Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3123/22.1T8STB.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: REPÚDIO DA HERANÇA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 10/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – O direito do credor a ser pago através dos bens que teriam integrado o património do repudiante caso este tivesse aceite a herança depende do impulso processual “pelos próprios meios”, com um pedido e uma causa de pedir específicos, contra sujeitos processuais identificados (repudiante e “aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio”) e com vista à obtenção de uma sentença que permita ao credor ver satisfeito o seu crédito através do valor dos bens que, não fosse o repúdio, integrariam a esfera jurídica do devedor.
2 – Na aceitação da herança pelos credores do repudiante devem coexistir dois pedidos: o do reconhecimento da produção dos efeitos da aceitação da herança em nome do repudiante e do reconhecimento dos créditos dos credores e a condenação no respectivo pagamento.
3 – Não havendo a sobredita cumulação de pedidos, deve a petição inicial ser julgada inepta por falta parcial de pedido e de causa de pedir, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do Código de Processo Civil.
4 – Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
5 – O autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
6 – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
7 – O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do Código de Processo Civil, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
8 – Não deve a parte ser convidada a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3123/22.1T8STB.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local de Competência Cível de Setúbal – J2
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção especial sub-rogatória proposta por “(…), SA” contra (…), (…) e (…), a Autora veio interpor recurso da decisão que julgou verificada a excepção dilatória de nulidade do processo e absolveu os Réus da instância.
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A sociedade Autora pediu que:
a) fosse declarada sub-rogada no direito de aceitar a herança repudiada pela primeira Ré e, consequentemente, reconhecido o direito de executar a herança, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1041.º do Código de Processo Civil.
b) se ordenasse o cancelamento do registo daí resultante e que impende actualmente sobre o imóvel que compõe a herança e o consequente registo da presente acção, por forma a que a aqui Autora possa fazer valer o direito de executar tal património na sua acção executiva.
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Em benefício da sua pretensão, a sociedade Autora afirma que, por contrato de cessão de créditos, adquiriu ao “Banco (…), SA”, diversos créditos, bem como todos as garantias dos mesmos, onde se inclui o contrato celebrado com o Réu (…).
Devido a incumprimento, o banco cedente propôs acção executiva contra o Réu (…), entre outros, sendo que este é herdeiro de (…).
Indicado à penhora o direito que o executado detinha sobre a herança aberta por óbito de (…) verificou-se que o aludido executado havia repudiado a referida herança e que o acervo hereditário foi transmitido a (…) e (…), circunstância essa que prejudica os interesses do credor.
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Devidamente citados, os Réus (…) e (…) apresentaram contestação, onde, além de impugnarem a factualidade, defenderam a existência de nulidade da citação e de erro na forma de processo e, bem assim, a incompetência territorial do Tribunal.
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A Autora exerceu o contraditório relativamente à matéria de excepção.
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Foi admitido o articulado em causa, julgada improcedente a excepção de erro na forma de processo e julgada procedente a arguição da nulidade, determinando-se a notificação do despacho aos Réus com todos os elementos referidos no artigo 227.º do CPC para contestarem, nos termos do artigos 569.º, n.º 1 e 192.º do CPC.
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Nessa sequência, foi apresentada contestação pelo Réu (…).
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Os Réus (…) e (…) invocaram ainda que a Autora não deduziu o pedido dos seus créditos contra o repudiante e aqueles para quem passaram os bens, não satisfazendo a exigência do n.º 1 do 1041.º do Código de Processo Civil.
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O Juízo Local de Competência Cível de Setúbal julgou improcedente a excepção de incompetência territorial e ordenou a notificação da Autora para se pronunciar quanto à eventual ineptidão da petição inicial.
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A Autora respondeu e ampliou o pedido, adicionando nova pretensão com o seguinte teor: «serem os Réus condenados a reconhecer o crédito da Autora sobre o primeiro Réu no valor de cinquenta e nove mil novecentos e quarenta e cinco euros e trinta e nove cêntimos (€ 59.945,39), à data de 08 de Novembro de 2021 e, ainda, no seu pagamento, acrescido dos respectivos juros moratórios contabilizados até efectivo e integral pagamento».
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Prosseguiram os autos e a 1ª Instância decidiu julgar verificada a excepção ditatória de nulidade do processo e, em consequência, absolveu da instância os Réus (…), (…) e (…), nos termos dos artigos 186.º, n.º 1 e 278.º, n.º 1, al. b) e 577.º, al. b), do CPC.
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Na parte mais relevante, a decisão recorrida continha a seguinte argumentação:
«Volvendo ao caso dos autos e atentando no pedido da petição inicial da Autora, denotamos que a Autora não peticionou os seus créditos, nem contra o repudiante, nem contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio. Desta feita, a Autora não cumpriu o disposto no artigo 1041.º do CPC, pois não deduziu o pedido dos seus créditos contra os Réus. Por conseguinte, a Autora não deduziu um pedido essencial à ação sub-rogatória, que visou intentar, nos termos do n.º 1 do art.º 1041 do CPC.
A Autora respondeu que a exigibilidade do crédito resulta do teor da petição inicial e que os Réus interpretaram convenientemente a pretensão da Autora.
Ora, a Autora não peticionou os seus créditos, nem contra o repudiante, nem contra queles para quem os bens passaram por virtude do repúdio e, por isso, nos termos do artigo 609.º, n.º 1, do CPC, a sentença não pode condenar os Réus a reconhecer o crédito da Autora. Acresce que, os Réus não podem ter interpretado que a Autora peticionou o reconhecimento dos seus créditos, pois este pedido não foi formulado, pelo que não se suscita a aplicação do artigo 186.º, n.º 3, do CPCivil.
Posto isto, importa abordar a consequência do que acaba de se expor. A Autora entende que deve ser formulado convite ao aperfeiçoamento. A questão que se coloca é se a A. pode ser convidada a formular um pedido essencial à ação sub-rogatória».
Ao pronunciar-se sobre a viabilidade de um despacho de aperfeiçoamento, o Julgador a quo declinou essa possibilidade, ao sublinhar que esse instrumento «não permite suprir a falta de um pedido (neste sentido ac. TRE de 09-09-2021, proc. n.º 1884/19.4T8EVR-B.E1, disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/202698/; ac. TRL de 27-04-2021, proc. n.º 2725/17.2T8LRS.L1-7 e ac. TRP de 07-11-2019, proc. n.º 14013/17.0T8LSB.L1-6, disponíveis em www.dgsi.pt)
Quanto ao pedido, importa ainda ter em atenção que, segundo o artigo 264.º do CPC, havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito. Logo a seguir, estabelece o n.º 2 do artigo 265.º do CPC, que o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Assim, o convite ao aperfeiçoamento deve conformar-se com o estatuído nos artigos 264.º e 265.º do Código de Processo Civil.
No caso vertente, não existe acordo das partes para o aditamento de mais um pedido. Por outro lado, o artigo 265.º, n.º 2, do CPC não permite o aditamento de um pedido novo; somente permite uma ampliação do pedido primitivo, quando este seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Assim, a petição inicial da presente ação sub-rogatória é inepta, na medida em que a Autora não peticionou os seus créditos, nem contra o repudiante, nem contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio, o que gera a nulidade do processo, nos termos do artigo 186.º, n.º 1, do CPC, tendo presente o artigo 1041.º do CPC».
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A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso continham as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas na relação de proporcionalidade com o corpo do recurso apresentado e que representam praticamente a transcrição do corpo do mesmo [1] [2] [3] [4] [5]:
«1. Por sentença proferida a 23.04.2024, o Tribunal a quo pôs termo aos presentes autos, uma vez que:
- O Tribunal decidiu “julgar verificada a exceção ditatória de nulidade do processo e, em consequência, decide absolver os Réus (…), (…) e (…), da instância, nos termos dos artigos 186.º, n.º 1 e 278.º, n.º 1, alínea b) e 577.º, alínea b), do CPCivil”.
2. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, o meritíssimo Juiz a quo não fez correcta análise e interpretação dos factos nem, por conseguinte, correcta e adequada aplicação do direito.
Senão vejamos,
3. A “nulidade de todo o processo” consubstancia uma excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça o mérito da causa (artigo 577.º, alínea b), do CPC), dando lugar neste caso à absolvição da instância, nos termos do artigo 576.º, n.º 2, do CPC.
4. Excepção (dilatória) de conhecimento oficioso e que tem como consequência a absolvição do réu da instância (artigos 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b) e 578.º do Código de Processo Civil).
5. Com a ressalva, porém, de a mesma se encontrar suprida, como sucede quando o réu conteste e, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na falta ou ininteligibilidade da causa de pedir ou do pedido, ouvido o autor, se verifique que aquele interpretou convenientemente a petição inicial (artigo 186.º, n.º 3, do CPC).
5. E, bem assim, com a ressalva de que as excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada (artigo 278.º, n.º 3, do CPC).
6. Pois, tratando-se de vício susceptível de sanação, o efeito de absolvição da instância (artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC) deve ficar reservado para os casos em que o autor não proceda à reformulação do pedido, na sequência do convite para tal (cfr. neste sentido Abrantes Geraldes e outros, in “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2019 – Reimpressão, volume 1.º, pág. 618).
Temos então que,
7. De acordo com os n.º 1 e 2 do artigo 186.º do CPC:
“1. É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (…)”.
8. A ideia primordial no que concerne à figura da ineptidão da petição inicial, é a de impedir o prosseguimento duma ação, à partida, viciada por falta ou contradição interna da matéria ou objeto do processo, que mostre, desde logo, não ser possível um correcto, coerente e unitário acto de julgamento (cfr. Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, ed. AAFDL, Vol. 3.º, pág. 47).
9. Secundariamente – na perspectiva das partes – o instituto da ineptidão da petição inicial permite o cabal conhecimento, por banda do réu, das razões fácticas que alicerçam o pedido do autor para, assim, poder exercer cabalmente o contraditório.
10. Por isso, se compreende o estatuído no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, segundo o qual, em caso de invocação pelo réu da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, tal invocação não será atendível se se concluir que ele, não obstante as deficiências invocadas, percebeu o feito que o demandante introduziu em juízo, estando consciente das consequências que o autor dele pretende retirar. 11. Assim, a nulidade decorrente da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir será sanável, desde logo, quando o réu contestar e se verificar que interpretou convenientemente a petição inicial – n.º 3 do artigo 186.º do CPC – (cfr. neste sentido Acórdão do TRE de 25.03.2021, proc. 1381/19.8T8PTM-B.E1, in www.dgsi.pt).
Não obstante,
12. O artigo 552.º do CPC define o conteúdo que deve revestir a petição inicial.
Nesse articulado deve o autor, para além do mais, “indicar a forma de processo”, “expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação” e “formular o pedido” (alíneas c), d), e e), do n.º 1).
13. A “causa de pedir” traduz-se no facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido (cfr. Antunes Varela; J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., Coimbra Editora, pág. 245), pelo que, sob pena de ineptidão, não bastará uma indicação vaga ou genérica dos factos com base nos quais o autor sustenta a sua pretensão.
14. Competindo Ao autor, não só, formular um pedido, bem como, indicar a causa de pedir, traduzida nos concretos factos jurídicos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer (cfr. Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à luz do Código revisto”; Coimbra Editora, 1996, págs. 54 a 57) – artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
15. O “pedido”, por sua vez, é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo Autor, ou seja, o efeito jurídico que o Autor quer obter com a ação (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pág. 243).
16. O pedido comporta três vertentes:
a) uma vertente substantiva, objetiva integrada pela afirmação do efeito jurídico pretendido e descrição do respetivo objeto material;
b) uma vertente substantiva subjetiva consistente na identificação da parte contra quem é dirigido;
c) uma vertente processual dirigida ao tribunal e consistente na espécie de atividade requerida (seja ela declarativa de mero reconhecimento, de condenação ou constitutiva; seja executiva) – cfr. Acórdão do TRL de 03.12.2020, processo n.º 229/17.2T8ALB.L1-8 – in www.dgsi.pt
17. Conforme salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, pág. 659), sem prejuízo de outras caraterísticas, “podemos afirmar genericamente que o pedido deve reunir os seguintes requisitos (…):
a) Ser expressamente referido na petição inicial (existência), embora não seja afastada de todo a admissibilidade de pedidos implícitos (…);
b) Ser apresentado de forma clara e inteligível (ininteligível é o pedido que se apresenta “confuso, incompreensível, indecifrável, obscuro” – STJ 09-05-95, CJ, tomo II, pág. 68); só um pedido cujo alcance possa ser compreendido pelo juiz e pelo réu é possível de sustentar um processo em que se pretende uma decisão judicial definidora de um conflito de interesses, assegurar o efetivo exercício do contraditório, circunscrever com rigor os limites da sentença (artigo 609.º, n.º 1) e delimitar o caso julgado material (artigo 621.º);
c) Ter um conteúdo determinado ou determinável em fase de liquidação ou de execução de sentença (…);
d) Ser coerente relativamente à causa de pedir ou pedidos cumulados, evitando quer a incompatibilidade substancial que determina a ineptidão da petição (artigo 186.º, n.º 2, alínea b)), quer a incongruência que pode desembocar na improcedência do pedido;
e) Ser lícito, ou seja, representar uma forma de tutela de direitos ou de interesses protegidos e admitidos pela ordem jurídica (…);
f) Representar uma forma de tutela de um direito ou de um interesse juridicamente relevante (juridicidade)”.
18. Importa ter presente que, os factos que podem enformar os articulados se podem integrar em três espécies, a saber:
- Factos essenciais ou estruturantes (aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção);
- Factos complementares (os que concretizam a causa de pedir ou a exceção complexa); e
- Factos instrumentais, probatórios ou acessórios (os que indiciam os factos essenciais e/ou complementares).
19. Sendo que, apenas a falta dos factos essenciais na petição inicial determina a inviabilidade da ação por ineptidão daquela. Ou seja: “A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer,
Mas só alguns destes factos – os essenciais – é que servem a função de individualização da causa de pedir, sendo esta que interessa à verificação da excepção de caso julgado” (cfr. neste sentido Acórdão do TRP de 09.07.2014, processo n.º 16/13.7TBMSF.P1 – in www.dgsi.pt).
20. Já os factos complementares são indispensáveis à sua procedência, não contendendo a sua falta com aquele vício, mas com a questão de mérito a dilucidar a final (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2.ª edição, pág. 70).
21. Assim, em regra, se se formula um pedido com fundamento em facto aduzido e inteligível, mas que não pode ser subsumido no normativo invocado, o caso será de improcedência e não de ineptidão da petição.
22. “Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente … quando … sendo clara quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta: o que então sucede é que a acção naufraga” (cfr. Alberto dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2.º vol., págs. 364 e 371).
23. A Jurisprudência tem vindo a defender, uniformemente, que a insuficiência ou incompletude do concreto factualismo consubstanciador do pedido ou da causa de pedir, não fulmina, em termos apriorísticos e desde logo formais, a petição de inepta, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a procedência ou a atendibilidade do pedido.
24. O critério decisivo para distinguir entre petição deficiente e petição inepta é “o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido” (cfr. neste sentido Acórdão do STJ de 07.06.2022, processo n.º 3786/16.7T8BRG.L1.S3 – in www.dgsi.pt).
25. Em suma, só existe falta de pedido, se este não se encontrar na petição; e só existirá falta de causa de pedir, quando o autor não indicar o “facto genético” ou matricial, a causa geradora do núcleo essencial do direito ou da pretensão que aspira a fazer valer (cfr. neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.1974, in BMJ 235.º, pág. 310; de 26.02.1992, processo n.º 082001; Acórdãos do TRC de 25.06.1985, in BMJ 348.º, pág. 479 e de 01.10.1991, in BMJ 410.º, pág. 893), ou seja, quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados.
Para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir (cfr. neste sentido Acórdãos do STJ de 30.04.2003, proc. n.º 03B560; de 31.01.2007, proc. n.º 06A4150; de 26.03.2015, proc. n.º 6500/07.4TBBRG.G2.S2; do TRC de 27.09.2016, proc. n.º 220/15.3T8SEI.C1; do TRE de 25.11.2011, proc. n.º 99/10.1TBMTL-E1 – in www.dgsi.pt).
26. Diga-se ainda que, conforme se evidenciou no Acórdão do TRG de 16.01.2020 (processo n.º 5533/18.0T8GMR.G1 – in www.dgsi.pt), “à interpretação dos articulados aplicam-se os princípios de interpretação das declarações negociais pelo que aquelas declarações valem com o sentido que um declaratário normal deva retirar das mesmas e tal interpretação deve ter presente a máxima da prevalência do fundo sobre a forma”.
27. Sendo aplicáveis, na interpretação das peças processuais, por força do disposto no artigo 295.º do Código Civil (onde se dispõe que, “aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente”), os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado.
28. Vale também aqui o princípio aplicável aos negócios formais – princípio do mínimo de correspondência verbal – de que “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 238.º, n.º 1, do CC), bem como, que a declaração pode deduzir-se de factos que, com toda a probabilidade, a revelem, nos termos do disposto no artigo 217.º do Código Civil.
No caso em apreço,
29. Na petição inicial apresentada, a Autora (ora Recorrente) alegou e demonstrou ser credora do repudiante da herança, crédito que ascende a € 59.945,39, o qual se encontra em cobrança coerciva no âmbito do processo n.º 534/14.0TBSTB, o qual, corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Execução de Setúbal - Juiz 1.
30. Mais demonstrou que, não obstante as penhoras concretizadas ao abrigo do mencionado processo judicial, e de mais fácil realização, não se mostram as mesmas adequadas à satisfação integral e em prazo razoável, do crédito da Exequente.
31. E, bem assim que, o Réu (…) repudiou a herança aberta por óbito de (…), com o NIF (…).
32. Sendo certo que, considerando o activo que compõe a aludida herança, a sub-rogação peticionada afigura-se como essencial para satisfação do crédito da recorrente.
33. Culminando a petição inicial em apreço, com os seguintes pedidos:
- “… Deverá a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência:
a) Ser o Autor declarado sub-rogado no direito de aceitar a herança repudiada pela primeira Ré e, consequentemente, reconhecer ao Autor o direito de executar a herança, nos termos do disposto no artigo 1041.º, n.º 2, do Código de Processo Civil;
b) Ordenar-se o cancelamento do registo daí resultante e que impende atualmente sobre o imóvel que compõe a herança, e o consequente registo da presente acção, por forma a que a aqui Autora possa fazer valer o direito de executar tal património na sua acção executiva”.
34. Sendo forçoso concluir, para um declaratário normal que, do expresso no articulado em apreço, resulta que a Autora (ora Recorrente) formulou, inequivocamente, o pedido de pagamento do seu crédito, cuja causa de pedir também identificou.
35. Embora, é certo, ao concluir o articulado, não tenha a Autora (ora Recorrente) peticionado de forma expressa o pagamento do seu crédito.
36. Não sendo menos verdade, no entanto, que a lei não impõe fórmulas pré-estabelecidas para a dedução do pedido, sendo de aceitar o articulado em que, embora a pretensão de tutela jurídica não tenha sido efectuada de acordo com a praxis do foro (no desfecho de tal articulado), o efeito jurídico pretendido com a demanda, se encontra patentemente formulado nessa peça processual.
37. Não nos revendo na posição expressa pelo Tribunal recorrido, que nos parece demasiado formalista e redutora.
38. Efectivamente, o juízo expresso na decisão recorrida, para além de comportar preclusivas e gravosas consequências, no sentido de impedir o prosseguimento de uma pretensão requerida por uma das partes, na decorrência de uma mera desconformidade formal, desvirtua a intenção do legislador, que foi a de tornar célere e eficaz o sistema de justiça, configurando-se uma solução excessiva e desproporcionada, à luz das regras do processo equitativo decorrentes do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.
39. Na filosofia do texto constitucional – visando uma decisão em prazo razoável e num processo equitativo – e do CPC em vigor, prepondera um princípio de prevalência da substância sobre a forma, que se estende à adoção de mecanismos processuais que viabilizem a tomada de uma decisão material substantiva, em detrimento de uma mera decisão formal.
40. Conforme se refere na exposição de motivos do novo CPCivil, deu-se primazia ao “princípio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma” que “em conjugação com o assinalado reforço dos poderes de direcção, agilização, adequação e gestão processual do juiz” deve conduzir a que toda a atividade processual seja orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma, cabendo suprir-se o erro na qualificação pela parte do meio processual utilizado e evitar deficiências ou irregularidades puramente adjetivas que impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais de índole puramente formal.
41. Neste sentido, o artigo 6.º do CPC consagra um dever de gestão processual do juiz, a quem designadamente assiste o dever de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, designadamente adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
42. Seguindo António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in “Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018”, págs. 31‑32), “nesta sede existe um largo campo de manobra para o juiz (…) adoptar medidas que se traduzam na simplificação e agilização processual e mesmo, em certos casos na adequação formal prevista no artigo 547.º”.
Aqui “afloram com precisão dois pilares fundamentais do processo civil: o da instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o da prevalência das decisões de mérito sobre as formais”, sendo que, “o direito adjectivo só existe porque existe direito substantivo integrado por normas que, de modo abstracto e generalizado, concedem direitos, fixam obrigações ou impõem ónus ou limitações”, e que “em caso de conflito de interesses, impõe-se a intervenção reguladora do juiz com funções de tutela de direitos subjectivos ou de interesses juridicamente relevantes”, daí decorrendo a “sobreposição do direito substantivo ao direito adjectivo, que só deve inverter-se quando a boa administração da justiça imponha outra solução”, e sendo “esta a real função do preceituado no artigo 6.º, no pórtico de entrada do CPC, replicado noutros preceitos”.
43. Se é certo que o artigo 1041.º do CPC, estabelece como requisito que a aceitação da herança pelos credores do repudiante se faça na ação em que os credores aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio, não é menos verdade que tal formulação se efectua, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC.
44. Segundo as quais, na petição inicial, deve o autor “d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamentos à ação” e “e) Formular o pedido”, mas, em bom rigor, não se encontra alguma previsão no sentido de que o pedido deva constar da conclusão do articulado e que, nomeadamente, não possa – se devidamente formulado e autonomizado – constar da própria narração (não dispositiva) de tal peça.
45. No caso sub judice, se bem virmos, na petição inicial, a A. (ora Recorrente) deu cumprimento às prescrições contidas nas mencionadas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC, formulando a sua pretensão, de forma clara, objetiva e perfeitamente inteligível.
46. Daí que, o vício evidenciado no articulado, pela circunstância de o pedido formulado, não ter sido destacado no momento conclusivo do mesmo, é de menor gravidade, não consubstanciando uma ineptidão por falta de formulação do pedido reconvencional.
Por conseguinte,
47. Legitima-se a prevalência da substância sobre a forma, do conteúdo sobre o aspecto estritamente formal, legitimando-se, pois, uma compreensão abrangente sobre a pretensão deduzida pelo demandante explicitada, inclusive, com auxílio ou apoio em documentação (externa ou anexa) à petição.
48. O vício em questão tem natureza exclusivamente formal, não contendendo com a permanência ou ausência de pretensão, já expressa na petição inicial, nem atinando com qualquer direito tutelável da contraparte. Repita-se: A pretensão da Autora (ora Recorrente) foi, cabal e autonomamente formulada, apenas sucedendo que, a mesma, não foi transmutada para a parte final, dispositiva, de tal articulado.
49. Entendimento partilhado – entre outros – pelo STA no Acórdão de 09.10.2019 (processo n.º 01274/15.8BEPNF 0755/17 – in www.dgsi.pt), segundo o qual:
“I - A ineptidão da petição inicial por falta de pedido, prevista como nulidade insanável e insusceptível de convite para correcção, só deve ser decretada quando seja inequívoco que o autor não deu a conhecer o efeito jurídico que pretende obter com a acção.
II - Não impondo a lei fórmulas pré-estabelecidas para a dedução do pedido na petição inicial, é de aceitar a petição de oposição à execução fiscal em que, embora a pretensão de tutela jurídica não tenha sido efectuada de acordo com a praxis do foro,
O oponente conclui aquela peça processual com a afirmação, referida às dívidas exequendas, de que «em momento algum poderá a aqui oponente ser responsabilizada pelo pagamento desses quantitativos», sendo possível identificar sem dificuldade de maior que o efeito jurídico que pretende obter é a extinção da execução fiscal”.
“«Não impondo a lei os termos ou expressões a utilizar na formulação do pedido, haverá que afastar a exigência de fórmulas sacramentais, rígidas ou insubstituíveis em tal matéria», motivo por que «de exigir é apenas que o autor, depois de descrever a sua pretensão, expondo os respectivos fundamentos e objecto, exprima a vontade de que o tribunal actue em ordem a proferir uma sentença de conteúdo favorável à pretensão manifestada»”.
50. Mais se dizendo que, “(…) não podemos olvidar que os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios da lei processual e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva [cfr. artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP)] e que a nossa lei adjectiva procura desde sempre evitar, sempre que possível, que a parte perca o pleito Por motivos puramente formais – que a forma prevaleça sobre o fundo (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 387, a propósito da flexibilidade que deve temperar o princípio da legalidade das formas processuais.) – e essa preocupação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes tem vindo, cada vez mais, a encontrar expressão nas diversas leis processuais, que afastam o rigor formalista na interpretação das peças processuais (…)”.
51. Como referia Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, Coimbra Editora”, págs. 364-365), “[o] pedido deve ser formulado com toda a precisão, para que a petição possa considerar-se modelar, sob este aspecto; mas se, não obstante a falta de precisão completa ou apesar de haver alguma imprecisão, puder ainda assim saber-se qual é o pedido, o tribunal não deverá julgar inepta a petição. Petição inepta é uma coisa, petição incorrecta é outra. Ou melhor, nem toda a incorrecção, nem toda a imperfeição do requerimento inicial conduz a ineptidão. O autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter? A petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta”.
Sem prescindir,
52. Estamos aqui perante uma eventual falta parcial do pedido, por não ter a Autora (ora Recorrente) dado cumprimento ao disposto no artigo 1041.º do CPC, na parte em que prevê que devem “os aceitantes deduzir o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio”.
53. Ora, uma coisa é a falta do pedido, outra coisa diferente é a falta parcial do pedido. Sendo certo que, só a completa ausência (e já não a escassez) ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir é que é geradora de ineptidão (cfr. neste sentido, Acórdão do TRC de 15 de Maio de 2007, processo n.º 7630/05.2TBLRA.C1 – in www.dgsi.pt).
54. Precisamente porque a falta parcial consubstancia a insuficiência de algo.
55. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite alguns factos ou circunstâncias objectivas, não pode taxar-se de inepta.
56. O Prof. Alberto dos Reis (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. II, pág. 364), frisa a diferença entre as figuras da ineptidão e da incorrecção da petição:
- “O pedido deve ser formulado com toda a precisão, para que a petição possa considerar-se modelar, sob este aspecto; mas se, não obstante a falta de precisão completa ou apesar de haver alguma imprecisão, pode ainda assim saber-se qual é o pedido, o tribunal não deverá julgar inepta a petição. Petição inepta é uma coisa, petição incorrecta é outra. Ou melhor, nem toda a incorrecção, nem toda a imperfeição do requerimento inicial conduz à ineptidão. O autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter? A petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta”.
57. Mais adiante, ibidem, pronunciando-se já também sobre a causa de pedir, traça aquele ilustre Professor uma outra diferenciação, que já não tem a ver com ineptidão e incorrecção, mas sim, com a distinção entre ineptidão e deficiência. Assim, na pág. 372:
- “Importa, porém, não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. Claro que deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas aparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessárias.
Para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga”.
58. Sendo que, qualquer insuficiência ou dúvida que pudesse suscitar-se, sempre seria objecto de outra decisão, que não a declaração, imediata, de ineptidão, como decorre, desde logo, do disposto no n.º 4 do artigo 590.º do CPC, segundo o qual “incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada...”.
Na verdade,
59. Detectada alguma irregularidade no fim dos articulados cabe ao Juiz providenciar, imediatamente, pelo seu suprimento, sendo o convite ao aperfeiçoamento uma manifestação do dever de cooperação dos magistrados em relação às partes (artigo 7.ᵒ, n.ᵒ 1, do CPC), o que serve por dizer que o julgador está obrigado a tudo fazer,
A qualquer altura do processo, para prosseguir o objectivo único que tem na causa, «a justa composição do litígio».
60. Isto é, se a finalidade perseguida pelo Juiz é, porque é essa que tem de ser, a de realização de justiça no caso concreto, sobre ele recai então a obrigação de prevenir quaisquer eventualidades que contrariem aquele desígnio, seja qual for o momento processual em causa.
61. Ademais, árdua seria a tarefa de explicar a um qualquer cidadão que vai a Tribunal em busca de justiça, a improcedência de uma acção com fundamento em excepções dilatórias supríveis, carência de factos, ausência de documentos ou, se preferirmos, em insuficiências, incongruências ou imprecisões cujo suprimento deveria ter sido sugerido pelo Juiz em sede de convite ao aperfeiçoamento.
62. Não se trata, bem se percebe, de beneficiar qualquer das partes, antes de dar conteúdo ao artigo 20.ᵒ, n.ᵒ 1, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa.
63. Sendo de aplicar, o já mencionado artigo 6.ᵒ, n.ᵒ 2, do CPC, o qual prevê que o Juiz tem um dever (oficioso) de gestão processual, podendo o mesmo “(…) em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência” (artigo 7.ᵒ, n.ᵒ 2, do CPC).
64. Poder esse que se mantém até ao momento da prolação da Sentença, ou de qualquer Despacho que autorize, ordene ou sancione determinado acto ou omissão, em que o Juiz não só pode, como deve, convidar a parte a suprir excepções dilatórias passíveis de sanação, a aperfeiçoar o articulado oferecido aos autos, a suprir as imprecisões ou insuficiências na exposição ou concretização da matéria de facto, ou a juntar documentos em falta, dado que a omissão do convite ao aperfeiçoamento é uma irregularidade que sobre o julgador impende corrigir.
Por conseguinte,
65. Considerando o disposto nos citados artigos 6.º e 590.º, n.º 4, impendia sobre o Juiz a quo, o dever de convidar a Autora a completar e/ou aperfeiçoar a petição inicial.
66. No entanto, não foi este o caminho trilhado, antes o julgador despendeu tempo com a notificação das partes para se pronunciarem sobre um vício inexistente, o qual, mesmo a existir, com tal convite poderia ser sanado; assim se protelando a decisão e se pretendendo relevar, indevida e intoleravelmente, a forma, sobre a sempre preferível dilucidação do mérito da causa.
Daí que,
67. Não se verifica no caso em apreço, a exceção dilatória de nulidade do processo, devendo os presentes autos seguir os seus ulteriores termos.
68. A consideração pelo supra exposto, implica necessariamente decisão diversa da proferida, o que se requer.
Deste modo,
69. Atento todo o supra exposto, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a Sentença recorrida e substituindo-a por outra decisão que julgue os embargos de executado totalmente improcedentes e condene os Executados no pedido contra eles formulado.
Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente.
Assim se fará, como sempre, inteira e sã Justiça!».
*
Houve lugar a resposta por parte de (…), que defendeu a manutenção da decisão recorrida.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPCivil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da existência de ineptidão da petição inicial e da possibilidade de a parte ser convidada a suprir os vícios que conduziram à absolvição da instância.
*
III – Factos com interesse para a justa solução do recurso:
Os factos interesse para a justa resolução do recurso são aqueles que constam do relatório inicial.
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IV – Fundamentação:
A ineptidão da petição inicial, embora seja uma excepção dilatória, gera a anulação de todo o processado e o Tribunal a quo entendeu que «a Autora não peticionou os seus créditos, nem contra o repudiante, nem contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio, o que gera a nulidade do processo».
A aceitação da herança pelos credores do repudiante é uma acção especial caracterizada pelo direito de, em caso de repúdio do devedor, os seus credores poderem aceitar a herança em nome dele, de harmonia com o disposto nos artigos 606.º[6] e seguintes e 2067.º[7] do Código Civil e, dessa forma, serem pagos até ao valor dos bens que caberiam ao devedor caso este tivesse aceitado a herança.
Os credores do sucessível que tenha repudiado determinada herança podem aceitá-la em nome deste e, para tanto, tal como ressalta da leitura do n.º 1 do artigo 1041.º[8] do CPC, a aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na acção em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio. E, destarte, quando favorável, a sentença que venha a ser obtida pode ser executada pelos credores contra a herança.
O direito do credor a ser pago através dos bens que teriam integrado o património do repudiante caso este tivesse aceite a herança depende do impulso processual “pelos próprios meios”, com um pedido e uma causa de pedir específicos, contra sujeitos processuais identificados (repudiante e “aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio”) e com vista à obtenção de uma sentença que permita ao credor ver satisfeito o seu crédito através do valor dos bens que, não fosse o repúdio, integrariam a esfera jurídica do devedor[9].
Seguindo o comentário de Marisa Vaz Cunha, por força do exercício da acção sub-rogatória prevista no artigo 2067.º do Código Civil, o acervo de bens que responde pela dívida não se limita ao património do repudiante mas inclui os bens da herança que o repudiante teria direito se tivesse aceitado a herança até ao respectivo valor. Não se encontrando bens no património do devedor, o exercício do direito de sub-rogação permite ao credor opor o seu direito de crédito aos titulares dos bens, para obter o respectivo ressarcimento, colocando-o na mesma situação jurídica em que se encontraria caso o devedor tivesse aceitado a herança[10]. Sendo certo que, se tivesse aceitado, o credor poderia satisfazer o seu crédito através dos bens que compreendessem o quinhão hereditário (nomeadamente através da respectiva penhora nos termos dos artigos 743.º e 781.º do CPC), então pela via da sub-rogação manter-se-á esse direito, embora com a vicissitude de o património em que se encontram os bens ser a herança (embora se possa dar o caso de já ter ocorrido a partilha e de os concretos bens adjudicados aos herdeiros sucessivos terem ingressado no seu património) e de os titulares do quinhão hereditário serem os herdeiros sucessivos[11] [12].
No plano processual, ao nível do objecto do pedido, a doutrina e a jurisprudência reconhecem a necessidade de serem formulados pedidos autónomos cumulativos e onde há um litisconsórcio necessário passivo, nos termos do n.º 1 do artigo 33.º[13] do Código de Processo Civil.
Na acção sub judice devem coexistir dois pedidos: o do reconhecimento da produção dos efeitos dos efeitos da aceitação da herança em nome do repudiante e do reconhecimento dos créditos dos credores e a condenação no respectivo pagamento.
Transpondo para a causa de pedir, importa assim alegar e provar a seguinte matéria: o repúdio do sucessível, a data do conhecimento do repúdio, a existência de um direito de crédito – anterior e que admita o exercício coactivo – de que o credor é titular sobre o repudiante e a essencialidade da sub-rogação em ordem à satisfação e garantia do crédito em que sobressai o prejuízo que o acto abdicativo cria na esfera patrimonial do devedor.
Por outras palavras, relativamente a este último requisito, impõe-se aos credores a prova de que o repúdio provoca ou agrava a insolvência de facto do repudiante[14] ou que gera a impossibilidade de satisfação do direito do credor e, em ambos os casos, que o exercício do direito pelo credor se revela essencial para afastar a insolvência ou para assegurar o pagamento [15] [16] [17], não sendo suficiente a mera alegação da existência do direito[18] [19].
Feito este excurso, cumpre sublinhar que o simples pedido de sub-rogação pelo credor repudiante não permitirá a obtenção do efeito útil normal da sentença para os efeitos previstos no artigo 1041.º do Código de Processo Civil.
Do disposto no n.º 3 do artigo 581.º do Código de Processo Civil retira-se, em termos conceptuais, que o pedido, na sua vertente substantiva, consiste no efeito jurídico que o autor pretende obter com a acção, o que se reconduz à afirmação postulativa do efeito prático-jurídico pretendido, efeito este que não se restringe necessariamente ao seu enunciado literal, podendo ser interpretado em conjugação com os fundamentos da acção com eventual suprimento pelo Tribunal de manifestos erros de qualificação, desde que se respeite o conteúdo substantivo da espécie de tutela jurídica pretendida e as garantias associadas aos princípios do dispositivo e do contraditório[20].
Neste espectro lógico-jurídico, não havendo a sobredita cumulação de pedidos, deve a petição inicial ser julgada inepta por falta parcial de pedido e de causa de pedir, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º[21] do Código de Processo Civil, tal como salientam a jurisprudência[22] e a doutrina[23].
Se o autor não pediu a condenação do réu no pagamento da dívida e se limitou a pedir que se declarasse a ineficácia do repúdio da herança deixada ao mesmo réu, e se declarasse o autor aceitante, por sub-rogação, da mesma herança, sem pedir o pagamento do seu crédito, a acção não poderá prosseguir por através dela se não conseguir obter o título executivo necessário para a sub-rogação.
E foi exactamente isso que sucedeu inicialmente na presente causa e aquilo que se pergunta é se, ao abrigo dos poderes de gestão[24] [25], a referida falha se encontra sanada com a ampliação do pedido ou, se ao invés, o princípio do pedido[26], do ónus de alegação[27] e de impugnação[28] se mostram minimamente perfectibilizados e permitem a alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo[29]?
Na verdade, apesar de não haver pronúncia expressa, do princípio da utilidade e da análise global dos articulados e das peças de recurso, resulta, claramente, de forma implícita, que não existe acordo para a alteração do pedido, ao abrigo do disposto no artigo 264.º[30] do Código de Processo Civil. E, assim sendo, a prolação de despacho a formular a referida questão constituiria um acto manifestamente desnecessário e inútil[31].
Como a alteração do pedido não resulta de acordo expresso entre as partes, a situação encontra guarida na previsão precipitada no artigo 265.º do Código de Processo Civil. E, assim, porque não há consenso entre os litigantes, «a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo Réu e aceite pelo Autor», tal como proclama a parte inicial do n.º 1 do artigo 265.º do Código de Processo Civil. Contudo, isso não sucede na hipótese vertente.
Em acréscimo, no domínio do quadro legal vigente, face aos termos literais estritos, o Autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Existe assim um duplo condicionalismo no recurso a este instrumento de reconfiguração da acção: um de natureza temporal e outro incidente sobre a matriz identitária com o objecto prévio da acção.
Começando pela análise da parte final do segmento normativo, José Lebre de Freitas[32] apresenta, como exemplo de desenvolvimento do pedido primitivo, a pretensão de condenação em juros face a um pedido de condenação no capital, e de consequência do pedido de anulação da compra a venda o pedido de cancelamento do registo. Realça ainda o autor que a ampliação pode envolver a formulação de um pedido diverso, em cumulação sucessiva com o inicial, sendo certo que se envolver a alegação de factos novos, esta só pode ter lugar se forem supervenientes e a respectiva admissão fica sujeita ao regime actualmente provisionado no artigo 588.º do Código de Processo Civil.
Também Abrantes Geraldes perspectiva esta possibilidade de ampliação nos casos de pedido de indemnização relativamente a actos ofensivos da posse e no pedido de juros de mora relativamente ao capital em dívida e que fora peticionado[33].
Idêntico posicionamento teórico havia já sido perfilhado por Antunes Varela[34] quanto ao pedido dos frutos percebidos e percebiendos quando inicialmente se pediu a restituição de um imóvel e ao pedido de publicação da sentença, à custa do réu em dois jornais relativamente a um pedido inicial de declaração de inexistência de facto ofensivo do bem nome propalado pelo réu.
Na lição de Castro Mendes para que se verifique a ampliação do pedido em desenvolvimento ou em consequência do pedido primitivo é necessário uma origem comum, ou seja, a mesma causa de pedir ou que as duas causas de pedir estejam integradas no mesmo complexo de factos[35].
A ampliação pressupõe assim que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais. E, nesta lógica, na leitura de Alberto dos Reis, há consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo quando a ampliação se possa considerar virtualmente contida no pedido inicial[36].
Na situação como a presente importa realizar a distinção dogmática entre pedido e causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão inicial se modifique para um mais. A cumulação surge quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso[37]. Isto implica assim que o pedido ampliado seja um lógico incremento ou corolário do pedido inicial.
Perante a natureza da pretensão deduzida junto do Tribunal ad quem é de concluir que a providência formulada não corresponde a um desenvolvimento ou a uma consequência de um pedido primitivo, antes se visa neutralizar os efeitos de uma falta de requisitos da acção não cogitado aquando da elaboração da petição inicial.
Adicionalmente, tal como acima adiantamos, o princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir. Como tal, o convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir[38].
Ou, na abordagem do Supremo Tribunal de Justiça, «não deve assim convidar-se a aperfeiçoar uma petição inepta, mas apenas a que seja deficiente, sendo o critério decisivo para distinguir, (…), o que define se a petição permite ou não, como foi apresentada, o conhecimento e decisão sobre o mérito do pedido»[39].
A parte activa convocou essencialmente contributos jurisprudenciais e doutrinais sobre a questão da ininteligibilidade da causa de pedir ou do pedido e, num patamar secundário, a da existência de uma pretensão implícita, mas não é isso que está aqui em causa.
Não se trata de apurar se os pedidos formulados eram entendíveis e perceptíveis para a parte contrária, mas antes nos situamos no domínio da falta de pedido (e, consequentemente, da causa de pedir) e da impossibilidade de suprir essa falta sem o acordo da parte contrária, por não nos situarmos na previsão da excepção contida no artigo 285.º do Código de Processo Civil. E também não existe um pedido implícito.
Deste modo, não merece crítica a decisão tomada pela Primeira Instância, mantendo-se assim na sua completude o decidido na decisão recorrida.
*
V – Sumário: (…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso apresentado, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 10/10/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Cristina Maria Xavier Machado Dá Mesquita

__________________________________________________
[1] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[2] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[3] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/97, de 11/03/1997, processo n.º 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[4] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[5] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[6] Artigo 606.º (Direitos sujeitos à sub-rogação):
1. Sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular.
2. A sub-rogação, porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.
[7] Artigo 2067.º (Sub-rogação dos credores):
1. Os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos dos artigos 606.º e seguintes.
2. A aceitação deve efectuar-se no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do repúdio.
3. Pagos os credores do repudiante, o remanescente da herança não aproveita a este, mas aos herdeiros imediatos.
[8] Artigo 1041.º (Ação sub-rogatória):
1 - A aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na ação em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio.
2 - Obtida sentença favorável, os credores podem executá-la contra a herança.
[9] Marisa Vaz Cunha, Herança jacente, Processos Especiais, vol. II, AAFDL, Lisboa, 2021, pág. 161.
[10] Rodrigues Bastos, Direito das Sucessões segundo o Código Civil de 1966, artigos 2024.º a 2103.º-C, 1981, pág. 142.
[11] Marisa Vaz Cunha, Herança jacente, Processos Especiais, vol. II, AAFDL, Lisboa, 2021, pág. 165.
[12] A este propósito, pode ser consultado o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/03/2018, consultável em www.dgsi.pt.
[13] Artigo 33.º (Litisconsórcio necessário):
1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
[14] Marisa Vaz Cunha, Garantia Patrimonial e Prejudicialidade. Um estudo sobre a Resolução em Benefício da Massa, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 154-155.
[15] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 441-442.
[16] Carvalho Fernandes, Da Aceitação da Herança pelos Credores do Repudiante. Regime. Fundamento e Natureza Jurídica, Quid Juris, Lisboa, 2010, págs. 74-78.
[17] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil: Direito das Obrigações. Garantias, vol. X, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 308.
[18] Marisa Vaz Cunha, Herança jacente, Processos Especiais, vol. II, AAFDL, Lisboa, 2021, pág. 172.
[19] Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/01/2006 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/12/2012 e 17/06/2013, pesquisáveis em www.dgsi.pt.
[20] Sobre a noção do pedido como efeito prático-jurídico, pode consultar-se Anselmo de Castro, Direito Processual Declaratório, Vol. 1º, Almedina, Coimbra, 1981, pág. 203.
[21] Artigo 186.º (Ineptidão da petição inicial):
1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2 - Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
4 - No caso da alínea c) do n.º 2 a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo.
[22] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/09/1995, cuja sumário está em www.dgsi.pt.
[23] Marisa Vaz Cunha, Herança jacente, Processos Especiais, vol. II, AAFDL, Lisboa, 2021, pág. 174.
[24] Artigo 6.º (Dever de gestão processual):
1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
[25] Artigo 590.º (Gestão inicial do processo):
1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.ºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7 - Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.
[26] Artigo 3.º (Necessidade do pedido e da contradição):
1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
[27] Artigo 5.º (Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal):
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
[28] Artigo 574.º (Ónus de impugnação):
1 - Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.
3 - Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.
4 - Não é aplicável aos incapazes, ausentes e incertos, quando representados pelo Ministério Público ou por advogado oficioso, o ónus de impugnação, nem o preceituado no número anterior.
[29] Artigo 265.º (Alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo):
1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.
4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.
5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
[30] Artigo 264.º (Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo):
Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.
[31] Artigo 130.º (Princípio da limitação dos atos):
Não é lícito realizar no processo atos inúteis.
[32] José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, págs. 128-129.
[33] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 105.
[34] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 343.
[35] Castro Mendes, Direito Processual Civil, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, vol. II, Lisboa 1980, pág. 347.
[36] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, págs. 94 e seguintes.
[37] Decisão singular de Rosário Gonçalves, Tribunal da Relação de Lisboa, em 06/06/2007, Proc. n.º 5202/2007-1.
[38] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/11/2019, depositado em www.dgsi.pt.
[39] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2020, integrado na plataforma www.dgsi.pt.