Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5474/10.9-B
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
Data do Acordão: 04/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: COMARCA DE SETÚBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
Tem-se por justificado o pedido de suspensão da execução, nos termos do artigo 818.º, n.º 1, do C.P.C., se o oponente, para além de impugnar a assinatura aposta no documento particular que serve de título à execução e juntar um outro documento em que consta a sua assinatura, invocar realidade fáctica contrária à possibilidade de ter assinado o primeiro (e assertiva da probabilidade de terem sido outros a fazê-lo por si), traduzida, verbi gratia, numa situação de dúvida sobre o reconhecimento efectuado da sua assinatura.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes nesta Relação:
O Apelante/executado J…, vem interpor recurso do douto despacho proferido a 25 de Novembro de 2011, na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial da comarca de Setúbal (ora a fls. 100), nos presentes autos de oposição à execução, que aí instaurou contra a Apelada/exequente “B…, SA”, intentando ver revogada tal decisão da 1ª instância que lhe indeferiu o pedido de suspensão da execução, que formulara com a própria oposição deduzida (com o fundamento invocado na decisão recorrida de que “a apresentação de cópia do cartão de cidadão com uma assinatura aparentemente diferente da que consta do título executivo não pode considerar-se princípio de prova para os fins requeridos, sendo certo que o exequente se opõe à suspensão”), alegando, para tanto e em síntese, discordar dessa análise, pois que “impugnou as assinaturas apostas nos documentos juntos pela Apelada na contestação à oposição”, e “requereu a suspensão nos termos do artigo 818.º, ‘in fine’, juntando como meio de prova o cartão de cidadão e de contribuinte, cuja data corresponde à data dos autos, do qual se constata uma assinatura diferente da que consta no título executivo”. Pelo que não deveria ter sido indeferido esse seu pedido de suspensão da execução. É que “a assinatura aposta como avalista não foi reconhecida” no documento que está em causa. São, assim, termos em que deverá ser dado provimento ao recurso e revogar-se o douto despacho recorrido, “decretando-se a suspensão da execução”, conclui.
A Apelada/exequente “B…, S.A.” não apresentou contra-alegações.
*
Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão:
1) A exequente “B…, S.A.”, com base nas livranças n.os 64/09 e 65/09 (que constituem fls. 111 a 112 dos autos e cujos teores aqui se dão por inteiramente reproduzidos), emitidas a 30 de Abril de 2009 e com vencimento em 15 de Maio de 2009, instaurou execução contra o ora oponente/executado J…, na qualidade de seu avalista, por valores de € 129.963,92 (cento e vinte e nove mil, novecentos e sessenta e três euros e noventa e dois cêntimos) e de € 102.577,66 (cento e dois mil, quinhentos e setenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos) e juros.
2) Essas livranças resultaram dos Contratos de Locação Financeira com os n.os 63.921 e 64.761, celebrados entre o Banco exequente e a “C…, S.A.”, os quais constituem agora os documentos de fls. 52 a 57 e 58 a 63 dos autos e cujos teores aqui igualmente se dão por reproduzidos na íntegra.
3) A 15 de Abril de 2011 o executado deduziu oposição à execução com fundamento em que “as assinaturas apostas nas livranças não são do punho do executado”, para o que juntou “fotocópia do cartão de cidadão e do cartão de identificação fiscal” (vide o douto articulado de fls. 16 a 19 e os documentos de fls. 20 e 21, aqui também dados por integralmente reproduzidos, sendo que a data de entrada consta de fls. 22 dos autos).
4) Em 21 de Junho de 2011 a exequente contestou a oposição, nos termos do douto articulado de fls. 25 a 30 dos autos, aqui ainda reproduzido, juntando logo os documentos que agora constituem fls. 32 a 46, 52 a 63, 67 a 70 e 74 a 80 (a data de entrada do articulado consta de fls. 49 dos autos).
5) Em 05 de Julho de 2011, o oponente impugnou tais documentos, nos termos do douto requerimento de fls. 83 a 87, que aqui se reproduz (a data de entrada está agora a fls. 88 dos autos).
6) Em 23 de Setembro de 2011 veio o oponente, “nos termos do n.º 1 do artigo 818.º do Código Processo Civil”, requerer “a suspensão da execução” (vide esse douto requerimento ora a fls. 90 a 91, aqui dado por reproduzido na íntegra, sendo que a data de entrada consta de fls. 92 dos autos).
7) E em 04 de Outubro de 2011 apresentou o Banco exequente resposta, través da qual se opôs “com veemência à suspensão da execução” (vide douto requerimento de fls. 94 a 95, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e a data de entrada aposta a fls. 96 dos autos).
8) Em 25 de Novembro de 2011 foi proferido douto despacho a indeferir a requerida suspensão da execução, conforme consta de fls. 100 dos autos, e que aqui se dá igualmente por reproduzido na íntegra, onde designadamente se exarou que “a apresentação de cópia do cartão de cidadão com uma assinatura aparentemente diferente da que consta do título executivo não pode considerar-se princípio de prova para os fins requeridos, sendo certo que o exequente se opõe à suspensão” (sic).
9) Sequencialmente, em 30 de Novembro de 2011, foi, pela Exequente, apresentado o seu douto requerimento de provas, em que solicitava “a produção de prova pericial, mediante exame para reconhecimento da assinatura aposta nas livranças”, “tendo em vista a contraprova da alegada falsidade da assinatura do Oponente” (vide tal douto requerimento, ora a fls. 104 a 105 dos autos, que aqui também se considera reproduzido na íntegra).
10) O que lhe foi, entretanto, deferido em 23 de Janeiro e 5 de Novembro de 2012, pelos doutos despachos ora exarados a fls. 125 e 136 dos autos, e aqui igualmente dados por inteiramente reproduzidos.
*
Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem é a de saber se a problemática da suspensão da execução foi bem ou mal julgada no Tribunal a quo – no sentido do seu indeferimento, recorde-se, por ausência de um documento que constituísse princípio de prova bastante da invocada falsidade das assinaturas apostas nos títulos –, que o mesmo é dizer se a apreciação realizada pela Mm.ª Juíza o foi de acordo ou ao arrepio dos factos e das normas legais que a deveriam ter informado. É isso que hic et nunc está em causa, como se vê das conclusões que são alinhadas no recurso apresentado.
Vejamos, pois.

O executado/opoente/apelante deduziu oposição à execução que lhe havia sido instaurada pela exequente/apelada, com base em 2 contratos e respectivas livranças, por ele alegadamente subscritas como avalista. Invocou a falsidade das assinaturas e, pese embora mais tarde, peticionou que fossem suspensos os termos da execução, para o que juntou fotocópia dos seus cartões de cidadão e de contribuinte, nos quais alegadamente “se constata uma assinatura diferente da que consta no título executivo”.
A Mm.ª Juíza indeferiu tal pedido de suspensão.
Quid Juris?

Nos termos do artigo 818.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Havendo lugar à citação prévia do executado, o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o opoente preste caução ou quando, tendo o opoente impugnado a assinatura do documento particular e apresentado documento que constitua princípio de prova o juiz, ouvido o exequente, entenda que se justifica a suspensão”.

In casu, houve efectivamente lugar à citação prévia do executado e foi recebida a oposição. Mostra-se formulado o pedido de suspensão da execução (nesta parte, sem a prestação de caução) e o oponente impugnou as assinaturas que lhe são imputadas e constam dos documentos particulares (os contratos de locação financeira e as livranças) que estão a servir de título à execução. E juntaram documentos que, tecnicamente, podem constituir princípio de prova.
À partida, estão, pois, verificados os requisitos para o juiz se pronunciar.
Este entendeu que não se justificava a suspensão e estava no seu direito.

Porém, não cremos, salva melhor opinião, que o caminho que trilhou seja o mais adequado à abordagem e decisão dessa questão.
Com efeito, não se lhe podendo exigir que seja especialista em caligrafias alheias, ele próprio não deixa de reconhecer, no douto despacho que proferiu, que há, na cópia do cartão de cidadão, “uma assinatura aparentemente diferente da que consta do título executivo”, embora acabe por concluir que, afinal, essa apresentação de cópia do cartão de cidadão “não pode considerar-se princípio de prova para os fins requeridos”.
Pensamos, ao invés, que poderá perfeitamente sê-lo, no seu respectivo enquadramento fáctico (que logo resultar do processo).
Recorde-se que estamos no domínio dum princípio de prova – que é isso mesmo, um princípio – e mais adiante, no processo, se recorrerá, na certa (como aqui já foi requerida e admitida) à prova pericial e aí se poderá ter mais em que se fundar. Por agora, é só com os elementos que estão nos autos que a decisão tem que ser tomada. E poderá sê-lo, desde já.
[Ademais, não é determinante o argumento utilizado no douto despacho de que “o exequente se opõe à suspensão”, pois que, sendo naturalmente contra os seus interesses em ver executados os bens e receber o dinheiro respectivo, na generalidade dos casos o exequente sempre se oporá à suspensão. Acresce, por outra parte, que a lei não faz depender essa suspensão do seu acordo.]

Não se ignora que o prosseguimento da execução é a regra, e a excepção a sua paragem, nos termos do citado artigo 818.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Mas o legislador, ao mesmo tempo que concedeu maior credibilidade aos documentos de origem particular e os erigiu em títulos executivos bastantes – para evitar que se instaurem mais acções declarativas em Tribunal –, em jeito de compensação, pretendeu facilitar a vida aos executados que não reconheçam no documento a sua assinatura, instituindo um sistema em que basta negar tal assinatura e juntar documento que constitua um mero princípio de prova para a execução poder ser suspensa enquanto se dirime a questão. O juiz, ouvida a parte contrária, decidirá se se justifica ou não a suspensão. [E também se aceita que tal decisão exige um especial juízo de ponderação, entre os factos alegados, os documentos apresentados e os interesses em disputa, com respeito, como nas providências cautelares, da aparência da prova, ou simples fumus boni iuris.]

Volvendo ao caso sub judice, temos que o oponente não se limita a juntar documentos donde se podem comparar as assinaturas – com as dificuldades que daí advêm –, como faz um enquadramento fáctico que poderá efectivamente dar credibilidade à sua pretensão, designadamente ao questionar porque é que outras assinaturas apostas nos documentos estão reconhecidas presencialmente e as suas não, ou porque há reconhecimentos anteriores à data dos documentos.
Quer dizer: não é só afirmar que não assinou; é construir uma realidade contrária precisamente à possibilidade de o ter feito (e à probabilidade de terem sido outros a fazê-lo por ele).

Ora, tanto basta para se ter por demonstrada a justificação da suspensão.
E o oponente sempre poderá vir a incorrer nas sanções previstas para a litigância de má fé, caso a sua história se não venha a confirmar e se verifiquem os demais pressupostos desse instituto previstos no artigo 456.º do C.P.C..

Estão, portanto, cumpridos, in casu, os dois requisitos cumulativos que o n.º 1 do mencionado artigo 818º previu, em ordem ao deferimento da suspensão da execução: 1) a impugnação da assinatura; e 2) a apresentação de documento que constitua princípio de prova.

Razões para que, neste enquadramento fáctico e jurídico, se tenha agora que revogar a douta decisão da 1ª instância, e assim procedendo a Apelação.

Decidindo.
Assim, face a tudo o que fica exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso, revogar o douto despacho recorrido e, em consequência, suspender a execução instaurada.
Custas pela Exequente.
Registe e notifique.
Évora, 18 de Abril de 2013
Mário João Canelas Brás
Jaime Castro Pestana
Paulo Brito Amaral