Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA PERQUILHAS | ||
Descritores: | PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO NOTIFICAÇÃO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ARTIGO 417º Nº 2 DO C. P. PENAL | ||
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Data do Acordão: | 01/20/2025 | ||
Votação: | DECISÃO DO RELATOR | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - Um “parecer” tem de constitui um auxiliar da decisão a proferir, e, por isso, tem de ser autónomo relativamente às posições anteriormente assumidas no processo, só assim se justificando que seja notificado ao arguido. II - Se o Exº Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação, aquando da “Vista” a que alude o artigo 416º, nº 1, do C. P. Penal, se limita a aderir ao entendimento do Exº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância (entendimento constante da “resposta ao recurso” interposto pelo arguido), não ocorre qualquer acrescento nos autos que justifique a notificação prevista no artigo 417º, nº 2, do mesmo C. P. Penal. III - Pelo contrário, tal notificação apenas concederia a possibilidade de o arguido vir pronunciar-se sobre a posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância, possibilidade vedada pelo legislador. IV - Assim, nessas situações, devem os autos prosseguir, não havendo lugar à notificação a que alude o artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal. V - Só pode dar-se cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, com audição do recorrente sobre o “parecer” do Ministério Público, no caso de a posição assumida em tal “parecer” conter questões novas, que sejam relevantes para o sentido da decisão a proferir. | ||
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Decisão Texto Integral: | Veio o Sr. PGA junto deste Tribunal da Relação de Évora suscitar a irregularidade do despacho por nós proferido no qual entendemos que a subscrição da resposta do MP por parte do PGA em processo crime, não constitui parecer para os efeitos da notificação a que alude o art.º 417.º, n.º 2, do CPP, alegando para tanto o seguinte: “Notificado em 17/12/2024 do Acórdão proferido nos autos à margem identificados, o Ministério Público tomou conhecimento na data da notificação quer do teor do Acórdão, no qual se não faz menção ao Parecer emitido e à posição assumida pelo Ministério Público no Tribunal da Relação de Évora ao abrigo do disposto no art.416º do C.P.P., quer do despacho proferido pela Srª Juíza Desembargadora Relatora em 4/12/2024 no qual deixa expresso o que entende que deve ser um “Parecer”, e que o Ministério Público neste Tribunal não agiu em consonância com esse seu entendimento e limitou-se a aderir à posição do Ministério Público constante da resposta ao recurso, sem emissão de Parecer, devendo os autos prosseguir não havendo lugar à notificação a que alude o art.º 417º, nº 2 do C.P.P., vindo ora arguir em tempo a irregularidade respetiva que determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que afetou, ao abrigo do art.123º do C.P.P., por violação dos arts.20º, nº4, 32º e 219º da C.R.P., o que faz com os fundamentos seguintes: 1- Em 27/11/2024, o Ministério Público teve vista nos autos ao abrigo do disposto no art.416º do C.P.P., tenho nos mesmos exarado: - “Visto (art.416º do C.P.P.) Sufragamos a fundada argumentação/posição do Ministério Público junto da 1ª instância pela sua correção jurídica e clareza, cujo teor aqui damos por reproduzido, bem se pronunciando acerca das questões a dirimir, sendo que qualquer adenda de substância seria despicienda, restando-nos acompanhá-la, em conformidade”. 2- Em 4/12/2024 foi proferido nos autos o seguinte despacho: O Sr. PGA junto desta Relação quando os autos lhe foram com vista fez constar nos autos o seguinte: “Sufragamos a fundada argumentação/posição do Ministério Público junto da 1ª instância pela sua correção jurídica e clareza, cujo teor aqui damos por reproduzido, bem se pronunciando acerca das questões a dirimir, sendo que qualquer adenda de substância seria despicienda, restando-nos acompanhá-la, em conformidade”. Como se verifica da análise do que se transcreveu, não foi realizada qualquer pronúncia autónoma sobre o mérito do recurso, pelo que entendemos não haver lugar a resposta por parte do arguido. Na verdade, o arguido, porque assume o papel de recorrente, não tem direito a pronunciar-se sobre a resposta do MP. Já quando o MP junto do Tribunal de recurso emite parecer, em obediência ao princípio do processo justo e equitativo, tem direito a emitir a sua opinião sobre o teor do parecer. Um parecer deve ser autónomo da posição assumida nos autos pelos sujeitos processuais, já que constitui um auxiliar da decisão a proferir, e por isso, por ser autónomo relativamente às posições anteriormente assumidas deve ser notificado ao arguido. No caso, como se disse, tendo-se limitado a aderir à posição do MP constante da resposta ao recurso, não se verifica qualquer acrescento nos autos que justifique a notificação a que alude o art.º 417.º n.º 2 do CPP. Pelo contrário, tal notificação apenas concederia a possibilidade de o arguido vir pronunciar-se sobre a posição assumida pelo MP na primeira instância, possibilidade vedada pelo Legislador. Assim, devem os autos prosseguir não havendo lugar à notificação a que alude o art.º 417º, nº 2 do CPP”. 3 - Dispõe o art.416º do C.P.P., que tem como epígrafe “Vista ao Ministério Público”: - Antes de ser apresentado ao relator, o processo vai com vista ao Ministério Público junto do tribunal de recurso. (nº1) - Se tiver sido requerida audiência nos termos do n.º 5 do artigo 411.º, a vista ao Ministério Público destina-se apenas a tomar conhecimento do processo. (nº2) E rege o art.417º do mesmo diploma legal, que tem como epígrafe “Exame preliminar”, que: - Colhido o visto do Ministério Público o processo é concluso ao relator para exame preliminar. (nº1) - Se, na vista a que se refere o artigo anterior, o Ministério Público não se limitar a apor o seu visto, o arguido e os demais sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso são notificados para, querendo, responder no prazo de 10 dias. (nº2) 4 - Ora, como flui dos autos, aberta a vista ao Ministério Público - não qualificando nem fixando/definindo os acima referidos preceitos legais os termos concretos em que deve pronunciar-se, para além da expressa menção ao n.º 5 do artigo 411.º em que a vista ao Ministério Público destina-se apenas a tomar conhecimento do processo – no caso o Ministério Público não se limitou a apor o seu visto, foi mais longe e pronunciou-se ainda nos termos que traduzem a posição que assumiu no processo, como órgão de justiça, que goza de estatuto próprio e de autonomia movendo-se exclusivamente por critérios de legalidade e de objetividade, enquanto entidade independente e autónoma, em obediência ao princípio da oficialidade - artigos 219.º da Constituição da República Portuguesa e 48º do Código de Processo Penal, e Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto (Estatuto do Ministério Público). Que um Juiz explane o seu entendimento sobre o que deve ser um Parecer, por um lado e, por outro, não haver lugar a resposta por parte do arguido, devendo os autos prosseguir não havendo lugar à notificação a que alude o art.º 417º, nº 2 do C.P.P., não colide, por si só, com o que vem de ser dito nesta parte. O que já não acontece, com o devido respeito, quando, deixando expresso o que entende que deve ser um “Parecer”, vai mais longe e, entendendo que nos autos o Ministério Público não agiu em consonância com esse seu entendimento limitando-se a aderir à posição do Ministério Público constante da resposta ao recurso, sem inovação, o Ministério Público não emitiu Parecer, em violação do art.219º da C.R.P.. E foi tal entendimento de omissão de Parecer que determinou a ausência de menção no Acórdão ao Parecer emitido e à posição assumida pelo Ministério Público neste Tribunal. Ora, certo é que, em 27/11/2024, o Ministério Público emitiu Parecer e nele explanou a leitura feita, impulsionando/promovendo o processo em conformidade, atividade merecedora ou não da concordância de juiz formal ou/e materialmente. Como resulta clarividente do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que a seguir se cita, o visto, sim, implica que o Ministério Público não toma posição. Já a adesão e concordância com os argumentos contidos na resposta é uma posição clara e de valor reforçado, aliás equivalente ao que aconteceria se o Ministério Público, em vez de remeter para os argumentos do colega, se limitasse a concordar com os argumentos da própria decisão recorrida, mesmo nada acrescentando de inovatório. Não competindo ao tribunal de recurso, que posteriormente conhecerá da pretensão colocada à sua apreciação, fazer uma avaliação prévia sobre a existência, bondade ou novidade, do Parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação relativamente aos argumentos antes avançados pelo Ministério Público na primeira instância quanto ao objeto do recurso. 5- Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão proferido em 4/07/2024 no Processo nº185/22.5JAPTM.E1.S1 a propósito da questão suscitada em sede recursiva da omissão de notificação à defesa da posição do Ministério Público no Tribunal da Relação de Évora, e se cita, com a devida vénia, também aqui sem qualquer adenda de substância por despicienda: - “… Só com a notificação do acórdão do TRE a defesa teve conhecimento daquela posição do MPº no TRE e da existência do despacho que determinou a desnecessidade da sua notificação, pelas razões ali constantes. No TRE o MPº não optou por mera aposição de visto. Exprimiu a sua posição sobre o recurso, considerando emitir a opinião de que não merecia provimento. Fê-lo porém, por adesão, sem acrescentos argumentativos, ‘ponderando os termos da decisão recorrida, os termos das motivações do recurso interposto pelo arguido e a resposta do Ministério Público na primeira instância, manifestamos a nossa inteira concordância com os termos desta, nada se justificando acrescentar, e o parecer de que não deve o recurso obter provimento, por não merecer reparo a decisão recorrida.’ Como muito bem o salientou também o MP, com o que concordamos: “a adesão à resposta do Ministério Público na primeira instância não descaracteriza a natureza de um verdadeiro parecer, nem muito menos dispensa a obrigatoriedade da enunciada notificação. Na verdade, a notificação em apreço destina-se a habilitar o visado, no caso o arguido recorrente, a exercer o seu direito de defesa como melhor entender, não competindo ao tribunal de recurso que, posteriormente conhecerá da pretensão colocada à sua apreciação, fazer uma avaliação prévia sobre a bondade ou novidade do parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação relativamente aos argumentos antes avançados pelo Ministério Público na primeira instância, quanto ao objeto do recurso. Por outras palavras, o direito de defesa não está na disponibilidade do tribunal, mas do arguido, pelo que apenas este o poderá exercer, da forma que lhe aprouver, não podendo o tribunal limitá-lo por via da omissão da referida notificação. Não releva qual seja a decisão que venha a ser proferida, nem a avaliação que entenda o tribunal fazer relativamente à identidade de argumentos invocados pelo Ministério Público a cada momento processual, porquanto, em primeiro lugar, não compete ao Tribunal escolher dar cumprimento a normas destinadas a garantir o exercício de direitos, conforme entenda que tal exercício apresenta ou não utilidade em relação à decisão que ulteriormente pensa tomar e, em segundo lugar, a notificação omitida deve ter lugar em momento anterior à decisão, pelo que não pode ser justificada a omissão da notificação com os termos da decisão que, segundo a tramitação funcional, ocorre apenas depois. (…) Em matéria de nulidades vigora o princípio da legalidade e taxatividade, cfr. artigo 118.º, n.º 1 do CPP, ‘(…) impede a conversão de uma nulidade insanável em nulidade sanável e viceversa a transformação destas naquelas (…)’, anotação ao artigo 123.º, em Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, página 1211. (…) O percurso obriga ainda a avaliar se o descrito integraria a nulidade da própria decisão, à luz d conjugação das normas vertidas nos artigos 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP, concluindo, também neste passo, pela negativa. (…)’. Assim: Embora nada tenha acrescentado ao já dito pelo seu par na primeira instância, emitiu uma opinião/parecer sobre o recurso, conferindo-lhe assim um affidavit de concordância que lhe confere um valor reforçado. Embora a defesa tivesse tido conhecimento da resposta do MP ao recurso, não lhe era conferido o direito processual de sobre ela tomar posição. Só o poderia fazer mediante um parecer do MP da Relação, fizesse ou não referência àquela resposta. E, a verdade é que o MPº opinou, ainda que remetendo para os argumentos do seu par na 1ª instância. Não optou por aposição de mero visto mas , ao invés, quis tomar posição, ainda que por adesão e concordância. Entendemos que esse parecer, que reforçou a posição do MPº já manifestada na resposta ao recurso, devia ter sido dado a conhecer à defesa ao abrigo do artº 417º nº2 do CPP antes de o colectivo da Relação deliberar. Estabelecido que se trata de um parecer, apesar de não inovatório, e não de uma posição equivalente a um mero visto do MPº, este carece de ser comunicado à defesa para exercício do contraditório, ex vi do artº 417º, nº2 do CPP Embora a lei processual não caracterize a omissão como nulidade expressa, esta deve ser considerada uma irregularidade (e que não foi sanada mas foi invocada, ainda que por via de recurso, dentro do prazo previsto no artº 123º do CPP.) Acresce que, como muito bem o salientou o M.Pº, o caso decidido no ACÓRDÃO do Tribunal Constitucional nº 279/01Proc. n.º 467/00, a 26 de Junho de 2001 é, mutatis mutandis, idêntico na situação à agora em causa, não sendo conhecido que tenha sido alterada significativamente desde então esta jurisprudência por forma que em contrário nos possa levar a tomar uma diferente posição. Ali se referiu, a propósito: «Como se vê, o sentido do Acórdão n.º 533/99, como decorre, quer da sua decisão (de julgar inconstitucional a "a norma constante do artigo 664º do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem"), quer da fundamentação transcrita, inclui ainda a correspondente solução normativa prevista no Código de Processo Penal de 1987, e o presente caso, em que o representante do Ministério Público no tribunal de recurso se pronunciou sobre o objecto deste, aderindo às considerações expendidas na resposta do Ministério Público no tribunal a quo, embora não aditando nada de substancialmente inovatório. Na verdade, desde que o Ministério Público no tribunal ad quem se pronuncia em parecer sobre o objecto do recurso, não parece que se possa deixar de notificar o recorrente para responder, com base no facto de o teor do parecer não ser inovatório. A própria corroboração da argumentação por outra pessoa no tribunal ad quem é, aliás, considerada na fundamentação do citado Acórdão n.º 533/99, no qual, citando declaração de voto aposta no Acórdão n.º 150/93, se referem os casos em que o Ministério Público no tribunal de recurso se limita "a concordar com a posição do seu representante no tribunal a quo, sem fundamentos novos, mas alterando, assim, a sua conhecida posição doutrinária, anteriormente fundamentada em casos semelhantes, e com cuja manutenção, por parte do Ministério Público no tribunal ad quem, o réu poderá ter contado." E no qual se defende, por consequência, que "sempre que em via de recurso o Ministério Público se pronuncia sobre o objecto do processo ou sobre o conhecimento do recurso, de qualquer das formas representando a acusação, terá o réu direito de resposta, por aplicação directa dos n.ºs 1 e 5 do artigo 32º da Constituição." Pelos fundamentos do Acórdão n.º 533/99, decidido em plenário, há, pois, que julgar inconstitucional a norma em causa - o artigo 416º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de permitir a emissão de parecer pelo Ministério Público junto do Tribunal superior, sem que dele seja dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar , e que, em consequência, conceder provimento ao presente recurso.» Não obstante esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, à qual aderimos, o Ac 229/07 do mesmo Tribunal, de 25 de Setembro de 2007, veio referir o seguinte: “(…) Ora, quando, após a fase de exposição de argumentos por todos os sujeitos processuais afectados pelo recurso, incluindo o M.P. junto do tribunal recorrido, se dá oportunidade ao M.P. junto do tribunal de recurso de dar o seu parecer sobre as questões em discussão, utilizando ele esta faculdade, deve ser concedida aos restantes sujeitos processuais, incluindo o assistente-recorrente, a possibilidade de contraditar tal parecer. Só assim estará garantido um efectivo contraditório, com igualdade de armas. Note-se que não se está a conceder ao assistente a oportunidade de responder à contra-argumentação do M.P. ao recurso por si interposto, assegurando-se um desnecessário contraditório ao contraditório, mas sim a conceder a oportunidade do assistente contraditar uma nova pronúncia do M.P. efectuada no tribunal de recurso, distribuindo-se, pelos intervenientes no processo, armas iguais. Assim, contrariamente ao sustentado no referido acórdão nº 974/96, entende-se que a notificação do parecer do M.P. proferido no tribunal de recurso, nos termos do artº 416º, do C.P.P., ao assistente, com interesse no recurso, não só é hoje uma imposição legal (artº 417º, nº 2, do C.P.P.), como decorre do princípio constitucional do contraditório, como qualidade de um processo equitativo, exigido pelo artº 20º, nº 4, da C.R.P.. Mas, no caso concreto, o M.P. junto do tribunal de recurso limitou-se a escrever o seguinte: Nada mais se nos oferece acrescentar ao que o Ministério Público já respondeu (na 1ª instância fls. 437-440 do 2º vol. e 490 a 491, do 3º vol.) nos dois recursos do assistente. O M.P. no tribunal de recurso não contrariou, nem modificou, nem reforçou o ponto de vista do M.P. no tribunal recorrido, tendo expressamente declarado que nada mais tinha a acrescentar à resposta apresentada por este último magistrado. Esta posição é equivalente à aposição do simples visto, referida no artº 417º, nº 2, do C.P.P., e que se traduz na não utilização pelo M.P. junto do tribunal de recurso da possibilidade de proferir parecer sobre o objecto do recurso (vide, neste sentido GERMANO MARQUES DA SILVA, em Curso de processo penal, vol. III, pág. 357-358, da 2ª ed., da Editorial Verbo, e MAIA GONÇALVES, no Código de Processo Penal anotado, pág. 850, da 14ª ed., da Almedina). Equivalendo o descrito comportamento à não emissão de parecer, não foi exprimida uma nova opinião que justifique a concessão da possibilidade do exercício de contraditório, pelo que a interpretação normativa contida na decisão recorrida - tendo o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de recurso se limitado a dizer que nada mais se lhe oferecia acrescentar à resposta apresentada pelo Magistrado do Ministério Público junto da instância recorrida ao recurso interposto pelo assistente, este não tem que ser notificado para, querendo, responder - não atenta contra a exigência constitucional da existência de um processo equitativo, nomeadamente quanto ao respeito pelo princípio do contraditório (artº 20º, nº 4, da C.R.P.).’ Esta conclusão do TC salvo o devido respeito vem contrariar, sem outro desenvolvimento argumentativo, o decidido no anterior Ac. do TC de 2001 citado, onde detalhadamente se desenvolveu a razão da não equivalência do aludido parecer ali em causa à simples aposição de visto. Na verdade o visto implica que o MPº não toma posição. A adesão e concordância com os argumentos contidos na resposta é uma posição clara e de valor reforçado, aliás equivalente ao que aconteceria se o MP, em vez de remeter para os argumentos do colega, se limitasse a concordar com os argumentos da própria decisão recorrida, mesmo nada acrescentando de inovatório. No caso dos presentes autos, o MPº emitiu parecer, tomou posição, até “(…) ponderando os termos da decisão recorrida (…), e não apôs mero visto. Como bem salientou o próprio MP, ‘(…) não competindo ao tribunal de recurso que, posteriormente conhecerá da pretensão colocada à sua apreciação, fazer uma avaliação prévia sobre a bondade ou novidade do parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação relativamente aos argumentos antes avançados pelo Ministério Público na primeira instância, quanto ao objeto do recurso”. Aliás, o cumprimento do artº 417º nº2 do CPP não está condicionado pelos termos argumentativos do MP na opinião que emita, seja ela ou não inovatória ou por mera adesão. Não o diz expressamente nem dessa norma se pode presumir que o legislador só quis que houvesse notificação quando houvesse argumentos inovatórios. E onde o legislador não distinguiu não deve o intérprete distinguir. Posto isto, continuamos a entender dever seguir a citada jurisprudência do TC no Acórdão nº 279/01. Dito isto, forçoso será concluir que os autos devem baixar de imediato à 2ª instância para se proceder à notificação à defesa do parecer do MPº na Relação de Évora e prosseguirem depois os autos os seus termos normais, revogando-se o despacho do Exmº relator que dispensou aquela notificação nos termos do artº 417º nº2 do CPP ficando anulados todos os actos subsequentes ao mesmo. (…)”. Em conformidade, e por todo o exposto, vem o Ministério Público requerer seja julgada procedente a ora invocada irregularidade determinando a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que afetou, ao abrigo do art.123º do C.P.P., por se verificar inconstitucionalidade dos arts. 416º e 417º do C.P.P. quando interpretados como plasmado nos autos, por violação dos arts.20º, nº4, 32º e 219º da C.R.P., determinando-se que se proceda à notificação à defesa do Parecer do Ministério Público na Relação de Évora e prosseguindo depois os autos os seus termos legais, revogando-se o despacho da Srª Relatora que dispensou aquela notificação nos termos do art.417º nº2 do C.P.P. bem como os termos subsequentes do processo”. * Notificados para se pronunciarem sobre a irregularidade suscitada pelo Sr. PGA os arguidos nada disseram. * Decidindo: A irregularidade suscitada a existir afeta o despacho preliminar proferido antes do conhecimento do recurso interposto e, por conseguinte, não constitui matéria incluída no Acórdão proferido, sendo por isso da competência da relatora o seu conhecimento. O nosso Código de Processo Penal consagrou o regime da taxatividade das nulidades processuais, como de resto resulta evidente do disposto nos art.º 118.º, n.º 1 e 2 (que estabelecem 1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. 2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular.), 119.º, 120.º [Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: (…)] e 121.º, n.º 2 [2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: (…)]. No caso, a falta de notificação do parecer/pronúncia do MP, não se encontra abrangida pela previsão dos citados art.ºs 119.º e 120.º nem o art.º 417.º ou outro do CPP a qualifica como tal. Assim, na falta de disposição legal que de forma expressa a comine como nula a falta alegadamente cometida constitui uma mera irregularidade, art.º 123.º do CPP, como aliás o Sr. PGA bem qualifica. Dito isto, com todo o respeito pelo entendimento do Sr. PGA, entendemos que o tribunal pode sindicar o conteúdo da pronúncia do MP quando os autos lhe são presentes nos termos previstos no art.º 416.º e se pronuncia como previsto no artigo seguinte. E este nosso entendimento tem na génese e base o entendimento do Tribunal Constitucional (TC), vertido em inúmeros Acórdãos referidos na decisão sumária que de seguida se transcreverá na parte relevante. Na verdade, como é entendimento pacífico do TC o princípio do contraditório visa assegurar que os interessados possam pronunciar-se sobre questões que os possam afetar e que sejam novas no processo, de modo que o julgador não decida a causa dispondo apenas da visão de um deles, garantindo-se uma verdadeira igualdade de armas. No caso, o objeto do recurso foi fixado pelos arguidos por serem os recorrentes, tendo o MP exercido o direito à resposta. A nossa lei processual, de harmonia aliás com toda a jurisprudência do TEDH sobre a questão, não exige nem impõe, ou melhor não permite, a resposta à resposta, pelo que o arguido, sendo recorrente, não pode responder à resposta que for apresentada ao seu recurso, sob pena de se ter que cumprir indefinidamente um aparente princípio do contraditório. A pronúncia do MP nos termos previstos nos art.º 416.º e 417.º do CPP apenas deve ser notificado ao arguido se existir matéria relativamente à qual se justifique o exercício do contraditório, direito integrante do direito de defesa e do princípio do processo justo e equitativo (art.º 20.º, n.º 4.º e 32.º, n.º 1.º e 5.º da Constituição Da República Portuguesa, 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, todos inspirados no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, á luz da qual devem os direitos fundamentais ser interpretados, cf. art.º 16.º, n.º 2 da CRP). Assim, independentemente de se entender que a adesão à resposta do MP na primeira instância constitui ou não parecer em termos técnico-jurídicos, o que em nosso entender não constitui como vertido no despacho em causa, o TC entende que ainda que exista pronúncia esta só dá lugar ao exercício do contraditório se trouxer algo de novo ao processo que exija que ao arguido seja dada a oportunidade de manifestar a sua posição. O que em nosso modesto entender não é o caso. Para melhor explicação da nossa posição e entendimento da mesma veja-se a Decisão Sumária 737/2024, Processo n.º 1138/2024, de 18 de dezembro de 2024, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20240737.html, que alude a diversos Acórdãos do TC, base legal para a decisão da questão através de decisão sumária, que se transcreve, encontrando-se infra sublinhado o que importa e respeita diretamente à questão em análise e decisão: 10. Como resulta do já exposto, o TC já foi por inúmeras vezes chamado a apreciar a (des)conformidade constitucional decorrente da não notificação aos recorrentes de pareceres do Ministério Público (recorrido) emitidos em tribunais de recurso, em especial em processos de natureza penal. Por sua vez, retira-se sempre, procurando concatená-la e sistematizá-la, de toda a múltipla jurisprudência constitucional a esse respeito que essa conformidade constitucional dependerá do facto de desse parecer do Ministério Público não decorrer qualquer agravamento da situação processual do recorrente – o que ocorrerá, v.g., quando haja a suscitação de questões novas que não foram ainda objeto de contraditório por parte do mesmo. Trata-se de entendimento que desde cedo se firmou neste Tribunal. Assim, e por todos (com citação de outros arestos do TC no mesmo ou em similar sentido), escreveu-se no Acórdão n.º 469/97: «[…] Entende-se, na verdade, que, para assegurar as "garantias de defesa" constantes do artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição, basta que, após o parecer do Ministério Público, o réu tenha possibilidade de lhe responder. Mas a resposta do réu só se justifica, como se salientou naqueles acórdãos, quando o Ministério se pronuncie em termos de poder agravar a sua posição, e não sempre que o Ministério Público se pronuncie, sejam quais forem os termos em que o faça”. É esta jurisprudência que aqui se adota com referência ao artigo 416º do CPP de 1987, uma vez que as razões então invocadas valem, como se referiu, para esta norma, agora questionada. […]». Mais adiante, fazendo também uma abordagem histórica à evolução da legislação processual penal e da própria jurisprudência constitucional, referiu-se, com interesse mutatis mutandis para a presente decisão, o seguinte no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 474/2007: «[…] 3. Da questão de inconstitucionalidade da interpretação normativa do artº 417º, nº 2, do C.P.P. O recorrente invoca a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artº 417º, nº 2, do C.P.P, contida na decisão recorrida, no sentido de que, tendo o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de recurso se limitado a dizer que nada mais se lhe oferecia acrescentar à resposta apresentada pelo Magistrado do Ministério Público junto da instância recorrida ao recurso interposto pelo assistente, este não tem que ser notificado para, querendo, responder. Já o artº 664º, do C.P.P. de 1929, seguindo o disposto na Novíssima Reforma Judiciária (artº 669º), previa que os recursos antes de irem aos juízes que têm de os julgar, iriam com vista ao Ministério Público para nele apor o seu parecer. Como dizia Luís Osório: “O fim…é que aquele magistrado, olhando o seu recurso de um ponto mais elevado possa emitir uma opinião que melhor se harmonize com a lei e com a justiça. O agente do M.P. pode assim sustentar o ponto de vista do seu subordinado; pode modificá-lo e até contrariá-lo” (Em “Comentário ao Código de Processo Penal Português”, 6º vol., pág. 373, da ed. de 1934, da Coimbra Editora). O acórdão nº 150/87, do Tribunal Constitucional (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 9º vol., pág. 709), veio a considerar inconstitucional aquele preceito, por lesar os princípios consagrados nos nº 1 e 5, do artº 32º, da C.R.P., quando interpretado “no sentido de conceder ao Ministério Público, para além já de qualquer resposta ou contradita da defesa, a faculdade de trazer aos autos uma nova e eventualmente mais profunda argumentação contra o arguido”. Posteriormente, porém, os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 398/89 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 13º vol., II, pág. 1121), 495/89 (pub. no B.M.J. nº 389, pág. 265), 496/89 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 14º vol., pág. 217), 350/91 (pub. no B.M.J. nº 409, pág. 98), e 356/91 (pub. no B.M.J. nº 409, pág. 162), julgaram que “não é inconstitucional a norma do artigo 664.º, do Código de Processo Penal de 1929, interpretada no sentido de que, quando os recursos lhe vão com vista, o Ministério Público pode pronunciar‑se sobre o respetivo objeto, com um dos seguintes limites: não lhe ser consentido emitir parecer que possa agravar a posição dos réus ou, quando isso aconteça, ser dada aos réus a possibilidade de responderem”. E esta posição foi confirmada pelo acórdão nº 150/93 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 24º vol., pág. 303), do plenário do Tribunal Constitucional que resolveu o conflito jurisprudencial entre os acima referidos acórdãos nº 150/87 e 350/91, perfilhando a solução deste último. Esta posição manteve-se nos acórdãos 412/93 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt), 435/93 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt), 374/95 (pub. no D.R., II Série, de 4-11-1995), 135/98 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt) e 7/99 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 42º vol., pág. 69), até que o acórdão nº 533/99 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 45º vol., pág. 107), que, em plenário, decidiu novo conflito entre os acórdãos nº 150/87 e 135/98, passou a sustentar a tese que tinha sido perfilhada pelos votos de vencido registados no acórdão 150/93. Nesses votos, em oposição à tese então vencedora, tinha-se entendido o seguinte: “Presume-se que o acórdão se baseou na ideia de que o réu só tem direito de defesa perante intervenções processuais que possam prejudicar a sua defesa. Faz, porém, quanto ao ponto de vista, depender a defesa do juízo do julgador sobre o interesse do réu nessa defesa, em vez de cometer ao réu o juízo sobre o seu próprio interesse e a responsabilidade da sua própria defesa. O princípio do contraditório não é, deste modo, aplicado. O Tribunal afasta-se, assim, dos juízos de valor constitucionais, que tem respeitado em casos análogos”. Daí que o acórdão nº 533/99, transcrevendo como seu fundamento os referidos votos de vencido registados no acórdão nº 150/93, decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 664.º, do Código de Processo Penal, de 1929, interpretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada aos réus a possibilidade de responderem”. Esta posição foi posteriormente subscrita pelo acórdão 234/2000. Entretanto, já tinha entrado em vigor o novo C.P.P., de 1987, que no seu artº 416º tinha mantido a previsão de que “antes de ser apresentado ao relator, o processo vai com vista ao M.P. junto do tribunal de recurso”, dispondo no artº 417º, nº 1, que “colhido o visto do Ministério Público o processo é concluso ao relator para exame preliminar”. A manutenção da solução legislativa anterior determinou que, relativamente a estes dispositivos, o Tribunal Constitucional tivesse também mantido os mesmos juízos de constitucionalidade que havia efetuado relativamente ao artº 664º, do C.P.P. de 1929. Assim, os acórdãos nº 651/93 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 26º vol., pág. 223), e 396/94 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 28º vol., pág. 251), aplicaram a doutrina do acórdão 150/93 e consideraram que não é inconstitucional a norma do artº 416º, do C.P.P., interpretada no sentido de que, quando os recursos lhe vão com vista, o Ministério Público pode pronunciar-se sobre o respetivo objeto, com um dos seguintes limites: não lhe ser consentido emitir parecer que possa agravar a posição dos réus ou, quando isso aconteça, ser dada aos réus a possibilidade de responderem. Já os acórdãos 279/2001 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 50º vol., pág. 561) e 137/2002 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 52º vol., pág. 663), aplicaram a solução do acórdão 533/99 e julgaram “o artº 416º, do C.P.P. de 1987, inconstitucional quando interpretado no sentido de permitir a emissão de parecer pelo Ministério Público junto do Tribunal superior, sem que dele seja dado conhecimento ao arguido para se poder pronunciar”. Todos estes acórdãos se reportaram a situações em que estava em causa o exercício do direito ao contraditório, como arma do direito de defesa do arguido, constitucionalmente garantido no artº 32º, da C.R.P. Quando se colocou em causa o direito do assistente se pronunciar sobre o parecer emitido pelo Ministério Público junto do Tribunal de recurso, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 974/96 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 34º vol., pág. 469) decidiu que a interpretação do artº 416º, do C.P.P., que entende não ser necessária a notificação desse parecer ao assistente, para ele se pronunciar, mesmo quando tem uma posição contrária à assumida pelo Ministério Público no recurso em causa, não era inconstitucional. Entretanto, o legislador não permaneceu indiferente aos múltiplos arestos do Tribunal Constitucional, nesta matéria, e na Lei 59/98, de 25 de agosto, introduziu um nº 2, ao artº 417º, do C.P.P., que passou a dispor o seguinte: “Se, na vista a que se refere o artigo anterior, o Ministério Público não se limitar a apor o seu visto o arguido e os demais sujeitos processuais afetados pela interposição do recurso são notificados para, querendo, responder no prazo de 10 dias”. Com esta disposição não só se atendeu à posição mais exigente perfilhada pelo Tribunal Constitucional nos seus acórdãos nº 533/99, 234/2000, 279/2001 e 137/2002, como se foi mais longe e atribuiu-se o direito de resposta ao parecer do M.P. junto dos tribunais de recurso não só ao arguido, mas também aos outros intervenientes processuais afetados pelo recurso, o que abrange o assistente quando é ele o recorrente, como sucede no presente caso. O direito ao contraditório, como elemento do direito de defesa, consagrado no artº 32º, nº 5, da C.R.P., apenas assiste ao arguido, e o nº 7, do mesmo artigo, remete para a lei ordinária o preenchimento do conteúdo do direito do ofendido intervir no processo penal, não tendo, pois, tal conteúdo proteção constitucional direta. Contudo, o C.P.P. de 1987 permite que o ofendido, na posição processual de assistente, apesar de ser considerado mero colaborador do M.P. (artº 69º, nº 1, do C.P.P.), tenha uma ampla capacidade de intervenção em toda a tramitação do processo penal, sendo um dos seus sujeitos, com legitimidade para interpor recurso das decisões contra ele proferidas (artº 401º, nº 1, b), do C.P.P.), e responder aos recursos que o afetem (artº 413º, nº 1, do C.P.P.). O assistente em processo penal tem, pois, um estatuto de sujeito ativo do mesmo, nomeadamente na fase de recurso. Ora, o artº 20º, nº 4, da C.R.P., exige que todos tenham direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão mediante processo equitativo. Nesta noção de equidade processual, avulta o respeito pelo princípio do contraditório, entendido como garantia da participação efetiva dos sujeitos processuais no desenvolvimento do litígio, com a concessão da oportunidade de se pronunciarem antes da decisão, sobre a questão em discussão, com igualdade de armas, para apresentar e fazer vingar as suas razões (GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em “Constituição da República Portuguesa anotada”, vol. I, pág. 415, da 4ª ed., da Coimbra Editora). Na fase de recurso este princípio exige que os sujeitos afetados pelo recurso interposto possam responder aos fundamentos deste, exprimindo, assim a sua posição. Tendo o M.P. a função de colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo a critérios de objetividade (artº 53º, nº 1, do C.P.P.), pode, nos recursos, tomar posição contrária à do assistente e favorável ao arguido. Ora, quando, após a fase de exposição de argumentos por todos os sujeitos processuais afetados pelo recurso, incluindo o M.P. junto do tribunal recorrido, se dá oportunidade ao M.P. junto do tribunal de recurso de dar o seu parecer sobre as questões em discussão, utilizando ele esta faculdade, deve ser concedida aos restantes sujeitos processuais, incluindo o assistente-recorrente, a possibilidade de contraditar tal parecer. Só assim estará garantido um efetivo contraditório, com igualdade de armas. Note-se que não se está a conceder ao assistente a oportunidade de responder à contra-argumentação do M.P. ao recurso por si interposto, assegurando-se um desnecessário contraditório ao contraditório, mas sim a conceder a oportunidade do assistente contraditar uma nova pronúncia do M.P. efetuada no tribunal de recurso, distribuindo-se, pelos intervenientes no processo, armas iguais. Assim, contrariamente ao sustentado no referido acórdão nº 974/96, entende-se que a notificação do parecer do M.P. proferido no tribunal de recurso, nos termos do artº 416º, do C.P.P., ao assistente, com interesse no recurso, não só é hoje uma imposição legal (artº 417º, nº 2, do C.P.P.), como decorre do princípio constitucional do contraditório, como qualidade de um processo equitativo, exigido pelo artº 20º, nº 4, da C.R.P. Mas, no caso concreto, o M.P. junto do tribunal de recurso limitou-se a escrever o seguinte: “Nada mais se nos oferece acrescentar ao que o Ministério Público já respondeu (na 1ª instância fls. 437-440 do 2º vol. e 490 a 491, do 3º vol.) nos dois recursos do assistente”. O M.P. no tribunal de recurso não contrariou, nem modificou, nem reforçou o ponto de vista do M.P. no tribunal recorrido, tendo expressamente declarado que nada mais tinha a acrescentar à resposta apresentada por este último magistrado. Esta posição é equivalente à aposição do simples visto, referida no artº 417º, nº 2, do C.P.P., e que se traduz na não utilização pelo M.P. junto do tribunal de recurso da possibilidade de proferir parecer sobre o objecto do recurso (vide, neste sentido GERMANO MARQUES DA SILVA, em “Curso de processo penal”, vol. III, pág. 357-358, da 2ª ed., da Editorial Verbo, e MAIA GONÇALVES, no “Código de Processo Penal anotado”, pág. 850, da 14ª ed., da Almedina). Equivalendo o descrito comportamento à não emissão de parecer, não foi exprimida uma nova opinião que justifique a concessão da possibilidade do exercício de contraditório, pelo que a interpretação normativa contida na decisão recorrida - “tendo o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de recurso se limitado a dizer que nada mais se lhe oferecia acrescentar à resposta apresentada pelo Magistrado do Ministério Público junto da instância recorrida ao recurso interposto pelo assistente, este não tem que ser notificado para, querendo, responder” - não atenta contra a exigência constitucional da existência de um processo equitativo, nomeadamente quanto ao respeito pelo princípio do contraditório (artº 20º, nº 4, da C.R.P.). Assim, deve ser negado provimento ao recurso interposto, relativamente a esta questão. […]». De resto, e por último, deve mencionar-se que o próprio TC tem adotado, há muito tempo e forma perfeitamente pacífica, idêntico entendimento quanto aos pareceres emitidos pelo Ministério Público no âmbito de recursos de constitucionalidade, com argumentos perfeitamente transponíveis para os processos de natureza criminal e para o objeto normativo do recurso em apreço, como sucedeu, v.g., no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 49/2023: «[…] Constitui jurisprudência reiterada e uniforme deste Tribunal que a audição prévia do recorrente ou reclamante sobre o parecer do Ministério Público apenas se impõe no caso de a posição aí assumida conter questões novas, que sejam relevantes para o sentido da decisão a proferir (v., entre outros, os Acórdãos n.ºs 696/2013, 117/2014, 218/2016, 354/2016, 604/2017, 442/2018, 255/2021, 552/2021 e 746/2022). Não é essa, todavia, a hipótese vertente. No parecer emitido nos presentes autos, o Ministério Público limitou-se a secundar o juízo formulado na decisão então reclamada quanto à falta de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, demonstrando a razão pela qual não lhe eram oponíveis os argumentos invocados pelo reclamante. Uma vez que o Ministério Público mais não fez do que tomar posição sobre as objeções formuladas na reclamação, também no presente caso “[n]ada de novo foi invocado que pudesse surpreender o reclamante ou prejudicar a defesa do arguido. E sendo assim, nenhuma omissão ocorreu de um ato prescrito por lei capaz de influir no exame ou decisão da causa” (Acórdão n.º 364/2013)”. Por outras palavras: não tendo o Ministério Público aduzido fundamentos novos, a circunstância de o reclamante não ter sido notificado do respetivo parecer em nada influiu na apreciação do mérito da reclamação, pelo que não se impunha a observância prévia do princípio do contraditório. Consequentemente, não foi omitido qualquer ato que devesse ter sido praticado antes da prolação do Acórdão n.º 709/2022, não padecendo tal aresto da nulidade que lhe é apontada. 7. Ao contrário do que é sugerido pelo reclamante, tal entendimento não viola qualquer direito extraível do artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição, nem atenta, mais amplamente, contra o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Lei Fundamental. Como se afirmou no Acórdão n.º 696/2013: “[N]o que diz respeito à inconstitucionalidade referida que se reporta a uma interpretação extraída do n.º 2 do artigo 77.º da LTC, no sentido de que um parecer do Ministério Público, em sede de vista de autos de reclamação, não carece de ser notificado ao reclamante, quando o mesmo não envolva a adoção de uma decisão com fundamento distinto do que consta do despacho de não admissão que foi reclamado, sempre importaria recordar a jurisprudência consolidada e constante no Tribunal Constitucional. Isto porque tem sido recorrentemente entendido que só se verifica uma violação do direito ao contraditório caso as partes processuais fiquem impossibilitadas de responder a peças processuais apresentadas pelo Ministério Público quando estas não se limitem a apreciar questões já abordadas em momentos processuais anteriores e, portanto, discutam questões novas (nesse sentido, ver, entre muitos outros, os Acórdãos n.º 185/2001; n.º 342/2009; n.º 5/2010; e n.º 68/2011, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).” No mesmo sentido, pode ler-se no Acórdão n.º 552/2021: “[…] nada tendo sido aduzido de novo que pudesse justificar, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, o exercício do contraditório por parte dos reclamantes, conclui-se que não se verifica qualquer omissão de um ato prescrito por lei capaz de influir no exame ou decisão da causa ou, sequer, de prejudicar o direito de defesa dos reclamantes ou o princípio do processo equitativo ou, ainda, o direito de acesso aos tribunais, razão por que se indefere a arguição de nulidade”. É esta jurisprudência que aqui uma vez mais se reitera, com consequente desatendimento da pretensão formulada pelo reclamante. […]». 11. Em face do exposto, considerando que as questões colocadas no presente recurso já foram profusamente analisadas e tratadas na jurisprudência constitucional, que vem frisando sempre que não é inconstitucional a interpretação deste normativo (e de outros preceitos legais similares) no sentido de que a notificação deste tipo de pareceres só deve ocorrer quando a contraparte puder exercer o respetivo contraditório, o que só sucederá se do parecer em causa constarem questões novas e que possam prejudicar o recorrente (o que não ocorre, necessariamente, quando há apenas o ‘simples’ secundar da posição original do Ministério Público, tornando inútil, consequentemente, essa notificação), cumpre concluir, em conformidade, pela não inconstitucionalidade da interpretação normativa objeto deste recurso, devendo ser negado provimento, necessariamente, ao presente recurso de constitucionalidade. Este é também o entendimento de Paulo Dá Mesquita, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo V, maio de 2024, Almedina, pp. 236/237 e 240 (em anotação aos artigos 416.º e 417.º) que afirma inclusive que a notificação nos termos do disposto no art.º 417.º, n.º 2, em situações como as do presente caso comportam a prática de um acto inútil e proibido por lei. Para além disso diremos que não se tendo acrescentado ou suscitado qualquer questão, nada há para contraditar ou responder, já que o princípio do contraditório como já deixamos dito, pressupõe a existência de questão de facto ou de direito sobre a qual o Tribunal tenha de decidir e que não tenha sido suscitada e sobre a qual o arguido possa/deva e tenha que ser ouvido. Esta interpretação é que se mostra, em nosso entender, conforme com a noção de parecer que acolhemos e com a génese do princípio do contraditório. A mera notificação em cumprimento de uma mera formalidade sem necessidade/possibilidade legal de pronúncia é aliás de dispensar como de resto se prescreve no art.º 3.º do Código de Processo Civil. E nem se diga que esta interpretação bule ou fere o princípio/direito a um processo justo ou equitativo, pois como começámos por salientar o princípio do contraditório/direito de defesa, enquanto estruturantes deste princípio/direito, respeitam a questões novas e não a meras apresentações de peças processuais que apenas consubstanciam resposta às questões previamente estabelecidas por quem as definiu, no caso o próprio arguido. Isto é, o arguido definiu as questões a conhecer e o MP limitou-se a responder, pelo que a pronúncia vertida nos autos, que consubstancia uma adesão à resposta, não constitui qualquer pronúncia nem inovadora nem que na verdade traga aos autos questões novas, como se vê da análise da resposta do MP em primeira instância. Assim, entendemos que não foi cometida qualquer irregularidade, já que a posição do MP em nada ultrapassou a definição do objeto do recurso definido pelos próprios arguidos, não tendo o Sr. PGA emitido qualquer pronúncia inovadora que em nosso entender determine a notificação dos mesmos para que se pudessem/possam manifestar. Termos em que se julga improcedente a invocação da irregularidade suscitada. Sem custas. Notifique-se.
Évora, 20 de janeiro de 2025 Maria Gomes Bernardo Perquilhas |