Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO NUNES | ||
Descritores: | CRÉDITO DE HORAS CADUCIDADE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO REQUISITOS | ||
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Data do Acordão: | 10/27/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário: | i) Não é de conhecimento oficioso a caducidade do crédito de horas para formação prevista no n.º 6 do artigo 132.º do CT; ii) por isso, incorre em nulidade, por excesso de pronúncia, a sentença que declara tal caducidade, sem que esta tenha sido suscitada pelas partes; iii) constitui, além do mais, requisito procedimental da licitude de resolução do contrato pelo trabalhador que este indique na comunicação escrita de resolução os factos que fundamentam a mesma; iv) não cumpre tal requisito e, por isso, deve a resolução considerar-se sem justa causa, se a trabalhadora na referida comunicação, embora peticione créditos decorrentes da vigência do contrato de trabalho e da sua cessação, se “limita” na matéria a comunicar a resolução do contrato com efeitos a partir de 02 de Janeiro de 2015; v) tendo a referida comunicação sido recebida pela empregadora em 05 de Janeiro de 2015, a resolução do contrato produziu efeitos nessa data, pelo que é ineficaz uma 2.ª comunicação remetida pela trabalhadora à empregadora no dia seguinte (06-01-2015), comunicação essa já com os factos que poderiam fundamentar uma resolução do contrato de trabalho com justa causa. (Sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 939/15.9T8TMR.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório BB (Autora/recorrente) intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC, Lda. (Ré/recorrida), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 20.609,40, por créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros de mora vencidos até 25-05-2015 e vincendos desde 26-05-2015, sobre a importância de € 19.658,85 até integral pagamento. Alegou para o efeito, muito em síntese, que foi admitida ao serviço do Ré em 1 de Novembro de 2001, tendo a partir dessa data passado a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, e que auferia ultimamente a retribuição base mensal de € 700,00, acrescido de um subsídio de € 5,50 por cada dia de trabalho, e ainda a importância mensal de € 20,35 a título de diuturnidade. Por carta remetida à Ré, datada de 02-01-2015 e recebida por esta em 05-01-2015, comunicou-lhe a resolução do contrato com fundamento em justa causa, em virtude de não lhe ter sido paga a retribuição dos meses de Outubro a Dezembro de 2014. Pediu, por consequência, o pagamento de uma indemnização de € 14.226,45, por resolução com justa causa do contrato de trabalho, e o pagamento das retribuições e subsídios diversos em falta. Mais pediu a condenação da Ré no pagamento de horas de formação que a Ré não lhe proporcionou, sendo 83,33 horas de formação referentes aos anos de 2000 a 2005, e 261 horas de formação do período de 2006 até ao termino do contrato. Tendo-se procedido à audiência de partes, na mesma foi celebrado acordo quanto a alguns dos créditos peticionados pela Autora, mais concretamente quanto aos créditos inerentes a retribuições e subsídios diversos em falta, tendo os autos prosseguido para apreciação da quantia reclamada por créditos de horas para formação e quanto à existência, ou não, de justa causa de resolução do contrato de trabalho. A Ré contestou a acção quanto a estes pedidos, alegando que prestou alguma formação profissional à Autora (57 horas), pelo que assumiu estar em dívida (para com a Autora) a tal título da quantia de € 1.068,00 (tendo em conta o valor retributivo por hora de € 4,14, e não o de € 4,43 indicado pela Autora) e negando a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, concluindo, por isso, ser devida à Autora quantia inferior à peticionada por crédito de horas para formação e improcedente o pedido de indemnização por fala de justa causa de resolução do contrato E formulou o pedido reconvencional no montante de € 1.400,00, com fundamento no incumprimento (pela Autora) do aviso prévio de resolução do contrato. Respondeu a Autora, a reiterar, quanto à matéria em litígio, o constante da petição inicial – embora aceitando agora que a Ré lhe prestou as horas de formação que indicou na contestação e, assim, que o total de crédito de horas para formação é inferior ao inicialmente peticionado – e a pugnar pela improcedência do pedido reconvencional. Foi admitido o pedido erconvencional, fixado valor à causa (€ 22.009,40), proferido despacho saneador, onde foram consignados os factos assentes e dispensada a base instrutória. No prosseguimento dos autos procedeu-se à realização da audiência de julgamento. Em 05 de Abril de 2016 foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor: «Nos termos de facto e de direito expostos julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e consequentemente condeno a Ré CC, LDA., a pagar à Autora BB a quantia global de € 522,74, acrescida dos juros legais, vencidos e vincendos até integral pagamento. Julgo procedente por provado o pedido reconvencional e consequentemente condeno a autora BB a pagar à Ré CC, LDA. a importância de € 1.400,00, acrescida dos juros de legais vencidos e vincendos e até integral e efetivo pagamento». Inconformada com a decisão, a Autora dela interpôs recurso para este tribunal, arguindo desde logo no requerimento de interposição do recurso a nulidade da sentença. E nas alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões: «1ª - Na douta Sentença recorrida conclui-se que a A. apenas tinha direito a receber um total de 118 horas de formação que não lhe foi ministrada, nem paga, referente ao trabalho prestado nos anos de 2010 inclusive em diante dado que, o direito às horas de formação do ano 2009 e anos anteriores já havia caducado, o que não se aceita; 2ª - Não podia a douta Sentença recorrida pronunciar-se ex oficio sobre a questão da caducidade do direito da A. às horas de formação, uma vez que nenhuma das partes levantou tal questão; 3ª - No artº 20º da Contestação a R. e ora recorrida, além de alegar que parte das horas de formação haviam sido dadas, confessou que as restantes horas de formação peticionadas nos artºs 8º e 9º da P.I. eram devidas; 4ª - A confissão da R. impede a caducidade, conforme previsto no artº 331º, nº 2 do Cód. Civil pelo que, nunca a Meritíssima Juiz a quo podia julgar verificada a caducidade do direito da A. sobre as horas de formação do ano 2009, inclusive e anteriores; 5ª – Assim, a douta Sentença conheceu da questão da caducidade quando dela não podia tomar conhecimento, o que constitui nulidade, a qual ora se invoca com legais consequências; 6ª – Nos artºs 8º e 9º da P.I. alegou a A., além do mais, que: - 8º - “… entre o ano 2000 e 2005, …, estão em divida um total de 83,33 horas (proporcional a 4 anos e 2 meses), a que corresponde a quantia de 369,15 € (83,33 horas x 4,43 € valor/hora).” - 9º - “… a partir de 2006, inclusive, …, estão em divida um total de 315 horas (proporcional a 9 anos), o que corresponde à quantia 1.395,45 € (315 horas x 4,43 € valor/hora).” 7ª - Ao que a R. no artº 20º da sua douta Contestação contrapôs: “20º - A R. …, pelo que não está em divida o montante peticionado (Doc. nº 4) mas apenas a quantia de 1.068,00 €, tendo em conta que a Rh é de 4,14 €;” 8ª – Tendo, por sua vez disse a A., nos artºs 7º e 8º na Resposta: “7º - Não obstante se aceitar que a A. recebeu a formação profissional indicada em 20º da Contestação, num total de 54 horas, o remanescente em divida a este título não é somente de 1.068 € ali indicado, mas sim 1.525,38 € (344,33 horas x 4,43 €) ....” “8º - Em consequência deve ser alterada a redacção do artº 9º da PI por forma a passar a constar que a partir de 2006 estão em divida 261 horas de formação, correspondente à quantia de 1.156,23 € (261 horas x 4,43 € Rh) deduzindo-se, em consequência, 239,22 € (54 horas x 4,43 € Rh) aos valores indicados em 14º, 16º, alínea a) do pedido e no valor total da acção.” 9ª – Donde se conclui que a R. confessou que a A. tinha a receber 261 de formação, o que foi oportunamente aceite pela A.; 10ª - A confissão da R. impede a caducidade do direito, conforme previsto no artº 331º, nº 2 do Cód. Civil por não se tratar de direito indisponível; 11ª - Deste modo e porque assim foi aceite por ambas as partes, deve ser aditado aos “factos provados” um novo ponto sugerindo-se a seguinte redacção: “Entre 12/11/2000 e 2/01/2015 são devidas à A. 261 horas de formação que não lhe foram proporcionadas, nem pagas.” 12ª - Admitido o presente aditamento deve, em consequência, ser alterada a parte decisória da douta Sentença por forma a condenar a R. no pagamento à A. da quantia de 1.156,23 €, correspondente a 261 horas à razão de 4,43€ hora, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos até integral pagamento; 13ª - Resulta da carta de fls. 8 e dada por reproduzida no ponto 3 dos “factos provados” ter a A. informado a R. que rescindia o contrato de trabalho por justa causa pelo facto de estarem em divida os vencimentos de Outubro, Novembro, Dezembro e o restante do subsídio de Natal, cujo pagamento ali peticionou, bem como a indemnização de antiguidade; 14ª - Há data de envio da carta de fls. 8 já haviam decorrido mais de sessenta dias sobre o não pagamento da remuneração do mês de Outubro de 2014, pelo que, o incumprimento da R. se presume culposo conforme previsto no artº 395º, nº 5 do Cód. Trabalho; 15ª - Na carta de rescisão de fls. 8 a A. informou a R. que rescindia o contrato de trabalho por justa causa uma vez que estavam em divida os vencimentos de Outubro, Novembro, Dezembro e o restante do subsídio de Natal, cujo pagamento ali peticionou, bem como a indemnização de antiguidade; 16ª – A pretensão da recorrente deve merecer provimento nesse Tribunal e, em consequência, ser alterada a douta Sentença recorrida a qual deve ser substituída por uma de condenação da recorrida no pedido com a inerente absolvição do pedido reconvencional. 17ª - A douta sentença ora recorrida violou, entre outras, as seguintes disposições legais: a) artº 331º, do Cód. Civil; b) artº 615º, nº 1, alínea d), do Cód. Proc. Civil; c) artº 394º do Cód. de Trabalho. ESTES TERMOS E NOS MAIS E MELHORES DE DIREITO: A) DEVE A INVOCADA NULIDADE SER JULGADA PROCEDENTE E, POR VIA DISSO, ANULAR-SE NO TRIBUNAL A QUO A DOUTA SENTENÇA, A QUAL DEVE SER SUBSTITUIDA POR OUTRA EM QUE SE CONDENE A R. NO PAGAMENTO À A. DA QUANTIA DE 1.156,23 €, CORRESPONDENTE A 261 HORAS À RAZÃO DE 4,43€ HORA, ACRESCIDA DE JUROS LEGAIS, VENCIDOS E VINCENDOS ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO. B) OU, NA PROCEDÊNCIA DO RECURSO, SER ALTERADA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA A QUAL DEVE SER SUBSTITUÍDA POR UMA DE CONDENAÇÃO DA R. NO PEDIDO COM A INERENTE ABSOLVIÇÃO DA A. DO PEDIDO RECONVENCIONAL. TUDO PARA QUE SEJA FEITA JUSTIÇA!». A Ré respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência. Para tanto, nas contra-alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões: «1.ª O nº 6 do artigo 132º do Código do Trabalho determina que "o crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição". 2.ª Esta norma legal é imperativa, de aplicação automática, pelo que não necessita de ser invocada por qualquer das partes. 3:ª No caso "sub judice", o crédito de horas para formação relativas ao ano de 2009 e anos anteriores, apesar de não terem sido proporcionadas à Recorrente e, por isso, se terem convertido em crédito de horas para formação ao fim de dois anos, tais créditos de horas cessaram passados três anos sobre a sua constituição, por não terem sido utilizados, por força do disposto no n.º 6 do artigo 132.º do Código do Trabalho. 4.ª Pelo que os mesmos não são devidos à ora Recorrente. 5.ª A sentença recorrida limitou-se a aplicar a lei, constante de uma norma imperativa, de aplicação obrigatória, e que não necessita de ser invocada por qualquer das partes. 6.ª A carta da Autora de 2 de Janeiro de 2015, com a qual ela pôs termo ao seu contrato de trabalho, não obedece minimamente ao disposto no artigo 395.º do Código do Trabalho, que determina que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato, com indicação sucinta dos factos que a justificam. 7.ª Nessa carta de 2 de Janeiro de 2015 a Autora não alega qualquer facto integrador da razão pela qual pôs termo ao seu contrato de trabalho. 8.ª O nº 4 do artigo 394.º do Código do Trabalho dispõe que a justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações. 9.ª Significa isto que, na resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, a justa causa é apreciada nos mesmos moldes em que é previsto o despedimento por iniciativa do empregador. 10.ª O mesmo é dizer que, na resolução do contrato pelo trabalhador, tal como no despedimento pelo empregador, a justa causa só se deve ter por verificada se o comportamento do empregador, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. 11.ª Esta exigência obriga a que a comunicação escrita do trabalhador tenha a descrição dos factos cuja natureza, pela sua gravidade e consequências, tornem praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral. 12.ª Uma vez que a Autora não comunicou à Ré os factos que a levaram a pôr termo ao contrato, dúvidas não há de que não se verifica justa causa de resolução do seu contrato de trabalho. 13.ª Não se tendo provado a justa causa, a indemnização reclamada pela Autora pela resolução do seu contrato de trabalho não lhe é devida. 14.ª Assim, a douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal. Nestes termos e nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas, deve ser negado provimento ao presente Recurso e, consequentemente, deve ser mantida a douta sentença recorrida. COMO É DE JUSTIÇA!». O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo. Neste tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, em que se pronunciou pelo não conhecimento da nulidade da sentença, por não ter sido devidamente arguida pela recorrente, e pela improcedência do recurso. Ao referido parecer respondeu a recorrente, a argumentar que arguiu devidamente a nulidade da sentença, e a concluir nos termos do recurso anteriormente apresentado. Remetido projecto de acórdão aos Exmos. juízes desembargadores adjuntos, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II. Objecto do recurso Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (artigos 635.º, n.º 4 e 635.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões: 1. saber se a sentença é nula, por se ter pronunciado sobre questão de que não podia tomar conhecimento, o que envolve a questão prévia de saber se a recorrente arguiu devidamente essa nulidade; 2. saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto; 3. saber se é devido à recorrente uma importância superior àquela que consta da sentença recorrida por não lhe ter sido concedido o crédito de horas para formação a que tinha direito; 4. saber se a recorrente resolveu com justa causa o contrato de trabalho, com as consequências legais daí decorrentes e tendo em conta o peticionado na acção. III. Factos A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: 1. Por contrato verbal e com início em 12 de novembro de 2001, a Autora foi admitida a trabalhar por conta da Ré, sob a sua direção, ordens e fiscalização, com a categoria profissional de “estagiária de 1º ano” (alínea A) dos factos assentes). 2. Desde aquela data em diante a Autora prestou o seu trabalho na sede da empresa, cumprindo um horário de 2ª a 6ª feira, das 9.00 horas às 18.00 horas, com 1.30 horas de intervalo para almoço, entre as 12.00 horas e as 13.30 horas, sendo o respetivo vencimento pago a partir de 2005, inclusive, por transferência bancária para a conta da Autora (alínea B) dos factos assentes). 3. Com data de 2 de janeiro de 2015 e recebida a 5 de janeiro de 2015 pela Ré, a autora comunicou-lhe a rescisão do contrato nos seguintes termos: “Exmos Srs: Venho por este modo comunicar a V. Exas. que rescindo o contrato de trabalho por justa causa que me liga a esta empresa, rescisão esta que produzirá todos os seus efeitos a partir do dia 2 de janeiro de 2015, data em que cessarei todas e quaisquer funções laborais para a empresa. Entretanto, solicito a V. Exas. que procedam ao apuramento dos vencimentos que me sejam devidos até esta data (outubro, novembro e dezembro e o restante do subsídio de natal) e a respetiva indemnização pelos anos completos de trabalho na empresa. Ressalvo, que até à data em que cessa o contrato não usufruí de todos os dias de férias que me competiam, pelo que peço o seu pagamento. Mais informo que necessito de uma declaração vossa para entregar na Segurança Social, para que possa receber subsídio de desemprego a que tenho direito por ter sido uma resolução de contrato por justa causa (…)” (alínea C) dos factos assentes). 4. À data em que cessou o contrato de trabalho a autora possuía a categoria de “Escriturário de 1. (Esc)” e auferia um vencimento base ilíquido de € 700,00, acrescido de diuturnidade mensal de € 20,35, subsídio de férias e de natal e subsídio de refeição diário de € 5,55 (alínea D) dos factos assentes). 5. A Ré proporcionou à Autora a seguinte formação profissional: Ano 2010 – 35 horas; Ano 2011 – 8.00 horas; Ano 2012 – 10.00 horas; Ano 2013 – 4 horas (alínea E) dos factos assentes). 6. A autora prestou trabalho efetivo por conta da Ré até 21 de novembro de 2014 inclusive, após o que entrou de baixa médica que se prolongou até à data da rescisão do contrato de trabalho (alínea F) dos factos assentes). 7. Datada de 6 de janeiro de 2015, a Autora enviou nova carta à Ré, com o seguinte teor: “Exmos. Srs. Nos termos do artigo 394º da Lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro do Código do Trabalho eu, BB, em virtude de até à data de 31 de dezembro de 2014 se encontrar em falta o pagamento pontual da retribuição que se prolongou por um período superior a 60 dias (outubro, novembro e dezembro), venho por este modo comunicara resolução do contrato de trabalho por justa causa nos termos do n.º 1 do artigo 395º do Código do Trabalho aprovado pela lei n.º 7/2009 de 12 de fevereiro (…)”(alínea G) dos factos assentes). 8. Às cartas enviadas pela Autora respondeu a Ré, em 12/01/2015, nos termos que constam do documento junto aos autos a fls. 47 v., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (alínea H) dos factos assentes). 9. A autora entregou o documento de baixa médica a um dos sócios gerentes da Ré, que por sua vez entregou tal documento ao contabilista da Ré em 28 de novembro de 2014, que na mesma data o fez chegar aos escritórios da Ré. 10. O cunhado da Autora, o gerente DD tal como o seu filho EE, igualmente trabalhador da Ré entraram de baixa médica no mesmo dia em que a autora ficou de baixa médica. 11. Devido aos desentendimentos entre os dois gerentes da Ré, os trabalhadores da Ré ficaram sem receber a retribuição do mês de outubro. 12. No final de outubro os funcionários foram informados que não iriam receber o vencimento, em face do desentendimento ocorrido entre os dois sócios gerentes, o que impossibilitava de movimentar a conta bancária da empresa. 13. Os funcionários da Ré foram informados que logo que houvesse dinheiro seriam pagos. 14. Os funcionários da Ré, com exceção da BB que não se encontrava na empresa, vieram a receber quando a Ré obteve dinheiro. IV. Fundamentação 1. Da (arguida) nulidade da sentença Sobre esta problemática estipula o artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, que «[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso». Por sua vez, decorre do n.º 3 do mesmo preceito, que o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso. A exigência em causa justifica-se por razões de celeridade e economia processual, que, marcadamente, inspiram o processo laboral, visando possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e respectivo suprimento. Daí que não sendo cumprida tal exigência, não cumpra ao tribunal superior conhecer da nulidade [vide, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2009 (Recurso n.º 2469/08), de 25-03-2009 (Recurso n.º 2575/08), de 07-05-2009 (Recurso n.º 3363/08) e de 09-12-2010 (Recurso n.º 4158/05.4TTLSB.L1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt]. Todavia, tem-se admitido que aquela exigência se mostra cumprida nos casos em que o requerimento e a alegação de recurso constituem uma peça única, desde que no requerimento de interposição de recurso se indique que se argui a nulidade da sentença, fazendo-se a exposição dos fundamentos da nulidade na alegação de recurso, de forma clara e autónoma, imediatamente a seguir ao requerimento de interposição do recurso (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31-10-2007, Recurso n.º 1442/07 e de 12-03-2008, Recurso n.º 3527/07, sumariados in www.stj.pt, em consonância com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/05, de 8 de Junho de 2005, in Diário da República, II Série, n.º 150, de 5 de Agosto de 2005). Mas tem sido igualmente jurisprudência constante do Tribunal Constitucional não ser inconstitucional o entendimento de que o tribunal “ad quem” está impedido de apreciar as nulidades da sentença, em processo laboral, sempre que as mesmas não tenham sido expressamente arguidas no requerimento de interposição do recurso (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 403/2000, in D.R., II Série, de 13-12-2000, quanto ao artigo 72.º, n.º 1, do CPT de 1981 e n.º 439/2003, in www.tribunalconstitucional.pt, quanto ao artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1999). Ao fim e ao resto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem-se pronunciado no sentido de ser desproporcionada a interpretação que não conhece da arguição de nulidade relativamente aos recursos interpostos das decisões proferidas em 1.ª instância - em que existe uma unidade formal do requerimento de interposição do recurso e das alegações -, e em que o recorrente, no referido requerimento, refere genericamente a existência do vício de nulidade, mas fundamenta o mesmo de forma clara e autónoma nas alegações de recurso: embora em tais situações não se observe inteiramente o disposto no artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, admite-se que o tribunal superior aprecie a questão da nulidade desde que na alegação de recurso, de forma clara e autónoma, a mesma se mostre explanada, permitindo assim ao juiz a imediata percepção da arguição e, assim, que sobre a mesma se pronuncie; contudo, se no requerimento de interposição do recurso não se faz qualquer referência a arguição de nulidade da sentença, o tribunal superior encontra-se impedido de conhecer a mesma. Ora, no caso em apreciação, a recorrente formulou o requerimento de interposição do recurso nos seguintes termos: «BB, A. nos autos supra referenciados, inconformada que está com a douta Sentença nº 71275107, dela vem arguir nulidades e, caso não sejam procedentes, vem interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora. O recurso é de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (artºs 79º-A, nº 1; 80º nº1; 83º e 83º-A, todos do Cód. Proc. Trabalho). Termos em que requer a V. Excia se digne admitir o presente recurso com legais consequências, oferecendo as seguintes: ALEGAÇÕES». Do transcrito requerimento resulta que no mesmo a recorrente arguiu nulidades. E fundamentou a nulidade em questão, de forma clara e autónoma, logo no início das alegações. Daí que em conformidade com a referida jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, bem como do Tribunal Constitucional (acórdão n.º 304/05), se entende que a recorrente arguiu devidamente a nulidade da sentença, sendo, por isso, de conhecer da mesma. Arguiu a Autora/recorrente a nulidade da sentença por, em síntese, esta se ter pronunciado sobre a caducidade do direito (da Autora) a alguns créditos de horas para formação sem que tal tivesse sido invocado pela Ré/recorrida, sendo certo que esta confessou, inclusive, a não concessão desse crédito. A sentença recorrida condenou a Ré no crédito de horas de formação a partir de 2011 (em relação a 2010 considerou terem sido gozados), mas já em relação ao ano de 2009 e anos anteriores decidiu que já havia cessado o crédito de horas para formação. Escreveu-se a tal propósito na sentença: «Reclama a autora o pagamento global de €1.525,38, referente a 83,33 horas de formação anual obrigatória que lhe deveria ter sido prestada entre o ano 2000 e o ano 2005, e referente a 261 horas de formação que deveria ter sido proporcionada a partir de 2006 até ao término do contrato. A Ré em sede de contestação alegou ter proporcionado alguma formação profissional à autora, pelo que negou ser devida à autora a totalidade da quantia por esta reclamada a este título. Vejamos o que se provou com interesse para o apuramento desta questão. Dos factos provados resultou apurado o seguinte: - A Ré proporcionou à Autora a seguinte formação profissional: Ano 2010 – 35 horas; Ano 2011 – 8.00 horas; Ano 2012 – 10.00 horas; Ano 2013 – 4 horas. Dos factos provados resulta desde logo apurado que ao longo da relação laboral, nomeadamente a partir do ano de 2010, foi proporcionada à autora alguma formação profissional. Analisemos agora se a autora tem direito à totalidade da quantia que reclama a este título. Dispõe o artigo 134º do C.T. que “Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação”. Prevê o artigo 131º n.º 2 do C.T. que “O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano.” E dispõe o n.º 1 do artigo 132º do C.T. que “As horas de formação previstas no n.º 2 do artigo anterior, que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador.” Por fim prevê o n.º 6 do artigo 132º do C.T. que “o crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição” Tendo em atenção que o contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré se iniciou na vigência da anterior versão do Código do Trabalho importa ter presente o disposto no artigo 125º do C.T. 2003, nomeadamente nos seus n.ºs 3, 4 e 5, no qual se estipulava o seguinte: “3 – Ao trabalhador deve ser assegurada, no âmbito da formação contínua um número mínimo de 20 horas anuais de formação certificada. 4 – O número mínimo de horas anuais de formação certificada a que se refere o número anterior é de 35 horas a partir de 2006. 5 – As horas de formação certificada a que se referem os n.ºs 3 e 4 que não foram organizadas sob a responsabilidade do empregador por motivo que lhe seja imputável são transformadas em créditos acumuláveis ao longo de três anos, no máximo.” Do teor dos citados preceitos legais resulta que cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou direito ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação. Assim, atualmente o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de 35 horas de formação, horas estas que se vencem anualmente e caso não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador, que caducam decorridos três anos. Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador poderá ter horas de formação vencidas, mas que ainda não se converteram em crédito de horas para formação, podendo ter também ter crédito de horas para formação, por formação não ministrada há mais tempo. Assim, no caso em apreço a autora deverá receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação não proporcionadas pelo empregador e que já se tenham vencido, bem como deverá receber a retribuição correspondente ao crédito de horas para formação de que beneficie e não tenha ainda caducado. Atentos os factos apurados podemos com segurança afirmar que a autora tem direito a receber a retribuição correspondente às horas de formação vencidas e que à data [d]a cess[aç]ão do seu contrato ainda não lhe tinham sido proporcionadas, ou seja ao correspondente a 35 horas de formação do ano de 2014 e 31 horas de formação referente ao ano de 2013, já que nesse ano lhe foram prestadas 4 horas de formação e terá ainda direito ao crédito de horas para formação de que beneficia por não lhe ter sido ministrada a totalidade das horas de formação referente aos anos de 2011 e 2012, sendo certo que estes créditos por não terem decorrido três anos sobre o seu vencimento ainda não haviam caducado aquando do término do contrato em janeiro de 2015. Relativamente aos demais créditos reclamados pela autora a título de horas de formação anual obrigatórias incumbe-nos dizer o seguinte: as referentes ao ano de 2010 foram integralmente proporcionadas à Autora e as referentes ao ano de 2009 e anos anteriores, apesar de não terem sido proporcionadas à autora e por isso ao fim de dois anos converteram-se em crédito de horas para formação, o certo é que de harmonia com o disposto no citado n.º 6 do artigo 132º do C.T., passados três anos sob a sua constituição cessaram tais créditos, por não terem sido utilizados. Assim em janeiro de 2015, já haviam cessado todos os créditos para formação adquiridos pelo facto de não ter sido ministrada formação à autora no ano de 2009 e em todos os outros anos anteriores a este, pois apesar de se terem convertido em crédito, já haviam decorrido mais de três anos sob a sua constituição, razão pela qual não são devidos à autora. Em face do exposto consideramos ser devido à autora a retribuição correspondente a 118 horas de formação que ficou por liquidar e por ministrar em face da cessação do contrato de trabalho e que corresponde à formação que lhe seria devida e não foi ministrada nos últimos 5 anos de vigência do seu contrato, quanto ao mais nada lhe é devido, pelo facto do seu crédito ter cessado por decurso do tempo. Incumbe agora proceder aos cálculos: Tendo em atenção o facto de resultar do teor do contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré, que esta foi contratada para trabalhar semanalmente trinta e sete horas e trinta minutos – ver alínea B) dos factos assentes -, incumbe- nos proceder ao cálculo do preço hora. De harmonia com o disposto no artigo 271º do C.T. a retribuição horária é calculada tendo por base o valor mensal auferido pelo trabalhar vezes 12 meses por ano que é dividido pelo período normal de trabalho semanal, razão pela qual, o valor hora auferido pela autora corresponde a €4,43 calculado da seguinte forma: (€720,35 x 12) : (52x 37,5). Assim sendo é devida à Autora a título de formação anual obrigatória a quantia global de €522,74 (118 horas x 4,43), que a Ré será condenada a liquidar». É incontroverso que, como decorre do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; as questões, tal como decorre do preceito referido, em conjugação com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal, devem encontrar-se perante a configuração que as partes deram ao litígio, tendo em conta o pedido, a causa de pedir e, eventualmente, as excepções invocadas pelo réu. Ora, a Autora alegou na petição inicial o direito a determinado crédito de horas para formação. Por sua vez, a Ré na contestação afirmou ter proporcionado alguma formação à Autora, mas não excepcionou a caducidade do direito da Autora a crédito de horas para formação. Todavia, a sentença recorrida, como decorre da respectiva transcrição quanto à matéria em apreciação, decidiu que já havia caducado o direito a alguns dos peticionados créditos. Ou seja, apreciou a questão da caducidade que não havia sido suscitada pelas partes. Para saber se a sentença é ou não nula nesta matéria importa então analisar se a caducidade do direito a crédito de horas para formação era ou não de conhecimento oficioso. Recorde-se que nos termos do n.º 6 do artigo 132.º do CT/2009, o crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição. Conforme dispõe o artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil, quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição. A caducidade é uma excepção peremptória, que nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, importa a absolvição do pedido e consiste na invocação de factos que impedem ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor. E nos termos do n.º 1 do artigo 333.º, do Código Civil, a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes; mas se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º, do mesmo compêndio legal. Estatui este preceito: «O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público». Assim, da existência de um prazo legal, subtraído à vontade das partes, para o exercício de um direito não resulta, sem mais, a natureza oficiosa do seu conhecimento: tal só ocorre se o prazo for estabelecido em matéria excluída da disponibilidade das partes (esta reportada ao exercício do direito e não ao prazo legal estabelecido). Como escreve Vaz Serra (Prescrição Extintiva e Caducidade, 1961, pág. 582), a caducidade não é sempre estabelecida no interesse público, de modo a não poderem as partes dispor do direito a que ele se refere; pode ser estabelecida no interesse privado, em matéria sujeita à disponibilidade das partes e, então, deve o conhecimento judicial dela depender de alegação do interessado. Ensina o referido Autor (pág. 583), que o motivo de interesse público que justifica a oponibilidade oficiosa de caducidade funda-se na indisponibilidade do direito sujeito à caducidade. Ora, no caso, estando em causa um crédito de horas para formação, não se descortina qualquer fundamento para sustentar que a caducidade tenha sido estabelecida no interesse público; ao invés, entende-se que se encontra sujeita à disponibilidade das partes e, por consequência, o seu conhecimento pelo tribunal depende da sua arguição pela parte interessada. Com efeito, com a utilização do crédito de horas para formação num determinado prazo o legislador quis, nesta matéria, salvaguardar a segurança e a certeza de deveres e direitos que decorrem da relação do trabalho, sendo do interesse de ambas as partes para a normal manutenção da relação do trabalho que saibam com o que podem contar quanto a direitos e obrigações dela decorrentes e na especifica matéria em causa. Por isso se estabelece um prazo de exercício do direito por parte do trabalhador em relação aos créditos de horas para formação. Trata-se de matéria inscrita na esfera das relações jurídicas de que as partes podem dispor. Por isso, não tendo a Ré/recorrida invocado nos articulados a caducidade do direito da Autora por crédito de horas para formação, não tinha o tribunal que conhecer dessa matéria, pelo que, uma vez que assim não se verificou, o tribunal cometeu a arguida nulidade. Infra, em cumprimento do disposto no artigo 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, se conhecerá do objecto da apelação quanto a esta matéria. Procede, por isso, a arguida nulidade da sentença quanto à declaração de caducidade do direito do crédito de horas de formação anteriores a 2009, inclusive. 2. Da alteração da matéria de facto No entendimento da recorrente, deve acrescentar-se à matéria de facto que não lhe foram proporcionadas nem pagas 261 horas de formação entre 12-11-2000 e 02-01-2015. Para que se verifique o direito da Autora/recorrente ao pagamento por crédito de horas de formação é necessário que prove não só a existência do contrato de trabalho e a prestação de trabalho para a Ré/recorrida na vigência do mesmo, como também que esta não lhe proporcionou a formação prevista na lei (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). Ora, resulta da matéria de facto que vem assente da 1.ª instância, e que não se mostra questionada no recurso, que nos anos de 2010 a 2013 a Ré apenas proporcionou à Autora um total de 57 horas de trabalho: e, em consonância, foi a Ré condenada no pagamento do crédito de horas em falta dos últimos 5 anos do contrato, correspondente a 118 horas e ao montante total de € 522,74. Está então em causa apenas o período anterior a 2009, inclusive. Na petição inicial (artigos 8.º e 9.º) a Autora alegou não lhe ter sido proporcionado um determinado crédito de horas para formação. A Ré na contestação (artigo 20.º) sustentou não estarem em falta as horas de formação peticionadas – tendo em conta que proporcionou à Autora 57 horas de formação (e não 54 como, por lapso, a Autora indica) – assim como o valor de retribuição hora, que considerou ser de € 4,14 e não os € 4,43horas indicados pela Autora: e daí concluiu que o valor em dívida a tal título é de € 1.068,00. Em resposta (artigos 7.º e 8.º), a Autora aceitou ter recebido as 57 (e não as 54, que por lapso indicou) e pedindo que seja alterado o artigo 9.º da petição inicial, no sentido de ficar a constar que estão em dívida 261 horas de formação (315-54). Por isso, tendo presente o disposto no artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, logo no despacho saneador ficou consignado nos factos assentes que a Ré proporcionou à Autora um total de 57 horas de formação profissional. No presente recurso, a Autora pretende que seja dado como provado que a Ré não lhe proporcionou 261 horas de formação profissional. Ora, tendo em conta o objecto do recurso, que de acordo com a Autora estava em causa um total de 315 horas para formação, e que de acordo com a matéria de facto provada, dessas horas a Ré proporcionou 57 de formação (e não as 54 que, certamente por lapso, a Autora indicou), é de concluir que na vigência do contrato de trabalho a Ré não proporcionou à Autora, nem lhe pagou, um total de 258 horas para formação (315 horas -57 horas). Assim, adita-se à matéria de facto, sob o n.º 5-A, o seguinte facto: «Durante a vigência da relação de trabalho a Ré não proporcionou à Autora, nem lhe pagou, 258 horas para formação». 3. Do crédito de horas para formação da Autora Como resulta da análise efectuada a Ré não proporcionou à Autora, nem lhe pagou, 258 horas de formação. A 1.ª instância concluiu, sem discordância das partes, que o crédito do valor hora é de € 4,43. Tal significa que é devido à Autora, a tal título, o valor de € 1.142,94 (258 x € 4,43), e não apenas os € 522,74 constantes da sentença recorrida. Procedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso, sendo de condenar a Ré/recorrida no valor de € 1.142,94 a título de crédito por horas de formação não proporcionadas nem pagas. 4. Da justa causa de resolução do contrato de trabalho Sobre esta questão a 1.ª instância considerou, muito em síntese, que a carta remetida pela Autora à Ré – carta essa enviada em 02-01-2015 e recebida pela Ré em 05-01-2015 – não contém factos concretos donde resulta a justa causa de resolução e, por isso, julgou não verificada a justa causa. A recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, em síntese, que resulta da carta que enviou, que se encontra a fls. 8 dos autos, que resolveu o contrato de trabalho com justa causa por não lhe terem sido pagas as retribuições de Outubro a Dezembro (de 2014) e parte do subsídio de Natal, que ali peticionou, bem como a indemnização de antiguidade. Cumpre decidir. Estipula o n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos; na acção em que for apreciada a justa causa de resolução apenas são atendíveis os factos constantes da referida comunicação escrita (n.º 3 do artigo 398.º). Assim, para que possa ser lícita a resolução do contrato de trabalho é, desde logo, necessário que se observem os requisitos procedimentais: (i) comunicação escrita, (ii) com indicação sucinta dos factos que justificam a resolução, (iii) a ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos. A observância de tais requisitos constitui condição da licitude da resolução, pois dela depende a atendibilidade dos factos invocados para justificar a cessação imediata do contrato: “[s]ignifica isto que, perante a respectiva preterição, tudo se passa como se o trabalhador tivesse feito cessar o contrato invocando uma justa causa não verificada” (Joana Vasconcelos, Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 9.ª Edição, 2013, pág. 834). No caso em apreço, a Autora, aqui recorrente, por carta datada de 02 de Janeiro de 2015, recebida pela Ré, aqui recorrida, em 05 de Janeiro de 2015, comunicou-lhe a resolução por escrito a resolução do contrato; ou seja, é pacífico que foi cumprido o requisito procedimental de comunicação por escrito da resolução. A questão objecto de divergência centra-se em saber se foram indicados os factos que fundamentaram a resolução, e quais. Na análise de tal problemática importa ter presente que a declaração de resolução vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, e tal declaração torna-se eficaz logo que que chega ao poder do destinatário (cfr. artigos 224.º e 236.º do Código Civil); tal significa que declaração de resolução da Autora se tornou eficaz em 05-01-2015, quando chegou ao poder da Ré, e vale (a declaração) com o sentido que um normal declaratário, colocado na posição da Ré, interpretaria do comportamento da Autora. Ora, na carta que enviou à Ré referente à referida resolução – carta essa que se encontra transcrita, no essencial, no facto provado n.º 3 – a Autora “limita-se” no primeiro parágrafo a comunicar à Ré que “rescinde” o contrato com justa causa, com efeitos na data em que escreve a carta, “data em que cessarei todas e quaisquer funções laborais na empresa”. E na 2.ª parte da mesma carta pede o pagamento de créditos a que se arroga ter direito decorrentes da vigência do contrato de trabalho e da sua cessação e ainda a emissão de uma declaração para efeitos de subsídio de desemprego. Para um declaratário normal não resulta que o pedido de pagamento destes créditos decorrentes da vigência do contrato e da sua cessação constituam o fundamento da resolução do contrato. Aliás, essa 2.ª parte da carta inicia-se com o advérbio “entretanto”, o que parece indiciar que se encontra desligado da 1.ª parte da comunicação quanto ao motivo desta e a significar que no espaço de tempo que se segue a Autora pretende que a Ré lhe pague os créditos que considera estarem em dívida, note-se, sem sequer cindir os créditos decorrentes da vigência do contrato, e que poderiam fundamentar a resolução do contrato (retribuições, lato sensu, em dívida), dos outros créditos que decorrem tão só da cessação do contrato (indemnização pela resolução). Por isso, ressalvado o devido respeito por diferente interpretação, não se vislumbra que a comunicação em causa contivesse qualquer facto a fundamentar a resolução. Porventura ciente disso mesmo a Ré terá sentido a necessidade de enviar uma 2.ª carta à Ré, onde, agora sim, comunica o motivo da resolução do contrato: falta de pagamento da retribuição de Outubro, Novembro e Dezembro (cfr. facto provado n.º 7). Todavia, esta 2.ª carta foi apenas enviada à Ré em 06 de Janeiro, quando a anterior, a comunicar a resolução do contrato, já tinha sido recebida pela mesma Ré em 05 de Janeiro e, por isso, já tinha produzido os efeitos da resolução. Daqui decorre que a referida 2.ª carta é totalmente ineficaz para efeitos de resolução do contrato, uma vez que este já se encontrava resolvido pela carta anterior. Nesta sequência, urge concluir que na comunicação de resolução – a relevante, a recebida pela Ré em 05-01-2015 – a Autora não invocou os factos que fundamentaram a resolução e, assim, não foi cumprido um dos requisitos procedimentais para a justa causa de resolução, pelo que a resolução do contrato deve ter-se por desprovida de justa, com as consequência daí decorrentes, maxime improcedência do pedido indemnizatório previsto no artigo 396.º do Código do Trabalho e procedência do pedido reconvencial, por falta de aviso prévio, previsto no artigo 401.º do mesmo compêndio legal. Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso, bem como este. 4. Custas As custas, em ambas as instâncias, deverão ser suportadas por cada uma das partes, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º do Código de Processo Civil). V. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em: 1. declarar nula, por excesso de pronúncia, a sentença na parte em que declarou a caducidade dos créditos de horas para formação da Autora anteriores a 2009; 2. aditar à matéria de facto, sob o n.º 5-A: «Durante a vigência da relação de trabalho a Ré não proporcionou à Autora, nem lhe pagou, 258 horas para formação»; 3. julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora BB e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré CC, Lda., a pagar àquela a quantia global de € 522,74, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos até integral pagamento, que se substitui pela condenação da mesma Ré a pagar à Autora a quantia global de € 1.142,94, acrescida de juros legais, vencidos e vincendos até integral pagamento; 4. em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida. Custas, em ambas as instâncias, pela Autora e pela Ré, na proporção do respectivo decaimento. * Évora, 27 de Outubro de 2016 João Luís Nunes (relator) Alexandre Ferreira Baptista Coelho Joaquim António Chambel Mourisco |