Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2964/21.1T8STB-A.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: LIVRANÇA
AVALISTA
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Tendo o embargante assinado o contrato de abertura de crédito na qualidade de avalista de uma livrança entregue ao banco exequente nos termos contratuais, significa isto que existe entre o exequente (credor cambiário) e o embargante (avalista), uma relação causal, subjacente ao aval, por via da qual se previu o preenchimento da livrança em branco subscrita e avalizada.
2 - A declaração de nulidade das cláusulas contratuais gerais integradas no contrato a que se referia o aval não se confunde com a excepção do preenchimento abusivo da livrança.
3 – Tendo a embargante invocado a nulidade das cláusulas gerais, e embora declarada procedente essa arguição, mantém-se a obrigação cambiária resultante do aval.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Apelação n.º 2964/21.1T8STB-A.E1 (1ª Secção Cível)

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO
Por apenso à execução ordinária para pagamento de quantia certa instaurada por Caixa Geral de Depósitos, SA, veio o executado AA deduzir oposição por embargos.
Fundamentou a sua pretensão alegando, em síntese, o seguinte:
- nas datas de incumprimento indicadas no requerimento executivo a sociedade subscritora da livrança encontrava-se protegida pelos efeitos das moratórias aprovadas pelo DL n.º 10-J/2020, de 26/3, tendo apresentado junto da exequente o pedido de adesão às moratórias legais em 09.04.2020, para efeitos de suspensão do pagamento de rendas de capital, juros e outros encargos que se vencessem até 30 de setembro;
- estando as instituições obrigadas a aplicar as medidas de proteção no prazo máximo de cinco dias úteis, os efeitos da moratória iniciaram-se em 16.04.2020;
- nos termos da lei, se as requerentes não preencherem os requisitos para beneficiarem das moratórias, as instituições mutuantes devem informá-las desse facto no prazo máximo de três dias úteis, o que a exequente não fez, pelo que à data de preenchimento das livranças não havia incumprimento dos contratos;
- nenhuma das obrigações resultantes dos contratos estava vencida e era exigível nas datas de incumprimento alegadas pela exequente, nos termos do DL n.º 10-J/2020, que dispõe que a extensão do prazo de pagamento não dá origem a incumprimento contratual nem à ativação de cláusulas de cumprimento antecipado;
- sendo que o prazo concedido para as moratórias foi sendo sucessivamente prorrogado, ficando a subscritora abrangida pelos efeitos da moratória nas datas de incumprimento invocadas pela exequente;
- estando a subscritora abrangida pelas moratórias, o preenchimento das livranças é ilegal e abusivo;
- a exequente não faz prova do incumprimento da devedora e dos valores concretos em dívida, nem junta qualquer contrato que comprove a relação jurídica subjacente e que demonstre que as livranças foram preenchidas segundo o pacto de preenchimento, pelo que a obrigação não é certa nem exigível;
- a exequente alega que a primeira situação de incumprimento ocorreu a 05.05.2020, mas - sem qualquer justificação - só preencheu a livrança a 11.05.2021;
- a exequente alega que foram feitas várias interpelações, mas não junta qualquer uma, sendo que o comprovativo da interpelação ao garante pessoal é parte integrante do título executivo;
- desconhece qual é o montante da responsabilidade da devedora na sequência da prestação de garantias bancárias da exequente a terceiros, ou quando foram efetuados pagamentos a terceiros;
- a falta de indicação, nas livranças, da data de emissão e do local de emissão e pagamento resulta na nulidade do título;
- as cláusulas do pacto de preenchimento não foram comunicadas pela exequente, que também não informou o embargante, expressa e detalhadamente, da referida cláusula;
- o pacto deve ser julgado inexistente e o preenchimento das livranças abusivo e de nenhum efeito;
- a livrança relativa ao contrato de prestação de garantia bancária não foi assinada pelos dois gerentes da devedora, mas apenas pelo ora embargante, pelo que não pode produzir efeitos enquanto livrança.
Concluiu pedindo a extinção da execução, quer por inexigibilidade da obrigação exequenda, quer em face da nulidade das livranças, quer por força do preenchimento abusivo das mesmas.
A exequente contestou impugnando os factos alegados na petição e referindo que todos os trâmites da celebração dos contratos foram devidamente comunicados.
Alegou que a sociedade foi contactada telefonicamente para adesão às moratórias, mas que o gerente e ora embargante respondeu que não conseguia as declarações de não dívida necessárias, não beneficiando a sociedade de qualquer moratória, e que foi apresentada uma proposta de reestruturação de toda a dívida, mas que se goraram todas as negociações nesse sentido.
Acrescentou que é devida a quantia peticionada, fruto das resoluções operadas por força do incumprimento, não se verificando qualquer abuso no preenchimento das livranças; que estava impedida de executar a sociedade subscritora em face da declaração de insolvência, mas não de executar o avalista; que não estava obrigada a alegar a relação subjacente no requerimento executivo, atenta a natureza dos títulos executivos; que as livranças são válidas e foram preenchidas com respeito pelos pactos de preenchimento; e que foram cumpridas as interpelações devidas. A propósito da garantia bancária, juntou documento destinado a comprovar o pagamento efetuado à beneficiária da mesma.
Concluiu pedindo a improcedência dos embargos.
Notificado da contestação, o embargante pronunciou-se alegando que o fundamento de resolução invocado na carta de interpelação junta pela exequente não é o incumprimento, mas a declaração de insolvência da sociedade devedora; que a interpelação em causa não produz os efeitos pretendidos pela exequente, nem acarreta o vencimento das obrigações a que a devedora estava obrigada; que os avisos de recepção não estão assinados, desconhecendo-se se as cartas foram efetivamente enviadas ou recebidas; e que pelo documento junto pela exequente não é possível concluir que foi realizado um pagamento à entidade beneficiária da garantia bancária.
Finalmente, procedeu-se a audiência prévia na qual, depois de fixado o valor da causa e de proferido despacho saneador tabelar, foi proferido despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova, admitindo-se a prova e agendando-se logo data para realização de audiência de julgamento.
Por último, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou os embargos parcialmente procedentes e determinou “o prosseguimento da execução para pagamento das quantias inscritas nas livranças, acrescidas de juros de mora à taxa de 4% ao ano contados a partir da citação”.
*
II – O RECURSO
Contra a decisão proferida insurgiu-se o Embargante através do presente recurso de apelação, alegando fundamentos que resumiu nas seguintes conclusões:
“a) A recorrida celebrou quatro contratos de financiamento bancário com a devedora principal (designada GM – Transportes Lda, atualmente declarada insolvente), no âmbito dos quais foram entregues quatro livranças em branco subscritas pelo recorrente, na qualidade de sócio-gerente da devedora e na qualidade de avalista, enquanto garante pessoal.
b) A recorrida preencheu as quatro livranças entregues em branco e apresentou a ação executiva contra o avalista-recorrente, peticionando os montantes alegadamente em dívida.
c) Em sede de oposição à execução, a recorrente alegou que os contratos em causa consubstanciavam cláusulas contratuais gerais e que a recorrida não cumpriu os deveres de informação e comunicação a que se encontrava vinculada ao abrigo do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
d) Pela forma como foram redigidos os contratos, com destinatários indeterminados e de modo a serem utilizados de forma massificada pela recorrida, o Tribunal recorrido concluiu, de facto, pela aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais.
e) Pelo que, a recorrida estava onerada com o ónus da prova de que cumpriu os referidos deveres, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.
f) Não tendo a mesma logrado fazer prova que procedeu a uma comunicação adequada e efetiva, o Tribunal determinou exclusão das cláusulas que continham o pacto de preenchimento dos contratos celebrados, nos termos do artigo 8.º do regime jurídico em análise.
g) Até aqui, decidiu bem o tribunal recorrido.
h) De seguida, o Tribunal analisou se, excluído o pacto de preenchimento, a recorrida poderia ainda assim preencher as livranças, ou se o preenchimento se revelaria não autorizado ou sem poderes, em virtude da inexistência de pacto de preenchimento.
i) Surpreendentemente, o Tribunal a quo entendeu que as livranças em branco ainda poderiam ser preenchidas pela recorrida, uma vez que não foi demonstrado que não existia qualquer autorização para o seu preenchimento.
j) Assim, na perspetiva da sentença recorrida, ou se aceita que a própria LULL [Lei Uniforme de Letras e Livranças] lhe confere o poder de preencher a livrança, permitindo por fim o nascimento da obrigação cambiária de quem assinou em branco, ou se entende que a faculdade de preenchimento do título há-de advir dos termos do acordo que presidiu à sua emissão, ou seja, há-de radicar num qualquer acordo que presidiu à sua emissão.
k) O Tribunal concluiu pela existência de uma autorização tácita, conferida pelo sócio-gerente da devedora, para o preenchimento da livrança, na sequência do contexto negocial em que a mesma foi entregue (celebração de contratos de financiamento) e por que, atenta a sua qualidade de sócio-gerente, não poderia este descurar do significado de assinar uma livrança e das consequências resultantes de apor a sua assinatura numa livrança.
l) A sentença recorrida acrescenta ainda que, o executado não alegou nenhuma exceção que invalidasse ou tornasse ineficaz o título cambiário.
m) Quando, na verdade, o não vencimento dos valores inscritos nas livranças foi um dos fundamentos da oposição à execução apresentada, tendo o embargante referido que a exequente não fez prova do pagamento das garantias bancárias prestadas a terceiros.
n) Em conclusão, decidiu o Tribunal recorrido que a exclusão do pacto de preenchimento não é suficiente para concluir que o preenchimento da livrança em branco foi feito sem autorização. Como não?
o) E por outro lado que, não foi feita prova de um eventual preenchimento abusivo, por isso, não procede a invalidade ou ineficácia da obrigação cambiária, sendo admissível o preenchimento das livranças nos termos em que a recorrida procedeu.
p) O ora recorrido não pode deixar de expressar a sua total discordância pelo teor da sentença proferida, pelas razões aqui expostas.
q) Nos termos da jurisprudência citada, a importância dos deveres de comunicação e informação pautam-se pela necessidade de controlo sobre os contratos de adesão se faça sentir não só ao nível da tutela da vontade do aceitante, como também ao nível de uma fiscalização do conteúdo das condições gerais do contrato, ditada por razões de justiça comutativa.
r) Uma vez que a entidade financeira, valendo-se da situação de força que a sua posição no mercado lhe confere e da forma como este contrato é estabelecido, aproveita para inserir cláusulas abusivas ou injustas, sem consideração pelos interesses da contraparte, maxime se o aderente não passa de simples consumidor final, explorando, assim, a situação débil deste (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-11-2005, relatado por Amaral Ferreira).
s) No caso em apreço, a entidade financiadora não logrou fazer prova de que os deveres de informação e comunicação foram cumpridos, razão pela qual os pactos de preenchimento foram excluídos dos referidos contratos.
t) Resta saber o que acontece às livranças: estando a cláusula que autoriza o preenchimento da livrança excluída do contrato de mútuo que motivou a emissão da livrança dada à execução, deixa de subsistir a sua força executiva. (Acórdão mencionado supra).
u) Ou seja, tudo se passará como se essas cláusulas nunca tivessem feito parte do contrato por o acordo estabelecido entre as partes não as abranger (…) não podendo, por isso, prosseguir a execução. (Acórdão da Relação do Porto de 21-09-2006).
v) Esta orientação jurisprudencial deve ser acolhida no presente caso, sob pena de estarmos perante uma violação clara do princípio da segurança jurídica e tutela da confiança dos devedores que assinaram os contratos sem terem sido informados do conteúdo das cláusulas em questão.
w) A posição sufragada na sentença recorrida levanta algumas questões práticas, tais como: se mesmo perante a exclusão dos pactos de preenchimento, os bancos ainda podem vir a preencher as referidas livranças, então qual é a verdadeira importância ou utilidade do pacto de preenchimento?
x) E, por sua vez, qual a verdadeira consequência para a violação dos deveres de comunicação e informação constantes do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais?
y) Seguindo o raciocínio da sentença recorrida, parece-nos que a posição da entidade financeira até se torna privilegiada caso esta incumpra os referidos deveres, pois, ao que parece, poderá preencher as livranças entregues em branco (com ou sem pacto de preenchimento),
z) com a vantagem de poder fazê-lo, nos casos em que o pacto é excluído, sem as balizas que, em prol da segurança jurídica, limitariam uma eventual arbitrariedade por parte dos bancos.
aa) Não pode ser! Não é intenção do legislador nem pode ser a interpretação da lei que o incumprimento da lei resulte num benefício para quem a violou: e a sentença recorrida confirmou a violação da lei.
bb) Neste sentido, acompanhamos a orientação doutrinária defendida, por exemplo, por Alexandre de Soveral Martins, no âmbito da qual a vontade relevante para a identificação da letra em branco é a vontade do subscritor manifestada no pacto de preenchimento.
cc) Por conseguinte, na ausência de tal acordo ou autorização, estaríamos em presença de uma letra incompleta, nula por vício de forma, em obediência ao art. 2.º da LU.
dd) Isto é, no caso de faltarem requisitos essenciais da letra, importa verificar se foi ou não celebrado um acordo de preenchimento. Faltando esse acordo, o documento não poderá valer como letra: estaremos perante uma simples letra incompleta.
ee) Assim, se existir um acordo de preenchimento válido, estaremos perante uma letra em branco, caso contrário, estaremos perante uma letra incompleta, e, portanto, nula.
ff) Esta posição é também acolhida pela nossa jurisprudência no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24-02-2005: (…) dever considerar excluído o pacto de preenchimento, arrimando a livrança para a figura da livrança incompleta. (…) temos que a livrança incompleta não vale como livrança, atento o disposto no art.º 2.º da LULL.
gg) Perante a exclusão do pacto de preenchimento e a consequente nulidade da livrança por vício de forma, nos termos do artigo 2.º da LULL, estamos perante um título executivo nulo e inexequível, razão pela qual as livranças nunca poderiam ter sido aproveitadas pela recorrida enquanto título cambiário válido.
hh) Deve, assim, a referida sentença ser revogada, julgando-se procedentes os embargos apresentados e extinguindo-se a ação executiva nos termos da alínea a) do artigo 729.º do Código de Processo Civil.
ii) Sem prejuízo e por mera cautela de patrocínio, pode ainda defender-se que face à inexistência de um pacto de preenchimento, não se pode afirmar que a exequente tinha autorização para preencher a livrança em branco – uma vez que nunca lhe foi validamente concedido tal poder.
jj) Pelo que, as livranças em causa não poderiam valer como título executivo na medida em que não há autorização para o seu preenchimento.
kk) Deveria, então, a entidade financeira propor uma ação declarativa para obter a condenação do consumidor no pagamento da dívida por violação do contrato fundamental, se entendesse ter direito a tal.
ll) Por outro lado, não obstante não existir um acordo expresso válido, o Tribunal considerou que houve um pacto de preenchimento tácito, em razão da posição jurídica do avalista, que interveio no contrato como legal representante da sociedade que contratou o financiamento.
mm) Ora, salvo melhor opinião, não se compreende como é que o Tribunal recorrido, atendendo aos factos provados, logrou chegar a um “acordo tácito” celebrado entre as partes contratantes.
nn) O pacto de preenchimento contém uma autorização de preenchimento e as responsabilidades entram no cálculo do valor a ser aposto na livrança e em que termos: capital, capital e juros, juros remuneratórios?
Juros moratórios? A que taxa? Comissões? Despesas? Quais?
Imposto de Selo? Importâncias despendidas com a cobrança coerciva da dívida? Inclusão de cláusula “sem protesto”, possibilidade de novação do crédito, etc.
oo) O facto de a livrança ter sido assinada pelo avalista e legal representante da sociedade subscritora não permite concluir que foi concedida uma autorização para preenchimento da livrança, e muito menos, os termos em que esse eventual preenchimento possa ser concretizado!
pp) Aliás, não foi alegado (e muito menos demonstrado) pela recorrida o que foi discutido ou analisado pelas partes aquando da celebração dos contratos.
qq) Não foi alegado que as partes acordaram incluir juros, nem despesas, nem imposto de selo, nem cláusula “sem protesto”, nada!
rr) Até porque, segundo BB, é possível, na verdade, que um aderente rubrique a folha da livrança misturada com os restantes papéis dos formulários contratuais e não se chegue a aperceber de que assinou um título cambiário. Ou, mesmo ciente de que subscreveu uma livrança, pode laborar em erro quanto aos efeitos desse acto.
ss) Não há nenhuma alegação ou prova de que a devedora principal se encontrava absolutamente ciente de que estava a assinar um título cambiário, e muito menos, de que o seu legal representante tinha pleno conhecimento dos efeitos que daí poderiam advir.
tt) A verdade é que dos elementos que integram o processo, não é possível reconstruir a vontade das partes e, especialmente, o grau de cognoscibilidade e intencionalidade do recorrido aquando da celebração dos referidos contratos.
uu) O que se deveu ao facto de não ter sido acordado nenhum pacto de preenchimento entre as partes, nem expresso nem tácito, uma vez que a recorrida nunca comunicou à devedora principal nem ao avalista as circunstâncias associadas à prestação daquela garantia, e muito menos, em que termos e como esta poderia ser acionada.
vv) Por sua vez, segundo CC, é pelo acordo de preenchimento que se determina a vontade do subscritor.
ww) Parece-nos bastante penoso e desproporcional aplicar aqui as regras do ónus da prova nos termos do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.
xx) Pois, não existindo pacto de preenchimento expresso ou tácito (nem mínimos indícios de que tenha ocorrido coisa semelhante), como é que deve ser a recorrente a reconstruir os termos de um acordo que nunca existiu?
yy) “No caso, ao exequente, compete demonstrar a regularidade formal da livrança, sob alegação do pacto de preenchimento, do que resulta a presunção de que nesse preenchimento se cumpriu o estabelecido no pacto.” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-06-2014).
zz) Perante uma situação muito semelhante à discutida nos presentes autos, em que o pacto de preenchimento foi excluído face ao incumprimento dos deveres de informação: o exequente teria perante ele um vazio quanto ao preenchimento, o que implicaria necessariamente, que este fosse abusivo. (Acórdão da Relação do Porto de 24-02-2005).
aaa) É precisamente o que se passa no caso sub judice: a exequente tem perante ela um enorme vazio no que toca ao preenchimento da livrança, tanto quanto à autorização para preenchimento, quer quanto aos termos do seu preenchimento.
bbb) Pelo que, de qualquer das formas, o preenchimento da livrança pela recorrida seria, sempre, abusivo, sem poderes ou não autorizado!
ccc) Acreditamos também que pode ser aplicado ao presente caso o regime do aval omnibus, em virtude da indeterminabilidade do objeto negocial.
ddd) Na medida em que face à impossibilidade de reconstrução de um eventual pacto de preenchimento no âmbito do qual o recorrente tenha autorizado e acordado com a recorrida os termos do preenchimento das livranças, apenas podemos concluir que esse preenchimento foi realizado de forma abusiva e desautorizada.
eee) Assim, também por esta via, as livranças em branco não têm eficácia cambiária e, por conseguinte, não podem servir de título executivo à presente execução.
fff) Assim, deve a douta sentença recorrida ser revogada por outra que decrete a procedência dos embargos com a consequente extinção da presente execução nos termos do artigo 729.º, alínea a) do Código de Processo Civil.”
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III – DA CONTRA-ALEGAÇÃO
Pela exequente, recorrida, foram apresentadas contra-alegações, nas quais declara resumidamente que não existe qualquer fundamento válido para a pretensão do embargante, pois que não lhe assiste qualquer razão de facto ou de direito, primando a sentença recorrida pelo sentido de justiça, coerência, bom senso e rigor técnico, pelo que deve manter-se o decidido, não concedendo provimento ao recurso.
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IV – DA MATÉRIA DE FACTO
Expondo a factualidade que considerou relevante para a apreciação da causa, o Tribunal recorrido julgou provados os seguintes factos:
Discutida a causa, estão provados os seguintes factos:
1. A exequente é portadora das seguintes livranças, todas com menção do local de pagamento “CGD/Sede”:
a) livrança emitida em ... e com data de emissão de 2007.10.08, à qual foi aposta a quantia de € 934,28 e, bem assim, o dia 2021.05.11 como sendo a data de vencimento;
b) livrança emitida em Lisboa e com data de emissão de 2012.03.28, à qual foi aposta a quantia de € 138.441,21 e, bem assim, o dia 2021.05.11 como sendo a data de vencimento;
c) livrança emitida em ... e com data de emissão de 2000.05.05, à qual foi aposta a quantia de € 373.502,02 e, bem assim, o dia 2021.05.11 como sendo a data de vencimento;
d) livrança emitida em ... e com data de emissão de 2014.03.10, à qual foi aposta a quantia de € 93.210,42 e, bem assim, o dia 2021.05.11 como sendo a data de vencimento.
2. Nas livranças referidas em 1. figuram como tomadora a exequente e como subscritora a sociedade G..., Lda., constando as assinaturas dos representantes legais desta última no campo destinado às assinaturas dos subscritores, sendo que na livrança mencionada em 1., b) consta apenas uma assinatura, aposta pelo ora embargante.
3. As assinaturas referidas em 2. foram apostas quando os documentos não estavam preenchidos quanto ao local de pagamento, ao local e à data de emissão, à data de vencimento e ao montante.
4. O documento referido em 1., a) foi entregue à exequente para garantia de emissão da garantia bancária n.º ...93, até ao montante de € 30.000,00, perante a beneficiária V..., Lda., solicitada nos termos de documento assinado em 08.10.2007, denominado “contrato para prestação de garantia bancária”, que o embargante assinou, quer enquanto representante legal da GM - Transportes, Lda., quer por si, enquanto avalista da livrança.
5. O documento referido em 1., b) foi entregue à exequente para garantia de emissão da garantia bancária n.º ...79 (inicialmente número ...93), até ao montante de € 150.000,00, perante a beneficiária F... S.L.U, solicitada nos termos de documento assinado em 28.03.2012, denominado “contrato para prestação de garantia bancária, constituição de hipoteca e pacto de preenchimento de livrança”, no qual o embargante declarou, além do mais, que avalizava a livrança cujo pacto de preenchimento consta da cláusula 18ª do documento complementar - provado por documento e admitido por acordo.
6. O documento referido em 1., c) foi entregue à exequente para garantia do cumprimento das responsabilidades previstas no documento denominado “contrato de abertura de crédito em conta-corrente de utilização simples”, celebrado em ../../2000, ao qual foi atribuído o n.º de operação ...19, até ao limite máximo de € 99.759,58, assinado pelo embargante, quer enquanto representante legal da GM - Transportes, Lda., quer por si, enquanto avalista da livrança, e que foi objeto de sucessivas alterações, a última das quais em 19.08.2010, em que o limite máximo foi elevado para o montante de € 350.000,00, tendo a referida operação passado a ter o número ...92....
7. O documento referido em 1., d) foi entregue à exequente para garantia do cumprimento das responsabilidades previstas no documento denominado “contrato para apoio financeiro - limite de crédito para apoio à exportação”, celebrado em ../../2014, ao qual foi atribuído o n.º de operação ...69, com um limite máximo de € 50.000,00, assinado pelo embargante, quer enquanto representante legal da GM - Transportes, Lda., quer por si, enquanto avalista da livrança, e que foi objeto de duas alterações, a última das quais em 22.03.2016, em que o limite de crédito foi elevado para € 125.000,00.
8. A cláusula 19ª do documento referido em 4. tem a seguinte redação:
“(…)
19. TITULAÇÃO POR LIVRANÇA EM BRANCO:
19. - Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da operação, a ORDENADORA e o AVALISTA atrás identificado para o efeito entregam à CAIXA uma livrança em branco subscrita pela primeira e avalizada pelo segundo, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:
a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pelos devedores das obrigações assumidas, a CAIXA decida recorrer à realização coactiva do respectivo crédito;
b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente operação, nomeadamente o valor do crédito da CAIXA que resultar dos pagamentos que a mesma vier a fazer ao BENEFICIÁRIO em execução da Garantia Bancária, as comissões, juros moratórios, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;
c) A CAIXA poderá inserir cláusula “sem protesto” ou expressão equivalente e definir o local de pagamento.
19.2 - A livrança não constitui novação do crédito que vier a ser apurado, pelo que se mantêm todas as contragarantias constituídas para segurança das obrigações emergentes do presente contrato, que se consideram também referidas à livrança(…)”
9. A cláusula 18ª do documento complementar do documento a que se alude em 5. tem a seguinte redação:
“(…)
Cláusula 18ª (TITULAÇÃO POR LIVRANÇA EM BRANCO)
18.1 - Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da operação, a ORDENADORA entrega à CAIXA, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela ORDENADORA e avalizada pessoalmente por AA, autorizando desde já a ORDENADORA a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:
a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela parte devedora das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança;
b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente operação, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;
c) A CAIXA poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento.
18.2. A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias. (…)”
10. A cláusula 23ª do documento a que se alude em 6. tem a seguinte redação:
“(…)
23. TITULAÇÃO POR LIVRANÇA EM BRANCO
23.1 - Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente, a 1ª CONTRATANTE e os AVALISTAS atrás identificados para o efeito entregam à CAIXA uma livrança em branco subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:
a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA em caso de incumprimento pela parte devedora das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito;
b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente abertura de crédito, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;
c) A CAIXA poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento.
23.2. A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições da conta-corrente, incluindo as garantias. (…)”
11. A cláusula 16ª do documento a que se alude em 7. tem a seguinte redação:
“(…)
CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA
(Titulação por livrança)
1. Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a CLIENTE e o AVALISTA atrás identificado para o efeito entregam à CAIXA, neste ato, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente data, subscrita pela primeira e avalizada pelo segundo, e autorizam desde já a CAIXA a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria CAIXA, tendo em conta, nomeadamente, o seguinte:
a) A data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pela CLIENTE das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança;
b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança;
c) A CAIXA poderá inserir cláusula “sem protesto” e definir o local de pagamento.
2. A livrança não constitui novação do crédito, pelo que se mantêm as condições do empréstimo, incluindo as garantias (…)”
12. A agência do ... submeteu superiormente uma proposta de apoio da exequente à GM - Transportes, Lda., fora do âmbito de aplicação da moratória legal prevista no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26/3, proposta essa que não foi aceite, tendo sido decidido que a sociedade passaria a ser seguida pela Direção de Acompanhamento.
13. Por sentença de 02.03.2021, proferida no processo n.º 3900/20.8T8STB, requerido por DD e outros, foi declarada a insolvência da sociedade GM - Transportes, Lda.
14. Nos termos do contrato de sociedade da GM - Transportes, Lda., esta ficava obrigada com a intervenção de dois gerentes - provado por documento.
15. No requerimento executivo alega-se além do mais o seguinte:
“(…)
Factos:
1.º No âmbito da actividade creditícia a que o Exequente se dedica, este é dono e legítimo portador da livrança no valor de €373.502,02, conforme documento que se junta como n.º 1 e que constitui o título executivo para todos os efeitos.
2.º A referida livrança foi subscrita pela Sociedade GM – Transportes Lda (declarada Insolvente) e avalizada pelo executado AA.
3.º A mesma foi subscrita e avalizada para garantia de um Contrato de Abertura de Crédito, celebrado em 5 de Maio de 2000 ao qual foi atribuído o n.º de operação ...19 até ao limite máximo de 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos) ou seja, €99.759,58 (noventa e nove mil, setecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos).
4.º O referido contrato foi objeto de duas alterações: a primeira em 14 de Novembro de 2006 tendo o referido limite máximo sido elevado para o montante €200.000,00 (duzentos mil euros); e a segunda alteração em 19 de Maio de 2008 em que o limite máximo foi elevado para o montante de €350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros), tendo a referida operação passado a ter o número ...92....
5.º Ora, os executados deixaram de cumprir as prestações a que estavam obrigados pelo referido contrato de mútuo em 05/05/2020.
6.º Face a tal incumprimento e nos termos e ao abrigo do artigo 781º do Código Civil, o exequente considerou vencidas as demais obrigações procedendo ao preenchimento da livrança caução de acordo com o estipulado entre as partes.
7.º Apresentada a referida livrança a pagamento na data do seu vencimento, i.e., em 11/05/2021 a mesma não foi paga não obstante as interpelações nesse sentido por parte do exequente.
8.º Termos em que, o crédito do exequente, reportado a esta data, ascende a €374.097,99 sendo €373.502,02 a título de capital, €573,04 a título de juros calculados desde a data do vencimento da livrança, à taxa legal em vigor de 4% ao ano, acrescido de imposto de selo sobre os juros no valor de €22,92.
9. º Para além do valor constante na livrança, título executivo, são devidos ainda juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, bem como, o respectivo imposto de selo e demais encargos.
10.º Tal como o subscritor, o avalista supra mencionado é responsável nos mesmo termos do que a pessoa por este afiançada e pelos valores em divida junto do exequente, nos termos do artigo 32.° da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças.
Acresce que,
11.º O Exequente é dono e legítimo portador da livrança no valor de €934,28, conforme documento que se junta como n.º 2 e que constitui o título executivo para todos os efeitos.
12.º A referida livrança foi subscrita pela Sociedade GM – Transportes Lda e avalizada pelo executado AA.
13.ºA mesma foi subscrita e avalizada para garantia de emissão da garantia bancária n.º ...93 solicitada em 08/10/2007, até ao montante de €30.000,00 (trinta mil euros), prestada perante V... Lda.
14.º Ora, a Sociedade e Executado deixaram de cumprir as prestações a que estavam obrigados pelo referido contrato em 11/07/2020.
15.º Face a tal incumprimento e nos termos e ao abrigo do artigo 781º do Código Civil, o exequente considerou vencidas as demais obrigações procedendo ao preenchimento da livrança caução de acordo com o estipulado entre as partes.
16.º Apresentada a referida livrança a pagamento na data do seu vencimento, i.e., em 11/05/2021 a mesma não foi paga não obstante as interpelações nesse sentido por parte do exequente.
17.º Termos em que, o crédito do exequente, reportado a esta data, ascende a €935,77 sendo €934,28 a título de capital, €1,43 a título de juros calculados desde a data do vencimento da livrança, à taxa legal em vigor de 4% ao ano, acrescido de imposto de selo sobre os juros no valor de €0,06.
18.º Para além do valor constante na livrança, título executivo, são devidos ainda juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, bem como o respectivo imposto de selo e demais encargos.
19.º Tal como o subscritor, o avalista supra mencionado é responsável nos mesmo termos do que a pessoa por este afiançada e pelos valores em divida junto do exequente, nos termos do artigo 32.° da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças.
20.º Acresce que, o Exequente é dono e legítimo portador da livrança no valor de €138.441,21, conforme documento que se junta como n.º 3 e que constitui o título executivo para todos os efeitos
21.º A referida livrança foi subscrita pela Sociedade GM – Transportes Lda e avalizada pelo executado AA.
22.ºA mesma foi subscrita e avalizada para garantia de emissão da garantia bancária n.º ...79 (inicialmente número ...93) solicitada em 28/03/2012 até ao montante de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) perante a beneficiária F... S.L.U, tendo a mesma foi parcialmente honrada no montante de €125.791,56.
23.º Ora, a Sociedade e Executado deixaram de cumprir as prestações a que estavam obrigados pelo referido contrato em 16/12/2020.
24.º Face a tal incumprimento e nos termos e ao abrigo do artigo 781º do Código Civil, o exequente considerou vencidas as demais obrigações procedendo ao preenchimento da livrança caução de acordo com o estipulado entre as partes.
25.º Apresentada a referida livrança a pagamento na data do seu vencimento, i.e., em 11/05/2021 a mesma não foi paga não obstante as interpelações nesse sentido por parte do exequente.
26.º Termos em que, o crédito do exequente, reportado a esta data, ascende a €138.662,11 sendo €138.441,21 a título de capital, €212,40 a título de juros calculados desde a data do vencimento da livrança, à taxa legal em vigor de 4% ao ano, acrescido de imposto de selo sobre os juros no valor de €8,50.
27.º Para além do valor constante na livrança, título executivo, são devidos ainda juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, bem como, o respectivo imposto de selo e demais encargos.
28.º O Exequente é dono e legítimo portador da livrança no valor de €93.210,42, conforme documento que se junta como n.º 4 e que constitui o título executivo para todos os efeitos.
29.º A referida livrança foi subscrita pela Sociedade GM – Transportes Lda e avalizada pelo executado AA.
30.ºA mesma foi subscrita a e avalizada no âmbito de Contrato para Apoio Financeiro – Limite de Crédito para Apoio à Exportação, celebrado em 10 de Março de 2014 o qual tem atribuído o n.º de operação ...69, com um limite máximo de €50.000,00 (cinquenta mil euros).
31.º Este contrato foi posteriormente objeto de duas adendas: a primeira em 13 de Outubro de 2015, na qual o montante foi elevado para €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) e a segunda em 22 de Março de 2016 em que o valor foi elevado para €125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros).
32.º Face a tal incumprimento e nos termos e ao abrigo do artigo 781º do Código Civil, o exequente considerou vencidas as demais obrigações procedendo ao preenchimento da livrança caução de acordo com o estipulado entre as partes.
33.º Apresentada a referida livrança a pagamento na data do seu vencimento, i.e., em 11/05/2021 a mesma não foi paga não obstante as interpelações nesse sentido por parte do exequente.
34.º Termos em que, o crédito do exequente, reportado a esta data, ascende a €93.359,15 sendo €93.210,42 a título de capital, €143,01 a título de juros calculados desde a data do vencimento da livrança, à taxa legal em vigor de 4% ao ano, acrescido de imposto de selo sobre os juros no valor de €5,72.
35.º Para além do valor constante na livrança, título executivo, são devidos ainda juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, bem como, o respectivo imposto de selo e demais encargos.
36.º Tal como o subscritor, o avalista supra mencionado é responsável nos mesmo termos do que a pessoa por este afiançada e pelos valores em divida junto do exequente, nos termos do artigo 32.° da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças.
37.º Para além do valor constante na livrança, título executivo, são devidos ainda juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, até efectivo e integral pagamento, bem como, o respectivo imposto de selo e demais encargos.
38.º Tal como o subscritor, o avalista supra mencionado é responsável nos mesmo termos do que a pessoa por este afiançada e pelos valores em divida junto do exequente, nos termos do artigo 32.° da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças.
39.º O crédito do exequente é certo, líquido e exigível e encontra-se suficientemente titulado.(…)” -
*
V – DO OBJECTO DO RECURSO
Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se ainda a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, tendo em conta as conclusões apresentadas, as questões colocadas ao tribunal de recurso centram-se em saber se as livranças em branco a que a sentença recorrida reconheceu força executiva têm ou não eficácia cambiária e, por conseguinte, podem ou não servir de título executivo à presente execução.
*
VI – APRECIANDO E DECIDINDO
Passamos então a decidir do objecto do recurso, tal como ficou delimitado nas conclusões acima transcritas.
Recordamos, antes do mais, que estamos perante execução baseada em livranças, movida contra o respectivo avalista, sócio-gerente da sociedade subscritora das livranças, que entretanto foi declarada insolvente.
Como refere a sentença recorrida, os fundamentos alegados nos embargos reportavam-se quer à eventual nulidade das livranças, quer ao preenchimento abusivo das mesmas, por violação dos deveres de comunicação e informação, quer à certeza e exigibilidade das obrigações exequendas, sendo estas as questões sobre que recaiu a sentença.
Como se sabe, e não se discute, dado o disposto no art. 47º da LULL, ex vi do art. 77º do mesmo diploma, pode o portador da livrança accionar apenas o avalista sem estar obrigado a demandar o subscritor (não obstando a tal a insolvência deste), e por seu lado, ao abrigo do art. 731º do CPC, pode o embargante deduzir os fundamentos que poderiam ser invocados como defesa num processo de declaração.
Em face das razões aduzidas pelo embargante, a sentença recorrida veio desde logo declarar que se mostravam válidas as obrigações cartulares resultantes das livranças, assinadas pelo avalista como tal, nos termos normais de qualquer livrança em branco (haviam sido entregues ao credor, dando-lhe a autorização para a preencher nos elementos em falta, sendo esse preenchimento a condição da sua validade – cfr. art. art. 10º, da LULL, ex vi do art. 77º, da mesma Lei, quanto à incompletude do preenchimento).
Sublinhou ainda o julgador que, atento o disposto no art. 32º da LULL, a obrigação do avalista se mantém independentemente da nulidade da obrigação do subscritor, uma vez que estamos perante duas obrigações distintas e com dois devedores distintos, a obrigação do subscritor da livrança e a obrigação cartular do avalista.
Ficaram assim rejeitados os argumentos do embargante relativos à eventual nulidade das livranças, ou seja, a hipotética invalidade das obrigações cartulares dadas à execução.
Passando a analisar os argumentos do embargante relacionados com o “pacto de preenchimento”, a sentença considerou aplicável ao caso o regime das cláusulas contratuais gerais, pelo que, e passamos a citar:
“Aplicando-se tal regime, estará em causa o cumprimento dos deveres de comunicação e de informação previstos nos arts. 5º e 6º do DL 446/85, sendo que a não observância desses deveres determinará a exclusão da cláusula em apreço, nos termos dos arts. 5º, n.º 3, e 8º, a) e b), do DL 446/85.
O dever de comunicação significa que a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência – n.º 2 do art. 5º. O dever de informação implica que, de acordo com as circunstâncias, a outra parte seja informada dos aspetos compreendidos nas cláusulas cuja aclaração se justifique – n.º 1 do art. 6º.
Consideram-se excluídas dos contratos as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde a que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo – alínea b) do art. 8º.
O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais, nos termos do n.º 3 do art. 5º do diploma legal em referência, ou seja, no caso concreto esse ónus competia à exequente.
No caso dos autos, discutida a causa, verifica-se que a exequente não logrou demonstrar que procedeu a uma comunicação adequada e efetiva das cláusulas que contêm o pacto de preenchimento. Tudo o que se provou foi que, quando foram assinados os documentos em causa, foram entregues as livranças em branco, devidamente assinada, para garantia do pagamento das responsabilidades assumidas nos contratos.
A consequência a retirar dessa conclusão é a de que as cláusulas em causa devem considerar-se excluídas, nos termos do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.”
Prosseguindo o raciocínio, explica depois o julgador que essa consideração de que, por força do regime legal das cláusulas gerais, devem considerar-se excluídas as cláusulas constantes do pacto de preenchimento exarado nos contratos a que se reportam as livranças não significa que a exequente ficou impedida de preencher as livranças em branco, nem que qualquer preenchimento que a exequente possa ter feito da mesma seja “um preenchimento não autorizado e consequentemente abusivo”.
Isto porque “não está demonstrado que não existia qualquer autorização para o preenchimento da livrança. Como atrás ficou referido, resulta da matéria provada que o embargante assinou as livranças sabendo que simultaneamente estava a entregá-las para cumprimento das responsabilidades assumidas nos contratos, e todos sabemos que não é necessária a redução a escrito para que se possa falar na existência de um pacto de preenchimento.
Por outras palavras, a concessão do aval, a entrega da letra assinada pelo embargante como avalista, implica necessariamente a possibilidade de preenchimento da livrança entregue incompleta, nos termos genéricos resultantes da Lei Uniforme. O que ficou excluído é o concreto “pacto de preenchimento” inserido nos documentos juntos pela exequente, relativos às obrigações subjacentes avalizadas.
Desta forma, a exequente não poderia usar a seu favor as disposições contratuais aludidas; mas o preenchimento abusivo, a demonstrar pelo embargante dada a repartição do ónus da prova estabelecido no art. 342º, n.º 2, do Código Civil, teria que traduzir-se numa ofensa à regulamentação inserida na Lei Uniforme, uma vez que não se pode negar ao portador da letra a possibilidade de a preencher e utilizar de acordo com as disposições dessa Lei.
Como realça a sentença em apreço, “o que releva para efeitos de se poder afirmar que a autorização para o preenchimento foi dada é, quer-nos parecer, que o interveniente que assinou um título em branco tenha ou deva ter a consciência de que aquele documento se destina a assegurar o cumprimento de uma obrigação pecuniária, que em algum momento a pessoa que o recebeu poderá estar em condições de exigir esse cumprimento e poderá preencher o título para essa finalidade e nos termos dessa finalidade.”
Dito de outro modo, a questão do preenchimento abusivo, quando alegada pelo avalista, dada a natureza de excepção pessoal desse obrigado cambiário, implica “que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado”.
De tudo se conclui pela improcedência da excepção do preenchimento abusivo do título, face à inexistência da demonstração a cargo do embargante de que teria existido esse abuso, quer por não ter autorizado esse preenchimento quer por, tendo autorizado, o preenchimento ter sido feito com violação do combinado a esse respeito.
Finalmente, quanto à certeza e exigibilidade das obrigações, a sentença julgou improcedentes as razões do embargante, declarando que este nem provou como lhe competia a formalização do pedido de adesão à moratória nos termos do art. 5º, n.º 1 do DL n.º 10-J/2020, de 26/3, nem a exequente está obrigado a invocar no requerimento executivo a relação subjacente, dada a natureza cambiária desta execução (a livrança vale por si, não tem o portador que alegar e provar a relação subjacente), e também por essa caminho se conclui que não é relevante no caso a interpelação da sociedade devedora (sendo certo que no caso presente foi a declaração de insolvência que determinou o vencimento de todas as obrigações da insolvente).
Em conclusão, também não procedem as razões do embargante quanto à certeza e inexigibilidade das obrigações cambiárias em causa. As considerações expendidas em torno da interpelação (do embargante, obviamente, que não da devedora) apenas relevam para os efeitos dos juros peticionados, sendo de concluir que neste caso terá que ser considerada a data da citação na presente execução (uma vez que não ficou provada outra interpelação anterior), tal como ficou decidido.
Sumariando como ficou exposto tudo aquilo que ficou decidido na sentença recorrida, em face dos fundamentos alegados pelo embargante na sua petição de embargos, e cotejando agora a decisão impugnada com os argumentos do recurso, exarados nas conclusões acima transcritas, afigura-se nada haver a censurar na douta sentença em causa.
Com efeito, a sentença impugnada mostra-se muito bem elaborada e fundamentada, nomeadamente na jurisprudência e na doutrina, tendo decidido, salvo melhor entendimento, de acordo com o que resulta da lei.
O ponto essencial de discordância do recorrente foca-se na questão, a seu ver decisiva, de ter a sentença recorrida considerado por um lado que no caso seria de excluir a aplicabilidade do “pacto de preenchimento” exarado nos documentos do banco exequente, por força do regime legal das cláusulas contratuais gerais, mas por outro lado considerar que tal circunstância não afectava a validade dos títulos cambiários dados à execução, nos termos genericamente previstos na Lei Uniforme, por não se ter provado qualquer abuso em relação ao acordo necessariamente presente na sua entrega ao tomador.
Ora esta questão já tem sido dilucidada na jurisprudência, para situações semelhantes, e foi cabalmente respondida na sentença em análise, em sentido que aqui perfilhamos.
O entendimento defendido pelo recorrente conduziria, em última análise, a que ficassem sem qualquer valor jurídico as livranças entregues em branco na situação em que são declaradas nulas, por aplicação da lei das cláusulas contratuais gerais, as cláusulas específicas do pacto de preenchimento inseridas nos contratos relativos às obrigações subjacentes garantidas, o que se afigura inaceitável. O que fica declarado nulo são apenas essas cláusulas.
Sobre essa matéria veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 17-03-2016 no processo n.º 7133/12.9YYPRT-A.P1 (relator Aristides Rodrigues de Almeida) já citado na sentença recorrida (in www.dgsi.pt):
“II - A exclusão de um contrato da cláusula que contém o pacto de preenchimento da livrança em branco entregue para garantia do mesmo, sem mais, não implica que qualquer preenchimento da livrança que venha a ser feito seja um preenchimento não autorizado e sem poderes e que a livrança deva ser considerada incompleta, sem valor de título cambiário.
III - A autorização para o preenchimento é dada quando quem assinou o título em branco tem ou deva ter a consciência de que o documento se destina a assegurar o cumprimento de uma obrigação pecuniária, que em algum momento a pessoa que o recebeu poderá estar em condições de exigir esse cumprimento e irá preencher o título para essa finalidade.
IV - É necessário que na relação entre a pessoa que assinou o título em branco e a pessoa a quem o entregou não exista nenhuma autorização, expressa ou implícita, para o preenchimento que ocorreu para que aquela possa opor à exigência do cumprimento da obrigação cambiária uma excepção proveniente dessa relação, independentemente de a excepção dever ser designada por preenchimento abusivo, preenchimento não autorizado ou preenchimento sem poderes.
V - A ser possível ao avalista em branco libertar-se da obrigação que assumiu ao entregar a livrança assinada em branco, por denuncia ou resolução com justa causa, tal faculdade terá sempre de ser exercida até ao momento do preenchimento, de forma fundamentada no caso da resolução, mediante comunicação ao portador da livrança, não podendo ser apenas fundamento da oposição à execução com base no título entretanto preenchido.”
De forma ainda mais enfática se explica no Acórdão da Relação do Porto de 29.06.2015, relatado por Manuel Domingos Fernandes no proc. n.º 549/13.5TBGDM-A.P1, também disponível na mesma base de dados:
“A embargante, enquanto obrigada cambiária como dadora do aval, pretende desvincular-se da obrigação de pagamento da quantia constante do título a pretexto de, como alega, não haver qualquer pacto de preenchimento válido porque excluída a cláusula que o previa, por violação do regime das cláusulas contratuais gerais. Porém, não se alcança como se possa invocar o preenchimento abusivo, ou seja, que o tomador ou beneficiário da livrança desrespeitou os termos em que lhe estava autorizado o preenchimento, mediante acordo com o avalista, se não se aceita a existência ou eficácia de tal acordo, no caso por excluído do contrato outorgado entre as partes. É que, excluído o pacto constante do contrato, a excepção liberatória haverá de ter por objecto a violação de um outro acordo, formalizado ou não, expresso ou tácito, que a emissão de um título de crédito em branco necessariamente implica. Ora, se em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invoca, como obrigação desrespeitada no acto de preenchimento da livrança, então não há objecto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual excepção. Portanto, ou a embargante aceitava a validade do pacto consubstanciado na cláusula 19ª do contrato e, relativamente ao respectivo conteúdo obrigacional, opunha a excepção ao banco exequente o que não fez ou, então, arguindo, como arguiu a invalidade e exclusão desse pacto, para sustentar o concurso da excepção, teria de invocar a violação de um outro pacto, o que também não fez. Efectivamente, para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto excepção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado.”
Repare-se, aliás, que este último aresto vai mais longe na distinção entre a nulidade das cláusulas contratuais gerais e a excepção do preenchimento abusivo da livrança, sublinhando que a nulidade de cláusulas contratuais gerais não gera a nulidade do aval.
Transcreve-se o sumário:
“I - O contrato de abertura de crédito reflecte uma operação bancária em que o banco se obriga a pôr à disposição do cliente um certo crédito por tempo determinado, crédito que o beneficiário usará à sua vontade, seja recebendo os fundos, seja sacando uma letra ou um cheque sobre o banqueiro.
II - Tendo a embargante assinado o contrato de abertura de crédito, embora exclusivamente na qualidade de avalista de uma livrança subscrita pela executada e entregue ao banco exequente nos termos contratuais, significa isto que, no caso concreto, existe claramente entre o exequente (credor cambiária) e a embargante (avalista), uma relação causal, subjacente ao aval, por via da qual se estipulou determinado pacto de preenchimento para a livrança em branco subscrita e avalizada.
III - E, por assim ser estamos no domínio de relações imediatas, mesmo em relação à oponente avalista, pelo que lhe era lícito chamar à colação o não cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas no citado contrato e, nomeadamente, aquelas relacionadas com o não cumprimento e com o preenchimento da livrança avalizada.
IV - Pela mesma ordem de razão, podia, no caso concreto, a embargante opor ao credor cambiário a excepção de preenchimento abusivo da livrança.
V - Todavia, o que não podia a oponente era prevalecer-se das duas excepções simultaneamente, isto é, invocar a nulidade das cláusulas gerais e o preenchimento abusivo da livrança.
VI - Invocando a embargante a nulidade das cláusulas gerais, como invocou e sendo procedente, como é, tal arguição, fica a recorrente impossibilitada de prevalecer-se da excepção do preenchimento abusivo da livrança exequenda, também arguida.
VII - Consequentemente, mantém-se, a obrigação cambiária resultante do aval, respondendo a avalista/recorrente nos mesmos termos que a pessoa por ela afiançada (a nulidade das cláusulas gerais não gera a nulidade do aval-artigos 32.º e 77.º da LULL).”
Leia-se também a este respeito o Acórdão da Relação de Guimarães de 28-05-2020, no processo n.º 4993/18.3T8GMR-A.G1, relator Maria dos Anjos Nogueira:
“I- Se o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra pacto de preenchimento em que interveio, com a respectiva exclusão do contrato, autoexclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da letra, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo.
II- Não pode é pretender, com base na nulidade arguida e declarada, vir, depois, valer-se do pacto de preenchimento, como se válido fosse, para invocar ter sido abusivo tal preenchimento.”
Veja-se ainda sobre o mesmo ponto o acórdão da Relação do Porto de 12-07-2021, no processo n.º 1900/19.0T8OVR-A.P1, relator Manuel Domingos Morais, e o Acórdão da mesma Relação de 25-03-2019, no processo n.º 9585/16.7T8PRT-A.P1, relator Augusto de Carvalho.
Nesta mesma Relação de Évora, o Acórdão de 07-04-2016, no processo n.º 656/13.4TBPTM-A.E1, relatado por Manuel Bargado, também enfatizou que “uma eventual exclusão da cláusula aposta em contrato de mútuo subjacente à livrança que consubstancia o pacto de preenchimento desta última, não afeta os avales prestados (negócio cambiário), quanto à obrigação dos avalizados (art. 32º da LULL).”
A mesma orientação já tinha sido afirmada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2013, no processo n.º 4720/10.3T2AGD-A.C1, relator Alves Velho, no Acórdão do STJ de 15.05.2014, proc. 1419/11.7TBCBR-A.C1.S1, relator Tavares de Paiva, de cujo sumário transcrevemos:
“I - Tendo os avalistas subscrito, também, o contrato de abertura de crédito, onde estava também inserido o pacto de preenchimento da livrança em branco, devem ser qualificadas no domínio das relações imediatas as relações entre eles (avalistas) e o beneficiário da livrança (o tomador – banco).
II - Tendo a livrança oferecida à execução – em que os oponentes figuram como avalistas – subjacente um contrato de abertura de crédito integrado por cláusulas contratuais gerais que implicavam deveres de comunicação e informação (arts. 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25-10), que a exequente não logrou ter cumprido, têm-se as mesmas por excluídas de tal contrato.
III - A exclusão das cláusulas relativas ao preenchimento não afecta os avales prestados (negócio cambiário), quanto à obrigação do avalizado (art. 32.º da LULL).
IV - Para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado.
V - É aos recorrentes/avalistas que incumbe fazer a prova de tais acordo e inerente desrespeito.”
E esta jurisprudência vem no seguimento do que já havia sido afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008-03-04 (Processo nº 07A4251, relator Moreira Alves):
“I - Tendo o oponente assinado o contrato de mútuo, embora exclusivamente na qualidade de avalista de uma livrança subscrita pelos mutuários e entregue à mutuante nos termos contratuais, significa isto que, no caso concreto, existe claramente entre a exequente (credora cambiária) e a oponente (avalista), uma relação causal, subjacente ao aval, por via da qual se estipulou determinado pacto de preenchimento para a livrança em branco subscrita pelos mutuários e avalizada pela oponente.
II - Quer dizer, no caso, estamos no domínio de relações imediatas, mesmo em relação à oponente avalista, pelo que lhe era lícito chamar à colação o não cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas no contrato de mútuo, pelo menos daquelas relacionadas com o não cumprimento e com o preenchimento da livrança avalizada.
III - Pela mesma ordem de razão, podia, no caso concreto, a oponente opor ao credor cambiário a excepção de preenchimento abusivo da livrança.
IV - Porém, como parece evidente, o que não podia a oponente era prevalecer-se das duas excepções simultaneamente, isto é, invocar a nulidade das cláusulas gerais, designadamente da cláusula 8.ª e o preenchimento abusivo da livrança.
V - Invocando a oponente a nulidade das cláusulas gerais, como invocou e sendo procedente, como é, tal arguição, fica a recorrente impossibilitada de prevalecer-se da excepção do preenchimento abusivo da livrança exequenda, também arguida.
VI - Consequentemente, mantém-se, a obrigação cambiária resultante do aval, respondendo a avalista/recorrente nos mesmos termos que a pessoa por ela afiançada (a nulidade das cláusulas gerais não gera a nulidade do aval - arts. 32.º e 77.º da LU).”
Subscrevemos, em conclusão do exposto, a orientação seguida na sentença aqui em apreço, apoiada na jurisprudência mencionada. A nulidade das cláusulas gerais não significa de modo algum a nulidade do aval, nem pode confundir-se com a excepção do preenchimento abusivo, ao contrário do que defende o recorrente.
Concluindo, como deflui do que fica dito não encontramos na sentença recorrida qualquer motivo de censura, nem descortinamos na argumentação do recorrente qualquer fundamento para a procedência do recurso.
Terminamos, pois, em conformidade.
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VII - DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, e em confirmar a sentença recorrida.
As custas do recurso, nos termos do art. 527º, n.º 1, do CPC, ficam a cargo do recorrente, dado o decaimento.
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Évora, 23 de Maio de 2024
José Lúcio
Manuel Bargado
Albertina Pedroso