serviço de finanças de Lagoa. Igualmente,
- só em 22/6/2017 é que regista no registo predial a mudança da sede da sociedade Arcos de Gibralatr para Malta.
- E, só em 19/5/2017 é que obtem certidão judicial da providência cautelar para poder cancelar os registos que oneravam os prédios, quando o podia ter feito logo em 14/3/2017 , data do trânsito em julgado da providência.
9. Resulta dos fatos acima enumerados, todos devidamente provados, que o comportamento do A. com vista á conclusão do negócio foi pouco diligente, sempre relapso, nunca cumprido prazos revelando uma postura desinteressada ou pelo menos, pouco colaborante, no cumprimento do negócio definitivo.
10.O que culmina em 21/7/2017, com a celebração de revogação por mutuo acordo, entre o A. e o comprador ,Sr. CC do negócio projectado.
11.O artigo 799º do CC dispõe no seu n 1º que “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. E, o n 2 do mesmo artigo acrescenta que “A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil”.E, o artigo 801º n1 do CC dispõe que: “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação “.
12.Não tendo sido celebrado o contrato definitivo entre o A./vendedor e o comprador dada a revogação por mútuo acordo cabia ao A. provar que a falta de cumprimento do contrato celebrado com a R. não procedia de culpa sua.
13.No entanto, resulta dos autos, exactamente o contrário, tendo-se provado que a não celebração do contrato definitivo ocorre por mutuo acordo do A. com o comprador, por meio de revogação dos acordos. Isto é, foi o A. com o seu comportamento que impediu a celebração e conclusão dos acordos de venda.
14.Conclui-se pois, da matéria de facto provada que a não concretização do negócio final deveu-se unicamente, à revogação por acordo celebrada entre o A. e o comprador, o mesmo é dizer, que se deveu a causa não imputável á R. mas sim ao comportamento do A.
15.Pelo que, ao ter decidido em sentido contrário a sentença recorrida violou os artigos 798 , 799º e 801 nº1 do CC.
16.O douto acordão recorrido faz uma errada interpretação do espírito subjacente á redação do artigo 19º nº2 da Lei 15/2013, aqui violado, como se vai passar a explicar: O referido nº2 do artigo 19º consagra tão só uma presunção de fato no caso dos contratos de mediação com exclusividade – presumindo-se nestes contratos o nexo de causualidade entre a actividade do mediador e o contrato celebrado com terceiro - não pretendendo essa norma excluir o direito da mediadora á sua remuneração no caso de, se provar que o negócio não se concretizou por causa não imputável á mediadora.
17.E, esse entendimento é aplicável quer o contrato tenha sido celebrado com exclusividade ou não. A clausula de exclusividade afasta apenas a necessidade de demonstração do nexo de causualidade entre a atividade do mediador e o contrato celebrado entre o comitente e o terceiro (não obstante o mediador apenas ter direto à remuneração se provar que desenvolveu a sua actividade), não pretendendo excluir o direito da mediadora á sua remuneração no caso de se provar- como no caso dos autos - que o negócio não se concretizou por causa não imputável á mediadora .
18.Mas o douto acórdão recorrido ao decidir da forma como o fez negando á R. o direito á sua remuneração, também não fez correta interpretação do artigo 2º e do nº 1 artigo 19º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro e 406ºn1 do CC que aqui foram violados, pois, da conjugação do artigo 2º com o artigo 19º n 1 da Lei 15/2013 resulta que a a atividade do mediador já não é definida por uma obrigação de diligenciar, mas, sim, e em face do atual quadro legal, de procurar (...destinatários para a realização de negócios). O que é bem diferente da obrigação de concretização do negócio visado, (obrigação) esta que inexiste, pois isso não depende da vontade do mediador, mas do seu cliente e do interessado encontrado. O contrato visado pode não ser cumprido mas nesse caso já não será a mediadora responsável por tal incumprimento, tendo direito a receber a comissão acordada.
19.No caso dos autos, e em face da matéria de fato provada e das circunstâncias do caso, e das regras da experiência, o nº1 do artigo 19º da Lei 15/2013 não pode ser interpretado – como o faz a sentença recorrida - no sentido de condicionar o direito da R. a receber a sua comissão á concretização do negócio visado, o qual não depende de si.
20.A sentença recorrida faz uma errada interpretação dos fatos provados quando entende que o valor pago pelo A. à R. de € 40.00,00, tratava-se tão só de uma antecipação do cumprimento da obrigação final e tal errada interpretação só é possível por o tribunal “ a quo “ não ter considerado dois aspectos, a saber :
20.1.- o fato das partes terem convencionado na clausula 5º do contrato de mediação- podendo escolher ou não esta modalidade - que os pagamentos à R eram devidos aquando da concretização dos pagamentos do comprador, isto é, com o pagamento de sinal por parte do compador também este se obrigava a pagar um sinal à R.
20.2. - o fato de, aquando da revogação por mútuo acordo dos acordos o A. devolveu ao comprador a quantia total de €204.000,00 quando tinha recebido a quantia de € 290.000,000 o que significa que fez sua a quantia de € 50.000,00 (e nem se pode considerar tal quantia como compensação pelo uso do prédio urbano por parte do comprador, uma vez que o contrato de comodato celebrado entre A. e comprador estipulava o uso gratuito do prédio até ao prazo de conclusaõ do negócio).
20.3- Ao fazer sua a quantia de € 50.000,00 o A. procurou ressarcir-se do pagamento do valor de € 40.000,00 que tinha feito à R. o que significa que o A. não tinha dúvidas acerca de que tal pagamento à R. era devido.
20.4- Após o pagamento feito pelo A. á R. e emissão das respectivas faturas e recibos, o A. solicita a substituição da fatura emitida em nome da Moural para seu nome próprio (sublinhe-se que, e a contrario, aceita a fatura/recibo emitida em nome da Arcos e solicita substituição de nome na fatura da Moural) não tendo em nomento algum solicitado a anulação das faturas.
21.Da análise dos fatos provados e do comportamento do A. resulta que este pagamento de € 40.000,00 – não pode ser entendido como uma antecipação do pagamento por parte do A, mas quanto muito deve ser entendida como sinal, ou (senão entendida como o valor que o A. reduziu e estipulou unilateralmente como sendo o valor que pagaria de comissão).
22.Trata-se pois de um pagamento que não deve ser considerado como antecipação do cumprimento, mas no mínimo como sinal, pelo que ao ter decidido em sentido diferente a sentença recorrida violou os artigos 440º e 441º do CC.
23.Acresce ainda o fato de que, tendo a importância sido paga a título de sinal, e não tendo sido celebrado o contrato definitivo por comportamento imputável ao A. que, ao revogar por acordo com o comprador o dito, impediu a sua celebração, cabe á R. o direito a fazer sua a importância entregue, pelo que ao decidir em sentido contrário a sentença recorrida violou o artigo 442º nº1 e 2º do CC.
24.Conforme já acima explanado, o negócio final só não se concretizou por o A. ter revogado os acordos de venda por mútuo acordo com o comprador. Assim sendo, a R. teria direito a receber a totalidade da sua comissão de € 58.000,00 a que acrescia o IVA ( à taxa legal atual de 23% ).
25.Nestes termos, o pagamento do A. de € 40.000,00 não corresponde à totalidade da prestação a que estava obrigado, pelo que, o A. ao pagar o valor de € 40.000,00 não satisfez a prestação a que estava obrigado, pelo que, ordenar a restituição por parte da R. do valor de € 40.000,00 constitui violação do artigo 762º do CC.
26.A sentença recorrida incorre ainda em abuso de direito ao ordenar a restituição do valor de € 40.000,00 em virtude de não ter tido em conta que, (i) aquando da revogação por acordo mutuo acordo com o comprador dos acordos, tendo feito sua a quantia e € 50.000,00 o A procurou garantir o “reembolso “ do valor de € 40.000 por si pago e, (ii) ao obrigar a R. a pagar ao A essa quantia acrescida do valor de € 50.000,00 que o A. fez seus aquando da revogação por acordo dos acordos, o A. embolsará por conta de um negócio que não se concretizou a quantia total de € 90.000,00 ( noventa mil euros !).Pelo que, a sentença recorrida incorre em abuso de direito violando desta forma o artigo 344º do CC.
27.Igualmente, e a manter-se esta sentença o A. veria o seu património enriquecido á conta da atividade da R. mediadora em pelo menos € 40.000,00 quantia em que o património da mesma se veria empobrecido, havendo um enriquecimento sem causa do A. á custa da R. em violação do artigo 473º do CC que aqui se mostra violado.
28.Mas e, se todos os argumentos acima referidos não fossem suficientes para revogar a sentença recorrida alega-se ainda e sem prejuízo dos mesmos e sem conceder que, sempre o pagamento efectado pelo A. à R. teria que ser encarado como tendo sido feito no cumprimento de uma obrigação natural, pois:
- resulta do comportamento do A. a sua convicção de que tal pagamento era devido, pois tem o mesmo em consideração aquando da revogação dos acordos, fazendo seus €50.000,00 para se “ressarcir” do pagamento à R.
- o pagamento foi feito de sua livre e espontânea vontade.
- após a emissão dos respectivos documentos contabilísticos referentes ao pagamento (faturas e recibo) só pediu a substituição de um deles para o seu nome pessoal, nunca tendo devolvido as faturas ou solicitado a sua anulação.
29.O artigo 403º nº1 do CC estipula que não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de uma obrigação natural.
30.Ao decidir em sentido contrário a sentença recorrida violou os artigos 402º e 403º do CC.
31.Igualmente, e se a R fosse devedora de qualquer quantia - o que se equaciona para efeitos de mero raciocínio- os juros só poderiam ser devidos a partir da data da citação, e nunca desde a data de entrada da ação pelo que, ao decidir deforma diferente a sentença recorrida violou o artigo 805º nº1 do CC.
32.Igualmente e no seguimento do raciocínio anterior, a sentença recorrida deveria ter tido em conta o fato de que a importância de € 40.000,00 paga pela R. tendo sido objecto da emissão dos respectivos documentos contabilísticos (faturas e recibos) isso significa que a R. só recebeu o valor liquido de € 32.520,34, sendo que € 7.479,68 foi entregue ao Estado a titulo de IVA.
33.E, significa igualmente que, o A. terá inserido tais documentos na contabilidade das sociedades, com as consequentes vantagens daí advenientes para as mesmas.
34.Pelo que a sentença recorrida só deveria ordenar a restituição do valor liquido recebido pela R. de € 32.520,34 ou, quanto muito, determinar que a restituição dos € 40.000,00 teria que ser precedida de prévia anulação das faturas e recibos, e consequente restituição do valor de IVA de € 7.479,68 por parte da AT à R. sob pena de enriquecimento ilegítimo e sem causa do A. à custa da R. proibido pelo artigo 473º do CC , também por este motivo violado.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que seja revogada a decisão proferida nos autos, substituída por outra na qual se decida pela improcedência total do pedido, assim se fazendo Justiça.”
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II –B) Pelo recorrido foram em resposta apresentadas contra-alegações, com as seguintes conclusões, que também reproduzimos para inteira compreensão do litígio:
“01 – Os parágrafos nºs 1 a 8 das, aliás doutas, Alegações do Recorrente não merecem qualquer reparo por parte do Recorrido, por reproduzirem a matéria dada por provada na sentença.
02 – Todavia, toda a argumentação seguinte é falha de fundamento e, salvo o devido respeito e melhor opinião, não pode colher.
03 – Numa interpretação exageradamente lata, indo ao ponto de invocar factos que não foram apreciados nos autos e, mesmo, de formular ilacções obviamente subjectivas, nas suas conclusões a Recorrente elencou as normas jurídicas supostamente violadas , todas do Código Civil, a saber: Artºs 798º, 799º e 801º, nº 1 , (cfr nºs 11 a 15), 406º, nº 1 (cfr nº 18), 440º, 441º e 442º nºs 1 e 2. (cfr nºs 22 e 23), 762º (cfr nº 25), 344º (cfr nº 26) , 473º (cfr nºs 27 e 34), 403º, nº 1 (cfr nº 29), 402º e 403º (cfr nº 30) e 805º, nº 1 (cfr nº 31).
04 – Na sua PI o Recorrido (A.) formulou o pedido de que a Recorrente (Ré) fosse condenada:
a) No pagamento ao A. da quantia de € 42.402,00 (quarenta e dois mil. quatrocentos e dois Euros), sendo € 40.000,00 de capital e € 2.402,00 a título de juros vencidos, à taxa legal, desde a interpelação para o pagamento (08-09-2017) ;
b) No pagamento dos juros vincendos, à taxalegal, até completoe integral pagamento;
c) No pagamento das custas processuais.
05 – Em sede de saneamento a Mmª Juiz delimitou como questões a decidir as seguintes:
“… Apreciação e conhecimento da relação contratual estabelecida entre as partes;
Responsabilidade contratual da Ré de devolver a quantia paga pelo Autor a título de pagamento parcial da “comissão imobiliária” aquando da celebração dos contratos-promessa.”
06 – Em relação à primeira das questões o Tribunal “a quo” decidiu que o Recorrido, não sendo embora o único titular das quotas da sociedade comercial por quotas denominada “Moural – Exploração Turística, Ldª” e das acções da sociedade de Direito Estrangeiro actualmente sediada em Malta , denominada “Arcos Investments Ltd”, tinha legitimidade, por si só, ou seja, desacompanhado dos restantes sócios, para celebrar com a Recorrente um contrato de mediação imobiliária, ao abrigo da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, visando a alienação (venda) de imóveis de que as duas sociedades eram as Proprietárias.
07 – Registe-se que esta decisão colide com a que já foi objecto de apreciação no Venerando Tribunal da Relação de Évora, respeitante a um procedimento cautelar de arresto interposto pela ora Recorrente e indeferido, tanto em primeira instância como em Recurso, espelhada no douto Ac. de 23 de Fevereiro de 2017 (Ac. 2736/16.5T8FAR.E1, Relator Silva Rato, disponível in www.dgsi.pt proferido por unanimidade.
08 - Quanto à segunda questão a dirimir verifica-se que o pedido formulado pelo Recorrido (A.) mereceu provimento, face à prova produzida por documentos, pelos depoimentos do A. e pelas testemunhas inquiridas em audiência.
09 – A Recorrente dedica-se à mediação imobiliária, cujo regime está regulamentado actualmente pela Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro e, em 03-06-2016 celebrou com o Recorrido um contrato em regime de não exclusividade, onde foi estabelecido que:
- 09.01 - O Recorrido, identificado (erradamente diga-se) como proprietário e gestor incumbiu a Recorrente de providenciar pela venda dos imóveis ali identificados (Nota: Os ditos imóveis pertenciam às duas sociedades atrás referidas, o que significa que o Recorrido não os poderia vender desacompanhado dos demais sócios, o que permite concluir que a Recorrente não agiu com diligência e eficiência, já que, nos termos do estatuído no nº 1, do Artº 17º da Lei nº 15/2013 lhe cabia certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que o cliente tinha capacidade e legitimidade para contratar no negócio que iria ser promovido).
- 09.02 – O preço para os imóveis seria de 1.750.000,00€.
- 09.03 – De acordo com o nº 3, da cláusula 5ª a remuneração (vulgarmente designada por comissão) a auferir pela Recorrente seria de 4% sobre o preço pelo qual o negócio seria efectivamente concretizado, acrescido de IVA à taxa em vigor, a pagar proporcionalmente “aos recebimentos concretizados e devida aquando da sua recepção”. (sublinhado nosso).
10 - No âmbito da sua actividade a Recorrente promoveu a venda dos prédios e apresentou ao Recorrido um interessado, mas o preço que este propôs e que foi aceite foi de 1.450.000,00€. O sinal pago com a celebração dos contratos-promessa correspondeu a 20% do preço total, ou seja, 290.000,00€. Note-se que o negócio objecto desses contratos se traduziu nas promessas de cessão de quotas da sociedade “Moural” e de venda das acções da sociedade “Arcos”.
11 – Após a celebração dos contratos-promessa, em 30-10-2016, o Recorrido pagou à Recorrente40.000,00€,pormeio de transferência bancária da sua conta pessoal.
12 – Devido a vicissitudes de vária ordem, não totalmente imputáveis ao Recorrido e demais sócios, as condições estabelecidas nos contratos-promessa, mormente quanto ao prazo de conclusão do negócio e transmissão de quotas e acções das sociedades com todo o seu património imobiliário livres de ónus ou encargos não puderam ser cumpridas.
13 – O interessado apresentado pela Recorrente alegadamente perdeu o interesse no negócio e decidiu que o preço estipulado teria que ser reduzido ou, em alternativa, pretendia receber em dobro o sinal pago.
14 – O Recorrido, demais sócios e o promitente-comprador que havia sido apresentado pela Recorrente acabaram por negociar a revogação dos contratos-promessa, o que implicou que o sinal pago tivesse sido restituído.
15 – Com a revogação dos contratos-promessa por mútuo acordo visaram as partes evitar recorrer a juízo para dirimir a questão do cumprimento, incumprimento ou mora no cumprimento dos mesmos.
16 -Portanto, o negócio visado com o contrato de mediação imobiliária celebrado entre Recorrente e Recorrido não foi concretizado.
17 – Independentemente da responsabilidade que tiver havido por parte do comitente ou do cliente angariado pela mediadora, não se concretizando o negócio, esta não tem direito a auferir a comissão (exceptuando se o contrato tiver sido celebrado em regime de exclusividade, o que não é ao caso).
18 – É o que, de resto, se extrai do disposto nos nºs 1, 2 e 3, do Artº 19º, da Lei 15/2013.
19 – Por outro lado, na Doutrina e na Jurisprudência é pacífico o entendimento de que o contrato de mediação imobiliária é um contrato “típico” e “de resultado”, pelo que, não se atingindo o resultado pretendido a comissão não é devida.
20 – Entre os vários Ilustres autores que se têm pronunciado sobre o Contrato de Mediação Imobiliária cabe destacar Vaz Serra, António Menezes Cordeiro, Manuel Salvador, Lacerda Barata, todos citados em dois estudos que importa aqui referir:
- 20.01 - Um da Juíza Desembargadora / Doutora em Direito Higina Orvalho Castelo, in Data Venia/ Revista Jurídica Digital, Ano 4. Nº 06, Novembro de 2016 (pags 87 a 118), também autora dos Livros “O Contrato de Mediação Imobiliária” (Ed. Almedina / 2014) e “Regime Jurídico da Actividade de Mediação Imobiliária anotado” (Ed. Almedina 2015)., que aliás foi mencionada na sentença recorrida e
- 20.02 – Outro estudo, da autoria da Doutora em Direito e Professora Associada da Faculdade de Direito da Escola do Porto da Universidade Católica Portuguesa Maria de Fátima Ribeiro(in Revista de Direito Comercial, de 2017-07-13, págs 216-252).
21 – Em ambos os casos é defendida a posição idêntica à que foi assumida na sentença recorrida, ou seja, a que consiste em definir o contrato de mediação imobiliária como um contrato de resultado.
22 – É vasta a Jurisprudência dos Tribunais Superiores, quer no domínio do regime aprovado pela Lei 15/2013, quer no domínio da legislação anterior e as decisões preferidas têm sido de sentido idêntico. Citam-se, a título exemplificativo, o Ac. da Relação de Lisboa, de 02-06-2006 (Procº nº 266/14.9TJLSB.L1-2 / Relator Ondina Carmo Alves) e o o Ac. da Relação de Évora de 23 de Fevereiro de 2017 (Ac. 2736/16.5T8FAR.E1, Relator Silva Rato, in www.dgsi.pt) proferido por unanimidade no âmbito do recurso interposto da sentença do Tribunal Cível da Comarca de Faro no procedimento cautelar de arresto deduzido pela ora Recorrente, cujo sumário estabelece que:
“1.No contrato de mediação imobiliária o direito à remuneração está, em regra, sujeito a um acontecimento futuro - o da conclusão e perfeição do negócio visado pelo contrato de mediação -, o que leva a concluir que o direito à remuneração da empresa mediadora está sujeita a uma condição suspensiva “
23 – Alegar-se, como a Recorrente fez, que a quantia de 40.000,00€ paga pelo Recorrido à Recorrente após a celebração dos contratos-promessa, não tem que ser restituída, com argumentos infundados, em interpretações de uma latitude desmedida e de alcance incompreensível, de que se tratou de um sinal, ou de que se tratou de uma obrigação natural ou, ainda, de que tal restituição corresponderá ao enriquecimento ilícito do Recorrido é inaceitável e, evidentemente, não pode merecer acolhimento.
24 – Invocar-se, ainda, que a condenação no pagamento dos juros vencidos até à data em que a acção foi proposta viola o Artº 805º, nº 1, do Código Civil é infundado, já que a Recorrente foi interpelada extrajudicialmente, por meio de carta registada com aviso de recepção, datada de 08-09-2017, tal como previsto nessa mesma disposição legal, cujo texto é o seguinte: “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”.
25 – Cabe aqui citar, a título de exemplo, o Ac. da Relação de Coimbra - Procº nº 2417/16.0T8Vis-B.C1 (Sílvia Pires), de 14-09-20, onde consta, em VIII do sumário que “…. A interpelação do devedor para pagamento pode ser feita extrajudicialmente, através de qualquer dos meios que a lei prevê para a emissão de declarações negociais … “.
26 – Finalmente, quanto à questão suscitada pela Recorrente nos nºs 32 a 34 das Conclusões, quanto ao valor de IVA pago pela Recorrente, que estava incluído no valor de 40.000,00€, correspondendo a 7.479,68€, sublinhe-se que, além de não ter sido apreciada nos autos, pode ser pedido e obtido o respectivo reembolso .
27 - Na verdade, a sentença condenatória constitui documento suficiente para apresentação dos pedidos de anulação das facturas e de reembolso do tributo. Tal é o entendimento que se extrai da consulta do site da Autoridade Tributária (Portal das Finanças) onde na secção dedicada ao reembolso de IVA consta a seguinte informação:
“07-3360: Os reembolsos de IVA são solicitados na declaração periódica, submetida electronicamente, preenchendo o campo 95 da mesma”;
“06-3361: Os reembolsos de IVA são em regra concedidos até ao fim do 2º mês seguinte ao do pedido”
28 - Também, é curial realçar que, ao invés do que a recorrente afirmou, esta tem perfeito conhecimento que as facturas electrónicas que emitiu nos nomes das duas sociedades não tiveram, nem poderiam ter, qualquer utilidade para as respectivas contabilidades, porquanto o pagamento foi efectuado através de uma conta pessoal do Recorrido e, de resto, não lhes prestou serviços. O próprio contrato de mediação não foi celebrado com qualquer das ditas sociedades.
29 - Dúvidas não pode haver, pois, de que se trata de uma falsa questão que não tem qualquer enquadramento no caso em apreço.”
*
III – A MATÉRIA DE FACTO
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa (transcrevemos):
1.A Ré é uma sociedade comercial que exercer a actividade de mediação imobiliária.
2.Em 03.06.2016, entre Autor e Ré, foi celebrado acordo escrito que denominaram “Contrato de Mediação Imobiliária”, registado nos livros da Ré sob o n.º 017/2016, no qual se fez constar que a Ré, na qualidade de Mediadora, e o aqui Autor, na qualidade de Proprietário e Gestor e Segundo Contratante;
3.Nesse acordo escrito consta “O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor e gestor dos Prédios Rústicos, constituídos por 6,27500 hectares de terreno e mais 4,8500 hectares de terreno, e Prédio Urbano com Moradia de tipologia T4+1 com piscina, com a áera total de construção de 586 m2, destinado à habitação, sitos em Lameiras, na União de freguesias de Lagoa e Carvoeiro, concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob as fichas n.º 645/19860115, respectivamente com o Alvará de Utilização n.º 100, passada pela Câmara Municipal de Lagoa, em 19/06/91 e inscrito na matriz predial Rústica com os artigos n.º 93 e n.º 53 e matriz predial Urbana com o artigo n.º 3634, na referida Freguesia.”.
4.Consta da Cláusula 2.ª:
1 – A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na Compra, pelo valor total de Euros: 1.750.000,00 (um milhão setecentos e cinquenta mil euros), desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.”.
5.Consta da Cláusula 4.ª:
“1 – O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de não exclusividade.”.
6.Consta da Cláusula 5.ª:
1 – A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artº 19º do DL nº 211/2004, de 20.08.
2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 4% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescido de IVA à taxa lega em vigor.
3 – O pagamento da remuneração será efectuado nas seguintes condições: 50% com a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% no acto de celebração da escritura ou conclusão do negócio.”.
7.A Ré no exercício da sua actividade de mediação imobiliária publicitou os imóveis, e procurou encontrar um interessado na compra, o que fez através da colocação dos imóveis para venda no seu site.
8.Algum tempo volvido a Ré informou o Autor que tinha encontrado um interessado na compra dos imóveis, de nacionalidade francesa e com intenções de fixar residência em Portugal, o qual propôs pagar o preço global de €1.450.000,00 (um milhão quatrocentos e cinquenta mil euros), depois de ter visitado o local algumas vezes.
9.O prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva da Freguesia de Lagoa sob o artigo 3634.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob a descrição n.º 645/19860115 à data da celebração do acordo supra aludido tinha aquisição por compra inscrita a favor de “Arcos Investments Limited”, com sede em 3 Bell Lane, Gibraltar;
10.Os dois prédios rústicos inscritos na matriz cadastral da mesma Freguesia sob os artigos 53.º - Secção F e 93.º - Secção E, descritos na mesma Conservatória sob os n.ºs 221/19850614 e 1006/19860605, respectivamente, à data da celebração do acordo supra aludido tinham aquisição por compra inscrita a favor de “Moural – Exploração Agrícola, Lda.”, com sede na Quinta dos Arcos, Lameiras, Lagoa.
11.Depois de um encontro no escritório da Ré, em que estiveram presentes o Autor e o dito cidadão de nacionalidade francesa (CC), ficou acordado o preço e ambas as partes concordaram que seriam celebrados os contratos-promessa de compra e venda respeitantes aos prédios, nos quais seriam estabelecidas as cláusulas respeitantes a preço, condições de pagamento e data para conclusão do negócio.
12.“Moural – Exploração Agrícola, Lda.” tinha um capital social de €5.000,00, sendo sócios o Autor e DD, titulares da quota de €3.500,00 e da quota de €1.500,00, respectivamente;
13.E eram gerentes o aqui Autor e EE, sendo que a sociedade se obrigava com a assinatura de qualquer dos gerentes.
14.Consta da certidão permanente do registo comercial da sociedade “Moural – Exploração Agrícola, Lda.” que o aqui Autor é casado sob o regime da comunhão de bens com EE.
15.O Autor e o interessado na compra dos supra identificados prédios (CC), acordaram que o negócio a celebrar entre ambos consistiria na cessão das quotas da sociedade “Moural – Exploração Agrícola, Lda.” por parte dos sócios desta a favor daquele ou de quem fosse por este indicado; e na transferência da titularidade das acções relativamente a “Arcos Investments Limited”.
Assim,
16.No dia 15.09.2016, no que respeita à sociedade “Arcos Investments Limited”, foi celebrado acordo escrito denominado “Acordo de Venda e Compra de Ações” entre AA e mulher EE, na qualidade de Vendedores; e CC, na qualidade de Comprador;
17.Nesse acordo, estipulou-se que o preço de compra era de €1.270.000,00;
18.O método de pagamento era de €254.000,00 no acto de assinatura do acordo como depósito e princípio de pagamento; e o remanescente no valor de €1.016.000,00 na data de conclusão a ocorrer até ao dia 15.03.2017, o qual poderia eventualmente ser prorrogado por mais 15 dias em caso de incumprimento dos Vendedores ou Comprador;
19.Estipulou-se ainda que nem os Vendedores nem o Comprador seriam obrigados a concluir o acordo sem que a sociedade “Arcos Investments Limited” tivesse mudado a sede para Portugal ou Malta.
20.No dia 15.09.2016, no que respeita à sociedade “Moural – Exploração Agrícola, Lda.”, foi celebrado acordo escrito denominado “Contrato-Promessa de Cessão de Quotas” entre AA e mulher EE, e DD, na qualidade de Primeiros e Segundo Contraentes e Promitentes Cedentes; e CC, em seu nome pessoal e na qualidade de socio gerente com poderes para acto de TECMA ELECTRIQUE SARL, sociedade comercial de responsabilidade comercial com sede em França, na qualidade de Terceiros Contraentes e Promitentes Cessionários;
21.Nesse acordo, estipulou-se que o preço da cessão era de €180.000,00;
22.A ser pago pelos Promitentes Cessionários da seguinte forma: €36.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento; o remanescente do preço (€144.000,00) na data da finalização a ocorrer até ao dia 15.03.2017.
23.Era condição de eficácia dos contratos aludidos em 16 a 19 e 20 a 22 que os prédios rústicos e o prédio urbano supra identificados se mantivessem na propriedade das respectivas sociedades.
24.Também era necessário apresentar todos e quaisquer documentos da sociedade “Moural – Exploração Agrícola, Lda.”, nomeadamente contabilísticos e financeiros.
25.Em 15.09.2016 foi celebrado acordo escrito denominado “Contrato de Comodato” entre “Arcos Investments Limited”, representada por AA e mulher EE, na qualidade de Comodante; e CC, na qualidade de Comodatário, através do qual foi estabelecido o uso gratuito do prédio urbano supra identificado (descrito na CRP de Lagoa sob o n.º 645 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3334.º) pelo Comodatário e sua família, como se da sua residência se tratasse, até ao dia 15.03.2017.
26.Por referência ao prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo 93.º - Secção E, descrito na Conservatória sob o n.º 1006/19860605, foi registado por AP. 1595 de 2016/10/14 Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2736/16.5T8FAR (Faro – Inst. Central – 1ª Secção Cível – J4) intentado por a aqui Ré contra “Moural – Exploração Agrícola, Lda.” e “Arcos Investments Limited”.
27.Por referência ao prédio urbano descrito na CRP de Lagoa sob o n.º 645/19860115 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3334.º, foi registado por AP. 1594 de 2016/10/14 Procedimento Cautelar de Arresto n.º 2736/16.5T8FAR (Faro – Inst. Central – 1ª Secção Cível – J4) intentado por a aqui Ré contra “Arcos Investments Limited” e Moural – Exploração Agrícola, Lda.
28.Nesse procedimento cautelar de arresto a aqui Ré invocava ser credora das sociedades “Arcos Investments Limited” e “Moural – Exploração Agrícola, Lda.”, no valor de €71.348,00 correspondente a comissão imobiliária, e que havia o risco de estas alienarem o seu património sem que lhe fosse pago tal crédito.
29.Porque na pendência do procedimento cautelar foi pago pelo Autor a quantia de €40.000,00, conforme aludido em 30., sabendo-se que não havia sido celebrada a escritura definitiva, foi declarada extinta a instância do procedimento cautelar por inutilidade superveniente da lide, decisão que transitou em julgado em 14.03.2017.
30.Em 30.10.2016, o Autor pagou à Ré a quantia de €40.000,00, por meio de transferência bancária.
31.Antes de ter emitido as facturas referente ao pagamento aludido em 30., a Ré enviou ao Autor, em 19.12.2016, e-mail com o seguinte conteúdo:
“Exmo. Senhor
Solicitamos que nos informe em nome de qual das sociedades pretende que seja passada a factura do valor parcelar já pago.
Caso não nos confirme no período de 36h, dividiremos o valor pelas duas sociedades.”.
32.Não tendo o Autor respondido, a Ré dividiu a importância em causa pelas duas sociedades e emitiu as respectivas facturas que enviou ao Autor por e-mail datado de 22.12.2016.
33.CC instalou-se na moradia correspondente ao prédio urbano supra identificado, e aí permaneceu alguns meses;
34.Porém, por e-mail datado de 29.03.2017, CC comunicou ao Autor que perdera o interesse no negócio, invocando essencialmente que a casa era muito fria durante o inverno.
35.Nessa comunicação, CC manifestou vontade de concluir os negócios apenas e só por preço reduzido a um valor que ele próprio estabeleceu.
36.Em finais de Março de 2017, os documentos necessários à conclusão dos negócios definitivos também não tinham ainda sido obtidos pelo Autor:
37.No que respeita à sociedade “Moural – Exploração Agrícola, Lda.” havia que proceder ao encerramento das contas do exercício do ano de 2016, sendo que um dos livros de facturas, à guarda do Autor, tinha-se extraviado;
38.Na data de 17.05.2017, “Moural – Exploração Agrícola, Lda.” participou ao Chefe de Finanças de Lagoa que “o seu único livro de facturas numerado de 01 e 50, das quais apenas tinha sido emitida a factura n.º 1 em 2015, se extraviou”;
39.Na data de 16.05.2017, “Moural – Exploração Agrícola, Lda.” denunciou à GNR de Silves extravio de livro de facturas, indicando como data da ocorrência 15.09.2016.
40.A factura que a Ré registou no sistema e-factura no valor de €20.000,00, em nome da sociedade “Moural – Exploração Agrícola, Lda.”, não podia ser inscrita nos registos contabilísticos da sociedade, por não ter sido esta a proceder ao pagamento de qualquer quantia à Ré.
41.Por e-mail datado de 03.05.2017, o Autor pediu à Ré que substituísse a factura emitida em nome da “Moural – Exploração Agrícola, Lda.”, no valor de €20.000,00, em seu nome próprio.
42.Em 19.05.2017, o Autor, na pessoa da sua mandatária, obteve certidão judicial da decisão transitada em julgado proferida no Procedimento Cautelar de Arresto requerido pela aqui Ré, com a qual pôde cancelar os registos que oneravam os prédios.
43.Por referência ao prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo 93.º - Secção E, descrito na Conservatória sob o n.º 1006/19860605, foi registado por AP. 3284 de 2017/06/02 cancelamento do Procedimento Cautelar de Arresto.
44.Por referência ao prédio urbano descrito na CRP de Lagoa sob o n.º 645/19860115 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3334.º, foi registado por AP. 3154 de 2017/06/02 cancelamento do Procedimento Cautelar de Arresto.
45.Por referência ao prédio urbano descrito na CRP de Lagoa sob o n.º 645/19860115 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3334.º, foi registado por AP. 3499 de 2017/06/22 actualização da sede da sociedade “Arcos Investments Limited” para 26, Ghar, ID-Dud Street, Sliema SLM 1573, Malta.
46.Em 21.07.2017 foi celebrado acordo escrito denominado “Revogação de Contrato Promessa de Compra e Venda de Acções” entre AA e mulher EE; e CC, ao abrigo do qual decidiram, por mútuo acordo, revogar o acordo escrito aludido em 16. a 19., “obrigando-se os primeiros a restituir ao segundo a título de compensação pela revogação, a quantia de €204.000,00 (duzentos e quatro mil euros) no dia 30 de Agosto de 2017, às 10,00h, através de cheque bancário (…)”.
47.Em 21.07.2017 foi celebrado acordo escrito denominado “Revogação de Contrato Promessa de Cessão de Quotas” entre AA e mulher EE, e DD; e CC, por si e em representação de Tecma Electrique Sarl, ao abrigo do qual decidiram, por mútuo acordo, revogar o acordo escrito aludido em 20. a 22., “obrigando-se os primeiros a restituir aos segundos, no dia 30 de Agosto de 2017, às 10,00h a quantia de €36.000,00 (trinta e seis mil euros), através de cheque bancário (…)”.
48.No dia 30 de Agosto de 2017, CC entregou o prédio urbano livre e devoluto de pessoas e bens que lhe pertenciam;
49.Nesse mesmo dia, CC, por si e em representação de Tecma Electrique Sarl, declarou ter recebido de AA e mulher EE, e DD, a quantia de €36.000,00 (trinta e seis mil euros);
50.Nesse mesmo dia, CC declarou ter recebido de AA e mulher EE, a quantia de €204.000,00 (duzentos e quatro mil euros).
51.O Autor, por carta datada de 08.09.2017, dirigiu à aqui Ré, o seguinte escrito:
“Ass: Pedido de restituição de comissão paga
Refª: Contrato n.º 017/2016
Exmºs Senhores,
Não se tendo concretizado o negócio de cessão das quotas das sociedades proprietárias dos prédios identificados na clausula primeira do contrato de mediação imobiliário celebrado entre mim e essa empresa, em 3 de Junho de 2016, uma vez que o cliente angariado por V. Exas. (Sr. CC) alegou a alteração superveniente das circunstâncias em que fundara a sua decisão de contratar, foram resolvidos os contratos-promessa celebrados com este e restituídas as quantias por si pagas a título de sinal, conforme recibos cujas cópias envio em anexo.
Deste modo, considerando a legislação em vigor e o disposto na cláusula 5ª do mencionado contrato de mediação, venho pela presente notificar V. Exas. para, no prazo de dez dias a contar da recepção desta carta, procederem à restituição da quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) que paguei a título da comissão pelos serviços referentes à mediação.”.
*
IV – O OBJECTO DO RECURSO
1 - Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, a questão colocada ao tribunal de recurso sintetiza-se essencialmente em saber se a obrigação de pagamento à Ré por parte do Autor, nos termos do contrato celebrado entre ambos, estava dependente da conclusão do negócio de compra e venda que se frustrou, sendo a entrega de €40.000 por ele efectuada uma antecipação desse pagamento, ou pelo contrário a quantia entregue pelo Autor à Ré representou um pagamento devido, e como tal não tem que ser restituído.
Decidindo-se que a Ré deve restituir, deve decidir-se o quanto, no respeitante ao capital e aos juros.
*
V- APRECIANDO E DECIDINDO
Passamos então a conhecer das questões aludidas, começando por uma referência à matéria de facto.
Como flui das posições de ambos os contendores, que enfaticamente assim mesmo o proclamam, e decorre também da sentença recorrida, está assente que entre as partes foi celebrado o contrato dos autos, que denominaram de contrato de mediação imobiliária, com o preciso conteúdo que dele consta.
Não está em discussão a validade desse contrato, nem o respectivo teor.
O Autor e a Ré nele se vincularam reciprocamente, no uso pleno da sua liberdade contratual, nos termos que dele resultam.
Consequentemente, a questão suscitada pela recorrente logo no início das suas conclusões de recurso (diz que ao transcrever o teor da cláusula 5ª do contrato de mediação imobiliária para o teor do facto provado número 6, o tribunal não teve em conta que consta desse documento, devidamente assinalado com um X, o seguinte: “A remuneração devida é proporcional aos recebimentos concretizados e devida aquando da sua recepção”) não chega a ser uma impugnação, nem sequer um pedido de emenda ou alteração à matéria de facto a considerar.
Com efeito, é esse o conteúdo que se pode encontrar no documento respectivo, sem que sobre isso haja controvérsia, e é esse teor que terá que ser tido em conta, por vincular quem a ele se obrigou.
Assim, consigna-se que assiste razão à recorrente quando diz que consta da Cláusula 5.ª do contrato:
“1 – A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artº 19º do DL nº 211/2004, de 20.08.
2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 4% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescido de IVA à taxa lega em vigor.
3 – O pagamento da remuneração será efectuado nas seguintes condições: 50% com a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% no acto de celebração da escritura ou conclusão do negócio. A remuneração devida é proporcional aos recebimentos concretizados e devida aquando da sua receção”.
Ainda com relação à matéria de facto, constata-se que na fixação do ponto 2 houve também omissão parcial do que se pretendeu dizer.
Ficou ali escrito que “Em 03.06.2016, entre Autor e Ré, foi celebrado acordo escrito que denominaram “Contrato de Mediação Imobiliária”, registado nos livros da Ré sob o n.º 017/2016, no qual se fez constar que a Ré, na qualidade de Mediadora, e o aqui Autor, na qualidade de Proprietário e Gestor e Segundo Contratante”. Ficou por escrever que, como do contrato consta, entre ambos “é celebrado o presente Contrato de Mediação Imobiliária que se rege pelas seguintes cláusulas”, e assim se deixa compreensível o significado desse ponto da matéria de facto.
Feita esta nota, reitera-se que não existe controvérsia sobre a matéria de facto que ficou assente na primeira instância, pelo que a discussão trazida pelo recurso em apreço se limita a matéria de Direito, da qual depende a decisão a proferir.
Assim sendo, conclui-se que a polémica suscitada se traduz em saber se devemos considerar, como fez a sentença recorrida e defende o Autor/recorrido, que a remuneração devida à apelante por força do contrato celebrado estava dependente do resultado, ou seja só seria devida em caso de consumação da compra e venda, sendo então a entrega feita pelo Autor uma mera antecipação da remuneração que se previa que viria a ser devida no final, ou se pelo contrário essa entrega representou um cumprimento parcial da obrigação que por força desse contrato recaía sobre o Autor.
Sublinhamos o que julgamos essencial, decisivo neste caso em apreço: essa questão tem que ser resolvida à luz do clausulado estabelecido entre as partes, vistas as obrigações resultantes do contrato, segundo as regras usuais de interpretação do negócio jurídico.
Não estando em jogo normas legais imperativas, como julgamos evidente que não estão, mas antes situando-se esse contrato inteiramente no domínio da autonomia da vontade, é nele que devemos procurar a resposta para o litígio existente entre as partes.
É isto que resulta iniludivelmente dos princípios fundamentais do Direito das Obrigações, designadamente dos arts. 405º e seguintes do Código Civil.
Como escreveu o Prof. Galvão Telles, no seu Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4ª ed., 1982, pág. 56, em excerto que se afigura aplicar-se apropriadamente ao caso dos autos:
“O contrato, uma vez validamente celebrado, torna-se vinculativo, produzindo os efeitos que lhe são próprios.
Daqui resulta um duplo corolário.
Assim, o contrato deve ser pontualmente cumprido (art. 406º, n.º 1). A pontualidade não diz respeito apenas ao aspecto temporal. Significa, mais amplamente, que o contrato deve ser executado “ponto por ponto”, satisfazendo-se cabalmente todos os deveres dele resultantes.
Por outro lado, uma vez que o contrato vincula as partes, não pode modificar-se ou extinguir-se senão por novo acordo nesse sentido, salvo quando a lei estabeleça outra coisa (art. 406º, n.º 1).
No tocante à eficácia do contrato, vigora o princípio tradicional da relatividade. Em regra, os efeitos dos contratos limitam-se às partes”.
Destacamos esta passagem porque nela se sublinham dois aspectos fundamentais para nos situarmos no presente litígio: em primeiro lugar, as partes neste processo celebraram validamente, de forma livre e voluntária, o contrato apresentado nos autos, nele se vinculando reciprocamente nos seus precisos termos; e em segundo lugar essas obrigações recaem sobre os contraentes, e apenas sobre eles.
Surgem-nos assim como dispiciendas as longas considerações que se encontram nos autos sobre a forma de concretizar as obrigações a cargo do Autor, nomeadamente por não ser ele o dono dos imóveis que se pretendia vender. Na verdade, fosse qual fosse a forma de concretização dos negócios em vista, e isso ficaria na esfera própria dele, foi ele quem contratou com a Ré recorrente; era, portanto, ele o único obrigado perante ela, caso se entendesse haver lugar a remuneração; e era, portanto, ela que ficou vinculada perante ele a cumprir as obrigações resultantes do mesmo contrato.
Recordamos neste passo que com a presente acção declarativa de condenação de processo comum o Autor veio pedir a condenação da Ré a devolver-lhe a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) – acrescida de €2.402,00 a título de juros vencidos, à taxa legal, desde a interpelação (08-09-2017) e juros vincendos – quantia essa que entregou à Ré em vista dos negócios de venda que não se chegaram a concretizar.
Ora, tudo ponderado, afigura-se a este tribunal que é de perfilhar a orientação assumida na sentença impugnada.
Com efeito, o contrato celebrado entre as partes estipulou na cláusula 5º, ponto I, que “a remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato”.
E como se pode constatar na matéria de facto disponível o negócio a que o contrato se referia não chegou a concretizar-se.
A recorrente argumenta que esse negócio não chegou a concretizar-se por circunstâncias que não lhe são imputáveis, tendo ela desenvolvido a actividade que lhe competia para alcançar o fim em vista.
Porém, o certo é que a recorrente aceitou vincular-se nos termos do contrato que celebrou, e deste não consta essa ressalva de que o direito a remuneração manter-se-ia se o negócio só não se concretizasse por motivo não imputável à recorrente. O que lá consta é que a remuneração só seria devida se a mediadora conseguisse interessado “que concretize o negócio”.
Ora o que se sabe é que esse negócio não se concretizou, apesar de ter estado prometido; a promessa foi desfeita, por acordo entre os promitentes, na sequência da alteração da posição do promitente comprador, que já só queria “concluir os negócios apenas e só por preço reduzido a um valor que ele próprio estabeleceu” (facto 35) e na sequência de diversas dificuldades na esfera do vendedor.
É certo que a Ré surge como estranha a essas vicissitudes, mas não é menos certo que o clausulado no contrato não prevê em ponto algum que nestas circunstâncias se mantém o direito à remuneração ali prevista.
O conteúdo do contrato inculca pelo contrário a convicção de que as partes subordinaram a obrigação de pagamento do preço à verificação dessa condição, a concretização do negócio.
E nesta ordem de ideias o que consta do ponto 3 da mesma cláusula 5ª, referente a pagamentos antes da concretização do negócio, tem que compreender-se como a previsão de adiantamentos por conta da remuneração que seria devida a final:
3 – O pagamento da remuneração será efectuado nas seguintes condições: 50% com a celebração do contrato-promessa e o remanescente de 50% no acto de celebração da escritura ou conclusão do negócio. A remuneração devida é proporcional aos recebimentos concretizados e devida aquando da sua receção”.
Ou seja, quando do recebimento pelo Autor das quantias referentes ao negócio, designadamente com a celebração do contrato-promessa e com a realização da escritura, deveria o Autor proceder ao cumprimento da sua obrigação de remuneração, entregando à Ré a quantia que fosse proporcional aos recebimentos concretizados. Mas, obviamente, a remuneração só era devida nos termos contratuais se o negócio se concretizasse (número 1 da cláusula 5ª), pelo que as entregas feitas antes, no caso de recebimentos parcelares, representariam sempre adiantamentos, antecipações do cumprimento, por conta da remuneração que viesse a mostrar-se devida.
Sem o negócio, que não houve, não haveria lugar a comissão.
A este respeito, leia-se o acórdão da Relação do Porto de 27.01.2022, no proc. 14716/20.1T8PRT.P1, sendo relator Rodrigues de Almeida (in www.dgsi.pt), com o seguinte sumário:
“I - No contrato de mediação imobiliária, em princípio a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado (artigo 19.º/1 da Lei n.º 15/2013).
II - Excepcionalmente a remuneração é devida, apesar de o negócio visado não se ter concretizado, se as partes tiverem acordado a exclusividade e o negócio visado no contrato de mediação não se concretizar por causa imputável ao cliente, desde que o cliente seja o proprietário ou o arrendatário trespassante (artigo 19.º/2 da Lei n.º 15/2013).
III - Por causa imputável deve entender-se não apenas o factor situado na esfera de disponibilidade do cliente, mas aquele em relação ao qual se possa afirmar que só por razões censuráveis o cliente fez com que o negócio visado não fosse concretizado, de modo que não sendo possível do ponto de vista normativo censurar o comportamento que é causa adequada da não concretização do negócio a remuneração não é devida, ainda que o comportamento esteja relacionado ou se prenda com a pessoa do cliente.”
Deste modo, e regressando ao caso que nos ocupa, porque o negócio não se concretizou, e não havendo qualquer fundamento para entender que a remuneração era devida, tem o autor o direito a reaver aquilo que adiantou como antecipação do pagamento que viesse a ter lugar.
Concordamos, assim, com a douta sentença revidenda, aliás muito bem elaborada e fundamentada.
Transcrevemos, naquilo que se nos afigura relevante, e que subscrevemos:
“Num contrato de mediação imobiliária, a remuneração do mediador está dependente duma condição essencial, que alguns apelidam de condição suspensiva, que se traduz na realização do negócio objecto do contrato de mediação» - cfr. Ac. TRP de 10.02.2015, P. 1216/11.0YIPRT.P1, Maria Amália Santos.” (…)
“Dispõe o artigo 19.º do RJAMI[1], sob a epígrafe “Remuneração da empresa”, “1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel. 3 - Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respectivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize. 4 - O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objecto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel. 5 - O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.”.
“Isto é, a remuneração é devida aquando da conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou aquando da outorga do contrato-promessa, mas, neste caso, apenas se no contrato de mediação estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase.”
“O que significa, conforme já o fomos dito acima, para haver lugar à remuneração, não basta à mediadora a “procura, (...) de destinatários para a realização de negócios” – cfr. artigo 2.º, n.º 1, do RJAMI – nem sequer que o contrato visado seja, de facto, levado a efeito, é preciso que o negócio (concluído) esteja perfeito, ou por outras palavras, eficaz e não ferido de invalidade absoluta ou pendente de condição suspensiva ou em que se venha a verificar a condição resolutiva de que estava dependente.”
“E, parece-nos, só assim os potenciais clientes da mediadora se sentirão confiantes para recorrerem aos seus serviços: saber que só pagam a “comissão” se a mediadora angariar interessado no negócio e este se concretize de forma perfeita (eficaz).”
“Situação excepcional em que a remuneração da empresa mediadora pode ser devida é aquela em que as partes prevêem o pagamento de uma remuneração após a celebração do contrato-promessa relativo ao negócio visado – cfr. artigo 19.º, n.º 1.”
“É preciso esclarecer que esta excepção relacionada com o contrato-promessa exige a estipulação de uma remuneração – que é diferente da forma de pagamento da remuneração acordada – para a fase da celebração da promessa do contrato definitivo. Ou seja, no caso de as partes acordarem que caso se concretize contrato-promessa do negócio visado, só por isso é devida determinada remuneração à mediadora – cfr. Ac. TRL de 07.02.2017, P. 2287/16.8YIPRT.L1-7, Alziro Cardoso, cujo sumário “I-A remuneração devida aquando da celebração do contrato promessa não se identifica com a remuneração devida com a conclusão e perfeição do negócio, é uma outra, que considere o estado de evolução do negócio mediado e que seja especificamente estipulada e fixada pelas partes em função dele. II-Não se admite (como antes se admitia) que pura e simplesmente se estabeleça uma antecipação de pagamento da prestação devida pela concretização do negócio que não atenda ao carácter prematuro do momento da celebração da promessa, na lógica da mediação imobiliária. III-No caso em apreço as partes não acordaram uma remuneração para a concretização do negócio e outra para a actividade mediadora, observada na altura da celebração do contrato-promessa: fixaram, sim, um valor a pagar pelo cliente cujo prazo de vencimento se deslocou para o momento da celebração do contrato promessa, o que, ainda que constituísse uma excepção à regra de que a remuneração só era devida com a concretização do negócio mediado, era admitida pelo do Decreto-Lei nº 211/2004 de 20.08. IV-Perante o novo regime, introduzido pela Lei n.º 15/2013, aquando da celebração do contrato promessa nada era devido a título de remuneração e não tendo o contrato prometido sido concretizado, por facto imputável à compradora angariada pela apelante, não tem aplicação a previsão do artigo 19º/1, primeira parte da Lei nº 15/2013 de 08.02 e, bem assim, o nº 2 do mesmo diploma.”.
“A excepção assim entendida, não se deverá confundir com a forma de pagamento da remuneração que só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado – cfr. cl. 5.ª do contrato firmado entre as partes e Facto Provado em 6; e artigo 19.º, n.º 1.”
“Assim, esta excepção não se deverá aplicar à situação que se verifica no presente caso: uma remuneração que é devida quando concretizado o negócio, porém, a ser paga com a celebração do contrato-promessa (50%) e com a escritura ou conclusão do negócio (50%).” (…)
“Em 30.10.2016, o Autor pagou à Ré €40.000,00 (quarenta mil euros).”
“Não se tendo logrado a celebração dos negócios definitivos, importa saber se, paga parte da “comissão” (mais de metade) pelo Autor à Ré aquando do contrato promessa, esta lhe deverá ou não ser devolvida, tendo em atenção que o contrato definitivo não se chegou a realizar com o comprador angariado pela Ré, por este, depois de outorgado o contrato promessa, ter invocado falta de interesse no negócio pelo preço acordado, o que levou à revogação por mútuo acordo dos contratos-promessa.”
“O contrato de mediação imobiliária em causa foi celebrado em regime de não exclusividade, pelo que afastada fica a excepção previsto no n.º 2 do artigo 19.º do RJAMI.”
“Sempre se diria, não obstante, que ficou por provar que o negócio definitivo não se concretizou por causa imputável ao Autor, desde logo pela posição assumida pelo interessado comprador, CC.”
“Conforme já repetidamente referido, a remuneração do contrato só seria devida “com a conclusão e perfeição do negócio” e o facto de o Autor ter pago parte da remuneração no contrato-promessa, naturalmente, não obsta a este entendimento.”
“Assim, no âmbito da actual Lei 15/2013, sequer já é permitido, como acontecia no artigo 18.º do DL 224/2004, fixar o pagamento da totalidade da remuneração com o contrato-promessa, na medida em que o artigo 19.º da lei vigente estabelece claramente que a remuneração é devida apenas com a concretização do negócio.”
“O montante pago pelo Autor, e que era devido a final, é assim uma antecipação do cumprimento, prevista no artigo 440.º do Código Civil. Ora, se a final tal cumprimento não é devido porque não se concretizou o negócio visado, a quantia entregue a título de antecipação tem de ser restituída em singelo ao Autor nos termos do artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil, que, ao impor o cumprimento pontual do contrato, impõe, em consequência, a restituição da antecipação de um pagamento que não é devido.”
“Conclui-se, portanto, que a parte da remuneração entregue pelo Autor à Ré aquando do contrato-promessa constituiu um adiantamento do pagamento que a final não foi devida, estando a Ré obrigada a restitui-lo.”
“Por carta de 08.09.2017, o Autor dá a conhecer à Ré que os negócios prometidos não se concretizaram, sendo, portanto, a partir dessa data devidos juros – cfr. artigos 805.º, n.º 1, e 806.º ambos do Código Civil – conforme peticionado.”
Perfilhamos inteiramente as posições assumidas na douta sentença, que transcrevemos, o que implica a confirmação do decidido quanto à procedência do pedido do Autor, no respeitante ao capital e aos juros.
Acrescentamos que não tem razão a recorrente quando alega que nesse caso a sentença recorrida só deveria ordenar a restituição do valor líquido recebido pela Ré de € 32.520,34 ou, quanto muito, determinar que a restituição dos € 40.000,00 teria que ser precedida de prévia anulação das facturas e recibos, e consequente restituição do valor de IVA de € 7.479,68.
Não tem razão porque o Autor entregou-lhe efectivamente a quantia de €40.000, sendo essa a quantia que tem direito a ver restituída; e quanto ao IVA que a Ré terá entregue ao fisco, se entregou (esta factualidade não foi apurada, é nova no processo), outra solução não existe que não seja requerer a sua devolução, com base precisamente na restituição ao Autor dessa quantia, pelos meios previstos para tal no relacionamento com a autoridade tributária.
Igualmente não faz sentido algum a alegação de abuso de direito (art. 334º do Código Civil), figura que pressupõe o exercício de um direito de forma anómala, fora e para além das finalidades que o direito o estabeleceu; ora o Autor, tendo direito à restituição da quantia que adiantou, está no exercício normal do seu direito.
E de igual modo não procede a invocação de enriquecimento sem causa (art. 473º do CC) – que se refere a situações em que alguém “sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem”. Estamos no domínio das relações contratuais entre Autor e Ré, e chegando-se à conclusão de que face ao contrato existente não é devida remuneração está encontrada a causa justificativa para o seu não recebimento, como se impõe concluir.
Em resumo:
Não resultando da análise jurídica que fazemos da sentença razão para dela discordarmos, nem se afigurar existir qualquer questão que imponha conhecimento oficioso, resta julgar a apelação totalmente improcedente e confirmar a sentença recorrida.
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VI - DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando em consequência a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, dado o vencido (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Évora, 27 de Outubro de 2022
José Lúcio
Manuel Bargado
Francisco Xavier

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[1] Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, que estabeleceu o regime jurídico a que fica sujeita a actividade de mediação imobiliária.