Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULO AMARAL | ||
Descritores: | PROCURAÇÃO NULIDADE | ||
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Data do Acordão: | 10/17/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | I- À procuração aplica-se o disposto no art.º 280.º, por força do art.º 295.º, ambos do Código Civil, pelo que não é válida a procuração que confira poderes indetermináveis. II- Uma procuração que confira a uma pessoa poderes de representação para avalizar livranças para qualquer finalidade e assinar os respectivos pactos de preenchimento e contratos, subscritas pelas sociedades que identifica, não é nula. Sumário do relator | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora J... e I... vieram deduzir oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhes move Banco... . Alegaram, em suma, que o aval prestado na livrança oferecida como título executivo é nulo e ineficaz, porquanto prestado por procurador munido de procuração na qual não é determinável o seu objecto. Alegaram, ainda, que no contrato de mútuo na sequência do qual foi subscrita a livrança não consta qualquer finalidade, sendo absolutamente indeterminável, e que não assinaram pessoalmente ou negociaram o contrato em causa, o qual também foi subscrito por procurador. Acrescentam que as assinaturas das procurações não foram objecto de reconhecimento notarial, tratando-se de escritos particulares, sem qualquer outro tipo de solenidade ou formalidade, a qual foi analisada pela exequente. Mais alegaram que não são, nem nunca foram, gerentes das sociedades mencionadas na procuração, nunca exerceram actividade para as mesmas ou representaram, que residiram no estrangeiro entre Julho de 2007 e Dezembro de 2010. Concluem reafirmando a nulidade da procuração, devido ao objecto não ser determinável, e nulidade do aval, referindo, ainda, que não ratificaram os poderes de representação conferidos. * A exequente veio contestar, em suma, alegando serem válidas as procurações outorgadas pelos executados e, consequentemente, os avales prestados em seu nome, aduzindo que não releva a falta de menção da finalidade do mútuo, a qualidade dos avalistas em relação às sociedades identificadas na procuração e o demais alegado na oposição à execução.* Foi proferida saneador sentença que julgou improcedente a oposição.Para tanto julgou válidos tanto o aval prestado pelos opoentes como a procuração por si emitida. * Desta sentença recorrem os opoentes concluindo, no fundamental, a sua alegação da seguinte forma:A falta de indicação da finalidade das livranças (i.e., a absoluta ausência de finalidade da mesmas), a possibilidade de avalizar livranças em favor de todas as inúmeras sociedades indicadas na procuração, bem com o de quaisquer outras que venham a existir – por simples relação de participação – impõe concluir que estamos perante um objecto indeterminável. Pelo que, é imperioso concluir-se pela nulidade da procuração com base na qual o mandatário avalizou a livrança dada à execução no presente processo em nome dos ora Recorrentes, bem como, consequentemente, pela nulidade do contrato de mútuo e do aval da livrança entregue ao Recorrido e ora dada à execução, pois, sendo nula a procuração, o referido contrato e o aval prestados em nome dos ora Recorrentes são nulos e ineficazes quanto a eles. Sendo nula a procuração, o aval prestado equivale a uma situação de representação sem poderes, a qual vem regulada no artigo 268.º, n.º 1, do CC, de acordo com o qual se exige a ratificação do negócio, o que os Recorrentes nunca fizerem. * O recorrido contra-alegou concluindo, também no fundamental, desta forma:Tal doutrina e jurisprudência não é contudo aplicável in casu e uma diferença desde logo emerge: enquanto a fiança genérica, tanto como conceito como na prática, consubstancia a assunção de uma obrigação indeterminável, o aval pelo contrário, quando prestado em livrança caução de um contrato de mútuo e sujeita a pacto de preenchimento (como acontece in casu, em que o pacto de preenchimento da livrança avalizada consta do próprio contrato de mútuo celebrado e junto pelos Recorrentes na sua Oposição à execução), refere-se já a uma obrigação determinada; a prestação garantida já estava determinada. A análise do binómio procuração/negócio não pode deixar de levar à seguinte conclusão: o negócio celebrado (prestação do aval) não produziu os seus efeitos na esfera do representante (F…), mas sim na esfera dos representados (ora Apelantes), por via do mecanismo do instituto jurídico da representação, a qual se traduz na sua essência como mero meio de o representado, através do representante, fazer chegar/exprimir a sua declaração negocial a outrem. Assim, e em rigor, foi no momento da prestação do aval (em garantia de um mútuo perfeitamente determinado) que se deu a declaração negocial dos representados (ora Apelantes) através da outorga em seu nome pelo representante (F…), sendo a procuração o meio voluntário de atribuição de tais poderes representativos. * Foram colhidos os vistos.* A matéria de facto é a seguinte:1- Por escrito denominado “Mútuo”, Banco… acordou com M…, Ldª conceder-lhe um empréstimo no valor de €800.000,00 a disponibilizar na conta de depósito à ordem nº600292413 (doc. junto a fls.20/25, cujo teor se dá aqui por reproduzido). 2- O escrito foi assinado em nome dos executados J... e I... por F... munido de procurações (confissão e doc. junto a fls.20/25, cujo teor se dá aqui por reproduzido). 3- Por escritos datados de 11 de Julho de 2007 os executados J... e I... declararam conferir os poderes necessários a F... para avalizar livranças para qualquer finalidade e assinar os respectivos pactos de preenchimento e contratos, subscritas pelas sociedades M..., Lda., NIPC … (…)” (confissão e doc. de fls.20/25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 4- A exequente instaurou a presente execução apresentando como título executivo a livrança que lhe foi entregue com o acordo referido em 1, a qual preencheu pelo valor de €735.362,99, com vencimento em 13 de Dezembro de 2012 (doc. junto com o requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 5- Os executados J... e I... não assinaram pessoalmente a referida livrança, tendo as mesmas sido assinadas no verso com os seguintes dizeres “Bom para aval ao subscritor P.P. de I… e J...” seguido da assinatura de F... (confissão e doc. juntos com o requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). * O que foi dado à execução foi uma livrança com um aval subscrito por um procurador dos avalistas (os opoentes). Como se escreve na sentença, «o aval é uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular». Com isto em mente, também devemos entrar em linha de conta com a circunstância de os recorrentes não discutirem nem a relação cartular nem a relação subjacente, a causal do título de crédito.Discutem apenas a validade da procuração que serviu para outra pessoa, em nome e representação dos opoentes, assinar o aval. O problema, colocam-no os recorrentes na procuração e não no aval, alegando que ela é nula e que, por isso, também o aval o é. Não podemos concordar. Diferentemente do que parece, os recorrentes não pretendem aplicar ao caso do aval o AUJ n.º 4/2001 que se refere à fiança de obrigações futuras. Ao contrário do que se afirma nas contra-alegações, os recorrentes não tentam «aproximar o presente caso à doutrina e jurisprudência da fiança genérica». Antes pretendem aplicar o critério de indeterminabilidade que aí foi adoptado à procuração dos autos, como forma de melhor compreender o disposto no art.º 280.º, Cód. Civil. Ou seja, não temos de comparar as figuras do aval e da fiança; a haver alguma comparação a fazer ela será entre as razões do citado acórdão e a procuração aqui em discussão. * Sem dúvida que, por força do art.º 295.º, Cód. Civil, uma procuração pode ser nula nos termos do citado art.º 280.º. E citamos aquele preceito legal porque a procuração é um acto jurídico singular ou, talvez com maior rigor, um negócio jurídico unilateral (cfr. Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, Almedina, Coimbra, 2002, p. 43).Não é necessário, ao contrário do que afirmam os recorrentes, que o objecto da procuração seja «inteira e perfeitamente determinado». O que a lei exige, tal como é o entendimento do citado AUJ, é que ele seja determinável. A ser como os recorrentes pretendem nunca estaríamos perante um procurador mas sim um núncio. Como se escreve expressamente naquele acórdão quer «isto dizer que o objecto do negócio pode ser indeterminado —o que não pode ser é indeterminável» (D.R., I, de 8 de Março de 2001, p. 1257). Mas, claro, para que se fulmine uma procuração de nulidade por indeterminabilidade do objecto é necessário que isso mesmo se constate pela leitura do seu texto; que se constate que o seu objecto é impossível de apurar. E neste caso, tal constatação não é viável. O objecto da procuração, em termos amplos, é a concessão de poderes de representação, conforme resulta do art.º 262.º, n.º 1, Cód. Civil; e isso existe, claro, no nosso caso. O seu objecto, em termos práticos, é a concessão daqueles poderes para algo que se vai realizar. No nosso caso, foi constituído procurador dos recorrentes F... a quem foi conferida representação para, em nome daqueles, «avalizar livranças para qualquer finalidade e assinar os respectivos pactos de preenchimento e contratos, subscritas pelas sociedades M..., Lda.»; isto é, os poderes que foram conferidos foram-no para a prática de actos bem determinados e que dizem respeito a pessoas também determinadas (as sociedades indicadas no documento, além da que consta da matéria de facto). E, ao contrário do que se afirma nas alegações, a sentença não se limitou a concluir que o seu objecto é determinável sem justificar tal conclusão. Nela escreve-se expressamente: «para que o procurador, em nome dos mandantes, avalise livranças ou subscreva contratos em que sejam parte as sociedades ali mencionadas». Além disto, ou seja, além de dar o aval às livranças, a procuração confere poderes para assinar os respectivos pactos de preenchimento (onde constam as razões da emissão da livrança, a sua finalidade). Só isto é suficiente para impedir a aplicação do art.º 280.º. Por outro lado, devemos ainda ter em conta que a procuração não opera de modo independente. Como escreve Oliveira Ascensão, ela é «só um trecho do negócio global. O seu sentido só se apreende uma vez realizada a integração nesse negócio global» (Teoria geral do Direito Civil, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 237). Ou, como escreve Pais de Vasconcelos, a «procuração não opera com plena eficácia prática a não ser em conexão com outro negócio jurídico que lhe serve de base» (ob. cit., p. 53). Isto significa que a plena eficácia da procuração se concretiza acto a acto que seja praticado pelo procurador; é pelo próprio exercício dos poderes representativos que podemos estimar se tais poderes foram correctamente exercidos, isto é, se se integram no âmbito dos poderes concedidos. Tendo isto presente, haverá alguma dificuldade em reconhecer que o aval em discussão nos presentes autos respeita o teor da procuração? Repare-se que o objecto da lide não é uma divergência entre os poderes dados pela procuração e o negócio concretamente realizado pelo procurador. Apenas se foca este tema (em ordem a melhor se poder afirmar que a procuração dos autos não é nula) porque os recorrentes invocam como fundamento da nulidade uma parte final do seu texto: «e por qualquer outra sociedade que seja ou venha a ser participada por qualquer das sociedades atrás identificadas». Acontece que o aval que foi prestado o foi a uma das sociedades comerciais indicadas na procuração e não a alguma daquelas que seja ou venha a ser participada por uma das outras. Queremos com isto frisar que a razão específica da nulidade como consequência da impossibilidade de determinação do seu objecto nem sequer tem relevo no caso dos autos. * Sendo assim, só podemos concluir que a procuração não é nula, tal como, por consequência, também o não é o aval prestado pelos recorrentes, por intermédio do seu representante.Por estes motivos não há que focar o problema (pois que ele não existe) da necessidade da ratificação do negócio. * Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.Custas pelos recorrentes. Évora, 17 de Outubro de 2013 Paulo Amaral Rosa Barroso José Lúcio |