Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA DÁ MESQUITA | ||
Descritores: | DANOS NÃO PATRIMONIAIS INDEMNIZAÇÃO EQUIDADE | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Resulta do disposto na primeira parte do n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil que a indemnização por dano não patrimonial é fixada pelo juiz segundo um critério de equidade, o que implica atender às circunstâncias concretas do caso, mas sem desprezar os padrões de indemnização seguidos pela jurisprudência, nos termos do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 1339/23.2T8STR.E1 (2.ª Secção) Relatora: Cristina Dá Mesquita 1.ª Adjunta: Ana Margarida Leite 2.º Adjunto: Mário João Canelas Brás Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…), autor na ação declarativa com processo comum ordinário que moveu contra (…), interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Santarém, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual julgou a ação parcialmente procedente condenando o réu a pagar ao autor a quantia de € 800,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos computados à taxa supletiva legal de 4%, contados diariamente sobre aquele capital desde a data da sentença e até efetivo e integral pagamento, absolvendo o réu no demais peticionado. Na ação o autor pedira a condenação do réu no pagamento de uma indemnização no montante global de € 11.500,00, sendo a parcela de € 9.500,00 a título de compensação pelos danos e lesões resultante da agressão de que foi vítima e € 2.000,00 «pela falsa versão que o réu forneceu aos autos criminais e que motivaram uma acusação criminal do autor». I.2. O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «1º - O recorrente alegou a factualidade constante e vertida na petição inicial, sendo que o réu apenas se defendeu por exceção, invocando quer o princípio da adesão nos termos do artigo 71.º do CPP quer a incompetência material do tribunal: 2º - Notificado para o efeito o recorrente respondeu pugnando pela improcedência das matérias de exceção, quer invocando, desde logo o preceituado no artigo 574.º-1 e 2, do CPC; 3º - Foi proferido despacho saneador que indeferiu as exceções invocadas e definiu o objeto da ação e os temas da prova; 4º - Acontece que a existir produção de prova, a mesma não se destinava à prova que já deveria estar assente, por falta de impugnação especificada, pelo que, quanto muito deveria versar na definição dos montantes a atribuir se acaso igualmente relativamente à quantificação não vigorasse igualmente o princípio da impugnação especificada, sendo que o recorrido nem uma palavra aditou ou opôs em relação a tudo o que se reporta à necessária impugnação, para lá da exceção; 5º - Assim, no campo factual foi violado o artigo 574.º-1 e 2, do CPC e nessa conformidade devem os factos ser alterados por via dessa norma legal e nos sobreditos termos; 6º - Em relação à indemnização atribuída, ela é pronunciadamente minimalista e desproporcionada em relação ao que cumpre, tendo sido violados os artigos 483.º-1, 484.º, 496.º, 562.º, 563.º, 566.º, todos do Código Civil. I.3. Não houve resposta às alegações de recurso e o recurso foi recebido pelo tribunal a quo. Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) cumpre decidir.
3. Com tal conduta o arguido (…) causou ao arguido (…), dores físicas e incómodos nas zonas do corpo atingidas, bem como escoriação na face posterior do antebraço esquerdo, com 3 cm dirigida de dentro para fora e de cima para baixo, e ferida contusa na cauda do supracilio direito com 0,5cm que lhe determinaram 15 dias de doença todos sem incapacidade para trabalho; 5. Ao atuar da forma descrita o arguido (…) agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; 6. O arguido (…) tem capacidade para entender a ilicitude das condutas proibidas por lei e se determinar de acordo com tal entendimento; 4. Nessa sequência, no âmbito do processo referido em 1.: a. o autor foi acusado pela prática de um crime de ofensas à integridade física contra réu, tendo sido absolvido; b. o réu formulou pedido de indemnização civil contra o autor, do qual este foi absolvido; 5. Em consequência dos factos descritos em 1., o autor: a. vivenciou sentimentos de tristeza, revolta e insegurança; Que dizer? Dispõe o artigo 574.º, n.ºs 1 e 2, sob a epígrafe Ónus de impugnação, que: «1 – Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor. * II.4.2.Reapreciação do mérito da decisão No presente recurso está em causa a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância que condenou o apelado/réu no pagamento de uma indemnização no montante de € 800,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da prática de um crime de ofensa à integridade física pelo qual foi condenado no tribunal criminal, acrescido de juros de mora, e absolveu o réu/apelado do pedido de indemnização relativa aos danos não patrimoniais para o autor decorrentes «da versão dos factos fornecida pelo réu em queixa por ele apresentada contra o autor/apelante e que terá levado à dedução de uma acusação contra o segundo». Para além de não se conformar com o valor de indemnização que lhe foi arbitrada, defendendo que, considerando a gravidade dos danos, as circunstâncias e repercussões da conduta do réu, aquele valor «está muito aquém de uma solução justa e equitativa, compensatória e adequada de forma mínima», o apelante entende também que os factos provados, por força do disposto no artigo 574.º do CPC, justificam a condenação do réu no pagamento de uma indemnização pelos danos gerados com a conduta daquele traduzida numa «calúnia através de uma queixa cujos factos não aconteceram». Vejamos. Cabe apurar se é correto o valor indemnizatório fixado pelo tribunal recorrido e se deve ser arbitrada uma indemnização ao autor pelo facto de o réu ter apresentado uma queixa criminal contra o primeiro, imputando-lhe a prática de factos de natureza criminal que o autor não praticou. No caso concreto o réu praticou um crime de ofensa à integridade física na pessoa do autor, pelo qual foi condenado em processo crime, e imputou ao autor a prática de atos integradores de um crime de ofensa à integridade física, os quais o autor não praticou e que o réu sabia que aquele não praticara, sendo tal imputação potencialmente lesiva do bom nome / reputação do autor. Por conseguinte, estamos perante um caso de violação de direitos de personalidade do autor, cuja tutela se mostra amplamente prevista no artigo 70.º do Código Civil[3]. À responsabilidade por ofensas à personalidade física ou moral são aplicáveis, os artigos 483.º e ss. do Código Civil, sem prejuízo de tutela penal. O instituto da responsabilidade civil visa tornar indemne aquele que, por força de uma ação ilícita e culposa de outrem, sofreu um dano. Os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito mostram-se previstos no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil. São eles: i. o facto; ii. a ilicitude, isto é, o juízo de desvalor jurídico relativo ao comportamento do agente, em razão da sua desconformidade com o Direito, prevendo o preceito legal em causa duas modalidades de ilicitude, a saber, a violação de direitos absolutos e a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. iii. o dano; iv. o nexo de causalidade, isto é, o nexo de imputação da lesão do direito ou do interesse juridicamente protegido ao comportamento do agente; e v. a culpa, que consiste num juízo de censura ético-jurídico de que o agente é alvo por força da prática de um ato ilícito. A culpa expressa a reprovação do lesante por ter atuado daquela maneira, quando podia e devia ter atuado de modo conforme ao Direito. O artigo 484.º Cód. Civil prevê um caso especial de responsabilidade extra-obrigacional. Dispõe aquele que «quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados». Os pressupostos da responsabilidade civil por ofensa ao bom nome, reputação e crédito, são os mesmos do artigo precedente (artigo 483.º do CC), sendo que o pressuposto “facto” consiste aqui na imputação de um facto potencialmente lesivo dos bens jurídicos tutelados pela norma; e a “ilicitude” (da conduta) não se basta com a imputação a outrem de um facto lesivo do bom nome, reputação e crédito, exigindo, ao invés, também a falsidade do facto ou, sendo este verdadeiro, a ausência de interesse legítimo na sua divulgação[4]. Refira-se que este preceito legal tutela a dimensão social da honra, isto é, a avaliação de respeito e deferência que os outros fazem de uma pessoa, sendo a ação juridicamente relevante a divulgação a um terceiro de um facto ofensivo do bom nome ou crédito de outrem. À lesão da honra pessoal ou interior, ou seja, da imagem que cada um tem de si, da sua auto-estima, aplica-se o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 70.º e 483.º do Código Civil. Refira-se, por último, que os danos resultantes de uma lesão ao bom nome, reputação ou crédito tanto poderão ser de natureza patrimonial ou de natureza não patrimonial (v. g. a dor que se abate na dignidade pessoal do lesado). O artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil dispõe que na fixação da indemnização no âmbito da responsabilidade por factos ilícitos se atenda aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Assim, a acrescer aos pressupostos gerais previstos no artigo 483.º Código Civil, este normativo estabelece um requisito específico de admissibilidade da compensação pelos danos não patrimoniais traduzido numa gravidade que mereça a tutela do Direito. No plano da responsabilidade civil verifica-se, pois, uma tutela da pessoa, nas várias dimensões da sua existência, como reclama o artigo 70.º do Código Civil, merecendo os danos resultantes da violação de direitos de personalidade, como a honra, a integridade física e moral e a saúde, uma indemnização desde que assumam uma gravidade que mereça a tutela do Direito. “Gravidade” que tem de ser aferida em função de padrões objetivos e não da particular sensibilidade ou perceção subjetiva do lesado, não merecendo essa tutela os meros incómodos, contrariedades, angústias ou desgostos pouco significativos. Resulta do disposto na primeira parte do n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil que a indemnização por dano não patrimonial é fixada pelo juiz segundo um critério de equidade, o que implica atender às circunstâncias concretas do caso, mas sem desprezar os padrões de indemnização seguidos pela jurisprudência (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil). O artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil remete para o disposto no artigo 494.º do mesmo diploma legal, o que significa que na fixação do valor indemnizatório, o juiz deve atender, em qualquer caso, às circunstâncias ali previstas, a saber, o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica bem como a do lesado, e as demais circunstâncias do caso. Voltando ao caso sub judice, não vem posta em causa a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor em consequência do crime de ofensa à integridade física de que foi vítima e pelo qual o réu foi condenado no tribunal criminal, mas tão só o valor arbitrado a título de compensação pelos danos sofridos pelo autor com aquela conduta (ilícita e culposa) do réu. Como vimos, o tribunal a quo fixou essa indemnização no montante de € 800,00, fundamentando tal valor da seguinte forma: «no caso concreto haverá que atender ao facto de o autor ter sofrido dores físicas e incómodos nas zonas do corpo atingidas, bem como escoriação na face posterior do antebraço esquerdo, com 3 cm, dirigida de dentro para fora e de cima para baixo, e ferida contusa na causa do supracílio direito com 05,5 cm que lhe determinaram 15 dias de doença todos sem incapacidade para o trabalho. Como é bom de ver, os danos produziram-se no seu corpo, incluindo a face. Acresce que em termos psicológicos, o autor vivenciou sentimentos de tristeza, revolta e insegurança e passou a ter acompanhamento psiquiátrico». A doutrina e a jurisprudência têm considerado que a indemnização por dano não patrimonial, no plano da responsabilidade civil facto ilícito e culposo, cumpre não apenas uma função compensatória / reparadora – na medida em que ela visa recolocar o lesado na posição em que estaria se não tivesse ocorrido o evento danoso – mas também, complementarmente, uma função sancionatória[5], pelo que neste plano assume especial relevância, na fixação do valor indemnizatório, o grau de culpa do agente. Em todo o caso, concorde-se, ou não, que ao grau de culpabilidade do autor do dano prevista no artigo 494.º do Código Civil na determinação do valor indemnizatório é uma manifestação da função punitiva da responsabilidade civil, é inequívoco o relevo da culpa na determinação do montante indemnizatório. No caso concreto, o grau de culpa do agente é elevado: o réu já anteriormente referira que haveria de esperar o autor e o agredir fisicamente e, no dia 22 de junho de 2018, dirigiu-se ao veículo automóvel no interior do qual e no lugar reservado ao condutor, se encontrava o autor e quando se encontrava junto deste último, com uma das mãos fechadas desferiu pancadas no rosto do autor e, depois, fazendo uso de um instrumento não concretamente apurado, desferiu pancadas no corpo do segundo. Assim, o grau de culpa do réu e a intensidade do seu dolo justificam um valor indemnizatório superior àquele que foi fixado pelo julgador a quo, julgando adequado fixar em cinco mil euros, o valor da indemnização em causa. No que respeita à conduta ilícita e culposa do réu traduzida na apresentação de uma queixa crime pelo réu contra o autor por factos que este não praticou e que foram inventados pelo réu, a saber, que no dia 22.06.2018, o autor o havia atingido nos dois membros superiores com o auxílio de uma chave de fendas, ela traduz-se numa divulgação de factos potencialmente lesivos da honra do autor, agravada pela circunstância de ter sido deduzida uma acusação pelo Ministério Público contra o autor, imputando a este a prática de um crime de ofensa à integridade física (do réu), pelo qual aquele foi efetivamente julgado. Não obstante se desconhecer – porque não foi alegado – se a apresentação de queixa criminal, a acusação criminal e o julgamento subsequentes tiveram repercussões negativas na imagem/reputação do autor perante terceiros (honra social), provou-se que aquela conduta do réu (traduzida na imputação ao autor de factos de natureza criminal falsos) gerou no primeiro momentos de desespero, logo afetou a sua personalidade, lesando-a; o desespero é um estado emocional que não pode ser considerado trivial ou insignificante, pelo que tendo o mesmo sido causado pela conduta do réu, é indemnizável à luz do disposto no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil. |