Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
514/24.7T8LAG.E2
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: ARRESTO
REQUISITOS
JUSTO RECEIO DE PERDA OU DIMINUIÇÃO DA GARANTIA PATRIMONIAL
Data do Acordão: 04/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário do Acórdão

(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)


1 - Segundo resulta dos artigos 619º, nº 1- do Código Civil e 391º, nº 1- , do Código de Processo Civil para que o procedimento cautelar especificado de arresto possa ser decretado é necessária a verificação cumulativa de dois requisitos essenciais:


- A probabilidade da existência de um crédito, ou fumus bonis juris;


- O justo receio de perda de garantia patrimonial, ou periculum in mora.


2- Tendo os Apelantes logrado fazer prova perfunctória de suficientes indícios objectivos apenas da probabilidade da existência do crédito reclamado, mas não do justo receio de perda de garantia patrimonial, inexiste base legal para decretar o peticionado arresto de imóvel e determina a improcedência da pretensão recursiva dos Apelantes.

Decisão Texto Integral: Apelação nº 514/24.7T8LAG.E2

Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Local 1 - Juiz 2


Apelantes: AA


BB


Apelados: CC


DD


EE


*


*


I-RELATÓRIO


BB e AA, advogados em causa própria, requereram o presente procedimento cautelar de arresto contra DD, EE e CC, pedindo que seja decretado o arresto das quotas-partes que os Requeridos detêm, de 1/18 cada um, sobre o prédio urbano identificado nos autos.


Alegaram, em suma, que no âmbito da sua actividade de advogados prestaram serviços jurídicos para os Requeridos no processo de inventário por morte de FF, somando os honorários devidos por tais serviços o valor de 26.050,00€, acrescido de IVA.


Mais alegaram ter sido acordado que o valor dos honorários seria pago após a venda do imóvel pertencente aos Requeridos e à Herança, sendo que no dia da outorga da escritura pública de compra e venda os Requeridos não compareceram no Cartório Notarial, tendo o Requerido DD dito ao agente imobiliário e ao vendedor que não queriam pagar os honorários aos ora Requerentes.


Mais acrescentaram, ainda, que os Requeridos deixaram de atender aos seus telefonemas, bem como de responder às mensagens de correio electrónico que lhes enviaram tendo, nessa sequência, lhes sido remetida a respectiva nota de honorários.


Concluíram, alegando que os Requeridos não têm intenção de pagar os honorários e que estes últimos apenas têm o referido imóvel, que planeiam vender, terminando a pedir que seja decretado o arresto dos seus direitos sobre o mesmo de forma a que os Requerentes garantam o seu crédito de honorários.


Procedeu-se à inquirição de testemunhas, sem audiência prévia dos Requeridos, conforme consta da respectiva acta.


Subsequentemente foi proferida decisão, que contem o seguinte dispositivo:


“IV. DECISÃO


Face ao exposto decido julgar improcedente, por não indiciariamente provado, o presente procedimento cautelar de arresto.


Valor: o já fixado por despacho de 26.09.2024.


Custas pelos Requerentes (art. 527.º, n.º1, do CPC).


*


Inconformados com a decisão vieram os Requerentes apresentar recurso de Apelação da mesma para este Tribunal da Relação alinhando no requerimento recursivo as seguintes conclusões:


“CONCLUSÕES


I ) Incompetência do Tribunal


1.O douto Tribunal a quo é incompetente nos termos do n.º 1 do art.º 73.º do CPC, uma vez que a ação principal a que diz respeito o presente procedimento cautelar de arresto é a Ação de Honorários, e tendo o inventário corrido termos no Cartório Notarial do Local 2 e no douto Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Cível do Local 2 - Juiz 2, Processo: 2143/22.0...


2.Ora incompetência do Tribunal é de conhecimento oficioso nos termos do n.º 1 do art.º 104.º do CPC e constitui uma excepção dilatória, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à remessa do processo para o Tribunal competente – o da comarca do Local 2.


3.Pelo que deve a douta Sentença ser declarada nula e baixarem os autos à Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Cível do Local 2.


II) Erro Manifesto de Facto e de Direito


4.Dos Factos indiciariamente provados desde logo enquanto erro manifesto reputam-se o 6.º, 8.º e 13.º, já vez que da prova documental, a conferência Preparatória nunca foi anulada, tendo havido lugar a Recurso para o STJ, no âmbito do Proc.2143/22.0..., do Juiz 2 do Juízo Local Cível do Local 2 muito embora tivessem transacionado e solicitado a abertura de conferência de interessados no Cartório Notarial(6.º), e ainda, ocorre erro quando decorre manifestamente da prova documental junta aos autos que ambos os Requerentes tiveram nas duas diligências (8.º), com lapsus calamis em vez de Requeridos, devia constar “Requerentes” no ponto 13.º.


5.Dos Factos indiciariamente não provados desde logo enquanto erro manifesto a alínea a), já que nos autos consta prova documental mais que bastante DOC 2, DOC 3, DOC 4 da PI, e decorre da prova testemunhal, de que foram os Requerentes quem representou os ora Requeridos no âmbito do inventário que corria termos no Cartório Notarial GG, processo n.º 6277/18, e Proc.2143/22.0..., sempre teria o douto Tribunal que dar por provado que os mesmos representaram os Requeridos, e por estes foram contratados para os representar.


6.Ainda dos Factos indiciariamente não provados desde logo enquanto erro manifesto a alínea e), já que está patente em prova documental dos autos, de que ambos os Requerentes tiveram presentes na Conferência de Interessados, e ainda cfr. DOC 5 da PI, na Conferência Preparatória onde transacionaram – ambas, as duas, no Local 2. Pelo que este facto, de que os Requerentes se deslocaram duas vezes ao Local 2, tinha de ter sido dado indiciariamente como provado.


7.Ainda dos Factos indiciariamente não provados desde logo enquanto erro manifesto a alínea f),tinha de ser dado como indiciariamente provados que foram os restantes serviços praticados pelos ora Requerentes, uma vez que não tem qualquer fundamento lógico-racional, salvo o devido respeito, que para além de não ter se ter dado como indiciariamente provado que os Requeridos tivessem solicitado que os Requerentes os representassem, que concomitantemente em face da prova documental junta, carreada para os autos, não dê como indiciariamente provados os serviços e diligências normais para a representação em processo de inventário e venda de bem imóvel – para tal bastam as regras da experiência comum, acrescido do Doc 4 da pi se refere todos os actos praticados que antecedem ao recurso.


8.Quanto aos restantes factos dados por não indiciariamente provados, b), c), d), e) os mesmos também não podem ser dados como não provados, pois nem só um elemento foi trazido aos autos que os possam contrariar, pelo quem em caso de dúvida o douto Tribunal e não tendo como negar a existência destes factos, também estes comuns, segundo as regras da experiência, e que só por oposição dos Requeridos se poderiam dar como não provados indiciariamente, ao invés de determinar a improcedência. Outrossim, e salvo douto e melhor entendimento, deveria o douto Tribunal a quo ter dado continuidade à demanda, ordenando a citação dos Requeridos – n.º 2 do art.º 366.º ex vi art.º 376.º do CPC.


9.Pelo que dúvidas não restam que os Requerentes preencheram o 1.º requisito necessário à procedência do presente procedimento cautelar, isto é, no que concerne, à PROBABILIDADE DE EXISTÊNCIA DO CRÉDITO (E NO DO SEU QUANTUM)Isto relativamente a todos os Requeridos.


III) NULIDADE DA SENTENÇA – O PERICULUM IN MORA


10.Os FUNDAMENTOS DA SENTENÇA ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO resultando em alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, nomeadamente quando a Sentença determina sic: “Assim sendo, além de não se ter apurado que, indiciariamente, o Requerente é titular de um crédito no montante peticionado, também não resultou suficientemente justificado o receio de perda de garantia patrimonial. Da factualidade provada, resulta, é certo, justificado receio de incumprimento da obrigação de pagamento do valor peticionado a título de honorários segundo a nota de honorários elaborada pelos Requerentes. Porém, o arresto não assenta no fundado receio de incumprimento da obrigação, mas sim no fundado receio de o credor perder a garantia patrimonial, que são coisas bem diferentes.” (sublinhado e negrito nosso)


11.Ora ainda que se aceite que são conceitos distintos, não se pode deixar de entender conforme foi exposta a relação material controvertida o justificado receio do não cumprimento da obrigação (aqui aceite como existente pela Sentença) vem à posteriori do “justificado receio”, o chamado periculum in mora inerente da perda da garantia patrimonial, estando por isso em conexão um com o outro – dependentes na sua concretização.


12.Ou seja, os Requerentes só têm receio do incumprimento no caso de deixar de existir garantia patrimonial que possa fazer fazer valer o seu crédito, já que a lesão grave e dificilmente reparável proveniente da demora na tutela da situação jurídica, advém do facto que não querendo os Requeridos pagar, e vendendo o único bem que detêm, estando em precária situação financeira, certo será, segundo as regras da experiência comum, que os Requerentes nunca verão o seu credito ressarcido.


13.Pelo que se deu por indiciariamente provado o 2.º requisito de que depende o presente procedimento cautelar, o Periculum in Mora.


Acresce


14.Ora o douto Tribunal ao invés de fundamentar a douta sentença na prova documental, fundamentou em juízos de valor de considerações pessoais, CONHECENDO ASSIM DE QUESTÕES DE QUE NÃO PODIA TOMAR CONHECIMENTO, nomeadamente, e sem audição prévia dos Requeridos, o Tribunal a quo pronunciou-se, sic : “A que acresce, conforme supra referido, que os Requeridos, ante a ausência de convenção prévia, têm o direito de discordar do valor dos honorários apresentados sem que tal configure uma recusa de pagamento da sua prestação (pagamento do preço devido pelos serviços prestados).” (negrito e sublinhado nosso) Convicção que não decorre de nenhuma prova documental carreada para os autos, senão, salvo o devido respeito, de convicções pessoais do Tribunal a quo, acrescido do facto que o douto Tribunal a quo deu como provado que existia fundado receio para o não cumprimento do crédito.


15.Assim nos termos do alínea c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC deve a douta Sentença ser declarada nula, baixando os autos com remessa para o douto Tribunal da Comarca de ..., Juízo Local Cível do Local 2, uma vez que é este o Tribunal com competência para o presente procedimento cautelar.


Nestes Termos,


E nos demais de Direito doutamente supridos pelos Venerandos Desembargadores, deve o presente recuso ser julgado procedente, com os fundamentos expostos, declarando-se nula a douta Sentença, baixando os autos com remessa para o douto Tribunal da Comarca de ..., Juízo Local Cível do Local 2, uma vez que é este o Tribunal


com competência para o presente procedimento cautelar, assim não se entendendo, deve dar-se por provado o preenchimento dos dois requisitos do procedimento cautelar, e a procedência do arresto, baixando os autos para que os mesmos sejam citados aos Requeridos.”


*


O recurso é o próprio e foi correctamente admitido pelo Tribunal a quo quanto ao modo de subida e efeito fixado, nada se impondo alterar a tal propósito.


De seguida a Mmª Juíza a quo pronunciou-se pela não verificação de nulidades de decisão nos seguintes termos:


Das nulidades da decisão


Vieram os Requerentes arguir a nulidade da decisão proferida nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC alegando que:


a) O tribunal é incompetente, sendo que como preliminar de acção de honorários, este procedimento deveria correr termos no Juízo Local Cível do Local 2, atento o disposto no artigo 73.º do CPC


Antes de mais cumpre salientar que o presente procedimento cautelar foi intentado neste Juízo Local Cível pelos próprios Requerentes e os mesmos não têm legitimidade para arguir a incompetência relativa.


Por outro lado, conforme resulta dos autos, os honorários peticionados não dizem respeito a serviços prestados apenas no âmbito do processo de inventário, mas também a serviços alegadamente prestados no âmbito do processo de venda extrajudicial de um imóvel, sendo que a Requerida nem sequer é interessada no processo de inventário.


Acresce que o processo de inventário, conforme os próprios referem, correu termos em Cartório Notarial, não se tratando de inventário judicial, sendo que os autos apenas foram remetidos ao Juízo Local Cível para apreciar o recurso interposto da decisão notarial.


b) Os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão, resultando ambiguidade ou obscuridade


Salvo melhor opinião, entende-se não se verificar a apontada nulidade, sendo que o Tribunal fundamentou a sentença, com recurso à prova testemunhal e documental.


Acresce que, perante a deficiente alegação, designadamente quanto aos serviços prestados, o Tribunal teve de recorrer aos documentos e deles retirar factos.


Ainda que os Requerentes não concordem com o respectivo teor, ante a factualidade indiciariamente provada e não provada a decisão não poderia deixar de ser de improcedência.


c) O Tribunal ao invés de fundamentar a sentença na prova documental fê-lo com juízos de valor de considerações pessoais, conhecendo de questões que não podia tomar conhecimento


Conforme supra referido e resulta da respectiva fundamentação de facto, o Tribunal ancorou-se na prova produzida.


Apenas em sede de direito aludiu, porquanto não se provou a existência de convenção prévia de honorários, à faculdade de o Requerido não concordar com o valor dos honorários apresentados, conforme ficou indiciariamente provado no facto 13).


Em face do exposto, e salvo melhor opinião, entende-se que a decisão proferida não enferma as nulidades apontadas.


Da rectificação do lapso de escrita


Relativamente ao facto 13) assiste razão aos Requerentes ao apontarem o lapso de escrita onde se diz “não estar de acordo quanto ao pagamento dos honorários aos Requeridos” sendo manifesto que se pretendia escrever “não estar de acordo quanto ao pagamento dos honorários aos Requerentes”.


Assim, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 614.º, n.ºs 1 e 2 do CPC corrige-se tal lapso, passando o facto 13) a ter a seguinte redacção “O Requerido DD disse ao agente imobiliário que não iriam à escritura por não estar de acordo quanto ao pagamento dos honorários aos Requerentes.”. “


*


O recurso é o próprio e foi correctamente admitido pelo Tribunal a quo quanto ao modo de subida e efeito fixado, nada se impondo alterar a tal propósito.


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Colheram-se os Vistos.


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II – OBJECTO DO RECURSO


Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, que assim fixam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.


Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. artigo 5º, nº 3, do CPC)


O Tribunal da Relação também não pode conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas na medida em que os recursos se destinam apenas a reapreciar decisões proferidas.


Neste sentido as questões a decidir traduzem-se no seguinte:


1-Incompetência relativa do Tribunal recorrido;


2-Nulidades de sentença;


3-Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;


4-Reapreciação do mérito da decisão recorrida consistente em apurar da verificação, ou não, no caso vertente dos pressupostos legais do arresto.


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III - Fundamentação de Facto


Consta discriminada na decisão final recorrida a seguinte matéria de facto:


A) Factos indiciariamente provados:


1) Os Requerentes são advogados de profissão.


2) Os Requeridos DD e EE outorgaram procuração forense a favor dos Requerentes em 24.01.2023.


3) Na Acta de Conferência de Interessados do processo de inventário que corria termos no Cartório Notarial da Notária Dr.ª GG, com o n.º 6277/18, por óbito de HH, em que era Cabeça de Casal II e Interessados EE, e DD consta “Iniciada a diligência foram os interessados interpelados se eram portadores de alguma carta com a respetiva proposta para adjudicação dos bens relacionados. Tendo os interessados EE e DD declarado que não iam apresentar nenhuma proposta em carta fechada, mas que tinham um terceiro interessado que oferecia o valor de 120.000,00€, referente à totalidade do imóvel. O cabeça de casal II não concordou com a venda a terceiros. Uma vez que as propostas em carta fechada nos processos de inventário só podem ser apresentadas pelos interessados no processo e não havendo unanimidade quanto à realização da venda a terceiros, a diligência prosseguiu com a abertura da única proposta. Assim, o cabeça de casal, II, apresentou carta fechada que foi por mim aberta com a respetiva proposta para adjudicação dos seguintes bens: – 4/6 do imóvel identificado na verba n.º 1 da relação de bens no valor de 20.181,94€. Considerando que o valor oferecido é superior a 85% do valor base, aceita-se a proposta apresentada, adjudicando-se ao cabeça de casal, II, verba n.º 1 da relação de bens, por ser a única proposta.”.


4) Os Requerentes interpuseram recurso, em representação do Requerido EE, da decisão do Sr. Notário respeitante à determinação do da forma da partilha no âmbito do referido processo de inventário.


5) Por decisão proferida em 02.05.2024, no âmbito do Proc.2143/22.0..., do Juiz 2 do Juízo Local Cível do Local 2, foi julgado procedente o recurso referido em 4) e anulada a Conferência Preparatória que teve lugar em 20.12.2022 e todos os actos subsequentes, ordenando-se a designação de nova data.


6) Na sequência do referido em 5), no dia 27.06.2024 teve lugar, no âmbito do processo de inventário referido em 3), a Conferência Preparatória tendo os Interessados chegado a acordo no sentido do imóvel relacionado ser vendido pelo valor mínimo de 330.000,00€ por escritura pública a ocorrer até ao dia 31.08.2024, sem prejuízo de prorrogação do prazo por acordo de todos.


7) A Requerida CC outorgou procuração forense a favor dos Requerentes em 20.01.2024.


8) A Requerente esteve presente na Conferência de Interessados referida em 6).


9) O Requerido DD solicitou os serviços da imobiliária “Zonas Mágicas, Lda.” e esta angariou um comprador para o imóvel pelo valor de 325.000,00€.


10) Na sequência do referido em 9) foi agendada escritura pública para o dia 26.07.2024 pelas 14h30 no Cartório Notarial da Dr.ª JJ, em ..., para venda do imóvel.


11) Em data anterior à designada para celebração do negócio, o Requerido DD informou os Requerentes que os ora Requeridos não iriam comparecer na escritura pública, invocando questões de saúde.


12) Os Requerentes elaboraram e remeteram aos Requeridos EE e DD, em 22.07.2024, por carta registada, a nota final de despesa e honorários com o seguinte teor “ Clientes: Sr. DD e Sr. EE (…)


“ Actos praticados e diligências:
Abertura de Processos em Escritório500,00
Elaboração de procurações forenses150,00
Estudo do processo n.º 6277/18, que se iniciou com dois outros mandatários a 30.11.201816 horas x 150/hora

2 400,00

Entrada no processo n.º 6277/18, por substabelecimento a 16.12.2022150,00
7 Requerimentos ao processo n.º 6277/187x300,00

2100,00

Ida ao Cartório do Local 2 para Conferência de Interessados no processo n.º 6277/18, no 24.01.202310 horas x 150/h + 500 despesa

2000,00

Pronúncia ao abrigo do n.º1 do art.º57.º RJPUI – 31.01.2023 no processo n.º 6277/1817 horas x 150/hora

2550,00

Impugnação do despacho determinativo da forma da partilha ao abrigo do n.º 4 do art. 57.º RJPI – 04.05.2023 no processo n.º 6277/18 – Remessa para o Tribunal Judicial17 horas x 150/hora

2550,00

Acompanhamento e requerimentos no processo n.º 2143/22.0... e receção de despachos e notificações do requerido5 horas x 150/hora

750,00

Procedência da impugnação do processo n.º 2143/22.0..., com resultado em 100% favorável, por sentença de 02.05.2024Sucess fee 1500,00
Contra-Alegações no processo n.º 2143/22.0..., em 03.07.202417 horas x 250/hora

4250,00

Ida ao Cartório Notarial do Local 2 para Conferência de Interessados no processo n.º 6277/18, no 27.06.202412 horas x 150/h + 500 despesas

2300,00

Negociação e elaboração de transação5 horas x 150 h

750,00

Apoio a Agência Imobiliária – Zonas Mágicas Lda. para venda de Imóvel4 horas x 150 h

600,00

Negociação com potenciais compradores – Advogados Dr. KK e com a Dr. LL – alcance da venda por 325 mil euros10 horas x 200h

2000,00

Diligenciar para a emissão de Licença de Utilização, certificado energético e marcação de escritura pública para o dia 26 de Julho de 2024, às 14h30, no Cartório Notarial da Dr.ª JJ - ...4 horas x 150 h

600,00

Elaboração de três minutas de poderes especiais para realização de venda de imóvel300,00 cada x 3

900,00

Total26.050,00
Iva5 991,50
Total com IVA32041,50
13) O Requerido DD disse ao agente imobiliário que não iriam à escritura por não estar de acordo quanto ao pagamento dos honorários aos Requerentes.


14) No dia 26.07.2024, com excepção dos Requeridos, todos os demais intervenientes comparecerem no Cartório Notarial.


15) O direito de propriedade sobre o imóvel referido em 3), sito em ..., concelho de Local 1, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2817 e descrito na CRP de Local 1 com o número 248, encontra-se inscrito na proporção de 4/6 em nome do inventariado HH, e 1/8 em nome do Requerido EE e 2/8 em nome de DD e CC.


B) Factos não provados


Não resultou indiciariamente provado, com relevo para a presente decisão, nomeadamente, que:


a) Para além do provado em 2) e 7), em Dezembro de 2022 o Requerido DD apareceu no escritório do Requerente Dr. BB para que este o representasse, a si e ao seu irmão, EE, no âmbito do inventário do avô de ambos, FF, e que corria termos no Cartório Notarial GG, processo n.º 6277/18, e ainda que representasse a mãe de ambos, CC por esta ser detentora de uma quota no único imóvel relacionado na herança.


b) Foi acordado, aquando da assinatura da procuração, entre os Requerentes e os Requeridos, que os honorários seriam, e devido ao grau de complexidade e tempo que seria despendido, tendo por base o valor de 75,00€/hora cada um dos mandatários, num total de 150€/hora os dois mandatários.


c) As partes acordaram que os honorários seriam liquidados aquando da venda do imóvel pertença dos Requeridos e da Herança.


d) O Requerido DD trabalha em turno nocturno enquanto vigilante da MM – Actividade de Aquacultura, Lda., NIPC ... em ... Local 1, e EE é técnico operacional de limpeza no Hospital de ..., Av. ..., e ambos recebem pouco mais do que o ordenado mínimo e a mãe, CC, com 77 anos é reformada, com uma pensão baixa.


e) Para além do provado em 8), os Requerentes deslocaram-se duas vezes de Local 1 ao Cartório Notarial do Local 2.


f) Para além do provado, que os Requerentes tenham prestado outros serviços aos Requeridos.


*


Consigna-se que a matéria não seleccionada do articulado é conclusiva, de direito, repetitiva ou não assume qualquer relevância para a decisão da causa.”


*
IV- Fundamentação de Direito


1-Incompetência relativa do Tribunal recorrido


Entendem os Apelantes que o Tribunal recorrido não é territorialmente competente para conhecer do presente procedimento cautelar de arresto, instaurado pelos próprios, sustentando deter essa competência o Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Cível do Local 2.


Desde já importa sublinhar que não se mostra aplicável a norma prevista no n.º 4 do artigo 105.º do CPC uma vez que no saneamento inserido no despacho final ora sob recurso o Tribunal recorrido nem sequer se pronunciou expressamente sobre a competência em razão do território para apreciar o procedimento cautelar especificado em apreço, constando apenas o seguinte:


“O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.


As partes têm personalidade e capacidade judiciária, bem como legitimidade.


Não há nulidades, excepções, ou questões prévias de que cumpra conhecer”. (itálico nosso)


Decorre, outrossim, do teor do formulário constante da plataforma Citius que antecede o requerimento inicial do presente procedimento cautelar de arresto instaurado em Juízo em 29/07/2024 e mesmo do introito da dita petição inicial, que os ora Apelantes endereçaram a identificada peça processual ao Tribunal Judicial da Comarca de Local 1 e não ao Tribunal Judicial da Comarca de..., não tendo aqueles feito saber ao Tribunal a quo ter existido da sua parte algum lapso material quanto à indicação do tribunal destinatário da referida peça processual.


Acresce que de acordo com o disposto no artigo 103.º do CPC é à Parte demandada na causa, ou seja, ao Réu/Requerido, que assiste legitimidade para a arguição da excepção de incompetência em razão do território.


Sucede que os argumentos acabados de expor só por si não seriam decisivos uma vez que a competência em razão do território para os procedimentos cautelares encontra-se expressamente prevista no artigo 78.º do CPC, sendo que de acordo com o disposto no artigo 104.º, n.º 1, a), do mesmo diploma legal, a incompetência em razão do território nas causas, além de outras, previstas no mencionado artigo 78.º deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.


Da leitura da alínea a), do n.º 1, do dito artigo 78.º do CPC, decorre que,o arresto e o arrolamento tanto podem ser requeridos no tribunal onde deva ser proposta a ação respetiva, como no do lugar onde os bens se encontrem ou, se houver bens em várias comarcas, no de qualquer destas.”


Por seu turno consta do n.º 1 do artigo 73.º do CPC que:


“Para a ação de honorários de mandatários judiciais ou técnicos e para a cobrança das quantias adiantadas ao cliente, é competente o tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, devendo aquela correr por apenso a esta.”


O procedimento cautelar de arresto em apreço surge como preliminar de uma acção de honorários relativamente a serviços jurídicos alegados pelos Requerentes prestados numa causa que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Local Cível do Local 2, sendo certo, porém, que o imóvel que se pretende seja arrestado localiza-se na freguesia de ..., Local 1.


Assim não se vislumbra que o Tribunal a quo seja territorialmente incompetente para decidir do presente procedimento cautelar especificado de arresto uma vez que este último podia ser instaurado no Tribunal Judicial da Comarca de ..., OU no Tribunal Judicial da Comarca de Local 1, como veio a suceder e pelos próprios Requerentes.


Improcede, pelo exposto, esta primeira questão objecto do recurso.


2- Das invocadas nulidades de sentença.


Arguiram os Apelantes a nulidade de sentença prevista na alínea c) do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC.


Contudo, não lhes assiste razão.


Com efeito, decorre do artigo 615º, nº 1, do CPC que:


É nula a sentença quando:


[ …]


“c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível“


Relativamente a 1ª parte desta alínea c), diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, (“Código de Processo Civil Anotado, Vol I”, Almedina, 2020- 2ª edição actualizada), em anotação ao referido artigo, (pág. 763, in fine), que:


“A nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente“


Sufragando esta perspectiva surge-nos o acórdão proferido pelo STJ em 03/02/2011 (Proc. 1045/04.7TBALQ.L1.S1), acessível para consulta em www.dgsi.pt, o qual refere que:


“A nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão supõe um vicio intrínseco à sua própria lógica, traduzido em a fundamentação em que se apoia não poder suportar o sentido da decisão que vem a ser proferida“.


Na mesma linha de orientação (adoptada, aliás, pacificamente noutros arestos do mesmo Tribunal), destacamos, ainda, o acórdão proferido pelo STJ de 14/06/2011 (Proc. 214/10.5YRLSB.S1), acessível in “Sumários “, 2011, pág. 501, quando sustenta que:


“A nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, na acepção da existência de uma contradição real entre os fundamentos e a respectiva parte dispositiva, acontece quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam, necessariamente , a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, mas não já quando se verifica uma errada subsunção dos factos à norma jurídica aplicável, nem, tão pouco, quando se verifica uma errada interpretação da mesma, situações essas que configuram antes um erro de julgamento.“


Já no que respeita à segunda parte da dita alínea referem ainda os Autores apontados na obra citada, o seguinte:


A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes“ (pág.764).


Descendo ao caso concreto percebemos pela leitura do corpo das alegações e conclusões recursivas que os Apelantes entendem padecer a sentença recorrida de nulidade porque na sua perspectiva existe “alguma ambiguidade ou obscuridade quando a sentença determina”, que:


“Assim sendo, além de não se ter apurado que, indiciariamente, o Requerente é titular de um crédito no montante peticionado também não resultou suficientemente justificado o receio de perda de garantia patrimonial.


Da factualidade provada, resulta, é certo, justificado receio de incumprimento da obrigação de pagamento do valor peticionado a título de honorários segundo a nota de honorários elaborada pelos Requerentes.


Porém, o arresto não assenta no fundado receio de incumprimento da obrigação, mas sim no fundado receio de o credor perder a garantia patrimonial, que são coisas bem diferentes.”


Ora, atenta a posição doutrinária e jurisprudencial acima expressa, com a qual concordamos, relativa à interpretação da causa de nulidade de sentença prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, percebemos inexistir ambiguidade, ou obscuridade, no que concerne ao que ficou expresso no período destacado pelos Apelantes e que acima tivemos o ensejo de transcrever, afigurando-se-nos claro que fundado receio de não cumprimento de obrigação de pagamento e fundado receio de perder uma garantia patrimonial são realidade completamente diferentes uma da outra, insusceptíveis de serem confundidas uma com a outra.


Improcede, assim, a invocada nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.


Apontaram, ainda, os Apelantes à sentença recorrida a nulidade por excesso de pronúncia, prevista na alínea d), do n.º 1, do mencionado artigo 615.º do CPC.


Mas também quanto a esta se afigura estarem carecidos de razão.


Vejamos:


É nula a sentença quando:


[ …]


d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento“


Relativamente à nulidade prevista nesta alínea d), do n.º 1, do identificado artigo 615º, do CPC, concretamente quanto à chamada “Omissão de pronúncia“, a que alude a primeira parte da dita alínea, diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, em anotação ao mencionado artigo ( obra acima citada, pág. 764), que a omissão de pronúncia afere-se “seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão.“


E acrescentam ainda que “[…] o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso“, não obrigando, todavia,“[…] a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com « questões » […]. “


Neste sentido saliente-se, entre vários outros, os acórdãos do STJ de 27/03/2014, proferido no Processo 555/2002 e de 08/02/2011, proferido no processo nº 842/04TBTMR.C1.S1 (ambos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt).


Neste último aresto de 08/02/2011 decidiu-se de forma bastante clara o seguinte:


Não há que confundir as questões colocadas pelas partes com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões em determinado sentido: as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões…”.


E acrescenta-se ainda no dito acórdão que “Se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.“


Por seu turno, quanto ao chamado “Excesso de pronúncia“, prevenido na 2ª parte da supra identificada alínea d), os Autores supra citados, ainda na obra igualmente acima identificada, (pág. 764), enquadram-no na “apreciação de questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas e que não sejam de conhecimento oficioso.“


Também na dimensão jurisprudencial existem ideias solidificadas quanto a esta nulidade.


De acordo com o acórdão do STJ de 04/03/2004, proferido no Processo 04B522, (acessível para consulta in www.dgsi.pt ), a nulidade por excesso de pronúncia “reporta-se a questões e não a motivações, ou seja, apenas se reporta a pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes centralizaram o litígio, incluindo as excepções“[…] e não à sua argumentação em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos“.


Neste mesmo sentido veja-se o Acórdão do STJ de 05/02/2004, proferido no Processo 03B3809, publicado na mesma base de dados.


Correlacionado ainda com a questão ora em tratamento diz-nos o artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que:


O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras […]”


Revertendo agora ao caso concreto percebemos que os Apelantes entendem que a sentença recorrida padece do vicio de nulidade previsto na 2ª parte da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, que vimos já respeitar ao chamado excesso de pronúncia, por virtude de o Tribunal a quo em vez de ter fundamentado a decisão recorrida na prova documental, tê-lo feito “em juízos de valor de considerações pessoais” remetendo para o seguinte parágrafo expresso na dita decisão:


A que acresce, conforme supra referido, que os Requeridos, ante a ausência de convenção prévia, têm o direito de discordar do valor dos honorários apresentados sem que tal configure uma recusa de pagamento da sua prestação (pagamento do preço devido pelos serviços prestados).”


Recordando o que acima ficou dito sobre o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, que seguimos, agora relativamente à causa de nulidade de sentença por excesso de pronúncia prevista, como já sabemos, na segunda parte da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, também não se vislumbra que ao referir o que referiu no período acima transcrito o Tribunal a quo tenha logrado pronunciar-se sobre alguma questão essencial para o desfecho do procedimento que apreciou sem audição prévia, ou seja com preterição do principio do contraditório, relativamente aos Apelantes, podendo acrescentar-se que as ditas “convicções pessoais do Tribunal a quo”, no contexto descrito e independentemente de feitas com maior ou menor acerto, sempre se poderiam enquadrar na livre apreciação segundo “a prudente convicção” do julgador, prevista expressamente no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.


Destarte, improcede, igualmente, esta segunda causa de nulidade da decisão recorrida invocada pelos Apelantes.


3- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto


Resulta do artigo 662º, do CPC, o seguinte:


1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa“.


Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil“, Almedina, 5ª ed., pág. 287), que:


O actual artigo 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […], através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.


Diz-nos também sobre este preceito o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, pág. 463-464), o seguinte:


“A redação do preceito [662º, nº 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os “factos assentes” para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância.


[…]


A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, “confrontados” com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


Nesta sede importa ainda recordar o teor dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduz no seguinte:


“4- Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”


“5- O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.


Argumentam, a este propósito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 709), o seguinte:


“O principio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração[…]: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espirito, de acordo com as máximas de experiências aplicáveis.“


Assim, a prova submetida à livre apreciação do julgador não significa prova sujeita ao livre arbítrio do mesmo, como, aliás, bem se depreende da leitura do nº 4- do supra referido artigo 607º do CPC, que na sua primeira parte impõe ao juiz que analise “criticamente” as provas, indique as “ilações tiradas dos factos instrumentais” e especifique os “demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.


Neste domínio referem, outrossim, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (obra acima citada, pág. 745), o seguinte:


O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados.”


Resulta, por seu turno, do artigo 640º do CPC, epigrafado “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto“, o seguinte:

1 - Quando seja impugnada a decisão relativa a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a ) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b ) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c ) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior , observa-se o seguinte:

a ) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; […] “

A este propósito sustenta António Abrantes Geraldes (obra acima citada, págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:


a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b ));


b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º , nº 1 , a ));


c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc );


d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;


e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação“, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado nº 1 e 2, a), do artigo 640º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor“.


Baixando ao caso concreto e lendo as conclusões recursivas verificamos que os Apelantes referem pretender impugnar a matéria indiciariamente considerada como demonstrada no despacho final recorrido indicando o ponto de facto 6), cremos que por lapso, pois na motivação recursiva aludem ao ponto 5), sendo que no ponto 4) das ditas conclusões percebe-se que a impugnação se dirige efectivamente à matéria vertida sob o aludido ponto 5), bem como a matéria vertida sob os pontos 8.º e 13.º.


Quanto ao ponto 13) o que os Apelantes verdadeiramente apontam é a subsistência de um lapso de escrita, aliás reconhecido e corrigido pelo Tribunal a quo no despacho em que admitiu o recurso, pelo que quanto a esse ponto de facto a questão encontra-se solucionada.


No tocante à matéria do ponto 5) verifica-se que os Apelantes não lograram identificar qualquer meio probatório, mormente documental, que permita comprovar a alteração que defendem, sendo certo que o documento que juntaram com o requerimento inicial como “Doc 4” (sentença), permite considerar como indiciariamente demonstrada a integralidade da matéria vertida sob o ponto 5).


Já quanto ao ponto 8) afigura-se pelo teor da acta de “Conferência Preparatória” realizada em 27 de Junho de 2024, junta como “Doc 5” com o requerimento inicial, que ambos os ora Apelantes estiveram presentes no dito acto processual pelo que procede a impugnação quanto ao mesmo passando a sua redacção a ser a seguinte:


” 8) Os Requerentes estiveram presentes na Conferência Preparatória referida em 6)”


Nos termos acabados de expor procede, assim, parcialmente, a impugnação apresentada quanto à matéria de facto considerada no despacho final como indiciariamente provada.


Impugnaram, outrossim, os Apelantes, nas respectivas conclusões recursivas, a matéria de facto que não resultou indiciariamente demonstrada no despacho final recorrido.


Comecemos por recordar o que ficou expresso no despacho final recorrido no tocante à motivação atinente ao segmento dos factos considerados como não indiciariamente demonstrados:


Os factos não provados assim resultaram por ausência de prova.


Não foi produzida qualquer prova quanto ao facto alegado em a) ou relativamente ao alegado acordo do valor/hora e momento de pagamento dos honorários – facto b).


Quanto aos serviços efectivamente prestados pelos Requerentes apenas se logrou fazer prova dos que se encontram documentados, ante a ausência de prova e de alegação de outros (designadamente os que se encontram na nota de honorários).


Os Requerentes também não forneceram ao Tribunal elementos que permitam formar uma ideia, ainda que aproximada, da real situação económico-financeira dos Requeridos. Com efeito, não basta a simples afirmação de que o bem indicado para ser arrestado é o único conhecido pelos Requerentes como pertencente aos Requeridos.


Desconhece-se, por não ter sido alegado ou produzida qualquer prova, se os Requerentes tiveram o cuidado de averiguar, ainda que sumariamente, a real situação dos Requeridos.


Assim, em face do exposto, ante a ausência de prova deram-se como não (indiciariamente) provados os factos a) a f).”


Quanto aos factos vertidos sob as alíneas b), c) e d) resulta claro, quer da leitura da motivação, quer das conclusões recursivas, que os Apelantes não lograram indicar meios probatórios tendentes a infirmar a decisão a que chegou o Tribunal recorrido, além de nem sequer terem deixado claro qual a solução concreta pretendida para cada um desses pontos de facto, impondo-se ainda esclarecer que era aos Apelantes, que a alegaram, que competia provar, ainda que indiciariamente, a matéria factual em causa, de acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 342.º, do Código Civil (doravante apenas CC).


Como tal e quanto aos factos vertidos nas alíneas em apreço impõe-se rejeitar a impugnação apresentada, por não cumprir o disposto nas acima transcritas alíneas b) e c) do n.º 1, do artigo 640.º do CPC.


Relativamente aos factos vertidos sob as alíneas a), e) e f), verificamos que os Apelantes lograram indicar meios probatórios, que identificaram, mormente prova documental.


Já no que respeita à “prova testemunhal” a que aludiram quanto à matéria de facto vertida sob a alínea a), percebemos que nem no segmento das conclusões recursivas, nem, sequer, no segmento da motivação do recurso, os Apelantes lograram identificar quais os depoimentos prestados pelas testemunhas que entenderam ser relevantes e menos ainda indicaram o respectivo registo e passagens, pelo que quanto a esse meio de prova, por falta de cumprimento dos ónus previstos na alínea b), do n.º 1 e na alínea a), do n.º 2, ambos do artigo 640.º, do CPC, impõe-se rejeitar a impugnação apresentada.


De resto quanto à prova documental que apontam e que respeita às procurações outorgadas através dos aludidos “Doc 2” e “Doc 3”, juntos com o requerimento inicial, sempre se dirá que resultou indiciariamente demonstrada no respectivo segmento do despacho final recorrido a matéria factual vertida sob os pontos 2) e 7), tendo tal ficado devidamente ressalvado logo no inicio da alínea a) da matéria de facto considerada como não indiciariamente demonstrada.


Sucede, porém, que o facto vertido sob a alínea a), alegado expressamente pelos Apelantes, tem um alcance diferente e mais abrangente que a mera indiciação dos mandatos conferidos não resultando minimamente indiciada a factualidade atinente à suposta visita do Requerido


DD ao escritório do Apelante Dr. BB no dia 07 de Dezembro de 2022.


Improcede, assim, a impugnação quanto à matéria da alínea a).


Quanto à matéria factual vertida na alínea e) não indicam os Apelantes meios de prova que permitam considerar indiciariamente demonstrado que se deslocaram, para além da situação descrita sob o ponto 8 do segmento atinente aos factos considerados como indiciariamente provados, aliás ressalvada no inicio da alínea e), duas vezes de Local 1 ao Cartório Notarial do Local 2, visto que o indicado “Doc 5” se reporta precisamente à Conferência Preparatória realizada em 27/06/2024, que permitiu a demonstração do facto contido no aludido ponto 8.º não constando qualquer outra prova documental que permita indiciar outras deslocações entre Local 1 e o identificado Cartório no Local 2.


Finalmente quanto à alínea f) importa dizer, contrariamente ao sustentado pelos Apelantes, que não decorre do mencionado “Doc 4” junto com o requerimento inicial indiciada a demonstração da matéria de facto descrita na dita alínea, improcedendo, como tal, a impugnação também quanto a este ponto de facto.


Nos termos expostos e quanto à impugnação dirigida contra a matéria de facto considerada como não indiciada conclui-se pela rejeição em parte e improcedência quanto à parte restante.


Em conclusão, procede parcialmente a impugnação relativa à decisão sobre a matéria de facto, no tocante aos pontos 8) e 13) do segmento atinente aos factos considerados como indiciariamente provados.


Para fechar este ponto objecto do recurso cumpre salientar que apesar de os Apelantes aludirem na motivação recursiva a outros factos que no seu entender deveriam ter sido considerados como indiciariamente demonstrados “reproduzidos no corpo da Petição Inicial, Doc 4 a esta junta”, o certo é que em sede de conclusões recursivas os Apelantes nada disseram a esse propósito, pelo que, sabendo-se já que são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e que de acordo com o n.º 4 do artigo 635.º do CPC o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, nas ditas conclusões, o objeto inicial do recurso, não cabe pronunciarmo-nos expressamente sobre tal pretensão de aditamento factual.


De todo o modo sempre se acrescentará que os factos pretendidos aditar nem sequer foram alegados devidamente no requerimento inicial do arresto e mesmo que assim não se entendesse certo é que da leitura dos mesmos não se retira relevância para a apreciação do presente procedimento cautelar de arresto, ou melhor dizendo da verificação dos requisitos atinentes ao mesmo sobre que, apenas, importa atender no caso em concreto.


4-Reapreciação do mérito da decisão recorrida consistente em apurar da verificação, ou não, no caso vertente dos pressupostos legais do arresto.


Apreciemos agora última questão objecto do presente recurso, na certeza de que temos como estabilizada a matéria de facto a considerar para a análise dum eventual erro in judicando


Resulta do artigo 391º, nº 1, do CPC, que:


O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor“.


Este normativo conhece paralelo no direito substantivo, precisamente no artigo 619º, nº 1, do CC, enquadrado sistematicamente nos meios de conservação da garantia patrimonial, prevendo-se aí que:


O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo.“


Conforme decorre dos dois preceitos legais acima transcritos para que o arresto possa ser decretado é necessária a verificação cumulativa de dois requisitos essenciais:


- A probabilidade da existência de um crédito,


- O justo receio de perda de garantia patrimonial.


Decorre, outrossim, dos artigos 392º, nº 1- e 393º, nº 1-, ambos do CPC, que recai sobre o requerente do arresto o ônus de alegar e provar a verificação dos dois requisitos legais acima descriminados, os quais deverão verificar-se cumulativamente no momento em que o arresto é peticionado e decretado, sob pena de o procedimento cautelar pretendido se revelar injustificado, bastando comprovar sumária, ou perfunctoriamente, os factos alegados que ilustrem a verificação de tais requisitos.


Relativamente ao primeiro requisito indicado diz-nos Marco Carvalho Gonçalves (“Providências Cautelares”, Almedina, 3ª edição, 217, págs. 222 a 224), o seguinte:


“[…] o legislador não exige a prova da verificação efetiva desse crédito - mas tão só que seja provável a existência desse direito -, nem tão pouco que a obrigação seja certa, exigível e líquida ou que já se encontre reconhecida pelos tribunais. Pelo contrário, a lei contenta-se com a mera aparência do direito de crédito, podendo tratar-se de um crédito ilíquido ou sujeito a condição ou a termo. […]


Assim a probabilidade da existência do crédito verificar-se-á quando sejam alegados factos que ainda que sumariamente comprovados, demonstrem ser verosímil a existência do direito de crédito do requerente do arresto.”


Já no tocante ao segundo requisito refere o Autor identificado na obra citada (pág. 225), que o justificado receio de perda da garantia patrimonial inerente ao arresto “[…] consubstancia-se no perigo de serem cometidos actos de ocultação, disposição, alienação ou oneração do património do devedor […]”


Pressupõe, por conseguinte, a criação de um perigo de insatisfação do crédito, por virtude do seu titular se deparar com a ameaça de estar a ser objecto de lesão o património do devedor.


E tem de se traduzir em factos concretos e naturalísticos, que não em meras conclusões sobre factos, juízos especulativos e/ou convicções pessoais, devidamente alegados e indiciariamente demonstrados por quem tem o ónus de o fazer, ou seja os Requerentes do arresto.


Como sustentou o ainda recente acórdão proferido neste Tribunal da Relação de Évora em 23/03/2019 (Proc. nº 76/19.7T8ABF.E1), acessível para consulta in www.dgsi.pt., “O justo receio de perda da garantia patrimonial, como refere Abrantes Geraldes, [4], « pressupõe a alegação e a prova ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito», sendo este receio o equivalente ao periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências, mas também, por isso, «o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia».


Como ensina o mesmo Autor, «o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juíz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva»”.


Concordamos e temos seguido como linha orientadora os ditames doutrinários e a linha orientadora jurisprudencial que acabamos de mencionar.


Na decisão recorrida entendeu-se não estarem reunidos os pressupostos para decretar o arresto requerido pelos ora Apelantes.


Vejamos, porém, em que se traduziu a argumentação exposta na decisão em causa no tocante ao primeiro dos requisitos essenciais do arresto, também conhecido por “fumus boni iuris”.


“Por via deste procedimento pretendem os Requerentes garantir o crédito de honorários que alegam deter sobre os Requeridos em virtude dos serviços prestados.


O mandato civil corresponde a uma das mais antigas formas de cooperação e resolve-se no contrato pelo qual uma das partes se obriga, gratuitamente ou mediante retribuição, a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra, que, por qualquer motivo, não quer ou não pode praticá-los pessoalmente (artigo 1170.º, nº 1 do Código Civil).


É elemento essencial do contrato de mandato que o mandatário esteja obrigado, por força do contrato, a praticar um ou mais actos jurídicos (artigo 1157º do Código Civil).


O contrato de mandato forense rege-se pelas disposições comuns do contrato de mandato civil contidas nos artigos 1157.º e seguintes do Código Civil e ainda pelas disposições especiais constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados, designadamente o artigo 67.º.


No caso específico da advocacia, o mandato conferido a advogados presume-se naturalmente oneroso, atento o disposto no artigo 1158.º, n.º 1 do Código Civil.


Assim, sendo o mandato oneroso, ao mandatário assiste o direito à remuneração devida pela execução do mandato, remuneração que, quanto à sua medida, não havendo acordo das partes, é determinada pelas tarifas profissionais, na sua falta, pelos usos, e na falta daquelas tarifas e destes usos, por juízos de equidade (artigos 1158º, nº 2 e 1167.º, al. b), 1ª parte do Código Civil).


Relativamente aos Advogados, aquela medida, ou melhor, os seus parâmetros, é dada pela sua lei estatutária (artigo 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei n.º 145/2015, de 09.09).


Ora, no caso dos autos, pese embora se ter apurado que os Requerentes prestaram serviços aos Requeridos no âmbito do referido processo de inventário, nada se apurou, ainda que indiciariamente, quanto à existência de convenção prévia de honorários, seja quanto ao valor global, seja quanto ao valor por hora ou quanto ao momento do pagamento.


Os Requerentes sustentam ser credores dos Requeridos do valor global de 26.050,00€, acrescido de IVA. Ora, não só não se apurou a prática de qualquer acto em representação da Requerida como a própria nota de honorários elaborada e junta aos autos apenas é dirigida aos Requeridos DD e EE.


Concluindo-se, em face da factualidade indiciariamente apurada, que relativamente à Requerida inexiste qualquer fundamento para o crédito peticionado.


E, quanto aos dois outros Requeridos, DD e EE, pese embora se ter apurado que foram praticados os actos referidos em 4), 6) e 8) no exercício do mandato forense, e que os Requerentes têm direito a ser remunerados pelos mesmos, nada mais se apurou quanto à actividade desenvolvida pelos Requerentes, designadamente quanto aos actos que constam na nota de honorários.


Pelo que, e não obstante os Requerentes terem prestado serviços aos Requeridos DD e EE e terem direito a ser remunerados pelos mesmos, não se compreende, ante os factos alegados e apurados, como podem ser titulares de um crédito de honorários no valor de 26.050,00€€, acrescido de IVA, sendo que não alegaram e, consequentemente, não provaram ainda que indiciariamente ter desenvolvido o trabalho e despendido as horas que constam na nota de honorários.


Acresce que a nota de honorários é um documento elaborado unilateralmente e não impede que se venha a pedir laudo de honorários, referindo-se o mesmo à adequação do valor peticionado pelos serviços efectivamente prestados.


Com efeito, sem prejuízo do valor já entregue a título de provisão, de 2.000,00€, ainda que o valor dos honorários seja superior e os Requerentes sejam detentores de um crédito sobre os dois Requeridos, os mesmos não fizeram prova que tenha havido ajuste prévio do valor por hora e que esse crédito seja no montante peticionado.


Conclui-se, pois, no caso, ainda que seja certa a existência do crédito dos Requerentes (admitindo-se que possa, eventualmente, exceder o valor da provisão que foi entregue), é incerto o respectivo montante, o que se mostra relevante para aferir do perigo da sua insatisfação (pois é um dado da experiência comum que quanto mais elevado for, maior será a probabilidade de incumprimento), bem como da proporcionalidade da providência requerida.”


Concordamos no essencial com o argumentário que acabamos de transcrever com a nuance de que se está indiciada a existência do crédito dos Requerentes pelo menos quanto aos Requeridos DD e EE não será, conforme percebemos do que supra se expendeu, a incerteza quanto ao respectivo montante que afastará o preenchimento do primeiro requisito respeitante à probabilidade da existência de um crédito dos Requerentes sobre os Requeridos, visto que “a lei contenta-se com a mera aparência do direito de crédito, podendo tratar-se de um crédito ilíquido […]”


Mas se assim é quanto a esse primeiro requisito que dizer sobre a verificação do segundo requisito essencial respeitante ao justo receio de perda da garantia patrimonial, que se traduz no chamado periculum in mora?


Mais uma vez vejamos o que a propósito ficou dito na decisão final recorrida:


No que diz respeito ao segundo requisito, os Requerentes também não lograram fazer prova do justo receio de perda da garantia, desde logo porque a situação patrimonial dos Requeridos é de todo desconhecida (nem foi produzida qualquer prova quanto à mesma).


O justo receio de o credor perder a garantia patrimonial é o pressuposto fundamental do arresto e, já pelas consequências que esta providência acarreta para o devedor, já porque importa prevenir abusos, a sua verificação tem de ser inequivocamente demonstrada.


Como salientou o Professor Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral”, 4.a edição, 453), “para que se prove o justo receio (como quem diz o receio justificado e não apenas o receio) da perda da garantia patrimonial, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular” e “ (…) II– Não faz essa demonstração o requerente que não logra provar, ainda que indiciariamente, que o imóvel cujo arresto é pedido constitui o único bem conhecido dos requeridos, nem fornece ao tribunal elementos que lhe permitam formar uma ideia, ainda que aproximada, da real situação económico-financeira destes, por forma a avaliar até que ponto será justificado o receio de perda da garantia do seu crédito se for concretizada a anunciada intenção de vender esse imóvel.” (cfr. Ac. TRP de 07.06.2021, proc. 1266/14.4T2AVR-L.P1, disponível em www.dgsi.pt).


[…]


Da factualidade provada, resulta, é certo, justificado receio de incumprimento da obrigação de pagamento do valor peticionado a título de honorários segundo a nota de honorários elaborada pelos Requerentes.


Porém, o arresto não assenta no fundado receio de incumprimento da obrigação, mas sim no fundado receio de o credor perder a garantia patrimonial, que são coisas bem diferentes.


Conforme refere o Ac. TRE de 04.05.2006, proc.2801/05-2, disponível em www.dgsi.pt “ (…) VI – Justo receio de perda de garantia patrimonial e fundado receio de incumprimento duma obrigação são conceitos distintos.”.


Citando o Ac. TRL de 19.08.2009, proc. 4362/09.6TBOER.L1-7 “Não basta para o preenchimento do específico periculum in mora uma recusa de cumprimento da obrigação.”.


Também quanto a este requisito parece-nos acertada a resenha doutrinária e notas jurisprudenciais avançadas.


Na verdade, apenas decorre dos factos indiciariamente demonstrados na decisão recorrida , mormente dos vertidos sob os pontos 9) a 11), 13) e 14), que um dos Requeridos, DD, chegou a solicitar os serviços de uma imobiliária para a venda do imóvel visado pelo arresto, tendo surgido um potencial comprador para o mesmo e que chegou a estar agendada escritura pública para o dia 26/07/2024, ou seja quando ainda não existia litigio aberto entre os ora Apelantes e os Requeridos relativo aos honorários, cuja nota fora comunicada a estes últimos por carta registada enviada em 22/07/2024, bem como que em data anterior àquela (26/07/2024), o aludido Requerido informou os Apelantes que os Requeridos não iriam comparecer no acto de escritura pública por motivos de saúde, mais informando ainda a imobiliária de tal falta de comparência dizendo ao respectivo agente imobiliário que não concordavam com o pagamento dos honorários pretendidos pelos Apelantes, falta de comparência essa que se veio a concretizar quanto a todos os Requeridos.


Sem embargo, nada mais resultou indiciariamente demonstrado, como seja que posteriormente a 26/07/2024 os Requeridos, ou algum deles, manteve o imóvel para venda, que tenha sido reagendada outra data para a escritura pública, que tenham sido angariados outros potenciais compradores interessados, que a situação económica dos Requeridos indicie forte probabilidade de não conseguirem fazer face ao pagamento do montante de honorários que vierem concretamente a ser devidos e muito particularmente que os Requeridos não possuam quaisquer outros bens, além da respectiva participação no imóvel mencionado no caso em apreço, que possam servir de garantia para assegurar o cumprimento da obrigação relativa ao pagamento dos ditos honorários, importando, outrossim, clarificar ainda que o ter resultado indiciada a não concordância dos Requeridos com os honorários comunicados pelos Apelantes nos termos vertidos no ponto 12) do segmento respeitante aos factos indiciariamente provados não significa necessariamente uma recusa peremptória da parte dos Requeridos em pagar a título de honorários qualquer outro montante aos Apelantes.


Ora perante tal contexto temos de convir não se encontrar no caso vertente suficientemente preenchido o requisito respeitante ao justo receio de perda de garantia patrimonial e consequente periculum in mora associado a tal.


Isto dito, resta reconhecer o naufrágio das conclusões recursivas dos Apelantes devendo, como tal, ainda que não exactamente com a mesma argumentação, manter-se o sentido da decisão impugnada neste recurso, a qual não se afigura, assim, ser merecedora de censura.


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V- DECISÃO


Face a todo o exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso de apelação interposto pelos Apelantes AA e BB e consequentemente decidir o seguinte:


1-Confirmar a decisão recorrida;


2-Condenar os Apelantes nas custas processuais devidas (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).


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Notifique.


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ÉVORA, 09 de Abril de 2025


(José António Moita-Relator)


(António Fernando Marques da Silva – 1.ºAdjunto)


(Filipe Aveiro Marques - 2.º Adjunto)