Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
173/11.7TBALR-B.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: PRESCRIÇÃO
JUROS
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - O instituto da prescrição visa penalizar a inércia do credor relapso que não exerceu o seu direito em tempo considerado pela lei, como razoável, não se eternizando a possibilidade desse exercício, para lá de determinados limites.
2 - Uma vez constituída, a obrigação de juros tem substantividade própria e pode sobreviver à principal. É essa substantividade própria que lhe confere autonomia e, um prazo de prescrição que se não confunde com o da ação principal.
3 - Por via da sua autonomia, a interrupção do prazo de prescrição da dívida de juros só poderá considerar-se verificada a partir da data em que ocorre a notificação judicial desta ao devedor.
4 - A ampliação do pedido anteriormente admitida, por via da qual foram pedidos juros vencidos e vincendos desde a citação, ainda que formal e materialmente lícita, não altera o regime da prescrição para cada uma das obrigações autónomas, não as confundindo.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 173/11.7TBALR-B.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:


I

Correm termos uns autos de processo ordinário intentados em 07/02/2011 em que é Autor o Município ..., e são Rés AA, (…), S.A. e Banco (…), S.A., representados pela entidade liquidatária (…) – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S.A..

1. Na petição o Autor formulou o seguinte pedido:

«Deve a presente ação ser julgada procedente e provada e, consequentemente, devem as Rés ser condenadas nos seguintes termos:

a) a (…) e o Réu Fundo Imobiliário (…) solidariamente nas sanções pecuniárias no montante total de € 432.551,91 (€ 344.915,92 + € 87.635,99);

b) o Réu Fundo Imobiliário (…), na compensação no montante de € 175.271,98.»

2. As Rés foram citados para contestar por carta registada, em 16-02-2011.

3. Em 10-10-2022 o Autor veio juntar requerimento de ampliação do pedido, requerendo que os Réus sejam condenados em juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano.

4. Mediante requerimento de 28-10-2022 veio a Ré alegar que os juros de mora vencidos há mais de cinco anos mostram-se prescritos, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 310.º do Código Civil. Assim, os juros de mora vencidos desde 23-02-2011 (data da citação) até 10-10-2017 (5 anos antes da data do requerimento de ampliação do pedido) prescreveram.

5. Por despacho de 25-1-2022 foi a ampliação admitida porque “…assenta nos factos que constituem o objeto da ação, sendo este pedido um desenvolvimento do pedido originariamente deduzido, tanto assim que inexiste necessidade de acrescentar qualquer facto à causa para o poder sustentar”.

6. Em 27-11-2023 foi proferido Despacho Saneador, que apreciou a exceção de prescrição dos juros de mora, com a seguinte Fundamentação e Decisório:

«Da prescrição dos juros peticionados em sede de ampliação de 10 de Outubro de 2022 e admitida por despacho judicial.

Após apresentação nos autos de pedido de ampliação para que os Réus fossem condenados a pagar juros desde a data da citação, o qual foi admitido, veio a Ré alegar estarem prescritos os juros de mora vencidos entre a data da citação e Outubro de 2017, atento o disposto no artigo 310.º, alínea d), do CC.

Apreciando:

A prescrição não pode proceder.

É que os juros pedidos são apenas os que se venceram após citação da Ré.

Ora, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 323.º e 327.º do CC, a prescrição interrompeu-se com (a) citação e não corre novo prazo enquanto a sentença final não transitar em julgado.

Pelo que, sendo o pedido de juros um desenvolvimento do pedido principal, não ocorre a aludida prescrição por a mesma se ter por interrompida aquando da citação e serem pedidos juros que apenas se venceram depois desta última.»

6- Notificadas do Despacho Saneador vieram as Rés recorrer desta decisão.

Concluem as suas alegações de recurso do seguinte modo:

A) O Autor, através da petição inicial que está na base dos presentes autos, peticionou a condenação dos Réus no pagamento de sanções pecuniárias no montante total de € 432.551,91, acrescido, relativamente ao (…), Segundo Réu primitivo, da quantia de € 175.271,98.

B) A 10 de Outubro de 2022, decorridos mais de 10 anos da instauração da presente ação, veio o Autor requerer a ampliação do seu pedido, peticionando a condenação dos Réus no pagamento de juros de mora sobre as quantias reclamadas, contabilizados desde a data da citação até integral pagamento.

C) O (…), através de requerimento datado de 18-10-2022, defendeu a improcedência do pedido de condenação dos Réus no pagamento de juros de mora baseando-se em três grandes pontos: (i) a impossibilidade de cumulação de cláusula penal com a indemnização de juros; (ii) a ausência de convolação da obrigação de indemnizar em prestação pecuniária e, consequentemente, inexistência da obrigação de pagamento de juros de mora e (iii) a exceção de prescrição relativamente aos juros vencidos há mais de cinco anos.

D) A decisão sobre o primeiro e o segundo ponto foi relegada para final, tendo a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos sido julgada improcedente.

E) É sobre esta decisão que incide o presente recurso, na medida em que a posição tomada pelo Tribunal a quo viola o disposto nos artigos 310.º, alínea d), 323.º, n.º 1 e 561.º, todos do Código Civil.

F) Não tendo, ab inicio, sido peticionados juros de mora, a citação para o pedido principal – ocorrida em 17 de Fevereiro de 2011 – não pode interromper a contagem do prazo prescricional dos juros que apenas vieram a ser reclamados pelo Autor em 10 de Outubro de 2022, mais de 10 anos depois.

G) O facto de a ampliação do pedido ter sido aceite, pela circunstância de ser um desenvolvimento do pedido principal, em nada releva quanto à contagem, decurso e interrupção do prazo de prescrição dos juros de mora.

H) Estabelece o artigo 561.º do CC que a obrigação de juros é autónoma do crédito principal, pelo que, estamos perante dívidas independentes entre si e cada uma delas sujeitas a prazos de prescrição próprios e distintos.

I) É isso que resulta dos artigos 309.º e 310.º do CC, que estabelecem que o prazo de prescrição no regime geral não é o mesmo para o crédito principal (o prazo geral de 20 anos) e para a obrigação de juros (prazo de 5 anos).

J) Aliás, salienta Antunes Varela (em Anotação ao Parecer da Procuradoria-Geral da República de 31 de Outubro de 1969 RLJ, Ano 103, n.º 3421, páginas 249-256 (nota n.º 1, 255-256)) o interesse prático da alínea d) do artigo 310.º do CC no facto de a obrigação principal e a obrigação de juros satisfazerem interesses distintos do credor.

K) Sendo autónomos, o pedido principal do pedido acessório, a interrupção da prescrição quanto ao primeiro não tem a virtualidade de interromper a prescrição quanto ao segundo.

L) Assim, não tendo o Autor peticionado juros de mora ab inito, na petição inicial, pedido que estava na sua disposição atento o princípio do dispositivo, a citação dos Réus para os presentes autos não interrompeu o prazo prescricional aplicável aos juros de mora que vieram posteriormente a ser peticionados.

M) Tal citação não exprimia, direta ou indiretamente, a intenção do Recorrido exercer o direito ao pagamento dos juros de mora, não correspondendo à "intenção de exercer o direito" relativamente a estes, como exige o n.º 1 do artigo 323.º do CC.

N) Em suma, o Autor apenas manifestou a intenção de exercer o seu direito ao pagamento de juros de mora a 10 de Outubro de 2022, com a ampliação do pedido, pelo que, a interrupção do prazo prescricional aplicável aos juros deve ter por base esta data, não retroagindo à data da citação, devendo, por isso, os juros peticionados pelo Autor vencidos há mais de 5 anos a contar dessa data ser declarados prescritos, nos termos acima expostos.

A final requer seja revogado o despacho recorrido, declarando-se procedente a exceção de prescrição dos juros de mora peticionados pelo Recorrido e vencidos antes de 10 de Outubro de 2017.

Não foram apresentadas contra-alegações.

É o seguinte o objeto do recurso, extraído das conclusões das alegações:

- Se devem ser considerados prescritos os juros de mora que se hajam vencido cinco anos antes da data em que foram requeridos em ampliação do pedido, sem que a interrupção da prescrição prevista no artigo 323.º, n.º 1, do C.Civ., por via da citação anterior, lhes possa aproveitar.

Ou se, pelo contrario, sendo o pedido de juros um desenvolvimento do pedido formulado na petição inicial, a citação anterior interrompe não apenas a prescrição da dívida principal como a dos juros de mora subsequentemente peticionados.

A factualidade a considerar resulta do relatório supra.

Extrai-se do relato antecedente que a citação das Rés para a ação ocorreu em 2011.

O pedido de juros “vencidos e vincendos desde a citação” foi formulado apenas em 10-10-2022, mediante requerimento de ampliação do pedido, deduzido com tal finalidade.

Está, assim, em causa um pedido de juros a calcular a partir da citação, em que a este ato se reclama que cumpra a sua dupla finalidade de natureza substantiva: o de determinar o momento de constituição em mora (artigo 805.º, n.º 1, do CC) e o de interromper a prescrição (artigo 323.º, n.º 1, do CC).

Os juros convencionais ou legais prescrevem no prazo de cinco anos nos termos do artigo 310.º alínea d), do C.C..

O instituto da prescrição visa como sabemos, penalizar a inércia do credor relapso que não exerceu o seu direito em tempo considerado pela lei, como razoável, não se eternizando a possibilidade desse exercício, para lá de determinados limites.

Dispõe o artigo 323.º, n.º 1, do CCiv. que: “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação jgudicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

Vejamos se o efeito interruptivo da prescrição da dívida de juros pode ser atribuído à citação ou se, no caso, esse efeito advém apenas da notificação judicial do articulado superveniente.

Está em causa um pedido de juros moratórios formulado em 10-10-2022, em articulado superveniente.

Depois de notificados do mesmo, os Réus invocaram a prescrição dos juros de mora vencidos há mais de cinco anos.

Entendeu o tribunal a quo que tal prescrição não ocorreu porquanto a citação ocorrida em 2011 teve o efeito interruptivo da contagem deste prazo.

Sucede que, como bem referem os apelantes, “desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro”, como prescreve o artigo 561.º do C.Civ..

Citando Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos in “Notas ao Código Civil”, vol. III, 1993 “A natureza especial da dívida de juros baseia-se na sua relação com a dívida do capital; dado que o juro constitui um rendimento da obrigação do capital, não pode nascer sem esta; neste sentido é uma obrigação acessória ou secundária; porém, uma vez constituída, a obrigação de juros tem substantividade própria e pode sobreviver à principal”.

É essa substantividade própria que lhe confere autonomia e, um prazo de prescrição que se não confunde com o da ação principal.

Não faz assim sentido, com todo o respeito, retirar-lhe essa autonomia e considerar que lhe aproveita uma interrupção da prescrição por via da citação para a dívida principal, em momento em que ainda não tinham sido reclamados.

Os juros apenas foram reclamados em 28-10-2022.

Por via da sua autonomia, a interrupção do prazo de prescrição só poderá considerar-se verificada a partir da data em que ocorre a notificação judicial desta reclamação ao devedor.

Por isso, os juros vencidos entre 2011 (momento da citação) e 09-10-2017 estão prescritos.

Apenas os juros vencidos a partir de 10-10-2017, não o estão.

A ampliação do pedido anteriormente admitida, por via da qual foram pedidos juros vencidos e vincendos desde a citação, ainda que formal e materialmente lícita, não altera o regime da prescrição para cada uma das obrigações autónomas, não as confundindo.

Procede, por isso, o recurso.

Em suma: (…)


II

Termos em que, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida que se substitui por outra que julga prescritos os juros de mora vencidos entre 2011 (momento da citação) e 09-10-2017.

Sem custas.

Évora, 09 de maio de 2024

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Mário João Canelas Brás (1º Adjunto)

Cristina Dá Mesquita (2ª Adjunta)