Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
797/22.7T8PTG-A.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
PERÍCIA
CABEÇA DE CASAL
RENDIMENTO
DESPESAS
HERANÇA INDIVISA
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
I. A impugnação da decisão de facto tem de ancorar-se nos requisitos do artigo 640.º do CPC, desde logo, tendo sido produzida prova documental, pericial e testemunhal sobre as contas a apresentar, a mera discordância quanto ao método aplicado na perícia, por o recorrente dar prevalência ao método que ele próprio utilizou – presumindo os rendimentos porque lhe faltava informação, ou seja, desconhecia as despesas -, não determina, sem mais, a alteração da decisão de facto, por não se descortinar a razão para dar prevalência ao método utilizado pelo Autor em detrimento do usado pela Sr.ª Perita.

II. Estando em causa o resultado de uma atividade que gera rendimento e que está na base da prestação de contas por parte do cabeça de casal de herança indivisa, se forem desconhecidas as despesas para obtenção dos rendimentos, o apuramento do saldo tem de socorrer-se de métodos indiretos previstos nas leis tributárias, mormente o que resulta do artigo 31.º do CIRS.

Decisão Texto Integral: Processo n.º 797/22.7T8PTG-A.E1 (Apelação)

Tribunal recorrido: TJ Comarca de Portalegre, Juízo Local Cível de Portalegre – Juiz 2

Apelante: AA

Apelado: BB




Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

1. AA intentou a ação especial de prestação de contas contra BB pedindo que o Réu preste contas da administração dos bens que integram a herança aberta por óbito de CC, na qual exerce as funções de cabeça de casal.

2. O Réu não contestou a obrigação de prestar contas, mas também não as apresentou.

3. Observado o disposto no n.º 1 do artigo 943.º do Código de Processo Civil (CPC), o Autor apresentou contas.

4. Foi determinada a realização de prova pericial, a qual teve por objeto a análise das contas apresentadas pelo Autor, com vista a apurar o saldo da administração da herança de CC, efetuada pelo Réu, na qualidade de cabeça de casal, no período compreendido entre 20 de Setembro de 2017 e 7 de Dezembro de 2022 (data da apresentação das contas pelo Autor nos autos).

5. Foi deferido o incidente de intervenção principal formulado pelo Autor e admitida a intervier nos autos, na qualidade de herdeira da inventariada, DD.

6. Citada a interveniente principal, nada disse.

7. Após realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:


«(…) decide-se aprovar parcialmente as contas apresentadas pelo Autor por referência ao período que medeia entre 20 de Setembro de 2017 e 7 de Dezembro de 2022, fixando-se um saldo positivo no montante de €104.326,00 (cento e quatro mil trezentos e vinte e seis euros) e, em consequência, condena-se o Réu BB a repor tal montante a favor da herança aberta por óbito de CC.


Custas a cargo do Réu, nos termos dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.»

8. Inconformado, apelou o Autor, defendendo a revogação da sentença recorrida e que seja fixado o saldo positivo da herança no valor de €628.340,00, acrescido de €14.000,00 que o Réu recebeu em excesso, sendo este condenado a repor a favor da herança o referido montante de €628.340,00, apresentando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES:

«I. O Autor é herdeiro de CC, falecida a ... de ... de 2017, no estado de Viúva;

II. São ainda herdeiros, o Réu BB e a Interveniente Principal DD;

III. O Réu BB administra os bens da herança, desde o óbito de CC;

IV. Durante este período nunca prestou contas aos demais herdeiros;

V. Motivo pelo qual o Autor intentou acção de prestação de contas;

VI. No presente processo de prestação de contas, o Autor apresentou, as contas relativas à exploração dos bens da herança já desposadas de despesas, ou seja, liquidas;

VII. A decisão recorrida impôs a aplicação de métodos indiretos de avaliação ao resultado da exploração dos referidos bens;

VIII. Sem, contudo, levar em consideração que os valores apresentados já se encontram deduzidos das despesas necessárias à consecução do rendimento;

IX. O Autor não se conforma com essa decisão;

DA ERRADA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA,

X. De todo o libelo factual, vislumbramos os factos dados como provados com os artigos 7º, 9º, 11º, 13º, 15º, 17º não foram corretamente apreciados;

XI. O Recorrente não concorda com a decisão do Tribunal a quo.

XII. Veja-se, o que se refere nos factos provados nº 7º, 9º, 11º, 13º, 15º e 17º;

XIII. Nos quais se mencionam despesas presumidas, relativas aos anos, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, aplicadas ao resultado liquido (rendimento) apresentado pelo Autor, aqui Recorrente;

XIV. Ora, estes factos dados como provados, assentam, com o devido respeito, numa interpretação errada das contas apresentadas pelo Recorrente;

XV. Vejamos, o Recorrente na sua apresentação de contas apresenta as contas deduzidas das despesas;

XVI. Ora, os valores apresentados pelo Recorrente, não careciam da aplicação de avaliação por métodos indiretos, uma vez que, como no próprio requerimento se refere, bem como as rubricas individualmente consagradas, os valores apresentados eram valores líquidos.

XVII. O Relatório Pericial aplicou, no nosso entendimento erradamente, o coeficiente de 0,15 aos valores apresentados pelo Recorrente, quando este refere na sua prestação de contas que estes valores são rendimento.

XVIII. Ou seja, a aplicação do coeficiente de 0,15, consiste em deduzir duas vezes despesas presumidas à faturação,

XIX. Isto porque o Recorrente já o fez aquando da sua apresentação de contas;

XX. Ou seja, a aplicação dos métodos indiretos de avaliação prevista no artigo 31 do CIRS mostra-se inadequada no presente caso;

XXI. As contas apresentadas pelo Autor, e não contestadas, refletem de maneira fidedigna o desempenho econômico da exploração dos bens da herança;

XXII. Acresce que, que a aplicação do artigo 31 do CIRS visa, em regra, a situações onde não se evidencia, de forma clara e comprovada, a composição final do rendimento líquido;

XXIII. O que não é o caso dos autos, na medida em que o Recorrente apresentou as contas expurgadas de despesas.

XXIV. Aliás, veja-se que o próprio relatório pericial, e por consequência a sentença recorrida, aplicam aos contratos de venda de cortiça o regime de avaliação por métodos indiretos, quando dos contratos juntos aos autos podemos aferir que o produto da venda é distribuído na sua totalidade pelos sócios, vide factos provados 18 e 19 da sentença recorrida.

XXV. O produto da venda da cortiça não foi deduzido de qualquer despesa ou encargos, aliás, ao contrário do que disse a Sra. Perita na audiência de julgamento, as despesas de extração, rechega, transporte e empilhamento, ficam a cargo do comprador, sendo o produto da venda integralmente distribuído pelos sócios.

XXVI. Não obstante a prova documental junto aos autos, a Sra. Perita, ficcionou que apenas 15% do valor da venda da cortiça seria considerada rendimento da herança, e fá-lo sem qualquer suporte probatório, apenas assente no regime da avaliação por métodos indiretos, erradamente aplicado ao caso.

XXVII. Pelo que, também por este motivo não deveria ter sido aplicada o coeficiente de 0,15, e devem ser considerados os saldos indicados pelo autor expurgados dos bens referidos na parte A-A2 do relatório pericial, designadamente o valor dos animais, quantias monetárias, imóveis e equipamentos agrícolas, ou seja o saldo de € 103.080,00 referente ao ano de 2017, €73.080,00 referente ao ano de 2018, €102.080,00 referente ao ano de 2019, €73.080,00 quanto ao ano de 2020, €80.080,00 relativo ao ano de 2021 e €196.940,00 quanto ao ano de 2022, o que perfaz um valor total de €628.340,00.

XXVIII. Posto isto, ao invés da sentença recorrida fixar um saldo positivo de €104.326,00, deve fixar o o saldo no valor de €628.340,00 e consequentemente condenar o Réu BB a repor tal montante a favor da herança aberta por óbito de CC.

XXIX. Por fim, vejamos o referido no facto provado nº 20;

XXX. que dispõe o seguinte: Por conta do acordo consignado em 18), a sociedade Formidável e Imparável, Unipessoal, Lda., emitiu um cheque com o nº ..., datado de junho de 2022, sacado sobre a conta nº ..., no valor de € 8.666,00, à ordem de DD; e o cheque com o nº ..., datado de 18 de junho

de 2022, sacado sobre a conta nº ..., no valor de € 42.666,00, à ordem do Réu.

XXXI. Posto isto, o Réu apropriou-se de uma quantia que não lhe pertence, por exceder a sua quota-parte, pelo que deve a mesma integrar o espólio da herança;

XXXII. Designadamente a diferença entre o recebido pelos demais herdeiros €28.666,00 e o recebido pelo Réu €42.666,00;

XXXIII. O que perfaz um valor de €14.000,00, o qual deve ser junto ao saldo da herança.»

9. Na resposta ao recurso, o Réu defendeu a confirmação da sentença.


II- FUNDAMENTAÇÃO

A. Objeto do Recurso


Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:


- Impugnação da decisão de facto


- Se no saldo a apurar não deve ser considerado o coeficiente de 0,15 valores decorrente da aplicação de métodos indiretos de avaliação da exploração, nos termos do artigo 31.º do Código do IRS, por os valores apresentados pelo Autor já serem líquidos.


B- De Facto


A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:


Factos Provados


«1. CC faleceu a ... de ... de 2017, no estado de viúva.


2. Sucederam-lhe, como seus herdeiros, os seus filhos BB, AA e DD.


3. O Réu ficou a administrar os bens da herança desde o óbito de CC.


4. Em 7 de Junho de 2023, BB instaurou processo de inventário, que constitui os autos principais, com vista à realização da partilha da herança aberta por óbito de CC.


5. No âmbito do citado processo, BB foi nomeado para o exercício do cargo de cabeça-de-casal por despacho proferido em 5 de Julho de 2022.


6. No ano de 2017, a herança gerou receitas no valor global de €103.080,00, sendo €6.000,00 correspondente a rendas, €30.000,00 correspondente à venda de cortiça, €14.000,00 correspondente aos rendimentos de 200 cabritos, €1.080,00 correspondente aos rendimentos do leite de cabras, €40.000,00 correspondente aos rendimentos de 500 borregos, €10.000,00 correspondente a subsídios, €1.000,00 correspondente à venda de lenha e €1.000,00 correspondente à venda da azeitona.


7. No ano de 2017, a herança suportou despesas no valor global de €82.568,00, sendo €25.500,00 por conta da cortiça, €11.900,00 por conta dos 200 cabritos, €918,00 por conta do leite de cabras, €34.000,00 por conta dos 500 borregos, €8.500,00 por conta dos subsídios, €900,00 por conta da venda da lenha e €850,00 por conta da venda da azeitona.


8. No ano de 2018, a herança gerou receitas no valor global de €73.080,00, sendo €6.000,00 correspondente a rendas, €14.000,00 correspondente aos rendimentos de 200 cabritos, €1.080,00 correspondente aos rendimentos do leite de cabras, €40.000,00 correspondente aos rendimentos de 500 borregos, €10.000,00 correspondente a subsídios, €1.000,00 correspondente à venda da lenha e € 1.000,00 correspondente à venda da azeitona.


9. No ano de 2018, a herança suportou despesas no valor global de €57.068,00, sendo €11.900,00 por conta dos 200 cabritos, €918,00 por conta do leite de cabras, €34.000,00 por conta dos 500 borregos, €8.500,00 por conta dos subsídios, €900,00 por conta da venda da lenha e €850,00 por conta da venda da azeitona.


10. No ano de 2019, a herança gerou receitas no valor global de €102.080,00, sendo €6.000,00 correspondente a rendas, €29.000,00 correspondente à venda da cortiça, €14.000,00 correspondente aos rendimentos de 200 cabritos, €1.080,00 correspondente aos rendimentos do leite de cabras, €40.000,00 correspondente aos rendimentos de 500 borregos, €10.000,00 correspondente a subsídios, €1.000,00 correspondente à venda da lenha e €1.000,00 correspondente à venda da azeitona.


11. No ano de 2019, a herança suportou despesas no valor global de €81.718,00, sendo €24.650,00 por conta da cortiça, €11.900,00 por conta dos 200 cabritos, €918,00 por conta do leite de cabras, €34.000,00 por conta dos 500 borregos, €8.500,00 por conta dos subsídios, €900,00 por conta da venda da lenha e €850,00 por conta da venda da azeitona.


12. No ano de 2020, a herança gerou receitas no valor global de €73.080,00, sendo €6.000,00 correspondente a rendas, €16.000,00 correspondente aos rendimentos de 200 cabritos, €1.080,00 correspondente aos rendimentos do leite de cabras, €45.000,00 correspondente aos rendimentos de 500 borregos, €10.000,00 correspondente a subsídios, €1.000,00 correspondente à venda da lenha e €1.000,00 correspondente à venda da azeitona.


13. No ano de 2020, a herança suportou despesas no valor global de €57.068,00, sendo €11.900,00 por conta dos 200 cabritos, €918,00 por conta do leite de cabras, €34.000,00 por conta dos 500 borregos, €8.500,00 por conta dos subsídios, €900,00 por conta da venda da lenha e €850,00 por conta da venda da azeitona.


14. No ano de 2021, a herança gerou receitas no valor global de €80.080,00, sendo €6.000,00 correspondente a rendas, €16.000,00 correspondente aos rendimentos de 200 cabritos, €1.080,00 correspondente aos rendimentos do leite de cabras, €45.000,00 correspondente aos rendimentos de 500 borregos, €10.000,00 correspondente a subsídios, €1.000,00 correspondente à venda de lenha e €1.000,00 correspondente à venda de azeitona.


15. No ano de 2021, a herança suportou despesas no valor global de €63.018,00, sendo €13.600,00 por conta dos 200 cabritos, €918,00 por conta do leite de cabras, €38.250,00 por conta dos 500 borregos, €8.500,00 por conta dos subsídios, €900,00 por conta da venda de lenha e €850,00 por conta da venda da azeitona.


16. No ano de 2022, a herança gerou receitas no valor global de €181.940, sendo €2.500,00 correspondente a rendas, €100.000,00 correspondente à venda de cortiça, €16.000,00 correspondente aos rendimentos de 200 cabritos, €1.440,00 correspondente aos rendimentos do leite de cabras, €50.000,00 correspondente aos rendimentos de 500 borregos, €10.000,00 correspondente a subsídios, €1.000,00 correspondente à venda da lenha e €1.000,00 correspondente à venda da azeitona.


17. No ano de 2022, a herança suportou despesas no valor global de €152.574,00, sendo €85.000,00 por conta da cortiça, €13.600,00 por conta dos 200 cabritos, €1.224,00 por conta do leite de cabras, €42.500,00 por conta dos 500 borregos, €8.500,00 por conta dos subsídios, €900,00 por conta da venda da lenha e €850,00 por conta da venda da azeitona.


18. Por escrito datado de 14 de Junho de 2022, intitulado “contrato de compra e venda”, o Réu declarou vender à sociedade Formidável e Imparável, Unipessoal, Lda. que, por sua vez, declarou comprar a cortiça dos sobreiros existentes no prédio sito em ..., pelo valor de €100.000,00.


19. No mencionado escrito, mostra-se, entre o mais, consignado:


“9.ª - O pagamento será efectuado nas seguintes condições:


1.º pagamento (sinal) 20.000 € (vinte mil euros). Novo Banco. Cheque n.º ....


2.º pagamento (reforço do sinal) a AA.


3.º pagamento a BB em cheque no valor de 42.666 € com V-...


4.º pagamento DD, cheque no valor de 28.666 €


5.º pagamento Cheque n.º ....


10.ª Outras condições: AA mais cheque no valor de 8.666 € cheque n.º .... (…)”


20. Por conta do acordo consignado em 18), a sociedade Formidável e Imparável, Unipessoal, Lda. emitiu o cheque com o n.º ..., datado de Junho de 2022, sacado sobre a conta n.º ..., no valor de €8.666,00, à ordem do Autor; o cheque com o n.º ..., datado de 18 de Junho de 2022, sacado sobre a conta n.º ..., no valor de €28.666,00, à ordem de DD; e o cheque com o n.º ..., datado de 18 de Junho de 2022, sacado sobre a conta n.º ..., no valor de €42.666,00, à ordem do Réu.


21. Por conta do acordo consignado em 18), o Autor emitiu, em nome da sociedade Formidável e Imparável, Unipessoal, Lda., a factura-recibo FTA0001/4, pela quantia de €28.600,00, com o descritivo “venda em global de cortiça amadia”.

C. Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso

1. Impugnação da decisão de facto


O recorrente vem impugnar a decisão de facto em relação aos pontos 7.º, 9.º, 11.º, 13.º, 15.º, 17.º dos factos provados alegando que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento, discordando, em suma, da análise que a Sr.ª Perita fez dos documentos juntos aos autos e que serviram de suporte ao Relatório Pericial, tendo utilizado para alcançar os resultados que apresentou, métodos indiretos de avaliação previstos no artigo 31.º do CIRS, defendendo, ao invés, que as contas que apresentou já se referem a valores líquidos.


Deste modo, refere o Apelante que a aplicação do coeficiente 0,5 corresponde à dupla dedução de despesas presumidas à faturação, por nas contas apresentadas já terem sido deduzidas as despesas presumidas.


Analisando a questão, adianta-se que nenhuma razão existe para alterar a decisão de facto.


Na verdade, a impugnação da decisão de facto tem de ancorar-se nos requisitos do artigo 640.º do CPC, desde logo, tendo sido produzida prova documental, pericial e testemunhal sobre as contas a apresentar, a mera discordância quanto ao método aplicado pela Sr.ª Perita, por o recorrente dar prevalência ao método que ele próprio utilizou – presumindo os rendimentos porque lhe faltava informação, ou seja, desconhecia as despesas -, não determina, sem mais, a alteração da decisão de facto, por não se descortinar a razão para dar prevalência ao método utilizado pelo Autor em detrimento do usado pela Sr.ª Perita.


Resulta da fundamentação da decisão de facto que o tribunal a quo formou a sua convicção com base no seguinte:

«Para demonstração dos factos 6 a 17, a convicção do Tribunal ancorou-se no relatório pericial (com a ressalva de que o mesmo padece de um lapso de escrita, revelado no próprio contexto do relatório, na indicação do coeficiente aplicável aos subsídios e à venda da lenha e, consequentemente, no apuramento das despesas por aplicação do coeficiente, no ano de 2017), conjugado com os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pela Sra. Perita, a qual, perante a exiguidade dos elementos juntos aos autos pelas partes, outra alternativa não teve senão lançar mão de métodos indirectos.

Tais elementos foram, ainda, concatenados com o depoimento da testemunha EE, filha do Autor, a qual, não obstante a relação familiar que a une ao Autor, depôs, de forma espontânea, relativamente à questão do arrendamento de um dos imóveis que integra o acervo hereditário, e com clara destrinça daquilo que é do seu conhecimento directo e indirecto, tendo merecido credibilidade.

Os factos provados em 18 a 21 resultaram da leitura dos correspondentes escritos que acompanharam o requerimento oferecido pelo Autor em 9 de Março de 2023.»

Ora, o Apelante não questiona diretamente a razão de ciência da Sr.ª Perita, nem da testemunha ouvida, fazendo tábua rasa da fundamentação do tribunal recorrido para defender, no fundo, as contas que prestou e os valores a que chegou, assumidamente presumidos por desconhecer as despesas.


A prova pericial, embora sujeita a livre apreciação pelo tribunal, como decorre do artigo 391.º do Código Civil (CC), assenta em especiais conhecimentos do perito que os julgadores não possuem (artigo 388.º do CC) e segue os trâmites previstos nos artigos 467.º a 489.º do CPC.


Para infirmar o valor probatório deste meio de prova, a parte tem de invocar qual a prova junta aos autos que tenha a mesma fiabilidade e revele igual segurança e robustez e donde ressalte que ocorreu erro de julgamento na apreciação e valoração que o tribunal levou a cabo.


O que não se verifica no caso em apreço, pois o recorrente limita-se a defender que o método que utilizou é preferível ao utilizado na peritagem.


Todavia, não questionou em tempo o resultado da peritagem, o que poderia ter feito apresentando reclamação ou solicitando esclarecimentos, ou, ainda, requerendo a realização de segunda perícia (artigo 487.º do CPC), desde que invocasse concretas razões e argumentos que apontassem na prática de inexatidões ou erros da primeira perícia (artigo 487.º, n.º 1, do CPC), e nada requereu.


Nestes termos, a impugnação da decisão de facto não assenta, na verdade, na impugnação do meio de prova que foi relevante (a par da sua concatenação com o acervo documental junto aos autos e testemunho referido pelo tribunal na fundamentação da decisão de facto) para o tribunal formar a sua convicção.


Não se podendo descurar que a peritagem é um meio de prova produzido por quem tem conhecimentos técnicos e os utilizou para fazer uma análise pormenorizada e fundamentada da documentação de suporte aos resultados alcançados na perícia.


Pelo contrário, o Apelante fundamenta a sua discordância baseado no modo como alcançou os resultados apresentados, presumindo rendimentos sem saber concretizar as despesas, o que indicia elevada probabilidade de os mesmos não serem fiáveis ou confiáveis.


Não existe, pois, qualquer razão que determine a alteração da decisão de facto, julgando-se a mesma totalmente improcedente.

2. Se no saldo a apurar não deve ser considerado o coeficiente de 0,15 valores decorrente da aplicação de métodos indiretos de avaliação da exploração, nos termos do artigo 31.º do Código do IRS, por os valores apresentados pelo Autor já serem líquidos.


Esta questão interliga-se com o dito anteriormente, antevendo-se, uma resposta no sentido de ser necessário, em face da concreta situação verificada nos autos, a aplicação dos referidos métodos indiretos e a aplicação do coeficiente de 0.15.


Desde logo, porque o recorrente não logrou provar que os resultados por si apresentados e presumidos, por desconhecimento das despesas, seriam os que correspondem à realidade.


No relatório pericial consta:

«O resultado de uma atividade, contabilisticamente falando, resulta da diferença entre gastos e rendimentos, neste caso apenas são apresentados rendimentos, desconhecendo assim os gastos suportados para se obterem esses rendimentos.

Face à falta de elementos para apuramento dos gastos envolvidos nos rendimentos apurados, teremos de recorrer a métodos indirectos para o seu cálculo.»

Esses métodos indiretos, como também é explicado no relatório pericial encontram-se previstos nas leis tributárias, explicitando o relatório o seguinte:

«Face ao enquadramento, para apuramento do saldo da administração da Herança em análise, as peças identificadas na prestação de contas como rendimentos, iremos ter em conta como gastos os coeficientes mencionados no artigo 31.º do CIRS.»

O artigo 31.º do CIRS regula o chamado regime simplificado que consiste na determinação do rendimento tributável através da aplicação de vários coeficientes objetivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da atividade económica.


Como bem se faz notar na resposta às alegações, devem ser considerados como gastos os coeficientes aplicados pela perícia, porquanto as vendas, como decorre da experiência comum, têm custos associados, sendo que, no caso concreto, o recorrente não provou que tivesse sido de outro modo.


Assim, o valor realizado com a venda da cortiça envolve despesas como a manutenção e limpeza das árvores, dos terrenos envolventes e demais custos com a produção, para a obtenção do valor da venda final. Na venda de cabritos e borregos é preciso levar em conta as despesas de alimentação dos animais, tratamentos veterinários, pastoreio e demais cuidados. Os subsídios atribuídos pelo IFAP ao agricultor de modo a dar apoio à produção agrícola têm em conta a produção em causa e as despesas associadas. Na venda de lenha e azeitona também há que ter em conta as despesas de produção (mão de obra e tratamento das árvores).


Como consta da sentença:

«As contas apresentadas pelo Autor são julgadas segundo o prudente arbítrio do julgador e as regras de experiência, depois de realizadas todas as diligências indispensáveis, nos termos do n.º 2 do citado artigo 943.º

Ora, de acordo com a matéria de facto dada como provada, a herança apresentou um saldo positivo de € 20.512,00, € 16.012,00, € 20.362,00, € 16.012,00, € 17.062,00 e € 29.366,00, respectivamente, em 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022.

Todavia, no que concerne ao ano de 2022, ressuma dos autos que o produto da venda da cortiça foi já distribuído pelos herdeiros, pelo que, por reporte ao ano de 2022, apenas deverá ser tido em consideração o saldo (líquido) positivo da herança, no valor de €14.366,00, respeitante às rendas, aos rendimentos advenientes dos cabritos, do leite de cabras, dos 500 borregos, da venda de lenha, da venda de azeitona e dos subsídios.

Nestes termos, conclui-se que, com referência ao período que medeia entre 20 de Setembro de 2017 e 7 de Dezembro de 2022, existe um saldo positivo global de €104.326,00, o qual deve reposto a favor da herança.».

Concorda-se, nada havendo a censurar ao assim decidido.

Improcede o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.


III- DECISÃO


Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.


Custas nos termos sobreditos.


Évora, 30-12-2025


Maria Adelaide Domingos (Relatora)


Ana Pessoa (1.ª Adjunta)


Sónia Moura (2.ª Adjunta)