Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
168/24.0PBSTR.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: ROUBO
COAUTORIA
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Quando da alteração não substancial dos factos resulta a condenação pelo crime imputado na acusação – por exemplo pelo crime roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2 alínea b), por referência ao artigo 204º, n.º 1, alínea d), ambos do CP – mas na sua forma simples – no mesmo exemplo, o crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do CP – ou seja, quando apenas se desagravou a imputação, inexiste justificação para se comunicar a alteração, uma vez que o arguido, ao defender-se do crime mais grave ou na forma qualificada, defendeu-se, necessariamente, do crime simples ou menos agravado.
II - O planeamento de um crime por duas ou mais pessoas, constituindo uma decisão conjunta, é da responsabilidade de todos os decisores. E havendo execução por todos do plano previamente traçado, tal execução conjunta, que assume a forma de comparticipação, responsabiliza cada um dos executantes como coautores, assim se delimitando os contornos normativos da coautoria.

III - Não é a inserção sistemática do crime de roubo, no capítulo dos crimes contra o património do Código Penal que, por si só, o define, conquanto estamos na presença de um tipo penal complexo, que tutela simultaneamente vários bens jurídicos, tais como, a liberdade individual, a integridade física, o direito de propriedade e a detenção das coisas que podem ser subtraídas, pelo que o mesmo não deverá excluir-se do conceito de criminalidade violenta e especialmente previsto nas al. j) e l) do CPP, a ter em conta, entre o mais, para a qualificação ope legis das suas vítimas, como vítimas especialmente vulneráveis, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 16.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, 67º-A, n.ºs 1, al. b) e 3 e 82.º-A e do CPP e 1º, alíneas j) e l) do CPP.

III - Não vislumbramos que da conjugação dos artigos 82º-A do CPP e 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro resulte a imposição de notificação do ofendido para, querendo, se opor ao arbitramento de reparação a que tem direito, pois que o nº 2 do artigo 82º-A do CPP apenas obriga ao cumprimento do contraditório relativamente aos arguidos.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correm termos no Juízo Local Criminal de …- Juiz …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 168/24.0PBSTR, foram os arguidos AA, solteiro, nascido a ….2004, filho de … e de …a, natural da freguesia de …, concelho de …, residente na Rua …, em …, BB, solteiro, nascido a … 2001, filho de … e de …, natural da freguesia de …, concelho de …, residente na Praceta …, em …, CC, solteiro, …, nascido a …2006, filho de … e de …, natural da freguesia de …, concelho de …, residente na Praceta …, em … e DD, solteira, …, nascido a ….2004, filha de … e de …, natural da freguesia de …, concelho do …, residente na Urbanização …, no …, absolvidos e condenados da seguinte forma:

- Absolvidos todos os arguidos da prática do crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2 alínea b), por referência ao artigo 204º, n.º 1, alínea d), ambos do Código Penal.

- Condenados todos os arguidos pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do C.P., nas seguintes penas:

a) O arguido AA, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução, por três anos, e sujeita a regime de prova, assente no plano de reinserção social que venha a ser desenvolvido pela DGRSP.

b) O arguido BB, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução, por três anos, e sujeita a regime de prova, assente no plano de reinserção social que venha a ser desenvolvido pela DGRSP.

c) A arguida DD, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade.

d) O arguido CC, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade.

- Condenados todos os arguidos a pagar ao ofendido EE, a quantia de €400,00, como arbitramento de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

***

Inconformados com tal decisão, vieram os arguidos CC e AA interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

(Conclusões do recurso interposto pelo arguido CC)

“1. O âmbito do presente recurso diz respeito a toda a decisão penal, no seu todo, cfr. o disposto no artigo no artigo 402.º, n.º 1, do CP, versando sobre matéria de facto e de direito.

2. O Tribunal a quo condenou o arguido CC pela prática em coautoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade.

3. O Tribunal a quo condenou o arguido CC, em conjunto com os demais coarguidos, AA, BB e DD, solidariamente, a pagar ao ofendido EE, a quantia de € 400,00, como arbitramento de quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos.

4. O Tribunal a quo efetuou uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, pela via da alteração da moldura penal e qualificação jurídica, sem ter notificado os arguidos previamente dessa alteração, não lhes concedendo prazo para defesa, passando de um crime de roubo agravado, p. e p. no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do CP, por referência ao artigo 204.º, n.º 1, al. a), do CP para um crime de roubo, na forma simples, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do CP.

5. Esta alteração não substancial dos factos descritos na acusação, sem ter sido dado o direito ao contraditório legal, constitui uma nulidade da sentença, devendo produzir os efeitos previstos no artigo 122.º do CPP, por terem sido violados os artigos 379.º, al b) e 358.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPP.

6. O arguido CC não é coautor material do crime de roubo, na forma simples, nem na forma imediata (por não ter praticado qualquer violência contra o ofendido EE nem ameaçado contra a sua vida ou integridade física, nem ser o “encarregado da vigilância”) nem de forma mediata (por não ser o “chefe”/“responsável”), não cabendo na previsão do artigo 26.º do CP.

7. Os pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 14 da matéria de facto provada, devem ser considerados como não provados, devido ao ofendido EE ter dito que o arguido CC ter ficado “quieto”, não tendo retirado o telemóvel ao ofendido e também devido às declarações prestadas pelo arguido AA que disse em audiência de julgamento que apenas ele e o arguido BB tiveram intervenção no dia dos factos que constam na sentença.

8. Acresce que, o ofendido EE prestou declarações que comportam incoerências, a destacar o facto de inicialmente dizer que conhece os arguidos apenas de vista e posteriormente concretizar o nome de cada um e ter dito quanto ao arguido CC que tinham uma amizade.

9. Ora, estas inverdades/incoerências e o comportamento tido pelo ofendido EE ao percorrer 230 metros com pessoas que conhecia de vista tem como consequência a descredibilização de parte do seu depoimento.

10. Esta incoerência no discurso do ofendido gera dúvidas razoáveis e inultrapassáveis sobre o que realmente aconteceu no dia da prática dos factos que integrariam o crime de roubo.

11. Sendo estas dúvidas razoáveis e inultrapassáveis, a consequência deve ser a absolvição do arguido CC do crime de roubo, na forma simples, em que foi condenado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do CP, tendo sido violado o princípio do “in dubio pro reo”, uma das vertentes do princípio da presunção da inocência, plasmado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP.

12. Acresce que, o silêncio do arguido CC não o pode desfavorecer, cfr. prescrevem os artigos 343.º, n.º 1 e 61.º, n.º 1, al. d), ambos do CPP.

13. Os requisitos do crime de roubo, na forma simples, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do CP, da intenção dolosa de ilegítima apropriação para si ou para outra pessoa de coisa móvel e a violência contra uma pessoa ou ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física não se encontram preenchidos.

14. Neste sentido, a fundamentação de facto e de direito deve ser alterada para o sentido do nosso recurso, gerando a consequência da alteração da decisão proferida pelo Tribunal a quo de condenação para absolvição do arguido CC do crime de roubo, na forma simples, p. e p. no artigo 210.º, do CP, em que foi condenado.

15. De igual modo, o arguido CC não foi cúmplice neste crime de roubo, na forma simples, por não se verificarem os requisitos previstos no artigo 27.º do CP.

16. Consequentemente, sendo o arguido CC absolvido deste crime de roubo, na forma simples, p. e p. no artigo 210.º, do CP, cuja decisão se impõe ser alterada, terá como consequência necessária a decisão do Tribunal ad quem de absolvição do arguido CC, em conjunto com os demais coarguidos, AA, BB e DD, solidariamente, a pagar ao ofendido EE, a quantia de 400,00 € (quatrocentos euros), como arbitramento de quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos, à luz do disposto no artigo 82.º-A do CPP.

17. Subsidiariamente, caso assim não se entenda quanto à quantia de 400,00 € (quatrocentos euros), deve, pelo menos, a mesma ser fixada em valor inferior ao fixado, atenta a circunstância de não ter sido feita prova em sede de audiência de julgamento do valor exato do telemóvel, cujo valor fixado foi baseado no facto n.º 12 dado como provado, o que foi alegado por nós em sede deste recurso a sua passagem para facto dado como não provado.

18. Subsidiariamente e sem prejuízo do que foi dito anteriormente, por mera cautela de patrocínio, a medida concreta da pena aplicada ao arguido CC de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída por 420 horas de trabalho a favor da comunidade foi excessiva.

19. Face ao que ficou provado, isto é, a atitude claramente passiva de ficar “quieto” do arguido CC leva a crer que o mesmo teve uma intervenção no máximo diminuta (no nosso entendimento zero!) a ausência de antecedentes criminais do arguido CC, o apoio familiar que tem e tendo em vista as finalidade de reinserção social do arguido da sociedade, para fins laborais e/ou estudos, a pena mais adequada para o arguido corresponde a 1 (um mês) de prisão, substituída por 30 horas de trabalho a favor da comunidade.

20. Esta situação justifica-se à luz do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro e também de acordo com os artigos 73.º, 58.º e 45.º, todos do CP.

21. Com efeito, a decisão que impõe ser alterada e proferida pelo Tribunal ad quem quanto ao arguido CC é a absolvição da prática em coautoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade e a absolvição, em conjunto com os demais coarguidos, AA, BB e DD, do pagamento, em regime de solidariedade, ao ofendido EE da quantia de € 400,00, como arbitramento de quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos. (…)”.

(Conclusões do recurso interposto pelo arguido AA)

“I. O presente recurso vai interposto da Sentença proferida pelo Tribunal «a quo», e versa sobre a matéria direito;

II. O Recorrente vinha acusado de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204º, n.º1, alínea a), ambos do Código Penal, porém no dia da leitura da sentença foi notificado para se pronunciar sobre uma possível reparação dos prejuízos que viesse a ser fixada pelo Tribunal, uma vez que vinham acusados da prática de um crime de roubo;

III. O Recorrente pronunciou-se alegando que

“... o arbitramento oficioso de quantia para reparação à vítima, nos termos do artigo 82.º-A do CPP, acarreta a notificação da vítima informando-a que, não sendo deduzido pedido de indemnização civil, caso não se oponha expressamente, deverá ser arbitrada à vítima uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, o que não sucedeu nos presentes autos. (...) que o crime de roubo, não é um crime de criminalidade violenta, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 1, alínea j) do CPP.”

IV. O Tribunal “a quo” julgou a acusação procedente e condenou o Recorrente pela prática em coautoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do C.P. e, solidariamente com os demais arguido, a pagar ao ofendido EE, a quantia de €400,00, como arbitramento de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos;

V. O Recorrente discorda do entendendo de que o crime de roubo, p.p. pelo art.º 210.º do C.P integra o conceito de "criminalidade violenta";

VI. O artigo 1.º al. j) do CPP identifica por criminalidade violenta “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos”.

VII. A "criminalidade violenta" refere-se a crimes puníveis com pena máxima superior a 5 anos e que se dirijam contra: a vida; a integridade física; a liberdade pessoal; a liberdade e autodeterminação sexual; ou autoridade pública,

VIII. e não a crimes contra o património, pelo que fica arredada a possibilidade de classificação do crime de roubo como integrando a "criminalidade violenta".

IX. O crime de roubo, p.p. pelo art.º 210º do CP, está integrado no Capítulo dos crimes contra o património, engloba-lo nos crimes contra as pessoas corresponde a uma qualificação que determina um tratamento desfavorável, não podendo por isso tal suceder sem lei expressa anterior;

X. O art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa, bem como o art.º 1.º nºs 1 e 3 do Código Penal, proíbem a incriminação sem lei expressa anterior;

XI. Não só este princípio constitucional não permite a inclusão do crime de roubo num capítulo em que não se encontra, como o n.º 2 do art.º 9.º do Código Civil exclui de todo aquela interpretação.

XII. A interpretação do art.º 210º do CP que, cotejado com o art.º 1º do CPP, permite englobar as situações punidas pelo citado art.º 210º na criminalidade violenta, quando a respetiva definição é restrita a crimes contra as pessoas, viola o disposto no art.º 29º da Constituição da Republica Portuguesa.

XIII. Acresce ainda que, o arbitramento oficioso de quantia para reparação à vítima, Porém, nos termos do artigo 82.º-A do CPP, implica a notificação da vítima informando-a que, não sendo deduzido pedido de indemnização civil, caso não se oponha expressamente, poderá ser-lhe arbitrada uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos;

XIV. Nos presentes autos o Tribunal “a quo” não determinou a notificação da vítima, dando-lhe a conhecer que, caso não se opusesse expressamente, ser-lhe-ia arbitrado oficiosamente uma quantia a título de reparação,

XV. E, ainda assim, sem ter dado à vítima a oportunidade de se poder opor, decidiu arbitrar quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

XVI. Atento ao que supra se deixou dito, mal andou o Tribunal “a quo” ao arbitrar quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, e condenar o Recorrente a pagar essa quantia ao ofendido.

NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS (art.º 412º, nº 2, alínea a), do CPP)

Considerando os fundamentos que supra se expõem deverá ser revogada a Sentença sob censura, na parte recorrida, por terem sido violados:

a) o artigo 29º da Constituição da República Portuguesa b) o artigo 1º n.ºs 1 e 2; art.º 210.º, ambos do Código Penal

c) o artigo 1 al. j); artigo 82-A, ambos do Código de Processo Penal (…)”.

*

Os recursos foram admitidos.

Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência dos recursos e pela consequente manutenção da sentença recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(Conclusões da resposta do Ministério Público ao recurso interposto pelo arguido CC)

“1. A correção de um lapso na qualificação jurídica em sede de sentença visa corrigir erros materiais na aplicação da lei à matéria de facto apurada nos autos, designadamente um erro manifesto, isto é, um erro facilmente identificável e que não depende de uma interpretação da lei. Por exemplo, uma referência errada a uma norma legal.

2. Não se verificando uma alteração jurídica da qualidade dos factos, isto é, uma divergência do juiz sobre a subsunção jurídica dos factos, não é de aplicar o disposto no artigo 358º do CPP, não tendo de existir qualquer comunicação e concessão, a pedido, de prazo para preparação de defesa.

3. Assim, bem andou o Tribunal “a quo”, aquando da prolação de sentença, ao referir a este respeito: “Aos arguidos é imputada, em coautoria, a prática de um crime de roubo agravado, previsto no artigo 210.º, n.º 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 1 alínea a) do CP. […] certamente por lapso, se referiu a alínea a) do n.º1 do art.º 204.º, uma vez que este se refere à subtração de coisa de valor elevado, o que é correspondente a €5.100,00. Face à descrição dos factos, e nomeadamente a referência ao facto do ofendido ser portador de uma incapacidade de 60%, entendemos que se pretendeu antes dizer alínea d) da referida disposição legal. O que será considerado.”

4. Devendo assim ser julgada improcedente a nulidade invocada pelo recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 379º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Penal.

5. Por seu turno, a decisão da matéria de facto está bem fundamentada e a prova produzida em julgamento não é geradora de dúvida, inexistindo qualquer violação do princípio in dubio pro reo.

6. Efetivamente, se o Tribunal considerou que da prova produzida resultou ter o recorrente praticado os factos que lhe foram imputados em sede de acusação, conjuntamente com os demais arguidos, assumindo assim a qualidade de co-autor, isto é, que todos os arguidos “[….]agiram levando à prática um acordo que, previamente, haviam celebrado, em comunhão de esforços e união de intentos, no propósito concretizado de fazer seu o telemóvel que o ofendido trouxesse consigo, sabendo que este não lhes pertencia e cientes que contrariavam a vontade deste, seu proprietário. Tanto assim é que, apesar da iniciativa em chamar o ofendido ter sido do arguido BB, todos se juntaram ao mesmo, e todos ajudaram no constrangimento do ofendido, na entrega do telemóvel. Todos se juntaram ao arguido BB e todos rodearam o ofendido, no momento em que lhe estava a ser pedido o telemóvel. Todos participaram nesta intimidação e todos abandonaram o local no momento em que é feita a entrega do telemóvel […].

7. Tal sucedeu, precisamente, porque a interpretação dos depoimentos prestados em audiência interpretados à luz das regras da experiência comum e da lógica e, bem assim, quando conjugados com todos os demais elementos de prova já constantes dos autos, permitiram formar ao Tribunal a convicção de que os factos ocorreram conforme vinha descrito na acusação.

8. Donde, no que concerne a crítica do arguido à impugnada sentença quanto à decisão de dar como assente a factualidade descrita na acusação, o mesmo mais não pretende do que, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova, fazer prevalecer aquilo que entende que deveria ter sido dado como não provado – a sua não participação no sucedido -, a partir de uma sua pessoal interpretação dos factos trazidos à apreciação do tribunal.

9. É certo que o princípio da livre apreciação da prova não se confunde, de modo algum, como já referido, com livre arbítrio ou plena discricionariedade na apreciação da prova.

10. Mas também é um facto que uma modalidade de ponderação discricionária da prova é a utilizada pelo recorrente -, ao branquear o facto de o ofendido ter declarado, com relevo para a participação do recorrente na factualidade em julgamento, que “[…] apareceram os outros, foram a andar para trás da rodoviária. Fizeram uma roda e ficou no meio […] “e não só que o recorrente ficou quieto no sentido de não ter sido ele a retirar-lhe o telemóvel -, em lugar de proceder a uma análise objectiva e a uma crítica imparcial e contextualizada desses elementos de prova, análise que, pelas razões aduzidas na fundamentação, à luz das regras da experiência comum, foi decisiva para formar a convicção do tribunal, quer quanto à prática dos factos quer quanto à posição de co-autor por parte do arguido, a qual não merece assim qualquer reparo.

11. Ademais, no caso vertente, não tendo sido formulado pedido de indemnização cível pelo ofendido e não tendo também o Ministério Público requerido que fosse arbitrada indemnização à vítima pelos danos sofridos, atendendo ao disposto no 82.º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal e ao disposto no artigo 16º da Lei 130/2015 de 04/09, perante uma vítima especialmente vulnerável, como era o caso (por ser vítima de criminalidade especialmente violenta) estava o julgador obrigado a fixar tal indemnização não sendo necessário, dada a dita vulnerabilidade, que estejam verificadas as particulares exigências de protecção mencionadas no art.º 82 .A do C.P.P.

12. Nessa medida, sendo o arguido condenado pela prática do crime de roubo julgado, impunha-se também, forçosamente, a respectiva condenação no pagamento de uma indemnização à vítima pelos danos sofridos.

13. Nessa medida e para a decisão colocada em crise, foi tido em consideração que o comportamento dos arguidos provocou danos patrimoniais, ficando o ofendido sem o telemóvel, no valor de €300,00, e danos não patrimoniais, referentes ao medo/temor que lhe foi causado, não correspondendo desde logo, e bem, o valor arbitrado, tão e somente ao valor conferido ao telemóvel subtraído.

14. Sem prejuízo, sempre se diga, a respeito do valor do telemóvel, que no caso concreto, o valor considerado em sede de sentença como correspondendo ao valor do telemóvel à data da subtração, foi particularmente favorável aos arguidos, i.e., teve em conta o valor declarado de venda a terceiros, por parte dos mesmos, único valor que se conseguiu apurar e, por isso, nessa medida, atendido, por não ter suscitado dúvidas quanto à sua veracidade (ao arrepio de outros factos por estes transmitidos), face ao valor conferido pelo denunciado, em sede de inquérito, no montante de € no valor de € 724, 99, plasmado na acusação, que não se logrou confirmar, desde logo, por declarações do próprio.

15. Considerando-se isento de crítica, assim, o montante da reparação fixada.

16. Por fim, avultam da sentença recorrida, com clareza evidente, os critérios que determinaram a escolha da medida concreta da pena.

17. Donde, considerando as circunstâncias do caso concreto, à luz dos critérios dos artigos 40.º e 71.º do CPenal, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade, mostra-se justa e equilibrada.

18. Não enferma, assim, a sentença de qualquer dos vícios invocados.

Deste modo, deverá tal sentença ser mantida nos seus precisos termos.

(Conclusões da resposta do Ministério Público ao recurso interposto pelo arguido AA)

“1. Por douta sentença proferida em 13.02.2025, que condenou o arguido AA, pela prática em coautoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do C.P. na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução, por três anos, e sujeita a regime de prova, decidiu o Tribunal “a quo” condenar o recorrente, bem assim, a, solidariamente com os demais arguidos, pagar ao ofendido EE a quantia de €400,00, como arbitramento de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

2. Isto, na sequência de exercício do contraditório pelo recorrente, assegurado ao abrigo do disposto no artigo 82-A, do Código de Processo Penal, sendo que, a propósito do alegado por este, considerou não lhe assistir razão, decidindo que:“[….] O crime de roubo previsto no n.º 1 do art.º 210.º do CP, integra o conceito de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta, porque é punido com pena de prisão até 8 anos - cf. art.º 1, alínea j) e l) do CPP. Como tal, as suas vítimas consideram-se “vítimas especialmente vulneráveis”, por força do nº 3 do art.º 67º-A do C.P.P.. […] ”, e que“[…] O art.º 82.º A do CPP, apenas obriga ao cumprimento do contraditório no que respeita aos arguidos. Não faz depender a fixação da reparação dos prejuízos, da notificação do ofendido. Assim é, porque a sua fixação decorre da lei, sendo obrigatória. Logo não existindo da sua parte oposição, o Tribunal tem obrigatoriamente que a fixar […].”.

3. Não se conformando com esta decisão, veio o recorrente apresentar recurso alegando, em suma, discordar do entendimento de que o crime de roubo, p.p. pelo art.º 210.º do C.P integra o conceito de "criminalidade violenta", por se tratar de um crime contra o património. E, ainda, pugnando pela necessidade prévia de notificação da vítima para arbitramento oficioso de quantia para reparação à mesma, donde, considerando que ao não ter dado à vítima a oportunidade de se poder opor, decidindo arbitrar quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, mal andou o Tribunal “a quo”, assim violando, tal sentença, o artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, o artigo1ºn.ºs1e2eoartigo 210.º,ambosdoCódigo Penal e ainda, o artigo 1 al. j) e o artigo 82-A, ambos do Código de Processo Penal.

4. Ao contrário do defendido pelo recorrente, é entendimento incontestado que o crime de roubo é um crime complexo, na medida em que o seu autor viola não só um bem jurídico patrimonial-através do furto, que é o crime fim -, mas ainda um bem jurídico eminentemente pessoal - pois que põe em causa a liberdade, integridade física ou até a vida da pessoa do ofendido através do crime meio que é a violência -, característica esta, aliás, que se apresenta de maior relevo do que a ofensa do bem patrimonial e que verdadeiramente o distingue do crime de furto.

5. Por sua vez, nos termos do artigo 1º, als. j) e l) do Código de Processo Penal, é considerado como constituindo “criminalidade violenta as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos”. E, como “criminalidade especialmente violenta as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos”.

6. Donde, uma vez que o crime de roubo previsto no artigo 210º, nº1 do Código Penal é uma conduta que dolosamente se dirige contra a integridade física e contra a liberdade pessoal e é punido com uma pena de prisão até 8 anos, o mesmo integra claramente o conceito de criminalidade especialmente violenta.

7. Isto posto, temos que, nos termos do disposto no artigo 67º-A, nº 1, al. b) do C.P.P., considera-se “Vítima especialmente vulnerável, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social”, sendo que, o nº 3 prevê que “as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1”.

8. Sendo, consequentemente, a vítima do crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1 do C.P. considerada uma vítima especialmente vulnerável, falecendo assim a argumentação do Recorrente.

9. No que respeita à necessidade de notificação da vítima para arbitragem de indemnização, temos que, da conjugação do artigo 82.º-A, n.º 1, do Código de Processo Penal com o artigo 16º da Lei 130/2015 de 04/09 (na redacção da Lei 45/2023 de 17/08) decorre que, não tendo sido formulado pedido de indemnização cível pelo ofendido e não tendo também o Ministério Público requerido que fosse arbitrada indemnização à vítima pelos danos sofridos, atendendo às referidas disposições legais, perante uma vítima especialmente vulnerável - como era o caso por se tratar de vítima de criminalidade especialmente violenta - estava o julgador obrigado a fixar tal indemnização não sendo necessário, dada a dita vulnerabilidade, que estejam verificadas as particulares exigências de protecção mencionadas no art.º 82 .A do C.P.P.

10. Porém, ao contrário do propugnado pelo Recorrente, tal fixação não se encontra dependente do exercício do contraditório por parte da vítima, mas tão só por parte do arguido, a este contraditório se referindo o n.º 2 do aludido artigo 82º-A, do Código de Processo Penal.

11. Efectivamente, nos casos em que a condenação em indemnização civil ocorre sem que exista tal pedido, o arguido terá que ter conhecimento, previamente à condenação, da possibilidade de lhe vir a ser imposto o pagamento de uma indemnização ao lesado, isto porque não pode ser surpreendido com uma decisão que não estava no seu horizonte poder acontecer.

12. Donde, quando o julgador conclua que pode sobrevir a condenação em indemnização, nos termos do nº 1 do art. 82º-A, do C.P.P., terá que informar o arguido dessa possibilidade e dar-lhe, consequentemente, o direito de se pronunciar, conforme sucedeu, no caso concreto, tendo o recorrente sido notificado e tendo tido a oportunidade de apresentar as suas objeções e argumentos.

13. Já no que toca à vítima, basta que a mesma não tenha renunciado expressamente à sua atribuição, isto é, a lei não exige que a vítima seja ouvida, mas sim que sua oposição seja expressa.

14. A vítima não precisa ser ouvida para que o artigo seja aplicado, mas a sua oposição expressa é suficiente para que a medida não seja aplicada, o que é algo diverso e não aconteceu in casu, andando bem o Tribunal a quo na respectiva arbitragem.

15. Em suma, não assiste razão ao recorrente na questão suscitada em sede de recurso.

16. Pelas razões supra expostas, entende-se que deverá o recurso interposto ser julgado improcedente e ser a douta sentença recorrida mantida nos seus precisos termos.”

*

O Exmº. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da reiteração dos argumentários expostos nas respostas apresentadas pelo Ministério Público junto da primeira instância, que deu por integralmente reproduzidos.

*

Não tendo sido aduzidos novos argumentos no parecer do Ministério Público junto desta Relação, não houve lugar ao cumprimento do disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelos recorrentes das respetivas motivações, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir:

A) - Determinar se a sentença recorrida é nula nos termos do artigo 379º nº 1 al. b) do CPP, por violação do disposto no artigo 358º nºs 1 e 3 do CPP, atenta a falta de comunicação da alteração não substancial dos factos.

B) Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, em desrespeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP e com violação do princípio do “in dúbio pro reo”. - Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de direito por:

a) Errada qualificação jurídica dos factos, ou seja, em virtude de os factos provados não integrarem os elementos da coautoria do crime de roubo pelo qual o recorrente CC foi condenado.

b) A determinação concreta da pena aplicada ao recorrente CC ter sido feita com violação dos princípios da legalidade e da adequação.

d) Não terem sido respeitados os requisitos do arbitramento de reparação às vítimas.

e) Ter sido aplicada uma dimensão normativa do conceito de criminalidade violenta que se revela inconstitucional.

* II.II - A decisão recorrida.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que deu como provados e não provados, com relevo para a apreciação da situação dos arguidos recorrentes, os seguintes factos:

“1. No dia 20.02.2024, cerca das 17H00m, EE encontrava-se apeado, junto do terminal da Rodoviária …, sito na Avenida …, em …

2. Nesse momento foi abordado pelo arguido BB, que o chamou, dizendo que precisava falar consigo.

3. Após se dirigir ao arguido BB, aproximaram-se os outros arguidos, e foram a andar para trás da rodoviária.

4. Nessas circunstâncias de tempo, modo e lugar, já na Rua …, em …, os arguidos rodearam EE, que ficou no meio.

De igual modo, e concomitantemente,

5. O arguido AA ordenou-lhe, com foros de seriedade, que lhe entregasse o telemóvel, afirmando, “Dá-me o telemóvel, se abrires a boca corto-te o pescoço”.

6. Perante o que, EE, vendo-se impossibilitados de reagir e por temer pela sua integridade física, obedeceu, entregando assim a AA o telemóvel que trazia consigo, da marca “…”, modelo “…”, com o IMEI …, com valor de pelo menos €300,00.

7. Posto o que, os arguidos se afastaram apeados, não tendo o telemóvel sido recuperado.

8. Os arguidos atuaram, levando à prática um acordo que, previamente, haviam celebrado, em comunhão de esforços e união de intentos, no propósito concretizado de fazer seu o telemóvel que o ofendido trouxesse consigo, sabendo que este não lhes pertencia e cientes que contrariavam a vontade deste, seu proprietário.

9. Mais sabiam que a abordagem do ofendido, nos moldes descritos, era uma atuação idónea a fazê-lo recear pela sua integridade física, sendo que, quiseram agir desse modo justamente com o propósito de, atemorizando-o, anular qualquer resistência por parte deste, às suas ilegítimas pretensões, e constrangê-lo assim como conseguiram, a entregar o telemóvel que quiseram fazer seu.

Efetivamente,

10. Não fora a atitude de rodear aquele e a exigência da entrega do telemóvel, deixando no ar a possibilidade de ocorrerem agressões físicas caso tal não acontecesse e aquele não teria entregue o telemóvel de que os arguidos se apoderaram.

11. Agiram todos de forma livre, consciente e voluntária, sabendo que a sua conduta era prevista e proibida por Lei.

Mais se provou que:

12. O telemóvel foi vendido, no próprio dia, pelo valor de €300,00.

13. O ofendido tem uma incapacidade permanente global de 60%.

14. Não manifestaram os arguidos qualquer arrependimento.

Das condições económicas e pessoais:

15. AA:

a) AA à data dos factos integrava, como na atualidade, o agregado familiar de origem composto pela companheira DD, 20 anos, …, pela mãe …, 39 anos, atualmente …, pelo padrasto …, 46 anos, …, e pela irmã uterina, … de quatro anos de idade, a quem foi diagnosticada doença …, encontrando-se em tratamento no ….

b) A família habita uma pequena casa térrea, arrendada, de construção antiga, dispondo de infraestruturas básicas e de condições adequadas de habitabilidade.

c) À sua infância e adolescência encontram-se associados fatores desestabilizadores, nomeadamente ao nível sociofamiliar e educativo, uma vez que a este respeito se verificou alguma permissividade e falta de controlo perante os comportamentos de reatividade e oposição protagonizados pelo arguido, sobretudo em contextos mais estruturados com necessidade de cumprimento de regras e obrigações, nomeadamente em termos escolares e familiares.

d) O anterior condicionou por parte do arguido a adoção de um estilo de vida autónomo na gestão do seu quotidiano, com algumas rotinas diárias desadequadas e integração em grupo de pares também com problemas de comportamento.

e) Em termos do acompanhamento educativo verificou-se elevada permissividade e falta de controlo parental, o que condicionou a adoção por parte do arguido, durante a sua adolescência, de um estilo de vida autónomo na gestão do seu quotidiano, com algumas rotinas diárias desadequadas e integração em grupo de pares com alguns comportamentos problemáticos.

f) AA iniciou o consumo de haxixe no inicio da sua adolescência e mais tarde o consumo de cocaína, que manteve durante cerca de dois anos e condicionou o seu contacto com outros jovens a quem são reconhecidas atividades ilícitas, consumo de produtos estupefacientes e também com processos judiciais pendentes.

g) O anterior condicionou também o seu contacto precoce com o sistema de justiça nomeadamente no âmbito da Lei Tutelar Educativa e de Promoção e proteção. Nesta sequencia em julho de 2021 deu entrada por decisão judicial na Comunidade Terapêutica …, em …, onde se manteve até março de 2022, até atingir a maioridade. Durante o período de permanência na referida comunidade terapêutica, a situação evoluiu positivamente, correspondendo e colaborando em termos da terapia a que se encontrou sujeito.

h) Após saída da comunidade terapêutica iniciou acompanhamento na Equipa de Tratamento do Centro do Respostas Integradas do … (antigo CAT de …), onde compareceu a algumas consultas. Por sua iniciativa e por considerar já não ser necessário abandonou o referido acompanhamento clinico.

i) Em termos escolares AA registou um percurso instável, do qual se salientam várias retenções escolares, verificadas no quinto ano de escolaridade, que nunca chegou a concluir embora os vários anos de frequência consecutivos.

j) Atendendo ao fraco sucesso e desmotivação apresentada pelo arguido ao nível da sua inserção no ensino regular, foi encaminhado para o ensino profissionalizante. Iniciou na … de …, em setembro de 2020 a frequência do curso de formação profissional de ajudante de …, com duração de 2900 horas, que na sua conclusão lhe concedia habilitação profissional, mas que abandonou tendo em vista dar início ao percurso profissional, ambicionando alguma autonomia financeira.

l) Iniciou o percurso profissional em meados de 2022 como … na empresa “…” em …, recrutado através de empresa de trabalho temporário “…”, onde se manteve apenas durante poucos meses. Tem realizado trabalhos rurais e na área da construção civil. Encontra-se atualmente a trabalhar como …, auferindo cerca de € 900,00 mensais.

m) Conta com o apoio da mãe e padrasto, os quais são responsáveis pela totalidade das despesas inerentes à sua subsistência, durante os períodos em que se encontra desempregado.

n) Contribui para o sustento da família com cerca de € 200,00 mensais.

o) Socialmente o arguido dispõe de uma imagem pouco favorável, atendendo ao convívio regular com outros jovens a quem são apontados comportamentos desajustados socialmente e com contactos com o sistema de justiça, não obstante verificar-se um esforço da sua parte em manter um padrão de comportamento enquadrado com as regras vigentes, nomeadamente em termos ocupacionais.

p) Relativamente ao eventual consumo de produtos estupefacientes por parte do arguido na atualidade, consome apenas canábis, comportamento que minimiza e relativiza.

(…)

17. CC:

a) O arguido vive com os progenitores, que são …. Tem um irmão mais velho, autónomo do agregado, com o qual mantém relação de proximidade.

b) O arguido tem o 6.º ano de escolaridade. Frequentou até há aproximadamente seis meses atrás um curso de formação no …, contudo, desistiu por não se identificar com o conteúdo programático, encontrando-se em abandono escolar. O arguido pretende integrar curso de formação para maiores de 18 anos, após completar a maioridade.

c) Nunca esteve empregado.

d) Valor dos rendimentos líquidos do agregado: 1975,00€ mensais. Têm como despesas de habitação 312.00€ mensais, pagam de credito bancário 305,00€ mensais e 1.000€ mensais (água, luz, gás, tv/net e condomínio e alimentação)

e) Ocupa os seus tempos livres no convívio com a família, pais e irmão, porém, e devido ao tempo que permanece em casa, ultimamente também se tem ocupado jogos de computador.

(…)

Dos Antecedentes criminais:

19. O arguido CC e DD, não têm antecedentes criminais.

*

20. AA foi julgado e condenado:

a) Processo n.º 51/21.1 …, JLCriminal de …, J…, decisão proferida em 16.06.2021, transitada 29.09.2021, factos de 31.05.2021, crime de condução sem habilitação legal, pena de 60 dias de multa, à taxa de €5,00. Pena extinta 16.04.2023.

b) Processo n.º 528/21.9…, JLCriminal …, J…, decisão proferida em 07.12.2022, transitada 02.02.2023, factos de 23.07.2021, pela prática de um crime de furto e de condução sem habilitação legal, na pena única de 155 dias de multa, à taxa de €5,00.

c) Processo n.º 5/21.8…, JLCriminal …, J…, decisão proferida em 16.12.2022, transitada 30.01.2023, factos de 02.02.2021, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 50 dias de multa, à taxa de €5,00. Extinta em 11.12.2023, por amnistia.

d) Processo n.º 41/23.0…, JLCriminal …, J…, decisão proferida em 11.07.2024, transitada 10.09.2024, factos de 28.08.2023, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa de €5,00.

21. BB, foi julgado e condenado:

a) Foi condenado no processo sumaríssimo n.º 471/19.1…, Juízo Local Criminal de …, J…, por factos de 09.06.2019, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, por decisão de 12.01.2021, transitada 12.01.2021, na pena de 90 dias de multa, à taxa de €450,00.

Extinta em 28.02.2022

b) Processo n.º 5/21.8…, JLCriminal …, J…, decisão proferida em 16.12.2022, transitada 30.01.2023, factos de 02.02.2021, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 50 dias de multa, à taxa de €5,00. Extinta em 11.12.2023, por amnistia.

c) Processo n.º 51/23.7…, JLCriminal …, J…, decisão proferida em 09.05.2024, transitada 11.06.2024, factos de 16.01.2023, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução, por 3 anos, sujeita a regime de prova.

Matéria de facto não Provada

Da acusação:

A. O ofendido foi abordado por todos os arguidos, tendo um deles, designadamente o arguido AA, pedido a este para o acompanhar, a fim de conversarem num sítio mais sossegado, o que fez.

B. No momento referido em 4 os arguidos assumiram uma pose agressiva.

C. Dizendo ainda, “Se eu souber que abres a boca vou atrás de ti ao condomínio”, referindo-se ao local onde EE reside.

D. O telemóvel referido em 6 tinha o valor de € 724, 99 (setecentos e vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos).

E. Os arguidos saíram depois em direção ao Largo ….

F. Os arguidos sabiam que o ofendido EE era portador de uma incapacidade de 60%,

G. Foi feita referência à posse de uma faca.

***

II.III - Apreciação do mérito do recurso.

A) Da invocada nulidade da decisão recorrida decorrente da falta de comunicação da alteração não substancial dos factos, nos termos previstos no artigo 358º, nºs 1 e 3 do CPP. A questão da alteração ou modificação dos factos ou da sua qualificação jurídica em fase de julgamento tem vindo a ser debatida ao longo de vários anos – tendo sido, inclusive, objeto de jurisprudência fixada pelo STJ – e prende-se diretamente com temas fundamentais do processo penal, designadamente o do seu fim e o das garantias de defesa do arguido. Conforme se consignou com toda a clareza no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 7/2008, de 25.06.20081 “(…) O objecto do processo é o objecto da acusação, o qual se mantém até ao trânsito em julgado da sentença, protegendo o arguido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do tribunal, assegurando os direitos ao contraditório e à audiência, direitos essenciais à defesa do arguido e à democraticidade do processo penal, que se traduzem no direito de o arguido ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte [alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º do Código de Processo Penal], bem como no direito a que todos os actos e procedimentos processuais, na fase de julgamento, sejam susceptíveis de oposição e de discussão, o que implica uma efectiva participação neles, com possibilidade de os discretear, mediante a apresentação de razões e argumentos de facto e de direito.

A vinculação do tribunal, porém, quer no que concerne aos factos descritos na acusação quer no que tange ao enquadramento jurídico dos mesmos ali operado, não é absoluta.[…] É através do instituto denominado da alteração dos factos, instituto previsto nos artigos 358.º e 359.º, do Código de Processo Penal, que se estabelece e regula a possibilidade de alteração dos factos descritos na acusação e na pronúncia, bem como a alteração da sua qualificação jurídica. [...] Prevê a lei, ainda, a possibilidade de alteração da qualificação jurídica, situação em que, não ocorrendo alteração factual, se verifica, porém, necessidade de modificar a qualificação jurídica que na acusação ou na pronúncia se atribuiu aos factos nas mesmas descritos, situação que o legislador entendeu submeter ao regime aplicável à alteração não substancial dos factos — n.º 3 do artigo 358.º” [...] Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o legislador entendeu dever tomar posição perante as diversas posições doutrinais e jurisprudenciais assumidas, tendo consagrado, por via de aditamento de um número ao artigo 358.º, o 3, a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário à preparação da defesa, ressalvando os casos em que a alteração derive de alegação feita pela defesa — n.º 2 do artigo 358.º(…)”

Dispõe atualmente o artigo 358º do CPP nos seguintes termos: “Artigo 358.º Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia 1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. 2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa. 3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”

A concreta questão que o recorrente CC parece pretender trazer à nossa análise nos presentes autos, a propósito da temática da alteração não substancial dos factos na sentença, será a de saber se a sua condenação pela prática, em coautoria, de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do CP, num processo em que o mesmo se encontrava acusado da prática, em coautoria, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2 alínea b), por referência ao artigo 204º, n.º 1, alínea d)2, ambos do CP, sem que tivesse dado dado cumprimento ao disposto no artigo 358º do CPP, acima transcrito, constitui uma nulidade da sentença. Dito de outra forma, importa apreciar se a situação processual descrita consubstanciou uma alteração dos factos e da sua qualificação jurídica processualmente relevante e determinante do cumprimento do regime previsto no artigo 358º, nºs 1 e 3 do CPP. Concluindo-se pela resposta afirmativa a tal questão, importaria ainda apurar qual a consequência jurídico-processual que deveria ser assacada ao incumprimento do referido regime.

Nas suas alegações de recurso, considera o arguido que a sentença recorrida enferma do vício de nulidade em virtude de ter alterado a qualificação jurídica constante da acusação, afastando a qualificação de roubo agravado e condenando os arguidos pela prática de um crime de roubo na sua foram simples sem ter dado cumprimento ao regime legal estabelecido pelo artigo 358º, nºs 1 e 3 do CPP, afirmando, concretamente que “sem pré-aviso, o Tribunal a quo efetua uma alteração não substancial dos factos ao condenar o arguido CC, pelo crime de roubo, na forma simples, à luz do disposto no artigo 210.º, n.º 1, do CP. 10.º Ora, o tribunal a quo não notificou os arguidos desta alteração não substancial dos factos descritos na acusação, incumprindo assim o disposto nos artigos 358.º, n.ºs 1 e 3 e 379.º, al b), ambos do CPP, pelo que a sentença é nula nesta parte, em virtude de pôr em causa o direito à defesa do arguido CC, devendo produzir os efeitos previstos no artigo 122.º do CPP.” Mas não lhe assiste, de todo, razão. Para além da ressalva ínsita no n.º 2 do artigo 358º, tem vindo a estabelecer-se o entendimento, que subscrevemos, de que existem outras situações em que se não justifica prevenir o arguido da alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica, tendo em conta que tal instituto visa assegurar as suas garantias de defesa.

Conforme expressamente refere o Conselheiro Henriques Gaspar3 “Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos [o n.º 3 do artigo 358.º foi aditado pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto], o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República Portuguesa (…) consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado (…) Assim e atenta a ratio do instituto, vem-se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido – artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder-lhe prazo para preparação de defesa”.

Assim, quando da alteração resulta a condenação pelo crime imputado na acusação, mas na sua forma simples, ou seja, quando apenas se desagravou a imputação, inexiste justificação para se comunicar a alteração, uma vez que o arguido, ao defender-se do crime mais grave ou na forma qualificada, defendeu-se, necessariamente, do crime simples ou menos agravado. Aqui chegados e retomando a questão que concretamente nos ocupa, cabe perguntar se, encontrando-se o recorrente acusado pela prática de um crime de roubo agravado, a sua condenação, pelos factos que resultaram provados – que são apenas parte dos que constavam da acusação – qualificados como um crime de roubo na sua forma simples, consubstanciou uma alteração não substancial de factos e da sua qualificação jurídica processualmente relevante e determinante do cumprimento do regime previsto no artigo 358º, nºs 1 e 3 do CPP. E a resposta, em nosso entender, não poderá deixar de ser negativa. De facto, seguindo de perto o entendimento que, de forma praticamente consensual, tem vindo a ser delineado na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, entendemos que o critério para determinar se se impõe ou não a comunicação da alteração não substancial de factos e/ou da sua qualificação jurídica, nos termos estabelecidos pelo artigo 358º, nºs 1 e 3 do CPP, deverá ser o da salvaguarda das garantias de defesa do arguido, no sentido de dever ser feita tal comunicação apenas se o direito de defesa sair afetado com a alteração. Dito de outro modo, a alteração não substancial dos factos, na qual se inclui a alteração da qualificação jurídica, terá de ser jurídico penalmente relevante, o que pode ocorrer se tiver reflexos ao nível da tipicidade, se for distinto o juízo de valoração social ou se puder influir desfavoravelmente na determinação da pena aplicar. Ora, na situação em análise no presente recurso, não temos dúvida que a alteração da qualificação jurídica operada pela juiz do julgamento, que decorreu da falta de prova do facto constante da acusação que imporia a agravação4, foi jurídica e processualmente irrelevante, desde logo porquanto implicou a condenação por um tipo penal com juízo de censura menos agravado, com inevitáveis reflexos ao nível da medida concreta da pena que beneficiou o recorrente. O mesmo é dizer que o Tribunal exerceu legitimamente a sua liberdade para qualificar juridicamente os factos constantes da acusação que se provaram em julgamento, não tendo prejudicado a defesa, pelo que se não justificava o recurso ao regime previsto pelo artigo 358º, nºs 1 e 3 do CPP. Resta, pois, concluir que ao condenar o recorrente pela prática do crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do CP, e não pela prática do crime roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2 alínea b), por referência ao artigo 204º, n.º 1, alínea d), ambos do CP, pelo qual se encontrava acusado, sem que tivesse sido efetuada a comunicação àquele da alteração não substancial dos factos a que se reporta o artigo 358º do CPP, a sentença recorrida não enferma do vício de nulidade5, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. b), do CPP.

* B) Do invocado erro de julgamento da matéria de facto

Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação encontram-se expressamente consignados no artigo 428.º do CPP, dispondo o mesmo que “As Relações conhecem de facto e de direito”. Importa ter presente que no caso dos recursos sobre a matéria de facto, ao tribunal de recurso não cabe julgar novamente, devendo respeitar a liberdade de apreciação da prova que o legislador concedeu ao “juiz a quo”.

No presente recurso encontra-se impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, invocando-se, assim, a existência de um erro de julgamento. O erro de julgamento – que deverá ser invocado através da impugnação da matéria de facto em sentido amplo, com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 46 – ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

Para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação de mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis. Tal liberdade de apreciação da prova assenta em pressupostos valorativos e obedece aos critérios da razão, da lógica, da experiência comum e dos conhecimentos científicos disponíveis, tendo por referência a pessoa média suposta pela ordem jurídica, pelo que, de forma alguma, poderá confundir-se com arbítrio. A formação da convicção do julgador só será válida se for fundamentada e, desse modo, se tiver a capacidade de se impor aos seus destinatários através da demonstração do processo intelectual e lógico seguido para a afirmação da verdade dos factos, para além de dúvida razoável.

Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação do recurso, que deverá ser elaborada de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso.7

E foi isso que o recorrente fez nos presentes autos, pois que, pretendendo impugnar a matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo, e em observância das exigências legais necessárias à impugnação da matéria de facto constantes do artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP acima explicitadas:

- Indicou os pontos concretos da sua discordância, que são os constantes dos pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 14 dos factos provados.

- Especificou os pontos do suporte informático em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados de que se socorreu, passagens que transcreveu parcialmente na sua motivação de recurso;

- E explica as razões pelas quais, no seu entendimento, tal prova levaria a decisão diversa da recorrida.

Desde já se adianta que, pese embora tenhamos analisado cuidadosamente as considerações apresentadas pelo recorrente para fundamentar a sua discordância quanto ao juízo probatório exposto na sentença recorrida, cremos que não lhe assiste razão, pois que a prova produzida nos autos, a nosso ver, permite confirmar os termos da fixação factológica daquela constante. Realizando então a análise crítica das provas sobre as quais o recurso fez assentar o invocado erro de julgamento, importa atentar na forma como o tribunal a quo justificou a sua decisão quanto aos factos provados e não provados e que mais adiante transcreveremos. Analisada a prova produzida nos autos, constatamos que a referida motivação, no que diz respeito ao que foi relatado em audiência pelas testemunhas EE (vítima) e FF, (agente da PSP de … que recebeu a queixa) e pelos arguidos AA e BB, está alinhada com o que foi efetivamente dito por cada um deles.

As questões colocadas pelo recorrente reportam-se à alegada falta de credibilidade do depoimento da testemunha EE, que assume a qualidade de vítima, quanto aos factos que afirmou ter presenciado e que diretamente lhe dizem respeito. Alega concretamente que tal depoimento comporta várias incoerências e que, revelando-se contraditório com o teor das declarações do arguido AA, não poderia ter deixado de conduzir à aplicação pelo tribunal do princípio do in dubio pro reo e à consideração como não provados dos factos a que, alegadamente, se reporta tal contradição.

Mas, a nosso ver, não tem razão relativamente a nenhum dos fundamentos da impugnação que apresentou.

Antes de mais, importa realçar que, ao contrário do que afirma ou insinua o recorrente, o tribunal recorrido deixou claro na motivação da sua convicção probatória o que o levou a decidir no sentido da existência de prova bastante dos factos subjacentes à condenação. A leitura da sentença permite-nos apreender o raciocínio racional e lógico dedutivo subjacente a tal decisão. Aí se encontra explicado por que razão o tribunal recorrido, por referência à lógica e por apelo racional às regras de experiência comum, entendeu que a prova produzida em julgamento se revelou suficiente para firmar convicção relativamente aos aludidos factos. Com efeito, escrutinada a prova constante dos autos, concretamente ouvidos os depoimentos das testemunhas e, bem assim, as declarações prestadas pelos arguidos AA e BB, produzidos em audiência, nenhuma censura nos merece o juízo probatório realizado na sentença recorrida e consignado na motivação da convicção probatória, que passamos a transcrever: “(…) Motivação da Decisão de Facto Da acusação: A convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova realizada em audiência de julgamento, que foi analisada de forma crítica e recorrendo a juízos de experiência comum, nos termos do art. 127.º do Código de Processo Penal. Presentes em audiência de julgamento, os arguidos AA e BB prestaram declarações. A arguida DD e o arguido CC usaram do seu direito ao silêncio. No que respeita à data dos factos, o arguido AA, disse terem ocorrido há cerca de um ano, por volta das 15h/16h. O ofendido EE, referiu ter sido há pouco tempo, por volta das 17h00, acrescentando que, chegou a casa contou ao pai e foram à esquadra. Em complemento, releva o auto de denúncia de fls. 4 e 5 do qual resulta que os factos ocorreram no dia 20.02.2024. Quanto ao local, tanto pelos arguidos AA e BB, como pela testemunha EE, foi dito que se encontravam no terminal da …, em …. Resultando assim provados os factos do ponto 1. No que respeita ao sucedido, contou o arguido AA que, já conhecia o EE, por terem andado na escola juntos. Estava com o BB, a DD e o CC, ao pé da …, e iam ao shopping. A DD foi à casa de banho, e estavam à espera dela. Viram o EE, e dirigiu-se a ele com o BB. O CC ficou atrás. Concretizou que, o EE já lhes devia dinheiro há quase um ano. Pagaram-lhe o cartão na discoteca, porque ele não tinha dinheiro para pagar e foi cerca de cento e poucos euros. A este propósito disse também que, o EE estava com amigos na discoteca. Já lhe tinham pedido o dinheiro antes. E naquele dia, viram o EE, foram ter com ele e disseram que ele tinha que lhes pagar até às 22 horas, senão iam falar com a família. Ele pediu por tudo para não falarem com a família, e que a única maneira que tinha, naquele momento, era entregar o telemóvel. Tirou a conta da cloud dele e o cartão, e entregou o telemóvel. Ele até tinha dinheiro na capa do telemóvel que lhe entregou. Depois, foram para casa e soube que a policia andava à sua procura. Questionado porque razão impuseram o pagamento no referido dia, quando a divida existia há um ano, disse que, vive sozinho com a mãe, e a irmã tem um problema de saúde, e tem dificuldades. Acrescentou que, o via a ir para todos os lados, curtir com os amigos dele, e o dinheiro nunca aparecia. Mais concretizou que, o dinheiro era seu e do BB, cada um deu cerca de €50,00, e que o ofendido é que lhe deu o telemóvel de livre vontade, apesar de ter ficado um bocado triste. Não houve faca nenhuma.

Sobre a arguida DD e o CC, esclareceu que, não assistiram a nada. Nunca se aproximaram. Quando foi falar com o EE, disse ao CC para esperar pela namorada. Depois de terem o telemóvel foram ter com a DD e o CC. Quanto ao que fizeram ao telemóvel, disse que o venderam por €300,00. Mais acrescentou que, vê o EE quase todos os dias. Sabe que tem um problema de saúde, mas não sabe qual. Ainda e perguntado se o valor de cento e tal euros na discoteca não seria elevado para o EE? Respondeu que ele faz muitas vezes isto, e que depois é o pai que tem que o ir buscar. Mais disse que, o EE estava com amigos, mas aquilo já estava a dar confusão. Pelo arguido BB, foi dito que, estavam os 4 e que foi o próprio que chamou o EE, não foi o AA. Disse ao EE que queria falar sobre a tal divida, que era de €150,00. Ainda, sobre esta divida referiu que, o EE tinha perdido o cartão na discoteca, e a multa era de €150,00. Na altura estava a trabalhar e o AA também, e tinham disponibilidade para emprestar o dinheiro. Nessa noite, o EE estava com amigos, e os amigos, deixaram-no para trás, e houve confusão com os seguranças. Questionado sobre a relação que tinha com o EE, disse que conhece o irmão mais velho e que emprestaram o dinheiro em Agosto de 2023, e que desde então via o EE a sair a fazer a vida dele. Uma vez disse-lhe que, como estava a dever-lhe esse dinheiro, e recebia uma mesada, porque não dava €10,00 por mês a si e ao AA, ele disse que sim. Em Dezembro não tinha pago nada e em Fevereiro confrontou-o na …. Perguntou se ele podia pagar até às 22h e ele disse que não, a não ser com o telemóvel, para que não fossem falar com os pais. E ele deu, tanto que tirou a conta da icloud à nossa frente, e entregou o telemóvel. Quanto aos outros, disse estar apenas com o BB, o CC estava à espera da DD. Depois, venderam o telemóvel mas já depois das 22h, por €300,00. E isto porque ainda esteve à espera que ele mandasse alguma mensagem a dizer que tinha alguma forma de pagar, ainda que não fosse no dia. Questionado sobre a urgência de ter o dinheiro no dia, referiu que já estava farto de andar atrás do EE, que andava sempre a adiar. Ainda, sobre se falaram com o EE em frente à … ou foram para outra rua, disse que foram para outra rua, porque iam a falar e andar. Prestou também depoimento a testemunha/ofendido EE, que relativamente aos arguidos, disse que os conhece de vista. Sobre se algum dia lhe emprestaram dinheiro, disse que não. Quase não fala com eles, só os conhece de vista de …. O irmão é que conhece o BB. Sobre o sucedido, referiu que, saiu da escola pelas 17h00, chegou à … e estava sentado com uma amiga. Passaram os quatro, e o BB chamou-o, dizendo que precisava falar consigo. E foi. Aproximaram-se os outros e foram a andar para trás da …. Pararam de andar, fizeram os quatro uma roda e ficou no meio. O AA disse, que se abrisse a boca lhe cortava o pescoço. Estava com medo porque o coração estava a bater muito. Viram o telemóvel na sua mão, e um deles pediu-lhe o telemóvel, sendo que, consegue dizer que o entregou ao AA. E levaram-no, ficou só com o cartão. Disse também que, eles desbloquearam o ecrã do telemóvel com a sua cara e que estava com medo e deu a palavra passe ao BB. Mais esclareceu que, não viu nada na mão deles. Só disseram aquilo e foram embora. Nem disseram nada sobre os pais. Em casa contou ao pai e foi à esquadra. Sobre o telemóvel, era um …, o pai ofereceu antes do Natal. Disse também que, não tinha dinheiro na capa. A testemunha foi ainda questionada sobre se costuma sair para a discoteca, tendo dito que só de vez em quando, mas que não os vê lá. Também sobre o arguido CC disse que já foi amigo dele e que este estava lá ao pé deles. Apreciando, cumpre-nos dizer o seguinte: Não nos convenceram os arguidos AA e BB, com a versão dos acontecimentos que relataram. E isto porque, para além de contraditória revelou-se também incoerente. Vejamos: Pretenderam os arguidos fazer crer que, o telemóvel lhes foi entregue pelo EE, porque este tinha, para com os mesmos uma divida. Divida esta que, o arguido AA nem sequer conseguiu concretizar o valor, dizendo primeiramente ser de cento e tal euros, para depois acabar por referir que tinha sido €50,00 seus e outros €50,00 do BB. Já o arguido BB, ao ouvir as declarações do arguido AA, com o intuito de colmatar a referida imprecisão, recordou-se que afinal a divida era de €150,00. Sobre a origem desta divida, não foram também os arguidos unânimes. Disse o arguido AA que, o EE estava a sair da discoteca e que não tinha dinheiro para pagar, que isto sucedeu outras vezes e que é o pai que o vai buscar. Lembrou-se, no entanto, o arguido BB que, afinal o valor da divida respeitava a uma multa, porque o EE perdeu o cartão da discoteca, e já estava a haver confusão com os seguranças. Ora, duas justificações distintas para a origem de uma divida, que queriam cobrar, mas que não tinha sequer o mesmo valor! Naturalmente que, se de facto existisse esta divida, não existiam estas contradições. Mais se diga que, resultou claro que, a explicação forçada do arguido BB, no que respeita a tratar-se de uma multa, surgiu porque, questionado o arguido AA sobre se €100,00 não seria muito dinheiro, para uma pessoa só na discoteca, este não conseguiu responder. Então, claro está que, procurando compor a incoerência do referido pelo arguido AA, o arguido BB recordou-se que, afinal tratou-se de uma multa, por ter perdido o cartão, acrescentando que, apesar do EE estar acompanhado, os amigos deixaram-no! Caindo aqui também numa incoerência. Ambos os arguidos referiram que, não eram amigos do ofendido EE, acrescentando o arguido BB que, conhecia o irmão. A inexistência de uma relação com o ofendido, torna totalmente incompreensível que se tenham predisposto a pagar-lhe uma suposta divida de “ cento e tal euros”, numa discoteca. Mais incoerente se torna esta versão dos factos, quando os arguidos BB e AA questionados sobre a razão que, de acordo com a sua versão, os levou a pressionar o ofendido, no referido dia, com o pagamento da divida, respondem que têm dificuldades económicas, acrescentando o arguido BB que estava cansado de andar atrás dele e que precisava do dinheiro. A existência de dificuldades económicas -ainda que na altura estivessem a trabalhar - torna ainda mais incompreensível o empréstimo, dos referidos valores, a uma pessoa que só conhecem de vista. Mas mais, disse o arguido BB que, já tinha chegado a uma acordo com o EE, no sentido deste lhe pagar €10,00 por mês, até porque o EE recebia uma mesada! Afirmação que também não faz qualquer sentido, porque se conhecia o EE de vista, naturalmente que, não saberia que recebia uma mesada. Por outro lado, ainda, disse o arguido AA que, o EE já tinha arranjado outras confusões na discoteca, por falta de dinheiro e que era o pai que o ia buscar! Então, se o pai sabia que o filho arranjava estes problemas na discoteca, não se compreende o medo que dizem ter tido quando o ameaçaram com a família, e que, segundo a versão que apresentam, o fez entregar o telemóvel! Afinal o pai sabia das confusões do filho na discoteca…onde poderia estar o medo dele!! Naturalmente que o ajudaria a resolver a situação, sem ter que entregar o telemóvel! Acresce que, a contradição destas declarações, ficou também patente quando o arguido AA afirma que ele e o BB foram falar com o EE, e o arguido BB refere que chamou o EE para falar da divida. Por outro lado, o AA afirma que o encontro ocorreu perto da … e o BB diz que foram para outra rua para conversar. Depois, o AA diz que ficou com o telemóvel e só o vendeu mais tarde, mesmo depois de saber que, a policia o andava a procurar por causa do telemóvel, já o arguido BB diz que ficou com o telemóvel, e que só o vendeu depois das 22h, visto que ficou à espera que o EE lhe enviasse mensagem. Aqui, diga-se que, para além da contradição é patente a necessidade urgente de vender o telemóvel! Mesmo sabendo que, a policia já os procurava. Quanto à intervenção dos arguidos CC e DD, dizem os arguidos que estes não assistiram a nada, e que não se aproximaram. A DD foi à casa de banho e o CC ficou à espera. É forçada esta explicação. Desde logo porque, estando o CC com os arguidos BB e AA, normal e natural seria que, a partir do momento que estes se aproximam de uma pessoa, o outro o faça também. Até porque não estavam - segundo a versão que apresentam - a fazer mal a ninguém. Seria uma conversa! Depois, é também incompreensível que, tenha ficado à espera da arguida DD. À espera do quê, se não tinham intenção de fugir?! Depois, a história desta ida à casa de banho é também ela incongruente e propositada. Ora, a arguida vai à casa de banho no momento em que, por acaso, vêm o ofendido EE e aparece exatamente no final, quando toda a “ conversa” terminou. Foram de facto incoerentes os arguidos. A versão que apresentam, além de contraditória, foi forçada e não faz qualquer sentido. Até porque, mais uma vez salientamos, não existindo relação com o ofendido, existindo dificuldades económicas por parte dos arguidos, não faz qualquer sentido que tenha existido este empréstimo. Não conhecendo o EE, naturalmente que, não davam sequer conta do mesmo na discoteca. E mais, se se tratava de uma mera conversa, não existia também necessidade de saírem do local, público.

Até porque tinham os amigos à espera. Falavam ali, e resolviam ali o problema, não atrás da …, num local, naturalmente mais escondido. Esta versão forçada e incompreensível, para além de significar que, não falaram a verdade, resulta explicada pelo depoimento da testemunha EE. Apesar da sua dificuldade em se exprimir, que advém apenas e só do seu estado de saúde, conseguiu esclarecer o sucedido. Afirmou de forma perentória que, não existia qualquer divida com os arguidos! Estava sentado com uma amigas, tinha o telemóvel na mão. O BB chamou-o. Dirigiu-se ao mesmo, apareceram os outros, foram a andar para trás da …. Fizeram uma roda e ficou no meio. Explica o seu temor dizendo que teve medo porque o coração estava a bater muito. Aliás, esta afirmação torna perfeitamente percetível a naturalidade e simplicidade do seu depoimento. Sobre quem, fez a roda, afirmou sem hesitação que, foram todos, incluindo o CC e a DD. Como afirmou que, foi o AA que disse que, se abrisse a boca lhe cortava o pescoço. Que lhe pediram o telemóvel, que entregou ao AA, e que depois foram embora. Esta frase, e o ato de seguida de entrega do telemóvel e ainda a revelação do sentimento de medo que diz ter sentido, é demonstrativo da seriedade com que foi dita a referida expressão. Importa também referir que, apesar de não ter conseguido concretizar quem lhe pediu o telemóvel, soube afirmar, sem qualquer hesitação que a referida frase foi proferida pelo AA e que foi a este que entregou o telemóvel. O que, perante esta sequência de acontecimentos, nos permite concluir que, foi o AA que lhe pediu o telemóvel. Importa aqui considerar também o depoimento da testemunha FF, Agente da PSP de …, que esclareceu que, estava sozinho e o EE foi à esquadra e estava perturbado, ansioso e nervoso. Se considerarmos o auto de denúncia a fls. 4, deste resulta que a ocorrência foi comunicada pelas 18h37, ou seja pouco depois do acontecimento. O que corrobora o referido pelo ofendido EE, ou seja, chegou a casa, disse ao pai e foram à esquadra. E o medo que diz que sentiu, foi testemunhado pelo Agente que recebeu a denúncia, pouco depois do sucedido. Ainda, disse que o telemóvel era um … e que foi o pai que o ofereceu antes do natal. Não conseguindo concretizar o valor. No entanto, a este propósito os arguidos foram unânimes, referindo que o venderam, no próprio dia, à noite, por €300,00. E aqui, conjugando esta facilidade de venda do telemóvel, o facto de ter sido adquirido meses antes dos factos e recorrendo às regras de experiencia comum, atendendo a que se tratava de um …, concluímos que terá necessariamente o valor de pelo menos, €300,00. Pelo que, desta apreciação resultam provados os factos dos pontos 2 a 6 e não provados resultam os factos dos pontos A e D. Nada foi referido relativamente aos factos dos pontos B e C, que resultam não provados. *

Mais disse a testemunha EE que eles depois foram embora, não tendo recuperado o telemóvel. Aliás, das declarações dos arguidos resulta que o telemóvel foi vendido, no próprio dia por €300,00. Resultando assim provados os factos do ponto 7 e 12. Provado resultou apenas que saíram do local, desconhecendo-se para que rua foram assim resultando não provados os factos do ponto E. Ora, como referido pelo ofendido EE, foi o arguido BB que o chamou, de seguida aproximaram-se os demais, acabando os 4 por conseguir retirar o ofendido daquele local, público, para outra rua, atrás da …. O ofendido ficou no meio, e os arguidos fizeram uma roda à sua volta. Deste comportamento, resulta a participação de todos com o mesmo fim. Todos foram com o arguido BB e todos foram com o ofendido. Até porque, quando o arguido AA profere a referida expressão e quando o telemóvel é entregue, estão todos juntos, com o ofendido no meio. E também, todos abandonam o local, levando o telemóvel. Portanto, agiram os arguidos em conjunto, na execução de um plano, com o intuito de fazerem seu o telemóvel, causando medo, porque naturalmente estavam em superioridade numérica, ao ofendido, que era um. As próprias palavras proferidas, a própria forma como o rodearam, e o retiraram da …, traduz o medo que lhe quiseram causar, para que lhes fosse entregue o telemóvel. Não obstante saberem que a conduta que assumiram eram proibidas por lei. Assim resultando provados os factos dos pontos 8 a 11. Da cópia do certificado de incapacidade que se encontra a fls. 23 dos autos, resulta provado o facto constante do ponto 13. Porém, apesar do arguido AA ter referido que, o EE tinha um problema de saúde, face ao facto de apenas o conhecerem de vista, não resulta da prova que soubessem que seria mais frágil, e que lhes ia facilitar o ato, até porque estavam a agir em superioridade numérica. Assim resultando não provados os factos do ponto F. Não provados resultam os factos do ponto G, sendo que, pelo próprio ofendido foi dito não ter visto qualquer faca. Ainda, os factos do ponto 14 resultam da postura dos arguidos em audiência de julgamento.

Condições pessoais e económicas: Os factos resultam provados considerando as declarações prestadas pelos arguidos, AA, DD e CC, em conjugação com os relatórios sociais a que correspondem as referências …, … e …. No que respeita ao arguido BB, a prova realizada a este propósito, resulta das declarações pelo mesmo prestadas em audiência de julgamento.

Antecedentes criminais:

Resultam do certificado de registo criminal dos arguidos emitido em 17.01.2025.

(…)” Subscrevemos integralmente a linha argumentativa exposta na sentença. Assim, ao contrário do que refere o recorrente, a audição da prova produzida em audiência sustenta o nosso convencimento no sentido de que a invocada incoerência marcou, não o depoimento do ofendido, mas, outrossim, as declarações dos arguidos. Os seus relatos, além de contraditórios entre si, revelaram-se absolutamente inconsistentes e não passaram o crivo da análise de credibilidade realizada à luz das regras de experiência comum, conforme amplamente resulta da análise crítica da prova acima transcrita e para a qual remetemos. Foi, aliás, o depoimento da testemunha EE, que permitiu clarificar os eventos em apreciação nos autos. Tal como se refere na sentença, “apesar da sua dificuldade em se exprimir, que advém apenas e só do seu estado de saúde, conseguiu esclarecer o sucedido”. A simplicidade com que afirmou, de forma perentória, que não existia qualquer dívida para com os arguidos e que, no dia em causa, todos fizeram uma roda no meio da qual o colocaram, tendo-lhe pedido o telemóvel e tendo-lhe sido dito pelo arguido AA que se abrisse a boca lhe cortava o pescoço, o que lhe causou natural temor, fazendo-lhe bater muito coração, conferiu ao depoimento da vítima total credibilidade. Acresce que o medo e o nervosismo descrito pelo ofendido foi corroborado pelo depoimento da testemunha FF, agente da PSP que recebeu a denúncia pouco tempo depois dos factos. Não vemos, por isso, razão para alterar a redação dos factos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 14 dos factos provados nos termos pretendidos pelo recorrente. Consabidamente, as dificuldades de prova surgem com maior frequência nos julgamentos dos crimes não presenciados por terceiros. Porém, pese embora não descuremos tais circunstancialismos específicos, que se verificam também na situação presente, temos para nós que os mesmos não poderão legitimar a não valoração adequada e conjugada dos meios de prova disponíveis, analisados à luz das regras da experiência comum – o que as alegações de recurso parecem pressupor – com inevitável recurso ao princípio do in dubio pro reo, sempre que a dúvida subsista. Na verdade, o que se impõe ao julgador é que justifique a maior ou menor credibilidade que conferiu quer às declarações dos arguidos, quer aos depoimentos das testemunhas. E foi o que fez o tribunal recorrido no caso presente. Entendeu a julgadora que as declarações dos arguidos se mostraram inverosímeis e não credíveis e que, em contraponto, o depoimento da testemunha EE, que assume a qualidade de vítima – corroborado pela descrição efetuada pelo agente da PSP, FF, relativamente ao estado de nervosismo daquele aquando da apresentação da queixa – se revelou absolutamente credível e bastante para sustentar a prova de todos os factos imputados aos arguidos e que se encontram impugnados no recurso. E explicou as razões pelas quais assim entendeu. Verificamos, pois, que foi da conjugação de todas as provas que se inferiram os factos dados como provados e impugnados no recurso, não podendo esquecer-se, ademais, que o ato de julgar é exclusivo do tribunal. Acresce que, a mais de valorizarmos a importância da imediação na apreciação da prova, que, incontornavelmente, coloca o juiz de julgamento numa posição privilegiada para proceder à sua apreciação – conquanto o mesmo tem acesso não só à expressão verbal, escrutinada pelo tribunal de recurso através da audição das gravações, mas também às expressões não verbais a que aquele não tem acesso – a audição da integralidade da prova produzida em audiência permite-nos atestar a naturalidade e a coerência do depoimento da testemunha EE que corroborou os factos tidos por provados, sufragando-se, por isso, a valoração de tal prova efetuada na sentença recorrida.

Vale o mesmo por dizer que não concordamos com a alegação da recorrente no sentido de que a prova constante dos autos não permite formular um juízo probatório positivo sobre os factos tidos por provados e impugnados no recurso. Afigura-se-nos, ao invés, que o que legitimamente fez o tribunal “a quo” foi analisar a prova produzida de acordo com um critério lógico e, com auxílio das regras da experiência comum, realizar as devidas inferências, sendo que estas lhe permitiram chegar à coautoria dos factos por parte do arguido recorrente. Em rigor, em nenhum passo do recurso é apresentada qualquer prova ou conjunto de provas que possa consistentemente contrariar aquelas em que o tribunal a quo firmou a sua convicção. O mesmo sucedendo relativamente às operações de valoração das provas expostas na motivação respetiva. Em suma, ao contrário do propugnado no recurso, não tendo subsistido ao tribunal qualquer dúvida sobre os factos que decidiu considerar provados, inexistiu fundamento para convocar o princípio do in dubio pro reo e que determinaria que alguns dos factos considerados provados devessem ser julgados não provados. Deverão, pois, manter-se nos factos provados os factos impugnados no recurso, nenhuma censura nos merecendo o juízo probatório realizado pelo tribunal “a quo”, nada havendo a alterar a tal respeito.

*** C) Do erro de julgamento em matéria de Direito

a) Da errada qualificação jurídica dos factos, ou seja, em virtude de os factos provados não integrarem os elementos da coautoria do crime de roubo pelo qual o recorrente CC foi condenado.

Propugna o recorrente que a factualidade a seu ver apurada nos autos não permite concluir pela prática, em coautoria, do crime de roubo pelo qual foi condenado. Considerando que o recurso fez assentar o pedido de absolvição na impugnação da decisão quanto à matéria de facto, a improcedência de tal impugnação acarreta, naturalmente, a improcedência de tal pedido, conquanto os factos provados se subsumem ao crime da condenação nos termos consignados na sentença. Alega o arguido a este propósito que: “(…)13.º Em toda a prova gravada constante de todas as sessões de julgamento, não consta qualquer facto que aponte no sentido de que o arguido CC tenha sido autor deste crime, quer pela via da autoria imediata (isto é, o arguido CC não retira o telemóvel da posse do ofendido com base na violência ou por meio da ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física do ofendido, não efetuando deste modo a realização típica), nem por via da autoria mediata (na medida em que o arguido CC não é o “responsável/chefe” da prática daquele crime roubo, nem tão pouco existe a possibilidade dessa depreensão das sessões das audiências de julgamento). 14.º Ora, no caso em apreço, não houve a elaboração de qualquer plano conjunto, mormente, não tendo exercido o arguido CC as funções de “encarregado de vigilância” nem outras funções semelhantes de algum modo. (…) 37.º Regressemos aos requisitos do crime de roubo, na forma simples. 38.º Quanto ao primeiro requisito da intenção dolosa de ilegítima apropriação para si ou para outra pessoa de coisa móvel, constata-se que o arguido CC se limitou a ficar quieto, não tendo retirado o telemóvel ao ofendido e não tendo também desempenhado qualquer papel no crime de roubo de que vem condenado, não devendo, por isso, o arguido CC considerado autor material deste crime de que vem acusado. 39.º Neste sentido, não se verifica aqui o dolo quanto ao arguido CC.

40.º Por seu turno, também não se verifica de igual modo o segundo requisito que pressupõe violência contra o ofendido ou a ameaça de perigo contra a integridade física ou vida do ofendido, porquanto o arguido CC esteve sempre quieto, segundo palavras ditas pelo próprio ofendido EE. (…) 41.º Na verdade, o arguido CC não pode ser considerado autor material deste crime de roubo na forma simples, nem tão pouco pode ser considerado cúmplice deste crime.(…)”

Ressalvado o devido respeito por diverso entendimento, a mais de a alegação transcrita não encontrar qualquer suporte na factualidade tida por provada, e que acima já decidimos manter, a construção apresentada relativamente à coautoria do crime de roubo revela-se confusa, impondo-se clarificá-la com a brevidade que a situação justifica. Vejamos. Encontramos a previsão do crime de roubo pelo qual o recorrente foi condenado no artigo 210°, nº 1, do Código Penal, que dispõe da seguinte forma: “Artigo 210.º Roubo 1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 2 - A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se: a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo. 3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.”

Por seu turno, a regulamentação das formas de autoria, entre as quais se inclui a coautoria, tem assento legal no artigo 26º do CP, que estatui:

“Artigo 26.º

Autoria

É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.”

*

Ora, como está bom de ver, as considerações do recorrente acima transcritas relativamente à subsunção dos factos pressuporiam uma alteração factológica, que, como já vimos, não ocorre. Com efeito, a sequência dos factos provados evidencia que o arguido, não só decidiu conjuntamente com terceiros praticar o crime de roubo pelo qual foi condenado, como o executou em conjunto com aquele, conforme resulta em particular dos factos que, por facilidade de exposição, passamos a transcrever, assinalando a negrito os que descrevem os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal praticado sempre sob a forma de coautoria:

“1- 1. No dia 20.02.2024, cerca das 17H00m, EE encontrava-se apeado, junto do terminal da …, sito na Avenida …, em ….

2. Nesse momento foi abordado pelo arguido BB, que o chamou, dizendo que precisava falar consigo.

3. Após se dirigir ao arguido BB, aproximaram-se os outros arguidos, e foram a andar para trás da ….

4. Nessas circunstâncias de tempo, modo e lugar, já na Rua …, em …, os arguidos rodearam EE, que ficou no meio.

De igual modo, e concomitantemente,

5. O arguido AA ordenou-lhe, com foros de seriedade, que lhe entregasse o telemóvel, afirmando, “Dá-me o telemóvel, se abrires a boca corto-te o pescoço”.

6. Perante o que, EE, vendo-se impossibilitados de reagir e por temer pela sua integridade física, obedeceu, entregando assim a AA o telemóvel que trazia consigo, da marca “…”, modelo “…”, com o IMEI …, com valor de pelo menos €300,00.

7. Posto o que, os arguidos se afastaram apeados, não tendo o telemóvel sido recuperado.

8. Os arguidos atuaram, levando à prática um acordo que, previamente, haviam celebrado, em comunhão de esforços e união de intentos, no propósito concretizado de fazer seu o telemóvel que o ofendido trouxesse consigo, sabendo que este não lhes pertencia e cientes que contrariavam a vontade deste, seu proprietário.

9. Mais sabiam que a abordagem do ofendido, nos moldes descritos, era uma atuação idónea a fazê-lo recear pela sua integridade física, sendo que, quiseram agir desse modo justamente com o propósito de, atemorizando-o, anular qualquer resistência por parte deste, às suas ilegítimas pretensões, e constrangê-lo assim como conseguiram, a entregar o telemóvel que quiseram fazer seu.

Efetivamente,

10. Não fora a atitude de rodear aquele e a exigência da entrega do telemóvel, deixando no ar a possibilidade de ocorrerem agressões físicas caso tal não acontecesse e aquele não teria entregue o telemóvel de que os arguidos se apoderaram.

11. Agiram todos de forma livre, consciente e voluntária, sabendo que a sua conduta era prevista e proibida por Lei.

.(…)”

*

Perante tal descrição factual, contrariamente ao defendido no recurso, nenhuma dúvida poderá restar de que a atuação do recorrente CC, em conjunto com os demais arguidos, se traduz numa coautoria, definindo-se esta justamente – conforme se extrai da sua base normativa plasmada no artigo 26.º do CP – por ser também punido como autor quem “tomar parte direta na execução do facto, por acordo ou conjuntamente com outros”.

De tal previsão legal resulta serem elementos da coautoria a decisão conjunta e a execução conjunta dos factos, identificando-se a primeira como a componente subjetiva e a segunda como a componente objetiva. Sobre estas componentes refere Figueiredo Dias8, que a primeira “(…) não pode bastar-se – apesar das palavras equívocas usadas pela nossa lei – com o mero acordo dos comparticipantes, tendo todavia ele, naturalmente, de existir (…) Tudo acaba por recair, em suma no significado externo de que a realização acordada se reveste, nomeadamente nas características do papel ou da função que a cada autor é distribuído na execução total do facto. Este deve surgir por forma que o contributo de cada um para o facto apareça não como mero favorecimento de um facto alheio, mas como uma parte da atividade total. E, correspondentemente, as ações dos outros se revelem como um complemento da sua participação própria. Nesta medida não ficará a priori excluído que o referido acordo possa ser apenas “implícito” – sempre que a situação externo-objetiva só possa ser interpretada como ajuste espontâneo num comportamento comum (…) Essencial é a ideia segundo a qual o princípio do domínio do facto se combina aqui com a exigência de uma repartição de tarefas, que assinala a cada comparticipante contributos para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornam a execução do facto dependente daquela mesma repartição.”

O planeamento de um crime por duas ou mais pessoas, constituindo uma decisão conjunta, é da responsabilidade de todos os decisores. E havendo execução por todos do plano previamente traçado, tal execução conjunta, que assume a forma de comparticipação, responsabiliza cada um dos executantes como coautores. Assim se delimitam os contornos normativos da coautoria nos quais inteiramente se enquadra a conduta imputada ao recorrente na sentença e que se encontra claramente descrita no acervo factológico tido por provado.

Improcede, pois, totalmente, este segmento do recurso.

*** b) Da determinação concreta da pena aplicada ao recorrente CC.

A respeito da decisão de aplicação do regime especial para jovens ao recorrente CC e à arguida DD, com a consequente atenuação especial da pena, e quanto à determinação da medida concreta das suas penas, motivou a sentença recorrida da seguinte forma:

“(…) O arguido CC à data dos factos tinha 17 anos de idade, não tem antecedentes criminais, e conta com o apoio da família, o que nos leva a crer que, a atenuação da pena, irá favorecer a sua ressocialização. E o mesmo sucede com a arguida DD que tinha 19 anos na data dos factos, tem também apoio familiar, não tem antecedentes criminais, e encontra-se profissionalmente inserida.

Assim, quanto a estes arguidos, decidimos ser de atenuar a pena.

O limite mínimo deste crime é de 1 ano e o limite máximo de 8 anos. Considerando o disposto no art.º 73.º, o limite máximo da pena 5 anos e 4 meses e o limite mínimo de um mês - cf. art.º 73.º, n.º 1 alíneas a) e b) do CP. (…)

- O grau de ilicitude dos factos tem que se considerar médio, dentro do respetivo tipo de crime, tendo em conta o valor do bem subtraído - que não era diminuto - bem como o modo de atuação dos arguidos, que agiram em superioridade numérica e com atitude agressiva.

- No modo de execução, assumiram estes arguidos uma posição mais retraída, sendo que, não proferiram qualquer palavra, antes acompanharam e rodearam o ofendido.

- Agiram com dolo direto, com uma intensidade que se afigura alta. Foram ao encontro do ofendido, assim pensando e agindo como pretendiam.

- Quanto às consequências do seu comportamento: o ofendido não recuperou o telemóvel, fazendo os arguidos dinheiro com o mesmo.

- Mais importa considerar que, não demonstraram estes arguidos qualquer arrependimento.

Em termos de prevenção especial, releva considerar que, a arguida DD, não tem antecedentes criminais, encontra-se inserida, tanto social como familiarmente, exercendo uma atividade profissional regular e segura, e contando ainda com apoio familiar, sendo assim estas exigências diminutas.

O arguido CC não tem também antecedentes criminais, encontrando-se inserido social e familiarmente, sendo as exigências de prevenção especial, também quanto ao mesmo diminutas.

As exigências de prevenção geral são elevadas, atenta a frequência deste tipo de criminalidade na sociedade moderna e atual, que coloca em causa a paz social gerando alarme na comunidade, o que impõe que se volte a restabelecer a confiança.

Tudo visto e ponderado, e tendo em conta os limites mínimo e máximo abstratamente aplicáveis ao crime, que recorde-se atenuamos, entende-se como justa, adequada e proporcional à culpa destes arguidos e às exigências de prevenção, aplicar uma pena de prisão de 1 ano e 2 meses.

(…)

Face à pena de prisão de 1 ano e 2 meses que lhes foi aplicada, é possível ponderar a sua substituição por trabalho a favor da comunidade - cf. artigos 45.º e 58.º do CP.

Exatamente, considerando as diminutas exigências de prevenção especial, e aqui realçando a idade destes arguidos, entendemos ser de substituir a pena de prisão aplicada por trabalho a favor da comunidade, sendo que, para a mesma deram o seu consentimento.

A propósito desta substituição, prevê o art.º 58.º do CP, que cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.

No caso, os arguidos foram condenados a 1 ano e 2 meses de prisão, o que corresponde a 420 horas de trabalho a favor da comunidade. (…)”

O recorrente CC põe em causa a medida concreta da pena que lhe foi aplicada, medida que considera exagerada, pugnando pela aplicação de uma pena mais reduzida, coincidente, aliás, com o limite mínimo da sua moldura abstrata. Mas não tem razão. No que diz respeito ao regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos, é sabido que a sua aplicação não constitui uma faculdade, assumindo antes a natureza de um poder-dever vinculado que o julgador se encontra obrigado a aplicar sempre que no caso concreto se verifiquem os respetivos pressupostos de aplicação. Tal não significa, porém, que tal regime legal seja de aplicação obrigatória caso o tribunal entenda que a situação que tem em apreciação não preenche os mencionados pressupostos legais. Ao invés, o tribunal deverá averiguar e decidir se existem razões de facto que, nos termos do referido regime legal, justifiquem e determinem a sua aplicação. E foi o que fez o tribunal “a quo”. Assim, conforme resulta do excerto da sentença transcrito, com vista a aferir da verificação dos aludidos pressupostos, ou seja, visando determinar se poderia ser formulado um juízo de prognose favorável quanto às expectativas de reinserção do recorrente CC9 – considerando que o mesmo tinha 17 anos à data da prática dos factos – o tribunal fez uma avaliação global da factualidade apurada no caso concreto, considerou a personalidade do agente, a sua conduta anterior aos factos, bem como o seu percurso de vida e a sua situação familiar. Feita tal ponderação, concluiu – e, a nosso ver, concluiu com acerto – encontrar-se justificada a aplicação do regime especial para jovens, por ter entendido que da atenuação especial da pena de prisão resultariam vantagens para a reinserção social do arguido. Quanto à determinação da medida concreta da pena, conforme é amplamente aceite pela jurisprudência dos tribunais superiores, o sistema de recursos no processo penal português tem como escopo a correção dos erros ocorridos na primeira apreciação judicial dos factos e na sua subsunção ao direito. Daqui resulta que no caso dos recursos sobre a pena ou sobre a medida da pena aplicada na decisão recorrida, ao tribunal ad quem caberá tão somente verificar o respeito pelas normas e pelos princípios gerais que regulam tal matéria, só devendo intervir na escolha da pena e da sua medida concreta quando detetar incorreções no processo da sua determinação, quer ao nível da valoração factual, quer no que diz respeito à aplicação das normas legais que regem a matéria em causa. Tal sindicância não abrange, pois, a fiscalização do quantum exato de pena, na perspetiva da realização de uma nova determinação da mesma, devendo manter-se a pena concretamente aplicada sempre que se verifique que a sua fixação assentou numa correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais e que, consequentemente, não se revela desajustada, nem desproporcionada. Estabelecida a margem de atuação deste tribunal da Relação no presente recurso, será importante recordar, com brevidade, os princípios basilares e orientadores da matéria que temos em análise. Assim, estabelece o artigo 40º do CP que a finalidade das penas é a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator. A medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, determina-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, com respeito pelos critérios definidos pelo artigo 71.º do CP. Tendo como balizas a culpa – que constitui o limite máximo – e a prevenção geral – que coincide com o limite mínimo – a medida concreta da pena determinar-se-á de acordo com as necessidades de prevenção especial. A determinação da medida da pena deverá, pois, ser feita tendo em conta a culpa do agente, observadas as exigências de proporcionalidade entre a pena e o crime, o princípio de necessidade e dignidade penal, bem como as finalidades de prevenção específica e geral, tutelando de forma efetiva o bem jurídico. No caso dos autos, pela prática do crime de roubo a sentença optou pela aplicação ao recorrente da pena de 1 ano e 2 meses de prisão, substituída pela prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade. E, contrariamente ao que afirma o recorrente, afigura-se-nos adequada tal dosimetria10, devendo atentar-se na factualidade provada, na qual se descreve a atuação do recorrente, participando na execução do plano delineado em conjunto, as consequências da mesma, o contexto em que ocorreu, e os elementos relativos ao percurso de vida daquele e à sua situação pessoal e familiar. Nenhuma censura nos merece o juízo a este respeito formulado pelo tribunal “a quo”, nem tão pouco procede a crítica apresentada pelo recorrente no sentido de que:

“(…) a necessidade de reintegrar o arguido CC na sociedade, na via de estudos ou de procura de trabalho e também face à ausência de qualquer antecedente criminal, entende-se que a pena mais adequada ao arguido corresponde ao mínimo legal, 1 mês de prisão, substituída por 30 horas de trabalho a favor da comunidade, ao abrigo do disposto nos artigos 73.º, 58.º e 45.º, ambos do CP e também à luz do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.(…)”

Efetivamente, ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, todas as circunstâncias acima enunciadas, designadamente as atinentes à necessidade de o reintegrar na sociedade e à ausência de qualquer antecedente criminal, foram tidas em conta na sentença recorrida, conforme claramente se atesta pela leitura das considerações aí tecidas, e a que acima transcrevemos, no que tange à determinação da medida da pena e à opção pela aplicação da pena de substituição. Subscrevemos integralmente todas as considerações transcritas, que se nos afiguram acertadas e respeitadoras dos critérios legais, sendo que a censurabilidade que nos merece a conduta do recorrente – a sua culpa, que funciona como limite máximo inultrapassável – associada à média ilicitude dos factos e às necessidades de prevenção geral e especial, também corretamente avaliadas pelo tribunal a quo11, sustentam totalmente a dosimetria da pena de prisão aplicada e, bem assim, a opção pela aplicação da pena de substituição de prestação de 420 horas de trabalho a favor da comunidade.

***

c) Da legalidade e adequação dos arbitramentos de reparação à vítima e da alegada inconstitucionalidade da dimensão normativa do conceito de criminalidade violenta.

No que diz respeito a este temário, o recorrente CC limita-se dizer que a sua absolvição da prática do crime de roubo determinará a não condenação no pagamento de qualquer quantia à vítima e, subsidiariamente, que, a manter-se a condenação, deveria ser reduzido o respetivo valor em virtude de se não ter apurado o valor do telemóvel roubado.

Não lhe assiste razão, naturalmente, relativamente a nenhum dos fundamentos, porquanto, como sabemos, os factos provados se manterão inalterados – entre eles se incluindo o facto relativo ao valor do telemóvel12 – o que determinará a manutenção da condenação do recorrente CC pela prática do crime de roubo em coautoria, sustentadora do arbitramento de reparação ao ofendido pelo valor de 400,00 €, quantia que se reputa absolutamente adequada e equitativa, atendendo não só ao valor do telemóvel retirado ao ofendido13, mas considerando também terem sido respeitados e verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.

*

Já o recurso apresentado pelo recorrente AA convoca a este propósito, duas questões, a saber:

- O crime de roubo, p. e p. no artigo 210º do CP, inserido no Capítulo dos crimes contra o património, poderá integrar-se no conceito de criminalidade violenta a que se reporta o artigo 67º-A, nº 1, al. b) e nº 3 do CPP, conjugado com o artigo 16º da Lei nº 130/2015, de 04/09, ou essa interpretação de tais normas, tendo por referência o artigo 1º do CP, que na sua alínea j) faz reportar a definição de criminalidade violenta aos crimes contra as pessoas, viola o disposto no art.º 29º da Constituição da Republica Portuguesa?

- Nos termos do artigo 82.º-A do CPP, o arbitramento oficioso de quantia para reparação à vítima acarreta a notificação desta, informando-a que, não sendo deduzido pedido de indemnização civil, caso não se oponha expressamente, poderá ser-lhe arbitrada uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos?

Alega o recorrente a este propósito que:

“(…) O Recorrente discorda da apreciação, quanto à matéria de direito, feita pelo Tribunal a quo, entendendo que o crime de roubo, p.p. pelo art.º 210.º do C.P não integra o conceito de "criminalidade violenta" e por tal razão o Tribunal “a quo” não pode, em caso de condenação, arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

O conceito de "criminalidade violenta" está definido artigo 1.º al. j) do CPP, esclarecendo que se deve entender por criminalidade violenta, a saber “as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo superior a 5 anos”.

A "criminalidade violenta" refere-se a crimes puníveis com pena máxima superior a 5 anos e que se dirijam contra: a vida; a integridade física; a liberdade pessoal; a liberdade e autodeterminação sexual; ou autoridade pública.

Assim, se a determinação da al. j) do art.º 1.º do CPP se refere a crimes contra estes bens, que não já os crimes contra o património, está automaticamente arredada a possibilidade de classificação do crime de roubo como integrando a "criminalidade violenta".

É a própria lei que determina, em função do bem protegido, os crimes que constituem criminalidade violenta.

O Código Penal está dividido em Parte Geral, e Parte Especial, estando esta Parte especial subdividida por Títulos, estes por Capítulos, que se sub-dividem em Secções.

A Parte Especial do Código Penal inclui dois Títulos: Dos crimes contra as pessoas e Dos crimes contra o património.

O crime de roubo, p.p. pelo art.º 210º do CP, está integrado no Capítulo dos crimes contra o património.

Quer o art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa quer o art.º 1.º nºs 1 e 3 do Código Penal, proíbem a incriminação sem lei expressa anterior.

Englobar um crime inserido no capítulo dos crimes contra o património nos crimes contra as pessoas, quando ali não está inserido, equivale a uma qualificação que, no caso, determina um tratamento desfavorável, não podendo por isso tal suceder sem lei expressa anterior, sob pena de violação do art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa quer o art.º 1.º nºs 1 e 3 do Código Penal.

Ora, não só este princípio constitucional não permite a inclusão do crime de roubo num capítulo em que não se encontra, como o n.º 2 do art.º 9.º do Código Civil exclui de todo aquela interpretação.

A interpretação do art.º 210º do CP que, cotejado com o art.º 1º do CPP permite englobar as situações punidas pelo citado art.º 210º na criminalidade violenta, quando a respetiva definição é restrita a crimes contra as pessoas, o que pela inserção sistemática não é o caso, viola o disposto no art.º 29º da Constituição da Republica Portuguesa.

De outra banda, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, em caso de condenação, o Tribunal pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham, nos termos do art.º 82.º-A do CPP.

Porém, nos termos do artigo 82.º-A do CPP, o arbitramento oficioso de quantia para reparação à vítima acarreta a notificação da vítima informando-a que, não sendo deduzido pedido de indemnização civil, caso não se oponha expressamente, poderá ser-lhe arbitrada uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos,

O que não sucedeu nos presentes autos.

In casu, a vítima não foi notificada de que, caso não se opusesse expressamente, ser-lhe ia arbitrado oficiosamente uma quantia a título de reparação, notificação que, salvo melhor entendimento, se impunha.

Atento ao que supra se deixou dito, mal andou o Tribunal “a quo” ao arbitrar quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, e condenar o Recorrente, solidariamente com os demais arguido, a pagar essa quantia ao ofendido.(…)”.

Não obstante termos analisado cautelosamente a argumentação do recorrente acima transcrita, não a acompanhamos. Todas as questões aí suscitadas foram, aliás, apreciadas e decididas fundamentadamente na sentença recorrida, tendo o recorrente optado por desconsiderar tal fundamentação, motivando o seu recurso como se as questões que suscita nunca tivessem sido tratadas.

Em qualquer caso, não tem razão.

Atentemos nos termos da sentença recorrida sobre estes pontos:

“(…) Da reparação da vítima em casos especiais – Art. 82-A do CPP:

Estabelece-se no artigo 16º, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, que “à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável” – nº 1; sendo que “há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser” – nº 2. Por sua vez, de acordo com o artigo 67º-A, do CPP, na parte a ter em conta:

“1 - Considera-se: a) 'Vítima':

i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por acção ou omissão, no âmbito da prática de um crime;

(…)

b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;

(…) 3 - As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 (…)”.

Estabelece, por sua vez, o art.º 1º do C.P.P.:

“ Para efeitos do disposto no presente Código considera-se: (…)

j) “Criminalidade violenta” as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;

l) “Criminalidade especialmente violenta” as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;» (sublinhado nosso).

Contrariamente ao alegado pelo arguido AA, o roubo não é apenas e só um crime contra o património, sendo certo que, não é a sua inserção sistemática que o define.

Trata-se de um tipo complexo, protegendo simultaneamente a liberdade individual, o direito de propriedade e a detenção das coisas que podem ser subtraídas, contando-se, assim, entre os bens jurídicos ali protegidos a liberdade pessoal e a integridade física, pelo que integra o conceito de criminalidade violenta, nos termos previstos no art.º 1º, al. j), do Código de Processo Penal, sendo, além do mais, punível com pena prisão de máximo superior a 5 anos de prisão, permitindo assim que, integre, também o conceito de “criminalidade especialmente violenta” – quer pela descrição típica do ilícito, quer pelo limite máximo da pena abstratamente aplicável.

Ainda a propósito deste crime e da sua inserção sistemática, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 41/21.4PDSXL-D.S1, datado de 09.06.2022, disponível em www.dgsi.pt que: “ Pese embora na sistematização do Código Penal, o crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, se enquadre na categoria dos crimes contra o património (Título II, do Livro II - Parte especial), e mais especificamente, dos crimes contra a propriedade (Capítulo II – artigos 203º a 216º), é pacifica a afirmação, na doutrina e na jurisprudência, de que o roubo é um crime complexo que ofende bens jurídicos patrimoniais e bens jurídicos pessoais.

É a dimensão pessoal protegida que confere ao crime de roubo as características que o distingue do furto, na medida em que a subtração da coisa móvel é levada a cabo com violência, física ou psíquica, que pode pôr em causa a liberdade da pessoa e a sua integridade física, com ameaça, que põe em causa a liberdade individual, e com a colocação na impossibilidade de resistir, que também ofende a liberdade individual e em certos casos a integridade física.

O tipo penal em causa é pluriofensivo, de bens patrimoniais e, essencialmente, de bens pessoais, como a integridade física do visado, que faz dele um crime comunitariamente altamente reprovável, pelo alvoroço e alarme social que origina, por atingir segmentos indefesos socialmente, jovens em idade escolar, idosos e mulheres, a que acresce o facto dos seus agentes agirem, frequentemente, em grupo, com grande poder de mobilidade.”

Mais importante que a sua inserção sistemática é a sua descrição típica. E os bens jurídicos protegidos pelo mesmo encontram-se expressamente definidos, não existindo qualquer tratamento desfavorável, ou violação do disposto no art.º 29.º da CRP e art.º 1.º, n.ºs 1 e 3 do CP.

Assim o crime de roubo previsto no n.º 1 do art.º 210.º do CP, integra o conceito de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta, porque é punido com pena de prisão até 8 anos - cf. art.º 1, alínea j) e l) do CPP. Como tal, as suas vítimas consideram-se “vítimas especialmente vulneráveis”, por força do nº 3 do art.º 67º-A do C.P.P..

Já o artigo 82º-A, do mesmo Código, consagra:

“1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.

2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”

Importa ainda considerar o quadro normativo específico imposto pelo artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro (“Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”), o qual inculca que, nestes casos em concreto, não poderá deixar de haver lugar ao arbitramento de reparação, daí decorrendo uma presunção inilidível dos pressupostos fixados pelo artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal.

Acrescentamos ainda, e na sequência do defendido pelo arguido AA, que o art.º 82.º A do CPP, apenas obriga ao cumprimento do contraditório no que respeita aos arguidos. Não faz depender a fixação da reparação dos prejuízos, da notificação do ofendido. Assim é, porque a sua fixação decorre da lei, sendo obrigatória. Logo não existindo da sua parte oposição, o Tribunal tem obrigatoriamente que a fixar.

A propósito da fixação do valor da reparação:

Dentre os múltiplos acórdãos que se têm pronunciado sobre a questão, seguir-se-á, por todos, a linha jurisprudencial exarada pelo Supremo Tribunal de Justiça – conferir acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 02.05.2018, processo n.º 156/16.0PALSB.L1.S1, Relator: LOPES DA MOTA, disponível www.dgsi.pt – na qual se sumaria que “a categorização das consequências jurídicas do crime devem distinguir-se as consequências de natureza civil, que geram o dever de indemnizar pela prática de facto ilícito, nos termos das disposições aplicáveis do Código Civil e do artigo 129.º do Código Penal, dependente de pedido do lesado, e as consequências de natureza penal, em que se inclui o arbitramento oficioso de reparação à vítima, como efeito penal da condenação, nos termos do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal”.

Mais se atente, como ressalta da antedita jurisprudência, que “a caracterização e conteúdo desta “reparação”, de natureza pecuniária, sem se confundir com a indemnização civil, remete, porém, como antes se sublinhou, para conceitos que lhe são próprios, nomeadamente quanto ao “dano” ou “prejuízos”, mas já não quanto à “quantia” a fixar, a qual (…) não tem que coincidir com o montante da indemnização”.

No caso em apreço, não foi pelo ofendido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal, nem, tanto quanto se sabe, em separado e também não se opôs expressamente a que lhe fosse arbitrada quantia reparadora, tendo sido os arguidos notificados para o exercício do contraditório.

Assim sendo, impõe-se a fixação de uma quantia a título de reparação dos prejuízos sofridos.

Avulta que o comportamento dos arguidos provocou danos patrimoniais, ficando o ofendido sem o telemóvel, no valor de €300,00, e danos não patrimoniais, referentes ao medo/temor que lhe foi causado, revelando uma gravidade sensível que deverá merecer a tutela do direito, implicando uma reparação, que deve merecer a atenção do julgador.

Assim, o Tribunal julga adequado atribuir ao ofendido, atendendo aos padrões seguidos na jurisprudência, a quantia total de €400,00, a título de arbitramento de reparação pelos prejuízos sofridos, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da decisão, nos termos do artigo 16º, da Lei nº 130/2015, de 04/09 e artigo 82º-A, do CPP.

Pelo pagamento da referida quantia, e porque agiram em coautoria, são responsáveis, solidariamente, todos os arguidos - art.º 497.º, n.º 1 do CC.

Ora, como está bom de ver, a sentença deu aplicação às normas legais que estabelecem o direito ao arbitramento de reparação, concretamente o artigo 16.º da Lei n.º130/2015, de 4 de Setembro – que aprovou o estatuto da vítima – e os artigos 82.º-A e 67º-A, n.º1, al. b) e nº 3 do CPP – que prevêem tal arbitramento relativamente às vítimas especialmente vulneráveis. Aí se considerou que, atendendo à definição de criminalidade violenta e especialmente violenta previstas nas alínea j) e l) do art.º 1º do CPP, a vítima de crime de roubo, na sua forma ou simples – como é a vítima do crimes em causa nos presentes autos – é considerada como vítima especialmente vulnerável, tendo concluído justificar-se o arbitramento de tal reparação à mesma. E explicou porquê, em termos que subscrevemos integralmente.

Efetivamente, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 16.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, 67º-A, n.ºs 1, al. b) e 3 e 82.º-A e do CPP e 1º, alíneas j) e l) do CPP, as vítimas do crime de roubo, sendo consideradas ope legis vítimas especialmente vulneráveis, terão sempre direito, em caso de condenação, ao arbitramento de uma reparação por parte do arguido condenado, exceto se a tal se expressamente se opuserem.

Quanto à integração do crime de roubo no conceito de criminalidade violenta, subscrevemos inteiramente a posição exposta na sentença recorrida, para a qual tem vindo a convergir a maior parte da jurisprudência,14 no sentido de que não é a inserção sistemática que, por si só, o define, conquanto estamos na presença de um tipo penal complexo, que tutela simultaneamente vários bens jurídicos, tais como, a liberdade individual, a integridade física, o direito de propriedade e a detenção das coisas que podem ser subtraídas. Não deverá, pois, excluir-se o crime de roubo do conceito de criminalidade violenta previsto na al. j) do CPP, antes aí devendo integrar-se, levando em conta que entre os bens jurídicos que protege se conta a integridade física e a liberdade pessoal. Acresce que, sendo punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos de prisão, integra também o conceito de criminalidade especialmente violenta previsto na alínea l) do artigo 1º do CP. Inexiste, por isso, qualquer tratamento desfavorável do recorrente, ou violação do disposto no art.º 29.º da CRP.

No que diz respeito à alegada falta de notificação da vítima sobre o seu direito a manifestar oposição ao arbitramento, contrariamente ao que refere o recorrente na sua motivação, tal exigência não encontra qualquer suporte nas normas legais acima referidas, tal como bem se consignou na sentença recorrida.

Prevê o artigo 82º-A, do CPP que “1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.

2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”

Por seu turno, resulta do artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro que “Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”.

Não vislumbramos que da conjugação de tais normas legais resulte a imposição de notificação do ofendido para, querendo, se opor ao arbitramento, nos termos pretendidos pelo recorrente, pois que o nº 2 do artigo 82º-A do CPP apenas obriga ao cumprimento do contraditório relativamente aos arguidos, o que foi cumprido pelo tribunal a quo.

Improcede, pois, o recurso também nesta parte.

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Nesta conformidade, não se reconhecendo razão aos recorrentes relativamente a nenhum dos fundamentos dos recursos, os mesmos improcederão na sua totalidade.

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III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC para cada um. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 16 de setembro de 2025.

Maria Clara Figueiredo

Edgar Valente

Carla Oliveira

Sumário

I - Quando da alteração não substancial dos factos resulta a condenação pelo crime imputado na acusação – por exemplo pelo crime roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2 alínea b), por referência ao artigo 204º, n.º 1, alínea d), ambos do CP – mas na sua forma simples – no mesmo exemplo, o crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 do CP – ou seja, quando apenas se desagravou a imputação, inexiste justificação para se comunicar a alteração, uma vez que o arguido, ao defender-se do crime mais grave ou na forma qualificada, defendeu-se, necessariamente, do crime simples ou menos agravado.

II - O planeamento de um crime por duas ou mais pessoas, constituindo uma decisão conjunta, é da responsabilidade de todos os decisores. E havendo execução por todos do plano previamente traçado, tal execução conjunta, que assume a forma de comparticipação, responsabiliza cada um dos executantes como coautores, assim se delimitando os contornos normativos da coautoria.

III - Não é a inserção sistemática do crime de roubo, no capítulo dos crimes contra o património do Código Penal que, por si só, o define, conquanto estamos na presença de um tipo penal complexo, que tutela simultaneamente vários bens jurídicos, tais como, a liberdade individual, a integridade física, o direito de propriedade e a detenção das coisas que podem ser subtraídas, pelo que o mesmo não deverá excluir-se do conceito de criminalidade violenta e especialmente previsto nas al. j) e l) do CPP, a ter em conta, entre o mais, para a qualificação ope legis das suas vítimas, como vítimas especialmente vulneráveis, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 16.º da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, 67º-A, n.ºs 1, al. b) e 3 e 82.º-A e do CPP e 1º, alíneas j) e l) do CPP.

III - Não vislumbramos que da conjugação dos artigos 82º-A do CPP e 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro resulte a imposição de notificação do ofendido para, querendo, se opor ao arbitramento de reparação a que tem direito, pois que o nº 2 do artigo 82º-A do CPP apenas obriga ao cumprimento do contraditório relativamente aos arguidos.

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1 Publicado no DR 146 SÉRIE I de 30.07.2008.

2 E não a), considerando a retificação do que a julgadora considerou traduzir-se num lapso de escrita da acusação e que consta do início do ponto III – Enquadramento jurídico-legal da sentença (página 19), segmento da sentença que, aliás, o recorrente parece ignorar.

3 António Henriques Gaspar, in Código de Processo Penal Comentado, 2.ª edição revista, Almedina, 2016, p. 1084

4 Concretamente o facto F. dos Factos não provados (“ F. Os arguidos sabiam que o ofendido EE era portador de uma incapacidade de 60%.)

5 No sentido da qualificação do vício em causa (caso existisse) como nulidade cfr., entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.06.2008, CJ, 2008, T3, pág.52, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.02.2017 e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora 12.03.2019, estes dois últimos disponíveis em www.dgsi.pt.

6 Preceitua o art.º 412.º do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso:

“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c ) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

7 Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 9.ª edição, 2020, página 109.

8 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, parte geral, tomo I, 3.ª Edição, Gestlegal, 2019, pp. 924/925 e 927.

9 E da arguida DD.

10 Levando em conta que a moldura abstrata do crime de roubo simples é de prisão de 1 a 8 anos e que a moldura abstrata resultante da aplicação do regime especial para jovens se fixou entre o limite máximo de 5 anos e 4 meses e o limite mínimo de 1 mês.

11 A este concreto propósito, consignou-se na sentença que:

“- O grau de ilicitude dos factos tem que se considerar médio, dentro do respetivo tipo de crime, tendo em conta o valor do bem subtraído - que não era diminuto - bem como o modo de atuação dos arguidos, que agiram em superioridade numérica e com atitude agressiva.

- No modo de execução, assumiram estes arguidos uma posição mais retraída, sendo que, não proferiram qualquer palavra, antes acompanharam e rodearam o ofendido.

- Agiram com dolo direto, com uma intensidade que se afigura alta. Foram ao encontro do ofendido, assim pensando e agindo como pretendiam.

- Quanto às consequências do seu comportamento: o ofendido não recuperou o telemóvel, fazendo os arguidos dinheiro com o mesmo.

- Mais importa considerar que, não demonstraram estes arguidos qualquer arrependimento.”

12 Facto nº 6, com o seguinte teor: “6. Perante o que, EE, vendo-se impossibilitados de reagir e por temer pela sua integridade física, obedeceu, entregando assim a AA o telemóvel que trazia consigo, da marca “…”, modelo “…”, com o IMEI …, com valor de pelo menos €300,00.

13 Que sentença estabeleceu em pelo menos 300,00 €.

14 De que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 41/21.4PDSXL-D.S1, de 09.06.2022, relatado pelo Conselheiro Orlando Gonçalves e ainda, entre muitos outros, o Acórdão da Relação do Porto, de 20.03.2024, relatado pela Desembargadora Paula Guerreiro e o Acórdão da Relação de Évora de 09.2024, relatado pela Desembargadora Anabela Simões Cardoso, todos disponíveis em www.dgsi.pt.